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“THE GARDEN PARTY” E SUAS DIFERENTES LEITURAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRADUÇÃO LITERÁRIA

“THE GARDEN PARTY” AND ITS DIFFERENT READINGS: A FEW CONSIDERATIONS ABOUT LITERARY TRANSLATION

Resumo

Este artigo apresenta algumas considerações sobre a tradução do conto “The Garden Party”, da autora neozelandesa Katherine Mansfield. Os comentários são divididos em três seções. A primeira está relacionada ao conceito de culture-specific items, de Javier Franco Aixelá (1996)AIXELÁ, Javier Franco. Culture-specific Items in Translation. In: ÁLVAREZ, Román.; VIDAL, M. Carmen-África (Ed.). Translation, Power, Subversion. Clevedon: Multilingal Matters, 1996, p. 52-78., que discute a tradução de termos específicos da cultura da língua-fonte. A segunda seção lida com a variação linguística, explorando o fato de os personagens de classes pobres terem, nesse texto, sua fala marcada. Por fim, é explorada a multiplicidade de leituras possíveis para um mesmo texto, e os efeitos disso na tradução. Para isso, são analisados alguns aspectos da linguagem usada por Mansfield, conforme discutidos por diferentes ensaios a respeito do conto.

Palavras-chave
Tradução literária; Literatura de língua inglesa; Referências culturais; Variação linguística; Crítica literária

Abstract

This paper presents a few considerations about the translation of the short story “The Garden Party”, written by New Zealand author Katherine Mansfield. The comments are divided in three sections. The first one deals with Javier Franco Aixelá’s (1996)AIXELÁ, Javier Franco. Culture-specific Items in Translation. In: ÁLVAREZ, Román.; VIDAL, M. Carmen-África (Ed.). Translation, Power, Subversion. Clevedon: Multilingal Matters, 1996, p. 52-78. concept of culture-specific items, which refers to the translation of terms that are specific to the culture of the source language. The second one deals with linguistic variation, exploring the way in which the characters pertaining to lower social classes have their speech marked on the text. Lastly, we explore the multiplicity of possible readings of the same text, and how it affects the translation. In order to do that, we analyze some aspects of the language used by Mansfield, as discussed by different essays about the short story.

Keywords
Literary translation; English literature; Cultural references; Linguistic variation; Literary criticism

Introdução

“The Garden Party”, que dá nome à coletânea de 1922 The Garden Party and Other Stories, é um dos contos mais famosos da autora neozelandesa Katherine Mansfield. Ele é protagonizado por Laura Sheridan, uma jovem de classe alta com idade indeterminada que, com as irmãs e a mãe, organiza uma festa no jardim de sua casa no mesmo dia em que um homem da parte pobre da vizinhança morre subitamente em um acidente. Laura tenta parar a festa. Sua reação, no entanto, é considerada “absurda” pelo resto da família, e ela começa a se questionar sobre o quanto se identifica (ou não) com eles. Ainda assim, a festa prossegue, e Laura parece esquecer o acidente, até que é forçada a encará-lo novamente. Isso acontece quando a mãe sugere que ela leve uma cesta com mantimentos para a viúva – o que acaba sendo um evento possivelmente transformador para a garota.

“The Garden Party” já foi traduzido anteriormente para o português algumas vezes, sendo chamado de “A festa” ou “A festa ao ar livre”, por exemplo, (respectivamente nas traduções publicadas pelas editoras Revan, em 1997, e Ediouro, em 1996), segundo o catálogo do site Skoob1 1 Disponível em: <http://skoob.com.br>. Acesso em: 17 nov. 2015. . Ainda assim, o conto foi escolhido para este trabalho devido às suas diversas características linguísticas interessantes, como a representação das falas de duas classes sociais distintas, e também pelas sutilezas da construção da narrativa de Mansfield. As traduções anteriores do conto não foram consultadas para fins de comparação.

A análise presente neste artigo se dá em três etapas diferentes. Primeiro, utiliza-se o conceito de culture-specific items (CSIs), de Javier Franco Aixelá (1996)AIXELÁ, Javier Franco. Culture-specific Items in Translation. In: ÁLVAREZ, Román.; VIDAL, M. Carmen-África (Ed.). Translation, Power, Subversion. Clevedon: Multilingal Matters, 1996, p. 52-78.. O autor define os CSIs como aqueles itens que se apresentam como um problema na tradução devido à inexistência de um equivalente na língua/cultura-alvo. A segunda etapa é uma análise da variação linguística no texto de Mansfield, que marca com uma grafia diferenciada a fala de certos personagens pertencentes às classes sociais mais pobres. Por último, é analisada a influência trazida pela leitura de artigos críticos a respeito da linguagem de Mansfield para as escolhas feitas na tradução de seu texto.

1. Os culture-specific items

Segundo Javier Franco Aixelá (1996)AIXELÁ, Javier Franco. Culture-specific Items in Translation. In: ÁLVAREZ, Román.; VIDAL, M. Carmen-África (Ed.). Translation, Power, Subversion. Clevedon: Multilingal Matters, 1996, p. 52-78., um cultural-specific item (CSI) não se define por si só, e sim no momento da tradução. Tratase de um item que surge “como um problema de tradução devido à sua inexistência ou ao valor diferente (determinado pela ideologia, uso, frequência, etc) que possui na cultura da língua de chegada”2 2 Tradução de: “poses a translation problem due to the nonexistence or the different value (whether determined by ideology, usage, frequency, etc.) of the given item in the target language culture”. (p. 57). O autor propõe uma categorização para as possíveis estratégias que podem ser empregadas pelo tradutor quando este se depara com algum CSI. Elas são divididas em conservação do item ou substituição dele por “outro(s) mais próximo(s) do polo receptor”3 3 Tradução de: “other(s) closer to the receiving pole”. (p. 61). Os processos de conservação são a repetição, a adaptação ortográfica, a tradução linguística (não-cultural), e as glosas extratextual e intratextual. Os de substituição dividem-se entre sinonímia. universalização limitada. universalização absoluta. naturalização. deleção e criação autônoma. Esses processos estão listados em ordem crescente de manipulação intercultural, segundo Aixelá.

Pensando nessa definição, segundo a qual os itens são considerados específicos de uma cultura quando representam um problema para a tradução, esta seção examina alguns exemplos práticos surgidos durante a tradução de “The Garden Party” para o português. É o caso do uso de “karakas”, que parece ser o item mais obviamente ligado à cultura do país de origem da autora:

“Against the karakas. Then the karaka-trees would be hidden. (...) They were like trees you imagined growing on a desert island” (p. 35)

Na frente das karakas. Dessa forma as árvores ficariam escondidas. (...) Eram como as árvores que você imaginaria crescendo numa ilha deserta.

“Karaka” é um nome maori para uma árvore endêmica da Nova Zelândia (SAGE, 1997, apud DAY, 2011DAY, Thomas. The Politics of Voice on Katherine Mansfield’s ‘The Garden Party’. English, v. 60, n. 229, p. 128-141, 18 Jan. 2011. Disponível em: <http://english.oxfordjournals.org/content/60/229/128.full>. Acesso em: 29 out. 2015.
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, p. 135). Thomas Day, citando Delia da Souza Correa, trabalha com a ideia de que, ainda que as karakas representem a Nova Zelândia, Mansfield escrevia principalmente para leitores europeus. Por isso, afirma que o pronome “you” que aparece após essa referência cultural não funciona exatamente como um sinônimo do neutro “one” (que poderia ser traduzido por “se”, indeterminando o sujeito). “You” se dirige ao leitor e “pode potencialmente tanto incluir quanto excluir o ‘eu’”4 4 Tradução de: “the ‘you’ (…) as potentially both inclusive and exclusive of ‘me’”. (p. 135). A escolha, então, foi manter o termo “karakas”, o que Aixelá chama de repetição. No entanto, o segundo uso do termo, na frase seguinte (dessa vez como “karakatrees”), foi substituído apenas por “árvores”. Trata-se ao mesmo tempo de uma universalização absoluta, com o uso de um referente neutro, e de uma sinonímia, pois o principal objetivo era evitar a repetição. A escolha para a tradução de “you” foi simplesmente “você”, e não a potencial frase impessoal “que se imaginaria”, pois o leitor brasileiro provavelmente é tão pouco familiarizado com o termo “karakas” quanto o europeu referido por Day.

“The green baize door that led to the kitchen regions swung open and shut with a muffled thud.” (p. 37)

A porta de baeta verde que levava até a região da cozinha se abriu e se fechou com um baque surdo.

“Laura caught hold of her sister’s sleeve and dragged her through the kitchen to the other side of the green baize door.” (p. 40)

Laura agarrou a manga da irmã e a arrastou pela cozinha até o outro lado da porta de baeta verde.

Neste caso, o item específico é uma expressão inteira: “green baize door”. As três palavras, separadas, têm equivalentes facilmente encontráveis em português, e a escolha foi traduzi-los diretamente por “porta de baeta verde”. No entanto, essa porta tem (ou teve, em outra época) um significado cultural dificilmente recuperável em nossa cultura. As “green baize doors” eram portas revestidas pela baeta verde, um tecido grosso e felpudo (também utilizado nas mesas de bilhar), que separavam as casas em duas áreas: a habitada pela família e a destinada aos empregados. Atrás dessa porta também ficava a cozinha, e o tecido ajudava a filtrar os barulhos e cheiros que vinham de lá. Em português, a “porta de baeta verde” não traz muitos resultados em uma busca no Google, e, nesse conto, que trabalha as diferenças de classe, o significado precisava ser recuperado. É importante reparar, por exemplo, que em um dos trechos acima vemos a protagonista puxando a irmã para o outro lado da porta para que possam discutir um assunto importante. Com a finalidade de recuperar um significado cultural que muito provavelmente seria perdido, a escolha foi a de utilizar uma nota de rodapé explicando-o, o que Aixelá chama de glosa extratextual.

“Now, if we put this chesterfield against the wall …” (p. 38)

Devíamos encostar esse sofá na parede (...)

Um “chesterfield” é um tipo específico de sofá, forrado em couro, com o encosto e os braços na mesma altura e estilo e cobertos por botões. Ainda que “sofá chesterfield” não seja incomum em português, denotando o mesmo estilo de assento, a opção foi remover a parte específica e manter “sofá”, o que Aixelá chama de universalização absoluta. Aqui, a escolha foi feita menos por motivos culturais do que literários: o termo é usado numa fala em que uma das personagens dá ordens para a organização da festa. Em meio à fala, ainda mais com o uso de “este” – o que indica que ela provavelmente está fazendo algum tipo de gesto para mostrar a que objeto se refere – o sofá provavelmente não seria identificado usando duas palavras, o que seria desnecessariamente longo.

“In the drawing-room Meg, Jose and good little Hans had at last succeeded in moving the piano.” (p. 38)

Na sala de visitas, Meg, Jose e o pequeno Hans, tão bonzinho, finalmente tinham conseguido mover o piano.

“Hans, move these tables into the smoking-room …” (p. 38)

Hans, leve essas mesas para a sala de fumantes (...)

“Drawing room” e “smoking room” eram divisões comuns nas grandes casas de família. A “drawing room” era diferente da sala de estar, pois era usada para receber convidados. Já a “smoking room” era um cômodo para o qual os homens se retiravam para fumar. Para a tradução, foram escolhidos os termos “sala de visitas” e “sala de fumantes”. O primeiro é mais usual5 5 Exemplos são a Sala de visitas da Imperatriz, no site do Museu Imperial <http://www.museuimperial.gov.br/servicos-online/tour/circuito-de-exposicao/306-sala-de-visitas-daimperatriz.html> e dois livros sobre aspectos diferentes da cultura do Brasil <https://books.google.com.br/books?id=jXFY03EPxkkC&pg=PA122> e <https://books.google.com.br/books?id=j7xdp3d0gsIC&pg=PA100>. Acesso em: 3 nov. 2015. , ainda que pareça ser menos do que no inglês, ao menos quando se refere a uma sala pertencente a uma residência particular. Já o segundo termo, embora seja de fato comum em português, refere-se sempre a áreas destinadas a fumantes em espaços públicos. Ambos são casos de conservação por meio de traduções linguísticas. Nesses casos, é interessante notar que existe também um distanciamento no tempo entre tradução e texto de partida, bem como a relevância desse aspecto. Embora essas divisões nas residências existam também em nosso contexto, elas aparecem principalmente para descrever casas do século XIX (ou mais antigas). É possível – e até mesmo provável – que, no contexto original, algo semelhante tenha acontecido6 6 Na entrada para o termo drawing room da versão online do dicionário Merriam-Webster, por exemplo, que convida os visitantes a contarem onde encontraram o termo pesquisado, há alguns comentários de usuários identificados com universidades norte-americanas ao lado de seus nomes, o que demonstra que nem mesmo um leitor do texto original necessariamente reconheceria tal termo imediatamente. Disponível em: <http://www.merriam-webster. com/dictionary/drawing%20room>. Acesso em: 15 nov. 2015. . No entanto, ao traduzir não trabalhamos com o contexto atual da Nova Zelândia, e sim com um momento registrado na história.

“One of you children must have stolen it out of my bag, because I remember vividly — cream cheese and lemoncurd.” (p. 38)

Alguma de vocês deve ter roubado da minha bolsa, porque eu lembro vividamente – cream cheese e lemon curd.

Nos casos de “cream cheese” e “lemon curd”, os termos foram conservados por meio de sua repetição. Essa opção foi feita após pesquisa pelos termos, filtrando os resultados somente para páginas em português. “Cream cheese” é produzido e vendido com esse mesmo nome e grafia por diversas empresas brasileiras. “Lemon curd”, embora também possa ser chamado de “coalhada de limão”, quase nunca aparece referido apenas pelo termo em português. Por exemplo: “Coalhada de limão, ou o tão famoso lemon curd” 7 7 Disponível em: <http://omeutempero.blogspot.com.br/2013/05/coalhada-de-limao-ou-otao-famoso-lemon.html>. Acesso em: 15 nov. 2015. . Como afirma Aixelá (1996)AIXELÁ, Javier Franco. Culture-specific Items in Translation. In: ÁLVAREZ, Román.; VIDAL, M. Carmen-África (Ed.). Translation, Power, Subversion. Clevedon: Multilingal Matters, 1996, p. 52-78.:

(...) estamos imersos num óbvio processo de internacionalização focado no polo Anglo-Saxão. A constante importação de itens de consumo (culturais e outros) da América falante do inglês não implica simplesmente uma familiaridade crescente de muitas sociedades com a visão de mundo anglo-saxã, mas um claro processo de aceitabilidade gradual de seus valores e realidade cultural específica, além de estabelecer uma série de estratégias de tradução que depois são aplicadas mimeticamente a textos de outras áreas culturais8 8 Tradução de: “we are immersed in an obvious process of cultural internationalisation focused on the Anglo-Saxon pole. The constant process of importation of consumer items (cultural and other) from English-speaking America does not just imply a growing familiarity of many societies with the Anglo-Saxon world view, but also a clear process of gradual acceptability of its values and specific cultural reality, apart from establishing a series of translation strategies which are later mimetically applied to texts from other cultural areas”. (p. 54).

Foi provavelmente o que aconteceu com ambos os termos, importados para nossa cultura a partir da cultura anglo-saxã.

“… Jose and Laura were licking their fingers with that absorbed inward look that only comes from whipped cream.” (p. 39)

Jose e Laura lambiam os dedos com aquele ar absorto que só o creme batido faz surgir.

Ingredientes culinários nem sempre se correspondem de uma cultura para outra, como é o caso dos cremes de leite nos países de língua inglesa, que raramente encontram correspondentes diretos em português. “Whipped cream” foi traduzido literalmente por “creme batido”, numa conservação por meio de tradução linguística. “Creme batido” acaba funcionando como uma referência a “creme de leite batido”, ainda que também não exista um correspondente direto para “creme de leite” no inglês. Se os cremes não são exatamente os mesmos, são extremamente semelhantes (variam apenas na porcentagem de gordura9 9 É possível entender melhor as distinções (bastante sutis) em sites e livros sobre culinária, como este: <http://inglesgourmet.com/2011/09/cream-heavy-cream-sour-cream-whippingcream-half-and-half-help/>. Acesso em: 3 nov. 2015. ) e, nesse contexto, as diferenças sutis não são relevantes – elas certamente o seriam em uma tradução de material de culinária, por exemplo.

2. A variação linguística

Em um trabalho que busca discutir a noção de “equivalência linguística” na tradução, Soares, Gamonal e Lacerda (2011)SOARES, Mariana Schuchter; GAMONAL, Maucha Andrade; LACERDA, Patrícia Fabiane Amaral da Cunha. Rediscutindo a noção de equivalência linguística na tradução a partir da Sociolinguística Variacionista. Revista Gatilho. Juiz de Fora, v. 6, n. 14, dez. 2011. Disponível em: <http://www.ufjf.br/revistagatilho/files/2011/11/Soares.pdf>. Acesso em: 27 out. 2015.
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afirmam que, com o surgimento da Sociolinguística Variacionista – especialmente a partir de 1972, com os trabalhos de William Labov –, surgiu também uma nova perspectiva para a reflexão sobre a língua:

[P]assou-se a considerar que a língua é um fenômeno situado socialmente. Desse modo, não se pode dizer que ela seja homogênea, já que está em constante transformação e varia de acordo com a época, com a região, com a classe social, com a idade e/ou o sexo do falante, com a situação de uso (diferentes graus de formalidade e informalidade, por exemplo), entre outros fatores (p. 5).

Assim, para os autores, essa perspectiva ajuda a demonstrar que a noção de “equivalência linguística” não é suficiente na tradução, pois como poderiam ser equivalentes duas línguas se cada uma de suas variedades está diretamente ligada (e é indissociável da) sociedade em que é usada? Citando Sobral (2008), o artigo afirma que se trata, nesse caso, de uma correspondência, em que o tradutor busca recriar os efeitos produzidos no texto-fonte através dos elementos oferecidos por uma segunda língua.

Hanes (2013)HANES, Vanessa Lopes Lourenço. A tradução de variantes orais da língua inglesa no português do Brasil: uma abordagem inicial. Sci. Trad., Florianópolis, n. 13, p. 178-196, jul. 2013. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/viewFile/27445/25164>. Acesso em: 27 out. 2015.
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analisa um corpus formado por cinco traduções de romances e três legendas de filmes (todas a partir do inglês) em que existe ao menos uma variação da língua fugindo daquela que é considerada “padrão”. A análise é feita na tentativa de descobrir se existe alguma regularidade nas soluções adotadas por cada tradutor, e o trabalho demonstra que estas são muito diferentes em cada texto, concluindo que não existe regularidade.

Outros exemplos de trabalhos que exploram as atitudes tomadas diante da marcação da variação linguística são os trabalhos de Faria e Hatje-Faggion (2012)FARIA, Johnwill Costa; HATJE-FAGGION, Válmi. O problema da oralidade em três traduções de Of Mice and Men, de John Steinbeck. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, n. 29, p. 53-71, 11 set. 2012. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/21757968.2012v1n29p53/22752>. Acesso em: 10 jun. 2013.
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e de Verdolini (2010)VERDOLINI, Thaís Helena Affonso. Tradução e Variação Linguística: Captain Underpants em Estudo. Cadernos de Pós-graduação do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 1-16, 2010. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Letras/Artigo_Thais_Caderno_PG_UPM_Trad_e_variacao_lgtica_2010.pdf>. Acesso em: 27 out. 2015.
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. O primeiro analisa três traduções do romance Of Mice and Men, de John Steinbeck, e o segundo, diversos volumes da série de histórias em quadrinhos Captain Underpants, de Dav Pilkey – ambos norte-americanos. O romance apresenta a fala da zona rural da Califórnia nos anos 1930, enquanto os quadrinhos marcam a linguagem infantil contemporânea. Ambos os estudos demonstram que as escolhas de tradução variam muito dependendo do tradutor, ainda que estejam lidando com um mesmo romance ou então com diferentes volumes de uma mesma série.

Assim, fica evidente que não existe uma solução única para o desafio de tentar reconstruir a variação linguística da língua-fonte na língua-alvo. Tal desafio faz parte da tradução de “The Garden Party”. No conto, a variedade “não padrão” aparece na fala de personagens de classes sociais inferiores: é o caso dos empregados, representados pela cozinheira, e dos vizinhos que vivem na “viela” “logo abaixo” da casa dos Sheridan, representados especialmente na fala da irmã da recém-viúva Sra. Scott.

Novamente ressaltando a importância das diferenças de classe no conto, foi considerado relevante buscar alguma maneira de recriar as diferenças entre as falas, ao invés de apagá-las (o que também pode ser uma opção legítima). Thomas Day (2011)DAY, Thomas. The Politics of Voice on Katherine Mansfield’s ‘The Garden Party’. English, v. 60, n. 229, p. 128-141, 18 Jan. 2011. Disponível em: <http://english.oxfordjournals.org/content/60/229/128.full>. Acesso em: 29 out. 2015.
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diz que os coloquialismos utilizados no conto – bem como a fala “com grafia estranha”10 10 Tradução de: “the strangely spelled text”. (p. 136) – representam o modo como um estrangeiro poderia enxergar o sotaque das classes baixas: “sem ser capaz de identificá-lo precisamente; com um toque de inadvertida, ou acrimoniosamente advertida, caricatura”11 11 Tradução de: “without being able to precisely place it; with a touch of inadvertent, or acrimoniously advertent, caricature about it”. (p. 135). Desse modo, o que parece ser importante aqui é justamente o fato de que a fala ser marcada. Além disso, se até mesmo no texto-fonte existe um traço caricatural, não seria problemático que ele também aparecesse na tradução. A fala das personagens de classe baixa é marcada somente em alguns elementos específicos. Não conta com incorreções gramaticais, apenas com uma espécie de sotaque. O que existe é uma oposição direta com a fala da família e de seus visitantes, que não é marcada.

A fala dos personagens de classe baixa não foi substituída por nenhum sotaque do português, especialmente porque não se trata de variação diatópica – relacionada ao espaço geográfico, segundo Soares, Gamonal e Lacerda (2011)SOARES, Mariana Schuchter; GAMONAL, Maucha Andrade; LACERDA, Patrícia Fabiane Amaral da Cunha. Rediscutindo a noção de equivalência linguística na tradução a partir da Sociolinguística Variacionista. Revista Gatilho. Juiz de Fora, v. 6, n. 14, dez. 2011. Disponível em: <http://www.ufjf.br/revistagatilho/files/2011/11/Soares.pdf>. Acesso em: 27 out. 2015.
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–, mas sim diafásica – que está ligada a classe social, escolaridade, sexo, idade, etc, segundo os autores. A marcação dessas falas, na tradução, foi feita apenas através do uso de traços de oralidade. Embora estes não sejam exclusivos das classes baixas no português, são traços que, no contexto dessa tradução, estão em oposição direta à fala dos personagens das classes altas, que simplesmente não têm suas falas marcadas de maneira alguma. Vejamos alguns exemplos:

“Yer ma won’t know.” (p. 39) / “Mamãe não vai ficar sabendo”.

“I’m ‘er sister, miss. You’ll excuse ‘er, won’t you?” (p. 45) / “Sou irmã dela, moça. Você desculpa ela, né?”

“I’ll thenk the young lady.” (p. 45) / “Eu digo brigada pra moça”.

“You’d like a look at ’im, wouldn’t you? … Don’t be afraid, my lass, … ‘e looks a picture. There’s nothing to show. Come along, my dear.” (p. 45) / “Você quer dar uma olhada nele, né? (...) Não fica com medo, minha menina, (...) parece uma foto. Não tem nada pra mostrar. Vem, minha querida”.

No primeiro exemplo, a fala da cozinheira é marcada por “yer” no lugar “your”, e “ma” em lugar de “mum”. É interessante notar que as próprias filhas não se referem à mãe por “mum”, mas sempre por “mother”. Nesse caso, o “mamãe” foi mantido, mas não o traço da oralidade de “yer”.

Os outros três exemplos são da fala da irmã da Sra. Scott, na viela. É importante perceber que ela é marcada apenas em alguns traços, como “’er”/”’im”/“’e” no lugar de “her”/“him”/“he” e “thenk” em lugar de “thank”. Não era possível marcar os mesmos traços em português, por isso o efeito foi deslocado para outras palavras: a oralidade fica evidente em “desculpa ela”, “digo brigada pra” e “né?”, além do uso da segunda pessoa (“não fica”, “vem”) junto do pronome “você”.

3. A influência da leitura dos textos críticos

Após a conclusão do primeiro rascunho da tradução de “The Garden Party” aqui analisada, houve uma etapa de leitura de textos críticos que discutiam alguns dos aspectos da narrativa. Thomas Day (2011)DAY, Thomas. The Politics of Voice on Katherine Mansfield’s ‘The Garden Party’. English, v. 60, n. 229, p. 128-141, 18 Jan. 2011. Disponível em: <http://english.oxfordjournals.org/content/60/229/128.full>. Acesso em: 29 out. 2015.
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, por exemplo, analisa a constante presença das diversas vozes (por vezes sem donos, como é o caso das classes pobres, que podem até ter voz, mas não identidades) e da falta delas (segundo o autor, é na descrição da linguagem corporal que as atitudes de muitos personagens, novamente de classe social inferior, aparecem). Stephen E. Severn (2009)SEVERN, Stephen E. Linguistic Structure and Rhetorical Resolution in Katherine Mansfield’s “The Garden Party”. Journal of The Short Story in English, v. 52, p. 71-82, Spring 2009. Disponível em: <http://jsse.revues.org/951>. Acesso em: 29 out. 2015.
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analisa alguns padrões na fala dos personagens burgueses e pobres; sua análise demonstra, por exemplo, que a fala dos primeiros é quase sempre ocupada por diversas tag questions (como “you like it, don’t you?”), que antecipam previamente a resposta do interlocutor, e a dos segundos por afirmações. Laura, a protagonista, move sua fala através dos dois padrões. Estes foram mantidos sem dificuldade na tradução para o português, mas a leitura de diferentes análises do conto iluminaram alguns de seus aspectos e fizeram com que a tradução pudesse ser revista através de óticas diferentes, como nos exemplos a seguir:

“In the drawing-room Meg, Jose and good little Hans had at last succeeded in moving the piano.” (p. 45)

Na sala de estar, Meg, Jose e o pequeno Hans, tão bonzinho, finalmente tinham conseguido mover o piano.

Inicialmente, a escolha para a tradução desse trecho foi: “na sala de estar, Meg, Jose e o pequeno Hans finalmente tinham conseguido mover o piano”, excluindo o adjetivo “good”, que aparece antes de “little Hans”. A escolha foi feita porque, diferentemente do que acontece no inglês, o encadeamento de adjetivos antepostos (como em “o bom e pequeno Hans”) não soa tão bem no português. No entanto, a tradução foi modificada após a leitura do artigo de Day (2011)DAY, Thomas. The Politics of Voice on Katherine Mansfield’s ‘The Garden Party’. English, v. 60, n. 229, p. 128-141, 18 Jan. 2011. Disponível em: <http://english.oxfordjournals.org/content/60/229/128.full>. Acesso em: 29 out. 2015.
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, que cita as “fúteis noções de trabalho e emprego que encobrem de maneira falsa as realidades sociais que elas representam em ‘The Garden Party’” (p. 129), citando o trecho aqui analisado como exemplo. Segundo o autor, a descrição de “Meg, Jose and good little Hans” “convenientemente esquece, com um condescendente sorriso de escárnio que revela o verdadeiro motivo, que Hans não é realmente da família e que não faz aquilo por causa da bondade de seu pequeno coração preguiçoso, e sim da necessidade econômica”1212 (p. 129). A noção de “bondade”, que havia sido excluída da tradução, é muito importante para essa leitura. Desse modo, uma nova solução foi buscada: uma estrutura diferente, mas que manteve a ideia do “pequeno” e “bom” Hans, além de um tom possivelmente sarcástico: “o pequeno Hans, tão bonzinho”.

“’How many kinds did you say there were, cook? Fifteen?’ ‘Fifteen, Miss Jose.’ ‘Well, cook, I congratulate you.’” (p. 39)

“‘Quantos tipos você disse que tem? Quinze?’ ‘Quinze, Srta. Jose’. ‘Bem, devo parabenizá-la’”.

Nesse caso, a escolha inicial foi remover o uso do termo “cozinheira”, usado como forma de tratamento por Jose. Referir-se a um empregado apenas por sua função não é incomum na língua inglesa (é o caso de “nanny”), mas não em português, em que o tratamento de modo geral é mais informal – a tendência é nos referirmos uns aos outros pelo primeiro nome, independentemente de posição social e grau de familiaridade. No entanto, Day (2011)DAY, Thomas. The Politics of Voice on Katherine Mansfield’s ‘The Garden Party’. English, v. 60, n. 229, p. 128-141, 18 Jan. 2011. Disponível em: <http://english.oxfordjournals.org/content/60/229/128.full>. Acesso em: 29 out. 2015.
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explora a noção de que “as classes baixas desfavorecidas em ‘The Garden Party’ frequentemente têm vozes, mas não personagens e identidades para acompanhá-las”13 13 Tradução de: “The disenfranchised underclasses in ‘The Garden Party’ often do have voices, just not always characters and identities to go with them”. (p. 136) e de que a “identificação através de seu cargo não é o mesmo que ter uma identidade, e esse é também o caso – ainda mais enfaticamente, já que ela pertence à casa – da ‘cozinheira’”14 14 Tradução de: “identification by job title is not the same as having an identity, and this is also the case – even more emphatically, since she is an intimate of the household – with ‘cook’”.. (p. 136). A exclusão do termo “cozinheira” como forma de tratamento remove um pouco essa noção de distanciamento, pois não é possível perceber que os Sheridan se dirigem diretamente a ela exclusivamente por meio de sua função. No entanto, não tira completamente a ideia da falta de identidade, pois em outros momentos os personagens – falando entre si – se referem a ela apenas como “cozinheira”. Ainda que possa representar uma perda, a escolha foi seguir removendo o termo quando usado no tratamento direto da personagem, pois soaria bastante estranho na fala em português.

“When the Sheridans were little they were forbidden to set foot there because of the revolting language and of what they might catch. But since they were grown up, Laura and Laurie on their prowls sometimes walked through. It was disgusting and sordid.” (p. 41)

Quando os Sheridan eram pequenos, eram proibidos de pisar lá, por causa da linguagem revoltante e do que poderiam pegar. Mas, desde que haviam crescido, Laura e Laurie às vezes passavam por lá durante suas rondas. Era nojento e sórdido.

A tradução inicial desse trecho trazia uma escolha diferente. Para “because of the revolting language and what they might catch”, a tradução era “por causa da linguagem revoltante e da possibilidade de pegar alguma doença”. Isso aconteceu porque a leitura do original imediatamente trouxe à memória a expressão “catch something”, significando contrair alguma doença. Day (2011)DAY, Thomas. The Politics of Voice on Katherine Mansfield’s ‘The Garden Party’. English, v. 60, n. 229, p. 128-141, 18 Jan. 2011. Disponível em: <http://english.oxfordjournals.org/content/60/229/128.full>. Acesso em: 29 out. 2015.
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discute alguns aspectos desse parágrafo, citando a ligação entre linguagem e ideologia. Ao mesmo tempo em que é possível “possuir as palavras de outrem, (...) ‘povoando-as’ com suas próprias intenções” (p. 130), a “linguagem pode ser contraída de outros, como uma doença indesejada” (p. 131)15 15 Tradução de: “If you can own another’s words, by inflecting them with your own accents, by investing or, Bakhtin’s word, ‘populating’ them with your own intentions” (p. 130) e “language can be caught from others like an unwanted disease”. . Day afirma: “o que eles poderiam pegar é a linguagem”16 16 Tradução de: “What they might catch is language”. (p. 131). Incluir o substantivo “doença” na tradução acabaria por excluir essa possibilidade de leitura. Assim, a escolha final foi apenas “por causa da linguagem revoltante e do que eles poderiam pegar”.

“Before Laura could stop her she had popped it on.” (p. 42)

Antes que Laura pudesse impedir a mãe, ela o pôs na cabeça da filha.

Inicialmente, a tradução da frase foi feita através uma inversão de sua ordem, para que termos como “a mãe” e “a filha” não precisassem ser incluídos: “Antes que Laura pudesse impedi-la, estava com ele na cabeça”. Essa frase, no entanto, também trazia uma mudança no foco – da mãe, que coloca o chapéu na cabeça da filha, para a filha, que tem o chapéu na cabeça. O artigo de Severn (2009)SEVERN, Stephen E. Linguistic Structure and Rhetorical Resolution in Katherine Mansfield’s “The Garden Party”. Journal of The Short Story in English, v. 52, p. 71-82, Spring 2009. Disponível em: <http://jsse.revues.org/951>. Acesso em: 29 out. 2015.
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diz que “o objeto evoca uma coroa, uma conexão que é reforçada pelo fato de a Sra. Sheridan de fato colocá-lo sobre a cabeça de Laura”17 17 Tradução de: “The object itself connotes a crown, a connection reinforced by the fact that Mrs. Sheridan actually places it on Laura’s head” (p. 5). (p. 5). Nesse caso, o chapéu funciona como uma transferência da visão burguesa de mãe para filha. Day (2011)DAY, Thomas. The Politics of Voice on Katherine Mansfield’s ‘The Garden Party’. English, v. 60, n. 229, p. 128-141, 18 Jan. 2011. Disponível em: <http://english.oxfordjournals.org/content/60/229/128.full>. Acesso em: 29 out. 2015.
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chama o episódio do chapéu de “mudança cerimonial da guarda” (p. 132), em que, afirma, a Sra. Sheridan transfere o poder para a filha, mas, ao escolher a sucessora, consegue indiretamente mantê-lo para si. Com a mudança de foco ocorrida em “[Laura] estava com ele na cabeça”, a noção de coroação é enfraquecida. Assim, a escolha final foi não mudar o foco, incluindo os termos que se fizessem necessários para que a frase fosse suficientemente clara.

“‘Forgive my hat,’ she said” (p. 46)

“Perdoe-me pelo meu chapéu” ela disse.

Na entrada para “forgive” da versão online do dicionário Oxford18 18 Disponível em: <http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/forgive>. Acesso em: 16 nov. 2015. , um dos sentidos descritos é: “usada, em expressões de cortesia, como um pedido para que se desculpem os defeitos, ignorância ou falta de educação de alguém”. Inicialmente, parece que Laura, em meio a sua visita à casa da viúva, pede ao morto que seja desculpada pelo chapéu que usa – e não que o chapéu é personalizado e precisa ser desculpado. A primeira escolha para a tradução da frase foi “Perdoe-me pelo chapéu”. No entanto, Severn (2009)SEVERN, Stephen E. Linguistic Structure and Rhetorical Resolution in Katherine Mansfield’s “The Garden Party”. Journal of The Short Story in English, v. 52, p. 71-82, Spring 2009. Disponível em: <http://jsse.revues.org/951>. Acesso em: 29 out. 2015.
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discute o episódio:

Esta é a primeira vez em que [Laura] usa um pronome possessivo para descrever o objeto. Não é mais “o” chapéu. É agora o “meu” chapéu. Ela adota o objeto e o aceita, especificamente para renunciá-lo. Ela se desculpa tanto por suas próprias ações quanto por tudo o que chapéu simboliza: esnobismo, elitismo, privilégio, poder e autoridade19 19 Tradução de: “[T]his is the first time that she uses a possessive pronoun to describe the object. It is no longer “the” hat. It is now “my” hat. She embraces the object and accepts it, specifically to renounce it. She apologizes for both her own actions and all that the hat symbolizes: snobbishness, elitism, privilege, power and authority.” (p. 5) (p. 5).

A tradução inicial escolhida para o trecho removia justamente o pronome “meu”, e assim Laura continuava a chamar o objeto simplesmente de “o chapéu”. Por isso, na versão final, pensando nessa leitura, o pronome foi incluído.

4. Considerações finais

Os trechos discutidos acima, bem como as diferentes escolhas feitas ao longo da tradução, demonstram que não só as escolhas lexicais, mas também as estruturas narrativas influenciam as possibilidades de leitura. É evidente que estas passagens são apenas algumas entre muitas outras que poderiam ter novos sentidos iluminados através de diferentes leituras, mas elas ajudam a demonstrar

o quanto a atividade tradutória é complexa e a quão aprofundada deve ser a leitura do tradutor a fim de tentar recuperar o maior número de sentidos possível.

A multiplicidade de interpretações demonstra, no entanto, que os sentidos depreendidos por vezes variam dependendo do leitor. Desse modo, o tradutor só pode tentar recuperar os sentidos que chegaram até ele através de sua leitura, ou de leituras suplementares. Mesmo com a pesquisa, fica claro que, ao trabalharmos com duas línguas e duas culturas diferentes, existirão elementos que acabarão por ser sacrificados ou substituídos. A tradução sempre demandará escolhas por parte do tradutor.

  • 1
    Disponível em: <http://skoob.com.br>. Acesso em: 17 nov. 2015.
  • 2
    Tradução de: “poses a translation problem due to the nonexistence or the different value (whether determined by ideology, usage, frequency, etc.) of the given item in the target language culture”.
  • 3
    Tradução de: “other(s) closer to the receiving pole”.
  • 4
    Tradução de: “the ‘you’ (…) as potentially both inclusive and exclusive of ‘me’”.
  • 5
    Exemplos são a Sala de visitas da Imperatriz, no site do Museu Imperial <http://www.museuimperial.gov.br/servicos-online/tour/circuito-de-exposicao/306-sala-de-visitas-daimperatriz.html> e dois livros sobre aspectos diferentes da cultura do Brasil <https://books.google.com.br/books?id=jXFY03EPxkkC&pg=PA122> e <https://books.google.com.br/books?id=j7xdp3d0gsIC&pg=PA100>. Acesso em: 3 nov. 2015.
  • 6
    Na entrada para o termo drawing room da versão online do dicionário Merriam-Webster, por exemplo, que convida os visitantes a contarem onde encontraram o termo pesquisado, há alguns comentários de usuários identificados com universidades norte-americanas ao lado de seus nomes, o que demonstra que nem mesmo um leitor do texto original necessariamente reconheceria tal termo imediatamente. Disponível em: <http://www.merriam-webster. com/dictionary/drawing%20room>. Acesso em: 15 nov. 2015.
  • 7
  • 8
    Tradução de: “we are immersed in an obvious process of cultural internationalisation focused on the Anglo-Saxon pole. The constant process of importation of consumer items (cultural and other) from English-speaking America does not just imply a growing familiarity of many societies with the Anglo-Saxon world view, but also a clear process of gradual acceptability of its values and specific cultural reality, apart from establishing a series of translation strategies which are later mimetically applied to texts from other cultural areas”.
  • 9
    É possível entender melhor as distinções (bastante sutis) em sites e livros sobre culinária, como este: <http://inglesgourmet.com/2011/09/cream-heavy-cream-sour-cream-whippingcream-half-and-half-help/>. Acesso em: 3 nov. 2015.
  • 10
    Tradução de: “the strangely spelled text”.
  • 11
    Tradução de: “without being able to precisely place it; with a touch of inadvertent, or acrimoniously advertent, caricature about it”.
  • 12
    Tradução de: “the otiose notions of work and employment which spuriously gloss over the social realities they stand in for in ‘The Garden Party’: that throwaway detail, to take one example, of ‘Meg, Jose, and good little Hans [. . .] moving the piano’ (p. 42) which conveniently forgets, with a patronizing curl of the lip that betrays the true motive, that Hans is not really one of the family, and that he does not do these things out of the goodness of his lazy little heart but out of economic necessity”.
  • 13
    Tradução de: “The disenfranchised underclasses in ‘The Garden Party’ often do have voices, just not always characters and identities to go with them”.
  • 14
    Tradução de: “identification by job title is not the same as having an identity, and this is also the case – even more emphatically, since she is an intimate of the household – with ‘cook’”..
  • 15
    Tradução de: “If you can own another’s words, by inflecting them with your own accents, by investing or, Bakhtin’s word, ‘populating’ them with your own intentions” (p. 130) e “language can be caught from others like an unwanted disease”.
  • 16
    Tradução de: “What they might catch is language”.
  • 17
    Tradução de: “The object itself connotes a crown, a connection reinforced by the fact that Mrs. Sheridan actually places it on Laura’s head” (p. 5).
  • 18
    Disponível em: <http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/forgive>. Acesso em: 16 nov. 2015.
  • 19
    Tradução de: “[T]his is the first time that she uses a possessive pronoun to describe the object. It is no longer “the” hat. It is now “my” hat. She embraces the object and accepts it, specifically to renounce it. She apologizes for both her own actions and all that the hat symbolizes: snobbishness, elitism, privilege, power and authority.” (p. 5)

Referências

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  • HANES, Vanessa Lopes Lourenço. A tradução de variantes orais da língua inglesa no português do Brasil: uma abordagem inicial. Sci. Trad., Florianópolis, n. 13, p. 178-196, jul. 2013. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/viewFile/27445/25164>. Acesso em: 27 out. 2015.
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  • MANSFIELD, Katherine. The Garden Party. In: ______. The Garden Party and Other Stories Adelaide: Ebooks @ Adelaide, 2006. p. 34-46. Disponível em: <https://ebooks.adelaide.edu.au/m/mansfield/katherine/garden/index.html>. Acesso em: 2 nov. 2015.
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  • SEVERN, Stephen E. Linguistic Structure and Rhetorical Resolution in Katherine Mansfield’s “The Garden Party”. Journal of The Short Story in English, v. 52, p. 71-82, Spring 2009. Disponível em: <http://jsse.revues.org/951>. Acesso em: 29 out. 2015.
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  • SOARES, Mariana Schuchter; GAMONAL, Maucha Andrade; LACERDA, Patrícia Fabiane Amaral da Cunha. Rediscutindo a noção de equivalência linguística na tradução a partir da Sociolinguística Variacionista. Revista Gatilho Juiz de Fora, v. 6, n. 14, dez. 2011. Disponível em: <http://www.ufjf.br/revistagatilho/files/2011/11/Soares.pdf>. Acesso em: 27 out. 2015.
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  • VERDOLINI, Thaís Helena Affonso. Tradução e Variação Linguística: Captain Underpants em Estudo. Cadernos de Pós-graduação do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 1-16, 2010. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Letras/Artigo_Thais_Caderno_PG_UPM_Trad_e_variacao_lgtica_2010.pdf>. Acesso em: 27 out. 2015.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2017
  • Aceito
    04 Mar 2018
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