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O DESAFIO DA TRADUÇÃO ENTRE LÍNGUA PORTUGUESA E LIBRAS DIANTE DO FENÔMENO DA SINONÍMIA

THE CHALLENGE OF TRANSLATION BETWEEN POTUGUESE LANGUAGE AND SIGNAL BRAZILIAN LANGUAGE IN THE FACE OF THE PHENOMENON OF SYNONYMY

Resumo

A pesquisa está voltada para o fenômeno da sinonímia na tradução entre Língua portuguesa (LP) e Libras, como foco o trabalho do profissional intérprete de Libras. Objetiva-se analisar a sinonímia nas referidas línguas como também verificar a valorização semântica entre as sentenças traduzidas pelo intérprete de Libras. O aporte teórico é formado por Lyons (1981)LYONS, John. Language and linguistics. [Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 1981 por Cambridge University Press, Inglaterra]. Tradução Marilda Winkler Alverburg; Clarisse Sieckenius de Souza. LTC editora, 1987.; Ilari e Geraldi (2006)ILARI, Rodolfo; Geraldi, João Wanderley. Semântica. São Paulo: Ática, 2006.; âmara Jr. (2002), além dos estudos de Lacerda (2009) e Rosa (2008)ROSA, Andrea da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas, SP, 2008.. Utilizamos abordagem quantitativa e qualitativa. Obtemos as traduções para análises a partir de sentenças escritas em português e submetidas a traduções por intérpretes de Libras do munícipio de Abaetetuba-Pa. Constatou-se que a sinonímia, por ser um processo constitutivo da tradução, é essencial para garantir o sentido na língua de chegada. Assim, qualquer perda semântica como verificada nas análises das traduções com o sentido literal e no acréscimo de informação pelo intérprete na tradução, provocou prejuízos ao processo sinonímico. Consequentemente, o trabalho do intérprete de Libras é muito importante para os surdos e a tradução precisa ser realizadas com ética e responsabilidade. Precisa ser um recurso para atender à compreensão do surdo de uma língua que ele não ouve.

Palavras-Chave
Intérprete; Tradução; Sinonímia; Língua Portuguesa; Libras

Abstract

The research is focused on the synonymy phenomenon in translation between the Portuguese language and Brazilian sign language - LI-BRAS, focused on the work of Libras professional interpreter. The objective is to analyze the synonymy in the Portuguese language and LIBRAS as well as verify the semantic value of the sentences translated by LIBRAS interpreters. The theoretical basis is formed by Lyons (1981)LYONS, John. Language and linguistics. [Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 1981 por Cambridge University Press, Inglaterra]. Tradução Marilda Winkler Alverburg; Clarisse Sieckenius de Souza. LTC editora, 1987.; Fernandes & Correia (2011); Chomsky (2006) and Saussure (2006), and studies of the Quadros (2004)QUADROS, Ronice Muller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. and Rosa (2008)ROSA, Andrea da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas, SP, 2008.. We use quantitative and qualitative approach. We obtain the translation for analyzes from sentences written in Portuguese and submitted to translations by LIBRAS interpreters of the Abaetetuba city. Concluded that the synonymy, as a constitutive process of translation, is essential to ensure the meaning in the target language. So any semantic loss as verified in the analyzes in translation with the literal meaning and information increase the interpreter translating for LIBRAS synonymic caused damage to the process. Consequently, the LIBRAS interpreter’s work is very important for the deaf and the translation must be carried out with ethics and responsibility. To be a resource to help the understanding of the deaf in a language that he does not hear.

Keywords
Interpreter; Translation; Synonymy; Portuguese language; LIBRAS

1 Conceito de sinonímia nas línguas orais e visuais

A linguística sendo o estudo científico das línguas naturais e humanas têm como uma de suas áreas de estudo a Semântica. Ela estuda a palavra e a sentença, trata da natureza, da função e do uso dos significados determinados ou pressupostos, que podem apresentar variações regionais e sociais nos diferentes dialetos de uma língua.

A sinonímia é um fenômeno semântico que pode ocorrer no nível lexical e no nível estrutural. A sinonímia lexical é uma relação entre palavras, como nos exemplos ‘belo’ e ‘bonito’, ‘secar’ e ‘enxugar’ onde os traços que as identificam parecem coincidir. Já a sinonímia estrutural se estende para a relação nas sentenças, por exemplo: “O assaltante atacou o João” e “O João foi atacado pelo assaltante” (QUADROS e KARNOPP, 2004QUADROS, Ronice Muller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004., p. 22 e ILARI e GERALDI 2008ILARI, Rodolfo; Geraldi, João Wanderley. Semântica. São Paulo: Ática, 2006.). Porém, por mais que aparentemente seja simples esse fenômeno, há vários estudos que discutem o assunto de um ponto de vista linguístico que analisa e estrutura os sinônimos. Apresentaremos aqui resumidamente o estudo de Lyons e de Ilari e Geraldi, sobre sinonímia.

Para que se entenda sinonímia consideraremos a opinião de Ilari e Geraldi (2008)ILARI, Rodolfo; Geraldi, João Wanderley. Semântica. São Paulo: Ática, 2006.:

Para que duas expressões sejam sinônimas, não basta que denotem o mesmo conjunto de objetos (pessoas, animais, coisas); exige-se além do mais, que os denotem por alusão a uma mesma propriedade. Assim, mesmo que as moças mais bonitas do meu bairro fossem, por acaso, as filhas do gerente do Banco do Brasil, as duas expressões as moças mais bonitas do meu bairro e as filhas do gerente do Banco do Brasil não seriam sinônimas. [...] a referência das duas expressões é idêntica, as duas expressões são coextensivas (tem a mesma extensão, denotam os mesmos objetos), mas têm sentidos diferentes. Além de identidade de extensão, a sinonímia é identidade de sentido. (p. 43-44).

Depreende-se que a sinonímia é um objeto da semântica, cuja finalidade do falante em utilizá-la é a “procura da palavra exata” para inferir uma maior fidelidade ao seu texto, buscando sempre, dentro do contexto, utilizar termos plausíveis para a ocasião, então:

A sinonímia é, pois, geralmente parcial: um dos significados de uma palavra coincide com um dos significados de uma outra. Convém precisar que a maior parte das palavras é polissêmica (= possui muitos sentidos). Donde a sinonímia, quando ela se encontra nas tais palavras, concerne geralmente a uma parte dos sentidos. [...] (NIKLAS SALMINEN,1997 apud ARAÚJO, 2006ARAÚJO, Mariângela de. A elaboração de um dicionário terminológico da economia: aspectos da sinonímia nos discursos especializados. Tese (Doutorado em Letras) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, FFLCH, São Paulo, 2006..p.30).

Lyons acredita que a sinonímia se divide entre sinonímia absoluta e sinonímia completa, ambas são raras nas línguas naturais, conforme citação abaixo:

Se a sinonímia for definida como identidade do significado, poderemos dizer que os lexemas são completamente sinônimos (em uma certa faixa de contextos) se, e somente se, tiverem o mesmo significado descritivo, expressivo e social (na faixa de contextos em questão). Poderão ser descritos como absolutamente sinônimos se, e somente se, tiverem a mesma distribuição e forem completamente sinônimos em todos os seus significados e contextos de ocorrência. Geralmente se reconhece que uma sinonímia completa em seus lexemas é relativamente rara nas línguas naturais e que a sinonímia absoluta, tal como foi aqui definida, é praticamente inexistente. (LYONS, 1981LYONS, John. Language and linguistics. [Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 1981 por Cambridge University Press, Inglaterra]. Tradução Marilda Winkler Alverburg; Clarisse Sieckenius de Souza. LTC editora, 1987..p.111 – 112).

Para o autor existe a sinonímia restrita por contexto, onde alguns termos podem ou não serem sinônimos, devido muitas vezes, apenas um dos termos se aplicar, como as palavras “broad” e “wide” (“amplo” e “largo”). Se estes termos forem utilizados nas sentenças “Ele tem ombros largos” e “ela tem um sorriso aberto” os termos não são sinônimos, porém se a sentença for “Eles pintaram uma tira larga/grossa na parede” será admitido a alternância entre os termos (1981, p. 112).

Há também a sinonímia descritiva, ou também chamada de sinonímia cognitiva ou referencial. Lyons apresenta como exemplos de sinônimos descritivos os seguintes lexemas “ ‘pai’, ‘papai’, ‘papaizinho’, ‘paizão’, e ‘banheiro’, ‘toalete’, ‘sanitário’, ‘WC’ etc.” E ressalta que por mais que nem todos os falantes de uma língua usem todos os termos sinônimos ainda assim podem perfeitamente compreendê-los. (LYONS, 1981LYONS, John. Language and linguistics. [Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 1981 por Cambridge University Press, Inglaterra]. Tradução Marilda Winkler Alverburg; Clarisse Sieckenius de Souza. LTC editora, 1987.. p. 113)

Os significados expressivos e sociais dos lexemas fazem parte dos estudos da sociolinguística, que estuda o comportamento linguístico. Algumas palavras, no uso popular podem soar pejorativas, ou serem consideradas de baixo calão, porém há possibilidades de se abster desse impasse, em alguns casos, substituindo os termos por outros, ou seja, valendo-se de um sinônimo.

Nas línguas orais, a sinonímia se mostra no uso de lexemas em determinados contextos, nas Libras também é possivel escolher entre sinais mais apropriados para uma situação comunicativa. Segundo Lima e Cruz em seu trabalho sobre o aspectos semânticos nas Libras, a sinonímia acontece com sinais diferentes voltados para significados equivalentes, como mostra as figuras abaixo que apresentam o sinal de “velho”. A figura1 1 As figuras 1, 2, 3 e 4 são da fonte: Desenhos adaptados do Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais por Cilene Lima, em setembro 2011. da direita faz referência a coisas, objetos indicando que são usadas, e a da esquerda é utilizada para representar o envelhecimento de pessoas e/ou animais.

Figura 1
Velho
Figura 2
Velho

O mesmo acontece com os sinais voltados para o significado de “novo”. O primeiro para representar coisas novas e o segundo para representar a juventude.

Figura 3
Novo
Figura 4
Novo

O uso da sinonímia é comum em línguas naturais, e assim como em Língua Portuguesa se tem a preocupação em escolher a melhor palavra para expressar o sentido desejado, na Libras também há essa preocupação em relação ao sinal. No português, as palavras “bonito” e “lindo” são usadas para se referir a beleza, porém o último termo é utilizado para exaltar ainda mais que o termo propõe. Os sinais das figuras2 2 Figuras 5 e 6. Fonte: Retirado da Web. Google Imagens. Acesso em quarta-feira, 8 de junho de 2016, às 18:53:29 abaixo:

Figura 5
Bonito
Figura 6
Lindo

Conforme a imagem acima na Libras, o sinal é o mesmo para “bonito” e “lindo” apenas variando na intensidade da expressão facial. A sinonímia permite, portanto, uma possibilidade discursiva variada.

O processo sinonímico entre as línguas será o ponto de análise desta pesquisa, a qual objetiva investigar o fenômeno nas traduções feitas a partir de sentenças na língua portuguesa traduzidas para a Libras, observando como se desenvolve a construção dos sentidos sinonímicos entre as informações apresentadas. Portanto, é necessário conhecer e compreender o trabalho do intérprete de língua de sinais, pois através do seu trabalho poderemos chegar ao objetivo desta pesquisa e de seu importante papel na comunicação entre as diferentes modalidades de língua.

2 Tradução e Interpretação de línguas

Traduzir e Interpretar são trabalhos diferentes aos olhos de quem se dedica ao fenômeno do entendimento entre dois grupos linguísticos quando inseridos num determinado contexto.

Para Rosa (2008, p. 114)ROSA, Andrea da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas, SP, 2008. “No contexto acadêmico a prática tradutória escrita é denominada ‘tradução’, enquanto o termo ‘interpretação’ é utilizado para a referência à prática tradutória oral”. A tradução, não é simplesmente uma mudança de códigos ou simples substituição de palavras, pois se assim fosse, os sentidos traduzidos estariam comprometidos, considera-se que:

O tradutor não deve traduzir palavra a palavra; nem pode utilizar o texto de partida como um tema sobre o qual improvisa livremente”, pois desta forma comprometeria o conteúdo da mensagem original, pois “cada um vive a língua materna de forma única. (ROSA, 2008ROSA, Andrea da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas, SP, 2008. p. 114).

Sendo assim “uma tradução não é o original, assim como a recepção de qualquer ato de comunicação também não o é, mas uma criação outra sobre um objeto supostamente dado” (ROSA, 2008ROSA, Andrea da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas, SP, 2008. p. 62). Geralmente entende-se por tradução fiel, aquela que é feita de forma literal. Porém, pode-se inferir que é provável acontecer equívocos. Rosa (2008, p. 65)ROSA, Andrea da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas, SP, 2008. esclarece que quando diz que um intérprete na ânsia de ser “fiel” à tradução do Português para a Libras traduz a frase “A pobreza é muito séria” como “pobre sério”, transforma o sentido da sentença. Apesar de ter sido traduzida utilizando os termos equivalentes entre as duas línguas em questão, isso não garante a compreensão (o mais importante) da sentença. A autora ressalta que no caso das línguas de sinais, “não só a mensagem do original será transformada, mas também a modalidade da língua de partida passando de uma língua oral auditiva ou escrita para uma língua visual espacial” (2008, p. 69). Quanto aos estudos da interpretação:

Historicamente a interpretação é mais antiga do que a tradução, que depende da palavra escrita, mas ela se subtrai à quantificação documentada, uma vez que reside exclusivamente no âmbito da palavra falada. Apenas desde a invenção dos meios de gravação tornou-se possível documentar a ação dos intérpretes.

(THEODOR, 1980, p.16 apud ROSA, 2005, p. 108).

A tradução, portanto, é voltada para os textos escritos, onde o tradutor dispõe do material para ler, refletir sobre as palavras utilizadas e os sentidos pretendidos. Já interpretar, é o trabalho tradutório feito oralmente nas relações interpessoais.

2.1 O importante papel do intérprete de Libras

O Intérprete de Língua de Sinais (ILS- será usado daqui para frente), hoje legalmente reconhecido pela Lei nº 12.319 de 1º de setembro de 2010, têm relevante papel para a comunidade surda que conta com estes profissionais para facilitar a comunicação com ouvintes, pois grande parte deste grupo não domina a língua de sinais.

O intérprete se faz presente em muitas situações cotidianas da vida do surdo, e seu trabalho é essencial para o exercício da cidadania surda. Mas para isso acontecer com seriedade e precisão, o intérprete precisa ser capaz de adaptar-se às diferentes situações de interpretação, como afirma Rosa (2008, p. 115)ROSA, Andrea da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas, SP, 2008.:

O trabalho do intérprete de língua de sinais consiste em pronunciar, na língua de sinais, um discurso equivalente ao discurso pronunciado no português oral (ou vice-versa). O ILS trabalha em variadas circunstâncias, precisando ser capaz de adaptar-se a uma ampla gama de situações e necessidades de interpretação da comunidade surda, situações às vezes tão íntimas quanto uma terapia, sigilosa como delegacias e tribunais, ou tão expostas como salas de aulas e congressos.

(ROSA, 2008ROSA, Andrea da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas, SP, 2008., p. 115).

Os ILS’s contam com um código de ética desenvolvido para orientar o trabalho interpretativo, diante das diferentes situações que é exposto. O código traz orientações sobre a confidencialidade, a imparcialidade, a responsabilidade do traduzir, as condutas adequadas na hora de atuar, etc., e também indica como deve ser as relações contratuais dos serviços de interpretação, trata da responsabilidade profissional, das relações com os colegas e apresenta uma gama de possíveis situações que o intérprete pode encontrar durante a carreira profissional. Tudo isso para que a interação e a convivência entre comunidades diferenciadas pela língua sejam facilitadas sem defasar as partes envolvidas no processo comunicativo.

A FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos) em seu site publicou o código de ética, porém com um texto no qual apresenta alguns pontos que diz como deve ser a conduta dos ILS’s, do ponto de vista profissional. No entanto, Lacerda (2009, p.29)LACERDA, Cristina B.F. de. Intérprete de libras em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. Porto Alegre: Mediação, 2009. discorda da “prescrição de caráter e de índole” que é apresentado no texto da FENEIS sobre o código de ética, mostrando que o texto revela uma “idealização da figura do intérprete” uma vez que afirma que este deve ser “humilde, sem rancor, modesto entre outros”, o que traz uma concepção de “alguém sem defeito” e essas ideias utópicas são exigidas em nome de um código de ética.

Sabe-se que os ILS’s se diferenciam por atuarem em diferentes espaços. Aqueles que trabalham em salas de aulas inclusivas são denominados Intérpretes Educacionais (IE), estes favorecem aos alunos surdos o acompanhamento das aulas e assim possibilitam que eles sejam valorizados em sua língua e tenham acesso aos conhecimentos acadêmicos de forma que possam partilhar dos temas das aulas integralmente e não de forma reduzida (LACERDA 2009LACERDA, Cristina B.F. de. Intérprete de libras em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. Porto Alegre: Mediação, 2009., p.66). Este profissional se diferencia um pouco dos outros intérpretes devido o processo de tradução envolver tarefas educativas que os leva então a desenvolver práticas diferenciadas para possibilitar a aprendizagem do aluno surdo.

3 Metodologia da pesquisa e análise dos dados

Para realizar a pesquisa sobre a sinonímia na Libras e na língua portuguesa e verificar os sentidos nas palavras e nas sentenças nessas línguas fizemos primeiramente uma pesquisa bibliográfica sobre o conceito de sinonímia, no segundo momento organizamos um glossário com palavras em português empregadas em sentenças que foram negritadas para serem analisadas, no terceiro momento as sentenças foram submetidas a traduções por 04 intérpretes de Libras no município de Abaetetuba – Pa. No último momento foi feita a análise dos dados nas sentenças em glosas de Libras. Por ser a Libras uma língua visual, usaremos a glosa para ajudar nas análises das sentenças.

A pesquisa foi feita com vinte e três (23) sentenças traduzidas do português para a Libras, porém, serão analisadas 10 que estão discriminadas pelas letras de A à J. Consideramos somente aquelas que mais se adéquam para a pesquisa. Estas sentenças estarão seguidas das traduções dos 04 intérpretes entrevistados que estarão identificados pelo nome intérprete e dos numerais de 1 a 4. Na análise dos dados serão apresentados os quadros com as análises.

3.1 Análise dos dados

Seguem abaixo os quadros com as sentenças, que serão analisadas por 3 diferentes perspectivas consecutivamente: ter correspondência direta na Libras – as sentenças com problemas de comunicação serão explicitadas em seguida – com omissão de informações e por último com acréscimos.

Quadro com a sentença A

Na sentença A todos os intérpretes mantiveram a palavra regra como no português. Foi traduzida de forma sinônima devido o termo em destaque ter um sinal correspondente direto na Libras, os intérpretes mantiveram o sentido da sentença nas duas línguas e não houve explicação para o surdo do que significa a palavra regra durante a tradução. De acordo com Lyons, trata-se de uma sinonímia completa, porém, entre dois idiomas e não entre dois termos de uma mesma língua.

Quadro com a sentença

A sentença B em português foi traduzida para a Libras pelos intérpretes 1 e 4 de forma sinônima, pois manteve o sentido da sentença da oração de partida. O termo sossego não tem um correspondente direto na Libras, porém, como afirmou Niklas Salminem (1997), as palavras são, em sua maioria, polissêmicas e por isso é possível utilizar outros termos que permitam manter a coerência do enunciado. Segundo o dicionário Aurélio “sossego” tem como significado de “sm. 1. Ato ou efeito de sossegar (-se). 2. Tranquilidade, paz.” Foi substituído na língua de sinais, pelo intérprete 4, pelo termo “paz”, por isso manteve o sentido da sentença, assim como o intérprete 1 alcançou o sentido almejado em virtude do uso do termo “calma” que segundo o mesmo dicionário, tem sentido aproximado de “sossego”4. Fig. Serenidade de ânimo, sossego, tranquilidade, calmaria e o uso do termo “folga” que remete “descanso” que também é sinônimo de “sossego”. O intérprete 1 fez uso do Classificador para explicar ao surdo o termo pôr do sol, por isso está grifado. Em todos os casos aqui analisados a sinonímia é lexical e parcial.

· Sentenças com problemas de comunicação

As traduções 2 e 3 apresentaram problemas quanto ao uso do termo sossego em Libras, sendo que este não possui referente direto na língua alvo e foi usado sem tradução, portanto não alcançou o sentido para o surdo deixando a tradução não eficiente. É importante frisar que o intérprete 3 ao usar o termo “paz” seguido do termo “sossego” ameniza a incompreensão.

Quadro com a sentença C

Nesta sentença C o termo destacado acovarde também não têm referente direto na Libras, foi traduzido utilizando a sinonímia parcial e restrita por contexto como reconheceu Lyons, pois em todos os casos, as traduções foram resultadas de um entendimento geral da sentença de partida e a adaptação ou reconhecimento dos sentidos que variaram de intérprete para intérprete. Como podemos ver em “não se acovardar” que foi alterado para “enfrentar”, “desistir não” e “não ter medo” com o objetivo de manter o sentido proposto. Podemos notar na tradução 1 que a utilização do termo “enfrentar”, se verificado apenas em parte parece ser antônimo, porém se observado o sentido global podemos concluir que o sentido não é alterado.

Quadro com a sentença D

Na sentença D devido à ausência de um referente direto na Libras para o hiperônimo “eletrônicos”, os intérpretes 1 e 3 optaram por utilizar os hipônimos “Tv, tablet, celular, computador” que possuem uma relação de sentido mais específico com o termo em português, onde se constituiu sinonímia lexical referencial de acordo com a classificação de Lyons (1981)LYONS, John. Language and linguistics. [Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 1981 por Cambridge University Press, Inglaterra]. Tradução Marilda Winkler Alverburg; Clarisse Sieckenius de Souza. LTC editora, 1987..

· Sentenças com problemas de comunicação

Os intérpretes 2 e 4 usaram referentes que possuem sentido apenas no português, ou seja, “eletrônicos” não constitui um sentido direto na Libras, por isso dificulta a compreensão do surdo do que se trata a sentença em português, certamente nesse caso o ideal para se alcançar a compreensão desejada é o uso dos hipônimos como pensaram os intérpretes 1 e 3.

Quadro com a sentença E

Quadro com a sentença F

Os quadros E e F apresentaram o termo “carente” empregado em contextos diferentes como mostram as sentenças. Ambas foram elaboradas propositalmente a fim de analisar as diferentes interpretações que esse termo adquiriria nas duas línguas. Na sentença E o termo destacado foi relacionado a “muito pobre”, cujo sentido de “pobre” de acordo com o dicionário Aurélio é “adj. 2 g. 1. Que não tem o necessário à vida. [...] 5. Mal dotado, pouco favorecido”. O termo “carente” propõe “adj. 2 g. 1. Que carece, que não tem [...] 2. Que precisa, necessita; necessitado, falto. ” Ou seja, semanticamente ambos se relacionam e a tradução, nesse caso, é sinônima lexical da sentença em português. Portanto, em Libras o sentido semântico da palavra carente foi alcançado.

Na sentença F o sentido de “carente” torna-se conotativo, que segundo Câmara Jr. (2002), “parte do sentido de uma palavra que não corresponde à significação stricto sensu, ou seja, ao valor representativo como símbolo de um elemento do mundo bio-social”. Nas glosas 1 e 2 o termo destacado foi apresentado para o surdo com o sentido de “sozinho”, cujo significado é variado dependendo do contexto. Entre as descrições semânticas do termo em questão está “[...] 6. Que não tem nenhuma ajuda ou assistência” (NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO, 2009), que também possui traços semânticos parecidos com “carente”. E na glosa 4 a tradução foi mais específica e constituiu maior proximidade de sentido em relação à sentença de partida.

· Sentença com problema de comunicação

A glosa 3 mostra que a tradução respeitou apenas a estrutura gramatical da Libras, mas ficou vazia de sentido no uso do termo “carente”, pois este não constituiu valor semântico para o surdo.

Quadro com a sentença G

A sentença G traduzida de forma sinônima para a Libras constituiu sinonímia estrutural, ou seja, está para o sentido da sentença. Pode-se observar que a compreensão da frase de partida pelos intérpretes foi eficiente e os termos usados pelos 4 intérpretes possuem relação de sentido equivalente com a sentença em português.

Quadro com a sentença H

A sentença H atribuída a Nicolau Maquiavel apresentada para os intérpretes foi traduzida de forma divergente semanticamente para a Libras, pois o sentido da frase de partida ainda que pareça admitir um ato errôneo para conseguir qualquer coisa, na verdade traduz a justificativa de determinadas ações em determinados contextos, ou seja, mesmo que se faça algo que a priori seja errado, mas dependendo da finalidade daquele ato ele pode ser justificado, se torna justo, como neste exemplo: a lei proíbe a caça de animais silvestres, sendo sujeito à multa e à prisão quem a fizer, porém se uma pessoa caça para matar a fome a lei dispensa as penalidades, pois a finalidade da caça tornou justo o ato proibido. Porém, no caso das traduções 1 e 4, foi transmitido o sentido divergente tratado acima. O intérprete 2 tornou imprecisa a tradução por não deixar claro para o surdo o sentido completo da sentença e 3 constituiu um sentido independente da frase em português, ou seja, a sentença em glosa do intérprete 3 possui sentido completo na Libras, mas esse sentido não corresponde ao da frase proposta.

Quadro com a sentença J

No quadro J os intérpretes 1 e 4 traduziram a sentença de forma sinônima e clara para seu interlocutor. O intérprete 1 utilizou o referente direto na Libras e constituiu sentido preciso, e o 4 possibilitou a compreensão pela sequência explicativa “chover pouco muito quente” que possui sentido equivalente a “clima seco” na língua portuguesa. Apesar de terem traçados caminhos diferentes para a tradução o sentido permaneceu inalterado.

· Sentenças com problemas de comunicação

A tradução feita pelo intérprete 2 não traduz para o surdo o sentido de “clima”. Faz omissão do verbo e inverte a ordem na sentença em Libras e a sentença 3 apresenta acréscimo de informação com a palavra “Pará” que de acordo com o código de ética do intérprete, não é aceitável que aconteça, pois, o intérprete deve se manter imparcial durante o transcurso da tradução ou interpretação. Apesar da tentativa de tornar mais claro para o surdo a informação, o intérprete 3 acrescentou dados que modificaram o sentido da frase de partida de maneira que o conteúdo se tornou falso uma vez que o clima do Pará é úmido e não seco.

Conclusão

A sinonímia, enquanto fenômeno linguístico natural está presente também nas relações de sentido resultantes de traduções entre línguas diferentes. A equivalência de sentido é primordial para a eficiência de um processo tradutório. Das 10 sentenças escolhidas em LP que foram analisadas e que passaram por 4 intérpretes diferentes resultaram em 21 sentenças que apontaram o fenômeno da sinonímia; as demais expuseram problemas de comunicação que foram importantes para mostrar a relevância do uso adequado da sinonímia nas sentenças traduzidas para Libras.

Apesar do uso da sinonímia ser tão comum e de se saber que sem ela o processo de tradução não se realiza, seja no nível lexical ou estrutural, é importante reconhecer que a existência desse fenômeno linguístico permite a compreensão entre usuários de línguas diferentes. Apesar de a sinonímia ser comum é desafiador para o intérprete de Libras escolher e utilizar sinônimos ou termos que dê conta do sentido da língua de partida para a língua de chegada.

Para a comunidade surda o trabalho do intérprete é indispensável, pois além da valorização da língua de sinais, o surdo terá acesso direto à comunicação. Portanto é necessário que a tradução seja realizada de forma ética e responsável, pois é através dela que o surdo ampliará seu conhecimento de mundo.

Portanto, é importante que o intérprete ao traduzir tenha conhecimento cultural da língua de chegada, além do domínio do assunto, pois somente o saber as duas línguas não garante êxito na tradução. Conclui-se que a sinonímia é essencial para esse processo e que sua ausência, ou interpretação incorreta pode tornar imprecisa a informação, sendo este o resultado negativo de uma tradução para a Libras.

  • 1
    As figuras 1, 2, 3 e 4 são da fonte: Desenhos adaptados do Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais por Cilene Lima, em setembro 2011.
  • 2
    Figuras 5 e 6. Fonte: Retirado da Web. Google Imagens. Acesso em quarta-feira, 8 de junho de 2016, às 18:53:29

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2016
  • Aceito
    15 Jan 2017
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