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O DÍSTICO VERNÁCULO PORTUGUÊS NA TRADUÇÃO POÉTICA DA CARTA DE FÍLIS A DEMOFONTE, DAS HEROIDES DE OVÍDIO

THE VERNACULAR PORTUGUESE DISTICH IN THE POETICAL TRANSLATION OF THE EPISTLE PHYLLIS DEMOPHOONTI FROM OVID’S HEROIDES1 1 A tradução para o inglês deste resumo é contribuição de Matthew Wayne Farr e Leni Ribeiro Leite, a quem cumpre registrar os nossos sinceros agradecimentos.

Resumo

Para verter o dístico elegíaco latino, algumas traduções poéticas metrificadas de obras ovidianas em língua portuguesa têm demonstrado certa preferência pelo dístico vernáculo, engendrado por Péricles Eugênio da Silva Ramos (1964), composto por verso alexandrino sucedido de decassílabo. Seguindo este modelo, apresentamos nossa proposta de transposição criativa para a carta de Fílis a Demofonte (Ep. 2), elaborada com base nas considerações de alguns tradutores-poetas que se serviram deste mesmo arranjo e nos pressupostos teórico-metodológicos norteadores da prática da tradução poética, segundo Roman Jakobson (1969), Samuel Levin (1978) e José Paulo Paes (2008).

Palavras-chave
Ovídio; Heroides; Dístico Elegíaco Latino; Tradução Poética

Abstract

To translate the Latin elegiac couplet, some metrified poetic translations of Ovidian works into Portuguese have shown a preference for the vernacular couplet created by Péricles Eugênio da Silva Ramos (1964). This couplet is formed by combining one Alexandrine verse followed by a decasyllable. Following this model, we present our proposal of a creative transposto of the letter of Phyllis to Demophoon (Ep. 2), based on the considerations of some poet translators that used the same arrangement and on the theoretical and methodological basis of the practice of poetic translation according to Roman Jakobson (1969), Samuel Levin (1978) and José Paulo Paes (2008).

Keywords
Ovid; Heroides; Latin Elegiac Couplet; Poetic Translation

Introdução

Desde o início deste século, dentre as dez obras que configuram o corpus tradicional ovidiano2 2 Para citarmos apenas dois críticos, Gian Biagio Conte (1999) e Peter Knox (2009) reconhecem como autênticas as seguintes obras: Heroides, Amores, Ars amatoria, Medicamina faciei femineae, Remedia amoris, Metamorphoses, Fasti, Tristia, Epistulae ex Ponto e Ibis. , pelo menos cinco já foram traduzidas para o português em versão poética3 3 Os cinco primeiros livros das Metamorphoses (Carvalho, 2010); Medicamina faciei femineae (Fernandes, 2012); Amores (Duque, 2015), Fasti (Gouvêa Júnior), Ibis (Melo, 2019), além de Nux e Halieutica, considerados espúrios ou duvidosos conforme o estudo de Peter Knox (212). . As Heroides, contudo, ainda aguardam o seu momento.4 4 Até onde sabemos, há quatro traduções completas, em prosa: Walter Vergna (1975), Simone Ligabo Gonçalves (1998), Dunia Marinho Silva (2003), Carlos Ascenso André (2015).

Constituída por vinte e uma epístolas, forjadas em dísticos elegíacos, que perfazem dois grandes blocos – um com quinze cartas de personagens mitológicas que escrevem aos seus amados, reclamando de sua ausência, e outro com mais seis5 5 Sendo três delas escritas por homens (Páris, Leandro e Acôncio), seguidas das respostas de Helena, Hero, e Cídipe (Her. 16, 17, 18, 19, 20 e 21, respectivamente). –, a obra Heroides é a terceira maior de Ovídio, em termos de quantidade de versos6 6 Metamorphoses, 11.956 versos; Fasti, 4.972; Heroides, 3.980. , ficando atrás somente das Metamorphoses e dos Fasti.

Embora não exista um manual que prescreva regras específicas para a tradução dos versos latinos, acreditamos que uma versão poética das Heroides poderia coadunar-se aos modelos com que o dístico elegíaco vem sendo explorado a contento em língua portuguesa por vários tradutores. Quanto a isso, João Angelo Oliva Neto sugere um paradigma, criado em 1964 por Péricles Eugênio da Silva Ramos, com o qual o tradutor paulista verteu a Elegia 2.27 de Propércio.

Silva Ramos elaborou um rigoroso dístico vernáculo, composto de alexandrino perfeito7 7 Para ser considerado alexandrino perfeito, (ou clássico), o dodecassílabo precisa atender a três prescrições: 1) quando a última palavra do primeiro hemistíquio de seis sílabas é grave (paroxítona), a primeira palavra do segundo deve começar por uma vogal ou por ‘h’; 2) a última palavra do primeiro hemistíquio nunca pode ser esdrúxula (proparoxítona); 3) se for aguda (oxítona) a última palavra do primeiro hemistíquio, a primeira do segundo pode começar por qualquer letra, vogal ou consoante (Bilac; Passos 68). e decassílabo heroico8 8 Com apoio rítmico na 6ª e 10ª sílabas. . De acordo com Oliva Neto, esse modelo tem o “poder de reproduzir a katálexis, isto é, a supressão de sílabas do pentâmetro datílico em relação ao hexâmetro datílico” (Oliva Neto (a) 151Oliva Neto, João Angelo. “À guisa de introdução: tendências recentes na tradução de poesia grega e latina no Brasil”. Cadernos de literatura em tradução, São Paulo. Org. João Angelo Oliva Neto. FFLCH, 2015(a).). Segundo o estudioso:

Embora o decassílabo heroico e o sáfico não sejam variação de alexandrino, digamos provisoriamente que o emparelhamento destes versos desiguais contém alguma semelhança rítmica com o dístico antigo, que não deixa de ser formado de verso longo seguido de um mais breve do que ele

(idem, 152).

Seguindo esse modelo, Marcelo Vieira Fernandes (2012)Fernandes, Marcelo Vieira. “A poesia didática elegíaca e a poesia elegíaca didática dos Medicamina de Ovídio, e Ovídio, Produtos para a beleza feminina: tradução poética”. In: Garraffoni, Renata Senna (ed.). Classica, revista brasileira de estudos clássicos. Vol. 25. n. 1/2. São Paulo: Annablume, 2012, p. 251-267. traduziu os 50 dísticos do poema Medicamina faciei feminae, cujo título em português foi Produtos para a beleza feminina9 9 Anexa ao artigo “A poesia didática elegíaca e a poesia elegíaca didática dos Medicamina de Ovídio”, publicado na revista brasileira Classica de estudos literários. . Apesar de o tradutor não ter feito qualquer comentário a respeito de sua versão poética, a desenvoltura com que manuseou alexandrinos clássicos e decassílabos heroicos10 10 Dentre os 50 dodecassílabos, somente 11 não são alexandrinos perfeitos (v. 5, 11, 13, 17, 25, 27, 33, 43, 63, 77 e 81). Quanto aos 50 decassílabos, todos são heroicos (exceto o v. 12, que é sáfico, isto é, tem apoio rítmico na quarta oitava e décima sílaba). pode ser exemplificada com esta passagem dos Medicamina (47-56):

Tempus erit, quo uos speculum uidisse pigebit, Et ueniet rugis altera causa dolor. Sufficit et longum probitas perdurat in aeuum, Perque suos annos hinc bene pendet amor. Disce age, cum teneros somnus dimiserit artus, Candida quo possint ora nitere modo. Hordea, quae Libyci ratibus misere coloni, Exue de palea tegminibusque suis. Par erui mensura decem madefiat ab ouis: Sed cumulent libras hordea nuda duas. Tempo haverá de vos dar pena olhar o espelho, outra razão de rugas essa pena. A virtude é bastante e dura longo tempo, e, enquanto dura, dela o amor depende. Vê como, o sono assim que deixa o tenro corpo, pode raiar nas faces a brancura. Pega a cevada que por mar os líbios mandam, tira-lhe toda a palha e mais a casca. Tanto igual de ervilhaca ovos dez umedeçam, tendo a cevada nua duas libras.

Na mesma esteira, Márcio Meirelles Gouvêa Júnior (2015)Gouvêa Júnior, Márcio Meirelles. “Fastos de Ovídio: uma introdução”. In: Ovídio. Fastos. Tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior; revisão da tradução Júlia Batista Castilho de Avellar. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. procurou traduzir a parelha elegíaca, em sua versão bilíngue integral dos Fasti, fazendo com que algo da proporção do modelo rítmico original, composto pela repetição dos seis e cinco pés métricos latinos, ressoasse na sequência das doze e dez sílabas, sem pretender, ao contrário de Silva Ramos, que todos os ictos11 11 Dá-se o nome icto (apoio rítmico) às tônicas predominantes ou mais intensas de um verso (Tavares, 1996, p. 168). de seus versos correspondessem aos do alexandrino clássico e decassílabo heroico. Justificando sua escolha, ele diz o seguinte:

A opção preferencial pelos dodecassílabos e decassílabos com cesura marcada nas sextas sílabas, ou na quarta, oitava e décima segunda sílaba, propõe a fluidez da leitura, de modo que os dísticos recompostos na tradução compõem-se da sucessão de três blocos de seis sílabas seguidas por um de quatro, encerrando ritmicamente a ideia normalmente encapsulada na forma métrica da elegia

(Gouvêa Júnior 25Gouvêa Júnior, Márcio Meirelles. “Fastos de Ovídio: uma introdução”. In: Ovídio. Fastos. Tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior; revisão da tradução Júlia Batista Castilho de Avellar. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.).

Para ilustrar a tradução de Gouvêa Júnior, selecionamos o excerto abaixo (Fast. 3.839-848) em que Ovídio tece elucubrações etimológicas acerca do nome do templo de Minerua Capta, situado em Roma, próximo ao monte Célio. Os grifos no texto latino são nossos, mas os da versão portuguesa são do próprio tradutor:

Nominis in dubio causa est. Capitale uocamus ingenium sollers: ingeniosa dea est. An quia de capitis fertur sine matre paterni uertice cum clipeo prosiluisse suo? An quia perdomitis ad nos captiua Faliscis uenit? Et hoc signo littera prisca docet. An quod habet legem, capitis quae pendere poenas ex illo iubeat furta recepta loco? A quacumque trahis ratione uocabula, Pallas, pro ducibus nostris aegida semper habe. Do nome a causa é dúbia: é da cabeça o engenho, e engenhosa dizemos que é a deusa; ou por sair sem mãe da cabeça do pai, quando do alto surgiu com seu escudo; ou porque nos chegou captiva co’os faliscos, como antiga inscrição assim ensina; ou porque existe a lei com pena capital que castiga quem furta aquele templo? Qualquer que seja a razão da palavra, ó Palas, protege sempre os nossos capitães.

O trecho acima atende quase que inteiramente à formatação rítmica do dístico vernáculo elaborado por Silva Ramos, excetuando-se apenas o penúltimo verso, que tem o apoio rítmico 4-7-12.

É também de 2015 a tradução poética integral dos Amores, de Guilherme Horst Duque, que, em dissertação de mestrado, engrossou as fileiras daqueles que optaram pela sequência de dodecassílabos e decassílabos portugueses para a transposição dos dísticos elegíacos latinos. Cônscio de que seu trabalho se insere numa prolífica linhagem, Duque ressalta que:

Foi este o esquema métrico empregado por Oliva Neto (1996)Oliva Neto, João Angelo. “À guisa de introdução: tendências recentes na tradução de poesia grega e latina no Brasil”. Cadernos de literatura em tradução, São Paulo. Org. João Angelo Oliva Neto. FFLCH, 2015(a). na tradução dos poemas de Catulo escritos em versos elegíacos, assim como por Guilherme Gontijo Flores (2014)Duque, Guilherme Horst. Do pé à letra: os Amores de Ovídio em tradução poética. Dissertação de mestrado – UFES, 2007. na tradução das elegias de Propércio e por João Paulo Matedi na recentemente concluída e ainda inédita tradução das elegias de Tibulo12 12 Em listagem semelhante, Oliva Neto ((b) 158) menciona mais quatro tradutores: Robson Tadeu Cesila (2008), Fábio Paifer Cairolli (2009) e Alexandre Agnolon (2014) ao traduzirem Marcial (2009), e Daniel de Melo Serrano (2013) ao traduzir Tibulo. . Se pensarmos ainda nos tradutores que empregaram o dodecassílabo na transposição dos hexâmetros datílicos, a tradução dos Amores que ora apresento se insere em uma tradição mais ou menos estabelecida, e, ao fazê-lo, se difere fundamentalmente das traduções integrais já existentes em língua portuguesa. Quanto aos acentos dos dodecassílabos, o único critério que usei foi evitar a quinta e sétima sílabas. Os decassílabos, por outro lado, são todos ou heroicos ou sáficos

(Duque 26Duque, Guilherme Horst. Do pé à letra: os Amores de Ovídio em tradução poética. Dissertação de mestrado – UFES, 2007.).

Uma sucinta parcela de seu esmerado trabalho pode ser notada no seguinte trecho dos Amores, 2.1.1-10:

Hoc quoque conposui Paelignis natus aquosis, ille ego nequitiae Naso poeta meae. hoc quoque iussit Amor procul hinc, procul este, seuerae! non estis teneris apta theatra modis. me legat in sponsi facie non frigida uirgo, et rudis ignoto tactus amore puer; atque aliquis iuuenum quo nunc ego saucius arcu agnoscat flammae conscia signa suae, miratusque diu ‘quo’ dicat ‘ab indice doctus conposuit casus iste poeta meos?’ Também este eu compus, nato em pelignos úmidos: eu, o Nasão, poeta das malícias; também este ordenou-me Amor; fora, severas! Não sois plateia apta a versos leves. Leia-me a virgem diante do noivo não frígida, o moço simples por novo Amor tocado; que algum jovem, ferido pelo mesmo arco, reconheça os sinais da sua chama e diga admirado: “quais indícios ensinaram tal poeta a compor meus infortúnios?”

Apesar de Jakobson ter lançado alguma luz sobre a possibilidade de tradução de poesia com o conceito de “transposição criativa”, que seria uma “transposição interlingual de uma forma poética a outra” (Jakobson 72Jakobson, Roman. Linguística e comunicação. Tradução de Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969.), o linguista não explicou em maior detalhe essa fórmula com a qual estaria resolvido o paradoxo da versão poética. No entanto, José Paulo Paes retomou e desdobrou o conceito, preceituando que, mesmo estando sempre limitado pelos parâmetros do texto com que se avém, a transposição criativa, ou recriação, “possibilita ao tradutor dispor de um espaço de manobra onde possa criativamente desenvolver a sua busca por equivalentes ou aproximações” (Paes, 2008Paes, José Paulo. Tradução, a ponte necessária: aspectos e problemas da arte de traduzir. São Paulo: Ática, 2008., p. 36).

Argumentando que a poesia seja uma espécie de antiprosa por excelência, o referido autor, baseado na obra de Jean Cohen (1978)Cohen, Jean. Estruturas da linguagem poética. Tradução de A. Lorencini e A. Arnichand. São Paulo: Cultrix, 1978., diz que tal caráter antitético lhe é conferido pela presença de “operadores poéticos”, como o duplo sentido, o metro, a rima, a anáfora, a inversão, a metáfora etc. A função primordial desses operadores é perturbar a estruturação lógica do discurso, ou seja, o encadeamento linear de suas ideias, “obrigando-o a voltar-se sobre si mesmo, num processo circular de perda e recuperação de significado” (Paes 37Paes, José Paulo. Tradução, a ponte necessária: aspectos e problemas da arte de traduzir. São Paulo: Ática, 2008.).

Em se tratando da tradução poética, mais do que transpor o significado conceitual do texto fonte, é necessário observar e tentar reproduzir as perturbações da linearidade de seus significados, gerada pela ação dos operadores poéticos nele presentes. É daí que advém a noção de “acoplamento”, postulada por Samuel Levin (38)Levin, Samuel. Estruturas linguísticas em poesia. Tradução de J. P. Paes. São Paulo: Cultrix, 1978. e entendida como “as formas verbais equivalentes pelo significado ou sonoridade que ocorram nas mesmas posições em versos diferentes de um poema”.

Antes de apresentarmos nossa proposta de transposição criativa, à guisa de exemplo, citaremos alguns acoplamentos que conseguimos efetuar mais ostensivamente na tradução da carta de Fílis a Demofonte.

Ao criticar a má conduta do amante, que não retornou dentro do prazo prometido, Fílis reproduz uma assonância13 13 Figura de harmonia que ocorre por meio de uma sequência de vozes e sílabas semelhantes (Tavares 217). da sílaba “ue” que envolve todo o dístico 25-26, conforme abaixo:

Demophoon, uentis et uerba et uela dedisti; Vela queror reditu, uerba carere fide. Demofonte, lançaste ao vento verbo e velas: estas não voltam e aquele não tem crédito.

Na tradução, manteve-se o vocativo em posição inicial de verso, mas apenas três das cinco repetições de “ve”. Em contrapartida, as palavras “estas” e “aquele” retomam os vocábulos uela e uerba, garantindo a manutenção da espécie de epánodo14 14 Consiste no desagregar e repetir em separado qualquer expressão ou ideia anteriormente expressa, desenvolvendo-lhe o sentido (Tavares 333). subjacente a essa figura de harmonia.

Mais adiante, Fílis relembra o quanto ela e Demofonte choraram no momento em que este ia partir, quando o tempo estava favorável à viagem marítima. A plasticidade verbal com que a heroína descreve as reações físicas do pranto é patenteada pela epizeuxe15 15 Conhecida também como “reduplicação”, é a repetição seguida de um mesmo vocábulo (Tavares 334). da palavra lacrima, como se segue:

Cumque tuis lacrimis lacrimas confundere nostras, Quodque foret uelis aura secunda queri Fluíam, com tuas lágrimas, lágrimas minhas, porque propícia estava a brisa às velas.

Finalizando, vale mencionar o último dístico do poema (147-148), no qual, por meio de um epánodo, Fílis concebe um tipo de epílogo patético16 16 A função principal do epílogo é a apelação aos sentimentos de compaixão, que pode ser brando e reflexivo, como ocorre no epílogo ético, ou afetado e comovente, como no epílogo patético (Carmona 106-107). , do seguinte modo:

“Phyllida Demophoon leto dedit hospes amantem Ille necis causam praebuit, ipsa manum”. “A Fílis Demofonte amado trouxe o fim: ela deu-lhe a mão; ele a causa mortis

Além de conservar os dois nomes próprios na primeira metade do verso, manteve-se também o epánodo, já que os vocábulos “Fílis” e “Demofonte” são tomados juntos e, no verso seguinte, desdobram-se individualmente pelos anafóricos. Optamos pelo sintagma causa mortis para transpor necis causam praebuit, tanto por nos parecer que esta é uma expressão de uso comum como pelo tom lapidar dela emanado, o que contribui para o desfecho solene e fúnebre com que o epitáfio encerra a epístola.

Passemos então à tradução integral da carta, feita a partir da edição do texto latino estabelecido por Henri Bornecque (1928).

FÍLIS A DEMOFONTE17 Demofonte, de Ródope tua Fílis queixa-se:18 tua ausência já ultrapassa o prometido. Combinamos que, quando a lua completasse um ciclo, voltarias às minhas praias. No entanto, se passaram quatro plenilúnios 5 sem virem à Sitônia barcos áticos.19 Se contares os dias (tal os amantes fazem), verás que não me queixo antes da hora. Acreditamos tarde no que dói pra crer; porque te amo, a dor ainda me fere. 10 Mentia pra mim mesma sempre em teu favor; julguei terem te desviado os notos, abominei Teseu por tolher que partisses20 (talvez ele nem tenha te impedido). Outras vezes temi que, nas águas do Hebro21, 15 teu barco em brancas ondas naufragasse. Muitas vezes - maldito! - supliquei aos deuses pra que estivesses bem, fiz sacrifícios... Ao ver ventos propícios no céu, eu dizia: “Se ele estiver bem, já está chegando”. 20 Tudo o que atrasa a quem se apressa imaginei. Fiel ao meu amor fui engenhosa. Mas nem os deuses pelos quais juraste trazem-te, nem meu amor te move pra que voltes. Demofonte, lançaste ao vento verbo e velas: 25 estas não voltam e aquele não tem crédito. Me diz, que foi que eu fiz senão te amar demais? Fazer por merecer-te foi meu crime. Só cometi um erro: acolher-te, maldito! Mas esse erro equivale a uma virtude. 30 Onde a fidelidade que pactuamos? E o deus que sempre em falso invocaste? Onde o Himeneu firmado pro resto dos anos, que era a minha maior garantia? Pelo mar agitado em que navegaste, 35 (que tantas vezes mais cruzá-lo-ia), por teu avô juraste - ele, o que aplaca as águas - (se é que não mentiste a ascendência);22 por Vênus, cujas setas me são tão nocivas (sejam as do arco, sejam as das tochas); 40 por Juno, que preside os leitos conjugais e pelo archote sagrado da deusa... Se os deuses ofendidos quiserem vingança, tu não suportarás tamanhas penas! Enlouquecida, eu mesma restaurei o barco 45 pelo qual eu seria abandonada, e remos eu te dei, com os quais fugirias. Oh, céus! Padeço pelas próprias armas! Acreditei nos nomes de que tu descendes, acreditei em mil palavras doces, 50 acreditei nas lágrimas; mas quem diria que tuas artes podem controlá-las? Nos deuses também cri. Pra que juraste tanto? Bastava pra enganar-me uma só jura. Por ter te dado porto e abrigo não reclamo. 55 Devia este ser meu único préstimo. Minha vergonha é ter compartilhado o leito e dado mais que hospitalidade. Queria ter morrido antes daquela noite, assim minha honra ficaria incólume. 60 Esperava algo melhor, pensei que merecesse; o mérito a esperança justifica. Não é lá grande glória enganar uma garota; A ingenuidade é digna de respeito. Com palavras lograste uma mulher que ama; 65 que os deuses recompensem tua proeza! No centro da cidade, erijam-te uma estátua, e uma pro teu pai, grã estirpe de Egeu.23 Quando tiverem lido sobre os horrorosos Procusto, Sínis, Círon e Minotauro,24 70 sobre a guerra de Tebas e o fim dos centauros,25 e a invasão do reino do deus fúnebre,26 virá depois tua imagem com o seguinte título: “Este enganou a amante que o hospedara”. Dentre tantas façanhas feitas por teu pai, 75 veneras o abandono da cretense.27 Só isso ele reprova; só isso admiras! Herdaste - desgraçado! - o ardil paterno. Aquela (não a invejo) tem melhor marido28 e assenta-se, imponente, em tigres mansos. 80 Quanto a mim, fogem os trácios dos quais desdenhei, pois preferi aos meus um estrangeiro. Dizem “que ela vá então pra douta Atenas; a brava Trácia outro há de governar”. Fins justificam meios? Quero que fracasse 85 aquele que pensar de tal maneira. Mas, se voltar teu remo a tocar nossas águas, dirão que rápido eu mudei de ideia. Mas não mudei! Não mais te acolherá meu reino, nem mais te banharás, lasso, em Bistônia.29 90 Não sai da minha mente o instante em que partias, enquanto preparavam as naus no porto. Ousado, me apertavas em abraços de amantes, e demoradamente me beijavas. Fluíam, com tuas lágrimas, lágrimas minhas, 95 porque propícia estava a brisa às velas. E antes da partida ainda me disseste: “Espera, Fílis, o teu Demofonte”. Esperar? Tu que partiste pra não mais me ver? Esperar as velas que me nega o mar? 100 E, no entanto, espero, ainda que seja tarde, que tenhas vacilado só com a data. Que peço, infeliz? Talvez haja outra amante fruindo o teu amor, danoso a mim. Então, morri pra ti. Fílis não mais conheces... 105 Se for assim, te lembro quem é Fílis: Sou aquela que, quando errante navegavas, hospitaleira, abriu-te os portos trácios, e, quando estavas pobre, repartiu riquezas, que muito deu-te e muito mais daria, 110 e ofereceu-te o vasto reino de Licurgo; duro pra uma mulher é governá-lo, [onde o gélido Ródope se estende ao Hemo30 e Hebro sagrado lança suas águas.]31 Te dei minha virgindade sob maus presságios. 115 Tua mão farsante abriu meu casto cinto. No tálamo ululava a prónuba Tisífone32 e um pássaro entoou sinistro canto. Esteve presente Aleto, cheia de serpentes, e, ali, queimou a tocha sepulcral. 120 Sombria, agora eu vago em praias e rochedos, e a vastidão do mar me enche os olhos. Quer brilhe a luz do dia ou das frias estrelas, qual vento agita as ondas, observo, e quaisquer naus que vejo vindo lá de longe, 125 auguro serem elas os meus deuses,33 daí, saio correndo em direção ao mar, mas me detêm as ondas agitadas. Quanto mais chegam perto, menos me controlo; desmaio, amparada pelas servas... 130 Existe uma enseada, em formato de foice, cujos confins são de rocha escarpada. Já pensei em lançar meu corpo lá embaixo; insiste me enganando e assim será! Que as ondas me carreguem até as tuas praias, 135 e os olhos teus me vejam insepulta. Ainda que superes em dureza o ferro, dirás: “Oh, Fílis! Tu não o merecias!”. Não raras vezes sinto sede de venenos, ou me imagino morta pela espada, 140 Porque infiéis abraços em meu corpo deste, ao meu pescoço a corda agora agrada. Resgatará minha honra a morte prematura; na escolha desta não haverá demora. 34 Teu nome inscreverão na minha sepultura 145 e, torpe, entrarás assim pra história: “A Fílis Demofonte amado trouxe o fim: ela deu-lhe a mão; ele a causa mortis”.
PHYLLIS DEMOPHOONTI Hospita, Demophoon, tua te Rhodopeia Phyllis Vltra promissum tempus abesse queror. Cornua cum lunae pleno semel orbe coissent, Litoribus nostris ancora pacta tua est; Luna quater latuit, toto quater orbe recreuit, 5 Nec uehit Actaeas Sithonis unda rates. Tempora si numeres (bene [quae] numeramus amantes), Non uenit ante suam nostra querela diem. Spes quoque lenta fuit; tarde, quae credita laedunt, Credimus. Inuita nunc es amante nocent. 10 Saepe fui mendax pro te mihi, saepe putaui Alba procellosos uela referre notos; Thesea deuoui, quia te dimittere nollet; Nec tenuit cursus forsitan ille tuos. Interdum timui ne, dum uada tendis ad Hebri, 15 Mersa foret cana naufraga puppis aqua. Saepe deos supplex, ut tu, scelerate, ualeres, Cum prece turicremis sum uenerata sacris; Saepe, uidens uentos caelo pelagoque fauentes, Ipsa mihi dixi: “si ualet ille, uenit”. 20 Denique fidus amor quidquid properantibus obstat Finxit et ad causas ingeniosa fui. At tu lentus abes, nec te iurata reducunt Numina, nec nostro motus amore redis. Demophoon, uentis et uerba et uela dedisti; 25 Vela queror reditu, uerba carere fide. Dic mihi, quid feci, nisi non sapienter amaui? Crimine te potui demeruisse meo. Vnum in me scelus est, quod te, scelerate, recepi, Sed scelus hoc meriti pondus et instar habet. 30 Iura, fides ubi nunc commissaque dextera dextrae, Quique erat in falso plurimus ore deus? Promissus socios ubi nunc Hymenaeus in annos, Qui mihi coniugii sponsor et obses erat? Per mare, quod totum uentis agitatur et undis, 35 Per quod saepe ieras, per quod iturus eras, Perque tuum mihi iurasti, nisi fictus et ille est, Concita qui uentis aequora mulcet, auum, Per Venerem nimiumque mihi facientia tela, Altera tela arcus, altera tela faces, 40 Iunonemque, toris quae praesidet alma maritis, Et per taediferae mystica sacra deae. Si de tot laesis sua numina quisque deorum Vindicet, in poenas non satis unus eris. At laceras etiam puppes furiosa refeci, 45 Vt, qua desererer, firma carina foret, Remigiumque dedi, quo me fugiturus abires. Heu! patior telis uulnera facta meis! Credidimus blandis, quorum tibi copia, uerbis, Credidimus generi nominibusque tuis, 50 Credidimus lacrimis; an et hae simulare docentur Hae quoque habent artes quaque iubentur eunt? Dis quoque credidimus. Quo iam tot pignora nobis? Parte satis potui qualibet inde capi. Nec moueor, quod te iuui portuque locoque. 55 Debuit haec meriti summa fuisse mei. Turpiter hospitium lecto cumulasse iugali Paenitet et lateri conseruisse latus. Quae fuit ante illam, mallem suprema fuisset Nox mihi, dum potui Phyllis honesta mori. 60 Speraui melius, quia me meruisse putaui; Quaecumque ex merito spes uenit, aequa uenit. Fallere credentem non est operosa puellam Gloria; simplicitas digna fauore fuit. Sum decepta tuis et amans et femina uerbis; 65 Di faciant laudis summa sit ista tuae. Inter et Aegidas media statuaris in urbe, Magnificus titulis stet pater ante suis. Cum fuerit Sciron lectus toruusque Procrustes Et Sinis et tauri mixtaque forma uiri 70 Et domitae bello Thebae fusique bimembres Et pulsata nigri regia caeca dei, Hoc tua post illos titulo signetur imago: “Hic est, cuius amans hospita capta dolo est”. De tanta rerum turba factisque parentis 75 Sedit in ingenio Cressa relicta tuo; Quod solum excusat, solum miraris in illo; Heredem patriae, perfide, fraudis agis. Illa (nec inuideo) fruitur meliore marito Inque capistratis tigribus alta sedet. 80 At mea despecti fugiunt conubia Thraces, Quod ferar externum praeposuisse meis. Atque aliquis “iam nunc doctas eat, inquit, Athenas; Armiferam Thracen qui regat, alter erit”. Exitus acta probat? Careat successibus, opto, 85 Quisquis ab euentu facta notanda putat. At si nostra tuo spumescant aequora remo, Iam mihi, iam dicar consuluisse meis. Sed neque consului, nec te mea regia tanget Fessaque Bistonia membra lauabis aqua. 90 Illa meis oculis species abeuntis inhaeret, Cum premeretportus classis itura meos. Ausus es amplecti colloque infusus amantis Oscula per longas iungere pressa moras Cumque tuis lacrimis lacrimas confundere nostras, 95 Quodque foret uelis aura secunda queri Et mihi discedens suprema dicere uoce: “Phylli, fac expectes Demophoonta tuum”. Expectem, qui me numquam uisurus abisti? Expectempelago uela negante tamen? 100 Et tamen expecto. Redeas modo serus amanti, Vt tua sit solo tempore lapsa fides. Quid precor infelix? Te iam tenet altera coniunx Forsitan et, nobis qui male fauit, Amor, Vtque tibi excidimus, nullam, puto, Phyllida nosti. 105 Ei mihi, si quae sim Phyllis et unde rogas, Quae tibi, Demophoon, longis erroribus acto Threicios portus hospitiumque dedi, Cuius opes auxere meae, cui diues egenti Munera multa dedi, multa datura fui, 110 Quae tibi subieci latissima regna Lycurgi, Nomine femineo uix satis apta regi, [Qua patet umbrosum Rhodope glacialis ad Haemum, Et sacer admissas exigit Hebrus aquas,] Cui mea uirginitas auibus libata sinistris 115 Castaque fallaci zona recincta manu. Pronuba Tisiphone thalamis ululauit in illis Et cecinit maestum deuia carmen auis. Adfuit Allecto breuibus torquata colubris, Suntque sepulcrali lumina mota face. 120 Maesta tamen scopulos fluctuosaque litora calco Quaeque patent oculis aequora lata meis, Siue die laxatur humus, seu frigida lucent Sidera, prospicio quis freta uentus agat, Et quaecumque procul uenientia lintea uidi, 125 Protinus illa meos auguror esse deos. In freta procurro, uix me retinentibus undis, Mobile qua primas porrigit aequor aquas. Quo magis accedunt, minus et minus utilis adsto; Linquor et ancillis excipienda cado. 130 Est sinus, adductos modice falcatus in arcus; Vltima praerupta cornua mole rigent; Hinc mihi suppositas immitere corpus in undas Mens fuit, et, quoniam fallere pergis, erit. Ad tua me fluctus proiectam litora portent 135 Occurramque oculis intumulata tuis. Duritia ferrum ut superes adamantaque teque: “Non tibi sic, dices, Phylli, sequendus eram”. Saepe uenenorum sitis est mihi, saepe cruenta Traiectam gladio morte perire iuuat; 140 Colla quoque, infidis quia se nectenda lacertis Praebuerunt, laqueis inplicuisse iuuat. Stat nece matura tenerum pensare pudorem; In necis electu parua futura mora est. Inscribere meo causa inuidiosa sepulcro; 145 Aut hoc aut simili carmine notus eris: “Phyllida Demophoon leto dedit hospes amantem Ule necis causampraebuit, ipsa manum”.
  • 1
    A tradução para o inglês deste resumo é contribuição de Matthew Wayne Farr e Leni Ribeiro Leite, a quem cumpre registrar os nossos sinceros agradecimentos.
  • 2
    Para citarmos apenas dois críticos, Gian Biagio Conte (1999) e Peter Knox (2009)Knox, Peter E. A companion to Ovid. Blackwell, 2009. reconhecem como autênticas as seguintes obras: Heroides, Amores, Ars amatoria, Medicamina faciei femineae, Remedia amoris, Metamorphoses, Fasti, Tristia, Epistulae ex Ponto e Ibis.
  • 3
    Os cinco primeiros livros das Metamorphoses (Carvalho, 2010); Medicamina faciei femineae (Fernandes, 2012Fernandes, Marcelo Vieira. “A poesia didática elegíaca e a poesia elegíaca didática dos Medicamina de Ovídio, e Ovídio, Produtos para a beleza feminina: tradução poética”. In: Garraffoni, Renata Senna (ed.). Classica, revista brasileira de estudos clássicos. Vol. 25. n. 1/2. São Paulo: Annablume, 2012, p. 251-267.); Amores (Duque, 2015Duque, Guilherme Horst. Do pé à letra: os Amores de Ovídio em tradução poética. Dissertação de mestrado – UFES, 2007.), Fasti (Gouvêa Júnior), Ibis (Melo, 2019Melo, João Victor Leite. Tradução poética de Ibis, Nux e Halieutica: três poemas de uma suposta quarta fase ovidiana. Dissertação de mestrado em Letras – Estudos Literários. UFJF, 2019.), além de Nux e Halieutica, considerados espúrios ou duvidosos conforme o estudo de Peter Knox (212)Knox, Peter E. A companion to Ovid. Blackwell, 2009..
  • 4
    Até onde sabemos, há quatro traduções completas, em prosa: Walter Vergna (1975)Vergna, Walter. Heroides: a concepção do amor em Roma através da obra de Ovídio. Rio de Janeiro: Museu de Armas Ferreira da Cunha, 1975., Simone Ligabo Gonçalves (1998)Gonçalves, Simone Ligabo. As Heroides de Ovídio: uma tradução integral. Dissertação de mestrado em Letras Clássicas – USP, 1998., Dunia Marinho Silva (2003)Ovídio. Cartas de amor: as Heroides. Tradução de Dunia Marinho Silva. Prefácio e notas de Jean-Pierre Néraudau. São Paulo: Landy, 2003., Carlos Ascenso André (2015)Ovídio. Heróides. Tradução de Carlos Ascenso André. Lisboa: Livros Cotovia, 2015..
  • 5
    Sendo três delas escritas por homens (Páris, Leandro e Acôncio), seguidas das respostas de Helena, Hero, e Cídipe (Her. 16, 17, 18, 19, 20 e 21, respectivamente).
  • 6
    Metamorphoses, 11.956 versos; Fasti, 4.972; Heroides, 3.980.
  • 7
    Para ser considerado alexandrino perfeito, (ou clássico), o dodecassílabo precisa atender a três prescrições: 1) quando a última palavra do primeiro hemistíquio de seis sílabas é grave (paroxítona), a primeira palavra do segundo deve começar por uma vogal ou por ‘h’; 2) a última palavra do primeiro hemistíquio nunca pode ser esdrúxula (proparoxítona); 3) se for aguda (oxítona) a última palavra do primeiro hemistíquio, a primeira do segundo pode começar por qualquer letra, vogal ou consoante (Bilac; Passos 68Bilac, Olavo; Passos, Guimaraens. Tratado de Versificação. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1918.).
  • 8
    Com apoio rítmico na 6ª e 10ª sílabas.
  • 9
    Anexa ao artigo “A poesia didática elegíaca e a poesia elegíaca didática dos Medicamina de Ovídio”, publicado na revista brasileira Classica de estudos literários.
  • 10
    Dentre os 50 dodecassílabos, somente 11 não são alexandrinos perfeitos (v. 5, 11, 13, 17, 25, 27, 33, 43, 63, 77 e 81). Quanto aos 50 decassílabos, todos são heroicos (exceto o v. 12, que é sáfico, isto é, tem apoio rítmico na quarta oitava e décima sílaba).
  • 11
    Dá-se o nome icto (apoio rítmico) às tônicas predominantes ou mais intensas de um verso (Tavares, 1996Tavares, Hênio. Teoria Literária. Belo Horizonte: Villa Rica, 1996., p. 168).
  • 12
    Em listagem semelhante, Oliva Neto ((b) 158Oliva Neto, João Angelo. “11 poemas de Propércio (I, 1-11) traduzidos com o verdadeiro dístico elegíaco de Péricles Eugênio da Silva Ramos”. Cadernos de literatura em tradução, São Paulo. Org. João Angelo Oliva Neto. FFLCH, 2015(b).) menciona mais quatro tradutores: Robson Tadeu Cesila (2008), Fábio Paifer Cairolli (2009) e Alexandre Agnolon (2014) ao traduzirem Marcial (2009), e Daniel de Melo Serrano (2013) ao traduzir Tibulo.
  • 13
    Figura de harmonia que ocorre por meio de uma sequência de vozes e sílabas semelhantes (Tavares 217Tavares, Hênio. Teoria Literária. Belo Horizonte: Villa Rica, 1996.).
  • 14
    Consiste no desagregar e repetir em separado qualquer expressão ou ideia anteriormente expressa, desenvolvendo-lhe o sentido (Tavares 333Tavares, Hênio. Teoria Literária. Belo Horizonte: Villa Rica, 1996.).
  • 15
    Conhecida também como “reduplicação”, é a repetição seguida de um mesmo vocábulo (Tavares 334Tavares, Hênio. Teoria Literária. Belo Horizonte: Villa Rica, 1996.).
  • 16
    A função principal do epílogo é a apelação aos sentimentos de compaixão, que pode ser brando e reflexivo, como ocorre no epílogo ético, ou afetado e comovente, como no epílogo patético (Carmona 106-107Carmona, Alfonso Ortega. Oratória: a arte de falar em público. Tradução de Cláudio Aguiar. Rio de Janeiro: Calibán, 2003.).
  • 17
    Demofonte é o filho de Teseu que, ao retornar do cerco de Troia, teve sua frota desviada por uma tempestade e aportou na Trácia, onde pôde gozar a hospitalidade que Fílis, filha do rei local, Licurgo, ofereceu-lhe. Aproveitando-se da ingenuidade da princesa, Demofonte tira-lhe a virgindade, prometendo casar-se com ela assim que retornasse de Atenas. Porém, findo o prazo combinado para o regresso à Trácia, ele não retorna e a heroína suicida-se (Higino, Fab. 49Higino. Fábulas. Introducción y traducción de Javier del Hoyo e José Miguel García Ruiz. Madrid: Gredos, 2009.). Com esta carta, Ovídio imagina Fílis escrevendo-lhe já certa de que não se cumprirão as promessas feitas.
  • 18
    “Ródope” é uma cordilheira da Trácia, localizada ao norte da Grécia, que serve aqui como uma sinédoque para toda a região.
  • 19
    “Sitônia” é outro nome para designar a Trácia, e “barcos áticos” refere-se às embarcações atenienses, nas quais Demofonte retornaria.
  • 20
    Teseu é rei de Atenas e pai de Demofonte.
  • 21
    Rio da Trácia.
  • 22
    O avô de Demofonte é Netuno.
  • 23
    Egeu é pai de Teseu.
  • 24
    Todos esses personagens foram mortos por Teseu.
  • 25
    Alusão à batalha entre lápitas e centauros, na qual participou Teseu (Met. 12.210-458).
  • 26
    Outra alusão a um episódio protagonizado por Teseu, qual seja, sua descida ao Hades, com Pirítoo, para resgatar Perséfone.
  • 27
    Trata-se de Ariadne, filha de Minos, rei de Creta, que foi raptada por Teseu e, depois, abandonada por ele na ilha de Naxos (Met. 8.174-175).
  • 28
    “Aquela” retoma Ariadne, mencionada no verso 76. Após ter sido abandonada por Teseu, ela foi seduzida por Baco, cujo carro puxado por tigres é um de seus atributos (Met. 8.176-179).
  • 29
    “Bistônia” equivale à própria Trácia. Os povos bistônios habitavam o sul do Ródope (Gonçalves 69 – nota 25Gonçalves, Simone Ligabo. As Heroides de Ovídio: uma tradução integral. Dissertação de mestrado em Letras Clássicas – USP, 1998.).
  • 30
    Ródope e seu marido, Hemo, foram transformados em montanhas da Trácia, como punição pelo fato de usurparem o nome de Zeus e Hera (Met. 6.87-89).
  • 31
    Os versos entre colchetes são considerados interpolados pelo editor do texto latino, Henri Bornecque (1928).
  • 32
    Tisífone é uma das Erínias (Fúrias), assim como Aleto, que será citada no verso 119.
  • 33
    Provavelmente, Fílis se refere à imagem dos deuses protetores da embarcação, que costumava ser pintada na popa dos navios, como será dito por Páris em sua carta a Helena (Ep. 16.113-114).
  • 34
    Embora Fílis tenha aventado cinco possibilidades de suicídio – pular de um penhasco (131-133); afogar-se (135-136); tomar veneno (139); cravar uma espada em si mesma (140) e, finalmente, enforcar-se (141-142) – o modo pelo qual ela se matou não é revelado nesta carta, tampouco em outras obras ovidianas que também a mencionam, como os Remedia amoris (591-608) e a Ars amatoria (2.353-354; 3.37-40).

Referências

  • Bilac, Olavo; Passos, Guimaraens. Tratado de Versificação 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1918.
  • Carmona, Alfonso Ortega. Oratória: a arte de falar em público. Tradução de Cláudio Aguiar. Rio de Janeiro: Calibán, 2003.
  • Cohen, Jean. Estruturas da linguagem poética Tradução de A. Lorencini e A. Arnichand. São Paulo: Cultrix, 1978.
  • Duque, Guilherme Horst. Do pé à letra: os Amores de Ovídio em tradução poética Dissertação de mestrado – UFES, 2007.
  • Fernandes, Marcelo Vieira. “A poesia didática elegíaca e a poesia elegíaca didática dos Medicamina de Ovídio, e Ovídio, Produtos para a beleza feminina: tradução poética”. In: Garraffoni, Renata Senna (ed.). Classica, revista brasileira de estudos clássicos Vol. 25. n. 1/2. São Paulo: Annablume, 2012, p. 251-267.
  • Gonçalves, Simone Ligabo. As Heroides de Ovídio: uma tradução integral Dissertação de mestrado em Letras Clássicas – USP, 1998.
  • Gouvêa Júnior, Márcio Meirelles. “Fastos de Ovídio: uma introdução”. In: Ovídio. Fastos Tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior; revisão da tradução Júlia Batista Castilho de Avellar. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
  • Higino. Fábulas Introducción y traducción de Javier del Hoyo e José Miguel García Ruiz. Madrid: Gredos, 2009.
  • Jakobson, Roman. Linguística e comunicação Tradução de Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969.
  • Knox, Peter E. A companion to Ovid Blackwell, 2009.
  • Lausberg, Heinrich. Elementos de Retórica Literária Tradução de R. M. Rosado Fernandes. 6ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.
  • Levin, Samuel. Estruturas linguísticas em poesia Tradução de J. P. Paes. São Paulo: Cultrix, 1978.
  • Melo, João Victor Leite. Tradução poética de Ibis, Nux e Halieutica: três poemas de uma suposta quarta fase ovidiana Dissertação de mestrado em Letras – Estudos Literários. UFJF, 2019.
  • Oliva Neto, João Angelo. “À guisa de introdução: tendências recentes na tradução de poesia grega e latina no Brasil”. Cadernos de literatura em tradução, São Paulo. Org. João Angelo Oliva Neto. FFLCH, 2015(a).
  • Oliva Neto, João Angelo. “11 poemas de Propércio (I, 1-11) traduzidos com o verdadeiro dístico elegíaco de Péricles Eugênio da Silva Ramos”. Cadernos de literatura em tradução, São Paulo. Org. João Angelo Oliva Neto. FFLCH, 2015(b).
  • Ovide. Héroides Texte établi par Henri Bornecque et traduit par Marcel Prévost. Paris: Société d’Edition “Les Belles Lettres”, 1928.
  • Ovídio. Cartas de amor: as Heroides Tradução de Dunia Marinho Silva. Prefácio e notas de Jean-Pierre Néraudau. São Paulo: Landy, 2003.
  • Ovídio. Heróides Tradução de Carlos Ascenso André. Lisboa: Livros Cotovia, 2015.
  • Paes, José Paulo. Tradução, a ponte necessária: aspectos e problemas da arte de traduzir. São Paulo: Ática, 2008.
  • Tavares, Hênio. Teoria Literária Belo Horizonte: Villa Rica, 1996.
  • Vergna, Walter. Heroides: a concepção do amor em Roma através da obra de Ovídio. Rio de Janeiro: Museu de Armas Ferreira da Cunha, 1975.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2019
  • Aceito
    17 Nov 2019
  • Publicado
    Jan 2020
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