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CASTRO, Olga; ERGUN, Emek. Feminist Translation Studies — Local and Transnational Perspectives. New York: Routledge, 2016, 281 p.

CASTRO, Olga; ERGUN, Emek. Feminist Translation Studies — Local and Transnational Perspectives. New York: Routledge, 2016. 281

Na intersecção dos Estudos da Tradução com os Estudos de Gênero, muito já foi escrito desde os anos 80. O debate que adquiriu diversas facetas desde seu surgimento, considerando tanto as propostas feministas de prática tradutória, quanto estudos valorizando os trabalhos de mulheres como escritoras e tradutoras, assim como pensando a representação de mulheres na literatura. Recentemente, como pode ser verificado através da expansão de horizontes realizada pelo segundo volume de Translating Women (2017) com relação ao primeiro (2011), percebeu-se que essa vertente de estudo precisava se comunicar internacionalmente, pois, por um lado é necessário um cuidado e estudo especializado dos contextos locais — com sua história, cultura e política, para entender os processos ideológicos de mediação intra e interculturais, passíveis de análise através do que é traduzido e como. Por outro, o diálogo entre esses conhecimentos e outros pode ser de auxílio recíproco na articulação de ativismos em prol da igualdade, tendo em vista não somente o aspecto de gênero, mas de raça e classe, pautas que são englobadas pelo feminismo transnacional. É dentro dessa proposta que o livro Feminist Translation Studies se situa, apresentando um trabalho tanto de revisão das teorias anteriores no campo quanto propondo novos caminhos, de forma que se pode tomá-lo como um referencial para os Estudos Feministas da Tradução atualmente. Foi organizado por Olga Castro, Coordenadora dos Estudos da Tradução na Aston University, em Birmingham, e Emek Ergun, tradutora ativista e Professora Assistente dos Estudos de Gênero e das Mulheres e Estudos Globais da University of North Carolina, em Charlotte, sendo que ambas também contribuíram para o volume escrevendo sua introdução e um capítulo sobre pedagogias de tradução feminista.

O volume é estruturado em 3 seções: 1) Tradução Feminista na Teoria (7 capítulos); 2) Tradução Feminista em Transição (as perguntas e respostas resultantes de uma mesa-redonda); 3) Tradução Feminista em Ação (8 capítulos); tendo, ao final, os referenciais bibliográficos usados em todos os capítulos e uma lista trazendo a biografia resumida dos/as envolvidos/as no livro. Contando com 25 pesquisadores/as, abarca-se logo no prefácio a discussão de Patricia Hill Collins sobre como a tradução se relaciona com o ativismo intelectual, tema que as organizadoras também se posicionam sobre em sua introdução, para que, adiante, os artigos tragam informações, perspectivas úteis e questionamentos para o que foi apresentado.

A seção I começa com José Santaemilia, que traz uma pesquisa de corpus para reunir dados sobre a ocorrência da expressão “feminist translation” e similares em meio a trabalhos acadêmicos, de forma a compreender o que faz parte do campo atualmente e quais direções tem tomado. Seu levantamento permite mapear também as metodologias e referenciais de tais trabalhos, servindo tanto para fortalecer o que já se estruturou como revelar os pontos fracos que merecem revisão e desenvolvimento. Em seu capítulo, Damien Tissot reflete sobre a “política de tradução”, tendo em vista o quanto teóricas feministas enfatizam o papel da tradução em estratégias transnacionais para fazer frente às hierarquias de poder; partindo para uma discussão filosófica a partir de Paul Ricœur, Etienne Balibar e Judith Butler em torno do “universal” para sugerir uma ética feminista de tradução que abarque a diferença da alteridade sem a fetichizar. María Reimóndez, vinda do contexto galego e assumidamente não-heterossexual, porém reconhecendo seus privilégios enquanto mulher branca da Europa “Ocidental” que possui um PhD e é fluente em inglês, debate a questão das mediações de identidades sob uma perspectiva pós-colonial. Ela o faz usando o conceito de polifonia como o objetivo da tradução feminista e pós-colonial para estabelecer a criação de espaços de escuta para múltiplas vozes, uma vez que reconhece a desigualdade nas relações entre linguagens (e os conhecimentos produzidos em umas em detrimento de outras) a partir da hegemonia do inglês. Lola Sánchez analisa o caso específico dos fluxos de conhecimento na Espanha atual tomando como objeto o catálogo da coleção Feminismos da Cátedra, grande editora espanhola, o que é um avanço em termos de visibilidade. Porém, a pesquisadora expõe como as obras traduzidas representam uma visão parcial e reduzida dos escritos feministas ao trazerem majoritariamente trabalhos dos centros de poder (Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália e Alemanha), crítica necessária para que uma troca verdadeira possa se efetivar através da inclusão de textos de outras localidades. Rahul K. Gairola estrutura um complexo argumento em prol dos Estudos Queer Pós-Coloniais na Tradução, propondo outra leitura sobre o corpo gay (branco, “ocidental” e masculino) como uma tradução colonial, retomando a teoria de “homographesis” de Lee Edelman, para discutir como as categorias sexuais e coloniais muitas vezes oprimem conjuntamente a representação corpos e textualidades quando são traduzidos para os países “não-ocidentais”. Cornelia Möser analisa a tradução do conceito “gender” dos Estados Unidos à França e Alemanha, contextualizando geopoliticamente os estudos em cada país, para compreender as distintas nuances que a palavra apresenta e como os debates teóricos sobre gênero em ambos os países se posicionam frente a ela. Pensando na direção do fluxo das teorias, ela também delineia como os Estados Unidos interpretaram o “feminismo francês”, conclamando a uma perspectiva anti-nacionalista para a formação de solidariedades internacionais, com base na proposta de “objetividade” de Donna Haraway. Por fim, Emek Ergun e Olga Castro propõem uma metodologia flexível para abordar em sala de aula a tradução feminista no atual contexto globalizado, sugerindo quatro eixos e formas de aplicação de suas leituras respectivas e exercícios: 1) Tradução Feminista na História; 2) Tradução Feminista nas Viagens Textuais; 3) Tradução Feminista na Recepção; 4) Tradução Feminista na Solidariedade Transnacional. Através de exemplos bem desenvolvidos e indicações, as organizadoras do livro e autoras deste capítulo fornecem um ótimo programa para abordar o tema em disciplinas universitárias.

A seção II, de acordo com o aspecto propositivo e atencioso que atravessa todos os trabalhos do volume, estrutura-se como uma mesa-redonda, por ideia da professora e pesquisadora Richa Nagar, que envolve importantes intelectuais feministas de diversas áreas de estudo e de várias partes do mundo. Assim, como a seção intermediária entre os trabalhos de natureza teórica (visando a prática) e as pesquisas sobre a prática (auxiliando a repensar, criticar e melhorar as teorias), as organizadoras buscaram direcionar a conversa no sentido de permitirem às participantes se posicionarem sobre temas pertinentes à política feminista de tradução, tanto com base em suas especializações quanto por suas experiências e opiniões. A mesa-redonda, segundo as organizadoras, poderia então servir de inspiração para outros debates interdisciplinares entre diversas culturas e organizações sobre

the enabling and disabling roles of translation in the production, dissemination, reception, appropriation and transformation of feminist theories, knowledges and practices within and across borders that paradoxically separate and connect us, albeit often through asymmetrical power relations.

(CASTRO; EMEK, 2016CASTRO, Olga; ERGUN, Emek. Feminist Translation Studies — Local and Transnational Perspectives. New York: Routledge, 2016, 281 p., p. 111)

A mesa foi composta por Richa Nagar, Kathy Davis, Judith Butler, AnaLouise Keating, Ayşe Gül Altınay, Claudia de Lima Costa e Sonia E. Alvarez (as duas últimas elaboraram suas respostas em conjunto, tendo já trabalhado juntas por diversas vezes), e responderam a quatro perguntas que tratavam de 1) se era possível usar a tradução como ativismo feminista, e levantando exemplos disso a partir suas próprias experiências; 2) quais suas opiniões sobre a tradução como uma prática política de construção de sentidos através das fronteiras e como feminismo transnacional; 3) como a tradução ajudou a compor seus próprios trabalhos (acadêmicos ou ativistas) na prática e na teoria, e o que elas pensavam com relação à difusão de seus trabalhos pelos fluxos através das fronteiras (ou seja, se de fato viajavam ou encontravam obstáculos para isso); 4) situarem o foco geopolítico de seus trabalhos e ideias sobre tradução relacionadas a esse lugar geopolítico, isto é, quais são os aspectos condicionantes (privilégios, promessas, horizontes, riscos) de seus “locais” específicos e como isso se coloca frente à política de tradução e à política feminista. Através da diversidade de experiências, formações e contextos de cada uma das participantes, com perspectivas bem embasadas em suas respectivas áreas, o resultado do texto organizado é de grande valia para pensar como todas podem agir e/ou pensar com relação à tradução tendo em vista as pautas do feminismo transnacional.

Na seção III, Justine M. Pas e Magdalena J. Zaborowska, partindo da importância dada à visibilidade dos/as tradutores/as pela tradução feminista ao revisarem criticamente os trabalhos da escola canadense, apresentam o Global Feminisms Project, um projeto de história oral que disponibiliza entrevistas com ativistas e acadêmicas feministas ao redor do mundo. Começado como uma parceria entre centros de estudos de mulheres em quatro países (Polônia, China, Índia e Estados Unidos), a plataforma online se propõe a mostrar os textos conforme as línguas faladas pelas próprias entrevistadas; e o capítulo examina e explica as estratégias feministas de tradução usadas, como, principalmente, notas de rodapé, para cuidadosamente tornar tais textos acessíveis no inglês, usado como língua mediadora. Annarita Taronna destaca em seu capítulo a tradução ativista de Joyce Lussu, anglo-italiana de diversas atuações militantes e feministas, analisando como suas escolhas tradutórias refletiam uma postura de engajamento político em prol de mudança social. Conforme Taronna, Lussu se preocupava menos com “fidelidade” tradutória do que com escolhas que tivessem em vista os aspectos de gênero, raça e classe, tanto pela forma como ela traduzia como por quem ela traduzia, trabalhando principalmente com exilados ou colonizados em seus próprios países. Elena Basilio escreve sobre os primeiros grupos feministas italianos nos anos 70, o Rivolta Femminile e o Anabasi, que trouxeram a noção de “consciousness-raising” do ativismo estadunidense para o contexto italiano principalmente através das traduções veiculadas na revista Donne è bello. Basilio demonstra como essas traduções foram feitas, muitas vezes modificando e agregando conteúdos de diversas fontes, para melhor atingirem seus objetivos de acordo com as necessidades postas pelos próprios movimentos feministas italianos. Sergi Mainer aborda as traduções ao espanhol dos comunicados de imprensa e declarações ideológicas do Rote Zora, o ramo feminista e exclusivamente formado por mulheres da RZ (Die Revolutionäre Zellen), guerrilha urbana alemã que agiu contra o capitalismo e o imperialismo entre os anos de 1973 e 1995. Dedicando-se a observar as estratégias de tradução de tais textos, Mainer ressalta como foi necessário o anonimato das tradutoras em prol da coerência com o projeto anarco-feminista, assim como o uso de paratextos que colaboram com sua proposta ativista, relevantes na criação de redes de diálogo em prol da resistência contra diversas formas de opressão. Ruth Abou Rached parte para o campo da paratradução para verificar como Dreaming of Baghdad, tradução ao inglês livro de Haifa Zangana sobre seu ativismo radical no Iraque nos anos 70 que se situa dentro da proposta do feminismo transnacional, representa-se através de seus paratextos, tendo em vista que foi publicado pela New York Feminist Press em 2009. Discorrendo sobre tradução feminista e sua relação com a paratradução, o argumento principal de Rached é como os paratextos da tradução estadunidense deste livro fizeram com que ele ganhasse outra dimensão que não existia no livro em árabe e em inglês da década de 90. Isto é, a pesquisadora o concebe como comentário crítico transnacional ao Iraque pós-2003, e, ainda que a agência feminista e anti-colonial do escrito de Zangana esteja visível, ela não se torna plenamente articulada, principalmente pelas escolhas editoriais na composição da publicação. No capítulo de Rebecca S. Robinson, analisa-se a adaptação do movimento SlutWalk do contexto canadense ao marroquino, tendo em vista como as agências locais podem se apropriar de discursos “ocidentais” para causas em comum de forma benéfica (no caso, contra o assédio sexual de mulheres), uma vez que nos fluxos globais muito se pode criticar por suas tendências imperialistas e homogeneizantes. Assim, rastreando as origens do movimento e suas características em Toronto, centralizando especialmente na questão da palavra “slut”, as organizadoras marroquinas logo no começo da iniciativa alteraram a tradução total do nome do movimento para melhor serem compreendidas em meio aos valores morais locais, e também para evitarem críticas de “ocidentalização”, mantendo, assim, uma relação solidária temática com relação à iniciativa canadense (que se espalhou pelo mundo), mas não em sua linguagem e léxico. Pauline Henry-Tierney realiza uma crítica da tradução por uma perspectiva feminista do livro autoficcional La vie sexuelle de Catherine M., tendo em vista como a tradutora, Adriana Hunter, de perfil voltado à maternidade, teve que fazer uma performance transgressora ao traduzir para conseguir reescrever a vida sexual de outra mulher radicalmente diferente de si, o que a pesquisadora conceitualiza como uma “transformance”, utilizando o termo de Barbara Godard. Tal processo se concretiza com vários desafios, mas apesar das dissonâncias entre a subjetividade da tradutora e a da autora em sua representação ficcional de si, Henry-Tierney mostra como o comprometimento de Hunter com o projeto de escrita de Millet buscou uma conciliação, ainda que tendenciosa em muitos momentos, o que soube muito bem expor através de exemplos. Por fim, Serena Bassi discorre sobre a tradução como um espaço para a produção de gêneros e sexualidades, enfocando no projeto “It Get’s Better”, veiculado pelo YouTube, que contém narrativas de adultos que se assumem enquanto LGBT sobre o bullying sofrido nos tempos de escola, adotando o formato da campanha estadunidense, porém com adaptações nas produções feitas para contextos específicos (em sua pesquisa, o italiano), enfatizando a importância da localização. Sua pesquisa se pauta no questionamento sobre como a tradução pode carregar consigo conceitos “ocidentais” de progresso em um discurso, assim como seus binarismos, tendo em vista a teoria das narrativas que, no contexto LGBT, encaixa certas experiências em um conjunto de metanarrativas (que se estruturam e identificam por certas palavras vindas do inglês) que, muitas vezes, pode resultar em ilusões dentro do discurso de liberação LGBT. Ela efetivamente toma exemplos de narradores/as da Itália e como eles/as traduziram os termos vindos do formato da campanha em suas próprias narrativas, tanto reproduzindo quanto repudiando as terminologias que implicitamente se inscrevem no projeto, para uma contribuição fundamental à forma como os Estudos Feministas da Tradução podem investigar os meios através dos quais as identidades sexuais são feitas pela tradução: como formações transnacionais que são influenciadas pelos discursos hegemônicos, aceitando-os ou resistindo a eles.

Ainda que muitos outros horizontes pudessem ser englobados pela proposta de Feminist Translation Studies, o volume consegue trazer tanto em sua estrutura quanto na abordagem de seus textos modelos que podem servir, adaptados, para diversas outras pesquisas localmente situadas, tendo em vista as propostas do feminismo transnacional. O livro considera uma perspectiva teórica, refletindo sobre os aspectos éticos e políticos da tradução, sobre como as teorias viajam (ou não), contribuindo com novos caminhos a partir da revisão e crítica do que se tem feito, até uma pedagogia sobre tradução feminista. Valoriza o diálogo interseccional e através das fronteiras, possibilitando que saberes contextualizados tenham um espaço de escuta e possam contribuir entre si. Por fim, usa desses pensamentos para uma crítica de tradução (inclusive paratradução) em diversos veículos e gêneros de produção discursiva, resgatando o trabalho de tradutoras e projetos feministas de tradução, mostrando como suas especificidades e objetivos determinam os critérios de prática tradutória através de uma consciência ideológica. Apresentando uma bibliografia integrada e visibilizando as autoras e autores envolvidas/os na publicação, o livro editado por Olga Castro e Emek Ergun cumpre com sua proposta e semeia diversas outras através de críticas, revisões e questionamentos, confirmando-se, realmente, como um dos marcos para os Estudos Feministas da Tradução.

Referências

  • CASTRO, Olga; ERGUN, Emek. Feminist Translation Studies — Local and Transnational Perspectives New York: Routledge, 2016, 281 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2017
  • Aceito
    04 Fev 2018
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