Acessibilidade / Reportar erro

Flora das cangas da Serra dos Carajás, Pará, Brasil: Velloziaceae

Flora of the canga of Serra dos Carajás, Pará, Brazil: Velloziaceae

Resumo

O tratamento florístico da única espécie de Velloziaceae das cangas da Serra dos Carajás, Pará, Brasil, é apresentado, com descrição, ilustração, distribuição geográfica e comentários. Vellozia glauca é de ampla distribuição em serras da Bahia, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Tocantins, norte da porção mineira da Cadeia do Espinhaço e norte de São Paulo. Em Carajás ela normalmente exibe flores brancas, uma condição incomum nessa espécie, com flores lilases.

Palavras-chave:
Amazônia; Floresta Nacional dos Carajás; taxonomia; Vellozia glauca

Abstract

The floristic treatment of the only species of Velloziaceae from canga of the Serra dos Carajás, Pará, Brazil is presented, including descriptions, illustrations, geographic distribution, and comments. Vellozia glauca is widely distributed in the mountains of Bahia, Goiás, Tocantins, northern part of the Espinhaço Range in Minas Gerais, and northern São Paulo state. In Carajás this species normally has white flowers, which is an uncommon occurrence for this species, that presents violed flowers elsewhere.

Key words:
Amazon; National Florest of Carajás; taxonomy; Vellozia glauca

Velloziaceae

Velloziaceae J.Agardh compreende cerca de 260 espécies compartimentadas em cinco gêneros, Acanthochlamys P.C.Kao, Barbacenia Vand., Barbaceniopsis L.B.Sm., Vellozia Vand. e Xerophyta Juss. A grande maioria das espécies distribui-se na América neotropical, cerca de 30 espécies ocorrem na África e Magadascar, uma espécie ocorre no sul da península arábica e uma outra na China (Mello-Silva et al. 2011Mello-Silva R, Santos DYAC, Salatino MLF, Motta LB, Cattai MB, Sasaki D, Lovo J, Pita PB, Rocini C, Rodrigues CDN, Zarrei M & Chase MW (2011) Five vicariant genera from Gondwana: the Velloziaceae as shown by molecules and morphology. Annals of Botany 108: 87-102.). A família é caracterizada por apresentar plantas herbáceas com o caule coberto pelas bainhas foliares ou as folhas marcescentes. As flores são chamativas, com seis a muitos, em geral 18, estames e ovário ínfero, trilocular, com frutos capsulares. No Brasil ocorrem dois gêneros, Barbacenia e Vellozia, com um total de 221 espécies (Mello-Silva 2015Mello-Silva R (2015) Velloziaceae in Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponivel em: <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB15114>.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/f...
). Nas cangas da Serra dos Carajás encontra-se apenas uma espécie, do gênero Vellozia.

1. Vellozia Vand.

Vellozia caracteriza-se principalmente por apresentar de seis a geralmente mais estames, normalmente de 18 a 24, e lobos do estigma horizontais, peltados (Mello-Silva et al. 2011Mello-Silva R, Santos DYAC, Salatino MLF, Motta LB, Cattai MB, Sasaki D, Lovo J, Pita PB, Rocini C, Rodrigues CDN, Zarrei M & Chase MW (2011) Five vicariant genera from Gondwana: the Velloziaceae as shown by molecules and morphology. Annals of Botany 108: 87-102.). Compreende 121 espécies de distribuição neotropical, 118 das quais endêmicas do Brasil. A grande maioria das espécies habita a Cadeia do Espinhaço, principalmente a porção mineira. São frequentes também nas serras da Bahia, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Tocantins e nos afloramentos rochosos das serras litorâneas do sudeste do Brasil. Na região amazônica ocorrem quatro espécies (Mello-Silva 2015Mello-Silva R (2015) Velloziaceae in Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponivel em: <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB15114>.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/f...
), uma das quais, V. glauca Pohl, em Carajás.

1.1. Vellozia glaucaPohl, Pl. Bras. icon. descr. 1: 125, pl. 100. 1828Pohl JBE (1828) Vellosia. Plantarum Brasiliae icones et descriptiones. Vol 1. Typis Antonii Strauss, Wien. Pp. 116-131, tab. 93-100. (‘1827’)..Fig. 1

Figura 1
a-h. Vellozia glauca - a. base de tépala com estames; b. perianto e estames; c. estame; d. hipanto; e. emergência do hipanto; f. cápsula mostrando deiscência loculicida; g. corte longitudinal da cápsula mostrando placentação axial; h. emergência da cápsula (tábula 100 de Pohl [1828]Pohl JBE (1828) Vellosia. Plantarum Brasiliae icones et descriptiones. Vol 1. Typis Antonii Strauss, Wien. Pp. 116-131, tab. 93-100. (‘1827’).).
Figure 1
a-h. Vellozia glauca - a. tepal base with stamens; b. perianth and stamens; c. stamen; d. hypanthium; e. hypanthial emergence; f. capsule showing loculicidal dehiscence; g. capsule showing axile placentation; h. capsular emergence (figure 100 of Pohl [1828]Pohl JBE (1828) Vellosia. Plantarum Brasiliae icones et descriptiones. Vol 1. Typis Antonii Strauss, Wien. Pp. 116-131, tab. 93-100. (‘1827’).).

Ervas, ou geralmente dracenoides ou não ramificadas, (0,05-)0,3-1,5 m alt. Folhas trísticas; lâmina foliar linear-lanceolada, caduca, (4-)23-32 x (0,2-)0,3-1 cm, glabra; margem serreada, às vezes somente no terço distal; ápice atenuado a, comumente, longamente atenuado. Flores 1(-2-3) por ramo; pedicelo (2-)4-11 cm x (1-)2 mm, trígono, glabro ou ligeiramente escabro na região distal; hipanto oblongo-trígono, (0,2-)0,5-1 cm × (1,5-)3-6 mm, verde ou violeta, in sicco cor-de-palha, densamente coberto de emergências subuladas ou ligeiramente aplanadas; tépalas estreito-elípticas, (3-)6-12 cm × (0,8-)1,2-2 cm; eretas a ereto-patentes, totalmente brancas, ou brancas tingidas de violáceo na base e/ou ápice, ou violáceo-claras; estames 24-36, anteras amarelas, corona ausente; estilete (2-)4-8 cm compr., estigma ca. 5 mm diâm. Cápsula 3-3,5 × 2-2,5 cm, loculicida, densamente coberta de emergências subuladas ou bulboso-apiculadas.

Material selecionado: Canaã dos Carajás, Serra Sul, S11D, 06º24’53”S 50º19’11”W, 730 m, 1.XII.2012 fl., V. Giorni 500 (BHCB); Serra do Tarzan, 06º20’00”S 50º09’31”W, 721 m, 27.III.2015, fl. e fr., P.L. Viana 5675 (MG). Parauapebas [Marabá], N1, 28.IV.1985, fr., N.A. Rosa 4728 (MG); N2, 06º02’00”S 50º17’02”W, 716 m, 23.II.2016, fl., R.M. Harley 57364 (MG); N4, 700-750 m, 14.III.1984, fr., A.S.L. Silva 1782 (MG); N7, 4.II.1985, fr., O.C. Nascimento 1139 (MG).

Material adicional examinado: Ourilândia, Serra Arqueada, 06º30’33”S 51º09’23”W, 633 m, 3.V.2016, fr., P.L. Viana 6202 (MG).

Vellozia glauca é uma das espécies de Velloziaceae mais amplamente distribuídas, ocorrendo disjuntamente nas serras de Goiás e Tocantins, em Xique-Xique e Abaíra, na Bahia, nos afloramentos rochosos de Pedregulho, na divisa São Paulo-Minas Gerais, e no norte da Cadeia do Espinhaço de Minas Gerais (Mello-Silva 2005aMello-Silva R (2005a) Velloziaceae. In: Wanderley MGL, Shepherd GJ, Melhem TS & Giulietti AM (coord.) Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo. FAPESP, Rima, São Paulo. Vol. 4, pp. 371-376, pr. 16b-e., 2009), além da Serra dos Carajás, no Pará.

As populações de Carajás exibem, em sua maioria, flores brancas, quando o comum da espécie é ter flores roxas ou lilases (Mello-Silva 2009). Este padrão, no entanto, não é raro entre as Velloziaceae, sendo frequente em populações de, por exemplo, V. albiflora Pohl, V. compacta Mart. ex Schult. & Schult.f., V. epidendroides Mart. ex Schult. & Schult.f., V. geotegens L. B. Sm. & Ayensu, V. hemisphaerica Seub. e V. minima Pohl, embora não tivesse ainda sido verificado em V. glauca (Mello-Silva 2000Mello-Silva R (2000) Partial cladistic analysis of Vellozia and characters for the phylogeny of Velloziaceae. In: Wilson KL & Morrison DA (eds.) Monocots: systematics and evolution. Csiro, Melbourne. Pp. 505-522., 2005bMello-Silva R (2005b) Morphological analysis, phylogenies and classification in Velloziaceae. Botanical Journal of the Linnean Society 148: 157-173.; Mello-Silva et al. 2011Mello-Silva R, Santos DYAC, Salatino MLF, Motta LB, Cattai MB, Sasaki D, Lovo J, Pita PB, Rocini C, Rodrigues CDN, Zarrei M & Chase MW (2011) Five vicariant genera from Gondwana: the Velloziaceae as shown by molecules and morphology. Annals of Botany 108: 87-102.).

Também o porte dos indivíduos pode variar amplamente, à semelhança do que ocorre em outras espécies de Velloziaceae (Perrier de la Bâthie 1950Perrier de la Bâthie JMHA (1950) Vellosiacées. In: Humbert H (ed.). Flore de Madagascar et des Comores. Firmim-Didot, Paris. Pp. 1-15.; Mello-Silva 1990Mello-Silva R (1990) Morphological and anatomical differentiation of Vellozia hirsuta populations (Velloziaceae). Plant Systematics and Evolution 173: 197-208., 1995Mello-Silva R (1995) Aspectos taxonômicos, biogeográficos, morfológicos e biológicos das Velloziaceae de Grão-Mogol, Minas Gerais, Brasil. Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo 14: 49-79., 2011Mello-Silva R (2011) Circumscribing Vellozia hirsuta and V. tubiflora (Velloziaceae). Hoehnea 37: 617-646. (‘2010’).). Em Carajás, são encontradas normalmente plantas de 30 a 150 cm de altura. Há também, embora raros, indivíduos ananizados (Rosa 484, 4728, Viana 5681), de 5 a 10 cm de altura total. Esses indivíduos exibem também anatomia foliar mais delicada, com sulcos inconspícuos ou ausentes e poucos feixes fibrosos na superfície adaxial da lâmina foliar, quando o normal da espécie e dos indivíduos mais robustos de Carajás (e.g., Harley 57364, Nascimento 1139, Viana 5675, 6202) é exibir sulcos conspícuos e feixes fibrosos em ambas as superfícies (Ayensu 1974Ayensu ES (1974) Leaf anatomy and systematics of new world Velloziaceae. Smithsonian Contributions to Botany 15: i-vi + 1-125.; Mello-Silva 2000Mello-Silva R (2000) Partial cladistic analysis of Vellozia and characters for the phylogeny of Velloziaceae. In: Wilson KL & Morrison DA (eds.) Monocots: systematics and evolution. Csiro, Melbourne. Pp. 505-522.). Neste aspecto, há indivíduos intermediários na anatomia, embora de porte elevado (Silva 1782), com sulcos inconspícuos a pouco desenvolvidos, e feixes fibrosos em ambas as superfícies, e outros ainda, intermediários no porte e na anatomia (Arruda 1440, Giorni 500).

As populações de menor porte de Carajás têm sido frequentemente identificadas como Vellozia bulbosa L.B.Sm., e as de maior porte como V. glochidea Pohl. No entanto, ambas carecem de caracteres que as distingam de V. glauca, exceto, às vezes, o porte. Esta característica é muito plástica em V. glauca e aquelas espécies talvez sejam sinonimizadas nesta última.

  • Lista de exsicatas
    Arruda AJ 1346 (1.1), 1440 (1.1). Cardoso A 2011 (1.1). Cavalcante P 2142 (1.1). Chaves PP 8 (1.1). Costa LV 802 (1.1). Daly DC 1733 (1.1), 1755 (1.1). Giorni V 500 (1.1), 501 (1.1). Harley RM 57364 (1.1), 57386 (1.1), 57428 (1.1). Lobato LCB 3814 (1.1), 3890 (1.1). Mota NFO 1933 (1.1). Nascimento OC 1139 (1.1). Staudohar GS 42 (1.1). Rosa NA 484 (1.1), 4694 (1.1), 4728 (1.1). Secco RS 219 (1.1), 437 (1.1). Silva ASL 1782 (1.1). Viana PL 3399 (1.1), 5675 (1.1), 5681 (1.1), 6202 (1.1).
  • Editor de área: Dr. Pedro Viana

Agradecimentos

A Ana Maria Giulietti-Harley e Pedro Lage Viana, o convite à realização deste manuscrito e os trabalhos de coordenação da Flora da Serra dos Carajás. Aos dois assessores por todas as sugestões. Ao CNPq, FAPESP e USP, o apoio.

Referências

  • Ayensu ES (1974) Leaf anatomy and systematics of new world Velloziaceae. Smithsonian Contributions to Botany 15: i-vi + 1-125.
  • Mello-Silva R (2000) Partial cladistic analysis of Vellozia and characters for the phylogeny of Velloziaceae. In: Wilson KL & Morrison DA (eds.) Monocots: systematics and evolution. Csiro, Melbourne. Pp. 505-522.
  • Mello-Silva R (2005a) Velloziaceae. In: Wanderley MGL, Shepherd GJ, Melhem TS & Giulietti AM (coord.) Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo. FAPESP, Rima, São Paulo. Vol. 4, pp. 371-376, pr. 16b-e.
  • Mello-Silva R (2005b) Morphological analysis, phylogenies and classification in Velloziaceae. Botanical Journal of the Linnean Society 148: 157-173.
  • Mello-Silva R (1990) Morphological and anatomical differentiation of Vellozia hirsuta populations (Velloziaceae). Plant Systematics and Evolution 173: 197-208.
  • Mello-Silva R (1995) Aspectos taxonômicos, biogeográficos, morfológicos e biológicos das Velloziaceae de Grão-Mogol, Minas Gerais, Brasil. Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo 14: 49-79.
  • Mello-Silva R (2011) Circumscribing Vellozia hirsuta and V. tubiflora (Velloziaceae). Hoehnea 37: 617-646. (‘2010’).
  • Mello-Silva R (2015) Velloziaceae in Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponivel em: <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB15114>.
    » http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB15114
  • Mello-Silva R, Santos DYAC, Salatino MLF, Motta LB, Cattai MB, Sasaki D, Lovo J, Pita PB, Rocini C, Rodrigues CDN, Zarrei M & Chase MW (2011) Five vicariant genera from Gondwana: the Velloziaceae as shown by molecules and morphology. Annals of Botany 108: 87-102.
  • Perrier de la Bâthie JMHA (1950) Vellosiacées. In: Humbert H (ed.). Flore de Madagascar et des Comores. Firmim-Didot, Paris. Pp. 1-15.
  • Pohl JBE (1828) Vellosia Plantarum Brasiliae icones et descriptiones. Vol 1. Typis Antonii Strauss, Wien. Pp. 116-131, tab. 93-100. (‘1827’).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2017
  • Aceito
    30 Out 2017
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br