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A GRADAÇÃO DA AGÊNCIA E EMOÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA (IN)SEGURANÇA NO LIVRO ILUSTRADO INTO THE FOREST, DE ANTHONY BROWNE, E SUA TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS

THE GRADUATION OF AGENCY AND EMOTION IN THE REPRESENTATION OF (IN)SECURITY IN THE PICTURE BOOK INTO THE FOREST, BY ANTHONY BROWNE, AND ITS TRANSLATION INTO BRAZILIAN PORTUGUESE

Resumo

O objetivo deste artigo é examinar a interação dos significados ideacionais e interpessoais na representação da insegurança do protagonista de Into the Forest, de Anthony Browne. Enfocam-se padrões de significados complementares na imagem e verbiagem na representação deste tema central. Acrescenta-se também a questão das variações semânticas e seus prováveis efeitos na citada interação de recursos ideacionais e interpessoais na tradução para o português, Na floresta, de Clarice Duque Estrada. Toma-se o modelo de leitura de narrativas visuais de Painter, Martin & Unsworth (2013) e de semântica do discurso de Martin & Rose (2007Martin, James R. & Rose, David. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., 2008Martin, James R. & Rose, David. Genre Relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.) como base teórica para o estudo. Entre os resultados principais, mostra-se que a agência, a repetição e a sinonímia intensificam os sentimentos expressos na narrativa e que as variações semânticas na tradução se relacionam a estes recursos.

Palavras-chave
Gradação; Agência; Variações Semânticas; Tradução de Livro Ilustrado; Into the Forest ; Na Floresta

Abstract

This paper aims at examining the interaction of ideational and interpersonal meanings in the representation of the protagonist’s insecurity in Into the Forest, by Anthony Browne. It focuses on patterns of complementary meanings in the image and verbiage in the representation of this central theme. The paper also explores semantic variations and the effects they are likely to have on the meaning construed in the interaction of ideational and interpersonal resources in the Brazilian Portuguese translation, Na floresta, by Clarice Duque Estrada. It takes the framework of visual narratives (Painter, Martin & Unsworth, 2013) and of discourse-semantics (Martin & Rose, 2007Martin, James R. & Rose, David. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., 2008Martin, James R. & Rose, David. Genre Relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.) as the theoretical basis for the study. The main results show that agency, repetition and synonymy intensify the feelings construed in the narrative and that semantic variations in the translated text are related to these resources.

Keywords
Graduation; Agency; Semantic Variations; Translation of Picture Books; Into the Forest ; Na Floresta

Introdução

A partir da gramática visual de Kress & van Leeuwen (2006)Kress, Gunther & van Leeuwen, Theo. Reading images: the grammar of visual design. London: Routledge, 2006., um modelo sociossemiótico para a narrativa visual em livros ilustrados foi proposto por Painter, Martin & Unsworth (2013)Painter, Clare; Martin; James R. & Unsworth, Len. Reading visual narratives: image analysis of children’s picture books. Sheffield: Equinox Publishing, 2013.. Até a publicação do trabalho, os autores divulgaram separadamente vários trabalhos, seja descrevendo o modelo em seu estágio inicial de elaboração (Painter, 2007Painter, Clare. “Children’s picture book narratives: reading sequences of images”. In: Whittaker, Rachel; O’Donnell, Mick. & McCabe, Anne (Eds.). Advances in language and education. London: Continuum, 2007. p. 40-59., 2008Painter, Clare. “The role of colour in children’s picture books: choices in ambience”. In: Unsworth, Len (Ed.). New literacies and the English curriculum: multimodal perspectives. London: Continuum, 2008. p. 89-111.; Martin, 2008Martin, James R. & Rose, David. Genre Relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.), seja discutindo sua aplicabilidade no contexto da leitura de livros ilustrados na educação básica (Unsworth, 2006Unsworth, Len. “Towards a metalanguage for multiliteracies education: Describing the meaning-making resources of language-image interaction”. English teaching: practice and critique, 5(1), p. 55-76, 2006.). Estudos empíricos (ver Tian, 2011Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. entre outros) que usam o modelo, apresentam resultados que o confirmam ou o expandem.

O presente trabalho retoma brevemente estes estudos e mais detalhadamente Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011.. O tema deste último é o papel dos padrões de recursos de expressão de emoção e sentimentos na imagem e na verbiagem na construção da insegurança e ansiedade do protagonista e na segmentação da narrativa de Into the Forest, de Anthony Browne, em estágios e “partes”, para usar as palavras da autora. O estudo aqui descrito expande Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. ao enfocar o papel dos padrões de interação dos recursos de construção da experiência e de expressão de sentimentos na construção da insegurança do protagonista da mesma narrativa no desenrolar da narrativa. O trabalho traz também a questão das variações semânticas na tradução para o português, Na floresta, de Clarice Duque Estrada e seus prováveis efeitos na citada interação de recursos ideacionais e interpessoais.

Os objetivos do artigo são examinar a interação de recursos da construção da experiência e de expressão de sentimentos no desenrolar da narrativa bimodal em estágios e fases e estudar as variações semânticas destes recursos na verbiagem da tradução. Para alcançar estes objetivos, toma-se o modelo de leitura de narrativas visuais de Painter, Martin & Unsworth e de gênero e semântica do discurso de Martin & Rose (2007Martin, James R. & Rose, David. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., 2008)Martin, James R. “Intermodal reconciliation: mates in arms”. In: Unsworth, Len (Ed.). New literacies and the English curriculum: multimodal perspectives. London: Continuum, 2008. p. 112-48., além dos estudos empíricos citados anteriormente. A metodologia usada é aquela proposta por Painter, Martin & Unsworth (2013)Painter, Clare; Martin; James R. & Unsworth, Len. Reading visual narratives: image analysis of children’s picture books. Sheffield: Equinox Publishing, 2013. e por Martin & Rose (2007)Martin, James R. & Rose, David. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., desenvolvida em Casali (2018)Casali, Lucia Kiesling. A tradução intermodal e interlinguística: uma perspectiva Semântico-Discursiva e Sociossemiótica sobre a narrativa ilustrada infantil Clifford The Big Red Dog e sua reinstanciação em português. 2018. 36 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. e Cunha (2018)Cunha, Gabriela de Souza. Rose e Jack em The Tunnel, de Anthony Browne: um estudo da representação de gênero baseado na leitura de narrativas visuais e na semântica do discurso. 2018. 37 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018..

Parte-se da hipótese de que a interação de recursos ideacionais e interpessoais solicitados no livro ilustrado é produtiva para a expansão dos resultados de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. com relação a padrões na narrativa em seu desenrolar em estágios e fases. Parte-se ainda da hipótese de que variações semânticas na verbiagem da tradução têm efeito nesta interação. Com estas hipóteses em mente, foram elaboradas as seguintes perguntas de pesquisa: Quais recursos ideacionais interagem com os recursos interpessoais analisados em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011.? Qual é o papel desta interação na constituição dos padrões de cada estágio e fase da narrativa? Quais são as variações semânticas na verbiagem da tradução e os seus efeitos para a citada interação?

Este artigo organiza-se em cinco seções, além desta Introdução e da Conclusão. A primeira apresenta a fundamentação teórica do trabalho, a segunda traz informações sobre os livros ilustrados analisados – texto-fonte e texto traduzido –, a terceira descreve a metodologia de trabalho, a quarta contém o relato dos resultados e a quinta discute os resultados encontrados.

A leitura integrada da narrativa visual e verbal nos livros ilustrados

Nesta seção abordaremos as duas perspectivas sociossemióticas que nortearam este estudo, a leitura das narrativas visuais e a semântica do discurso, necessárias para a análise da interação dos significados construídos na imagem e na verbiagem, e estudos empíricos que nelas se basearam para a análise de livros ilustrados e livros ilustrados traduzidos.

Leitura das narrativas visuais

Painter, Martin & Unsworth (2013)Painter, Clare; Martin; James R. & Unsworth, Len. Reading visual narratives: image analysis of children’s picture books. Sheffield: Equinox Publishing, 2013. elaboraram sistemas para análise de imagens em narrativas visuais com base nas três metafunções da semiótica social (Halliday, 1978Halliday, M. A. K. Language as Social Semiotic. London: Edward Arnold, 1978.). Assim, proveem um modelo de leitura de narrativas visuais, as quais encenam relações sociais, constroem representações e organizam esses significados nos espaços visuais. A relevância desses traços em uma relação de intersemiose com traços complementares na verbiagem deve ser examinada, segundo os autores, no contexto discursivo mais amplo.

Para os autores, as imagens, assim como as orações, envolvem três aspectos da experiência: personagens, processos e circunstâncias. Os significados ideacionais são considerados em torno dessas três categorias de significado, com atenção aos aspectos da representação na sequência narrativa.

Na imagem, as relações entre participantes são construídas por comparação e contraste, sendo possíveis as opções de coclassificação e comparação no sistema de relações entre personagens. A representação simétrica de personagens na imagem permite seu reconhecimento como membros de grupos de identidades diversas como gênero, classe social, etnia, idade ou capacidades.

Considerando-se os processos, a leitura de narrativas visuais lida com a construção de ações sociais e de construtos sociais. As primeiras, segundo Kress & van Leeuwen (2006)Kress, Gunther & van Leeuwen, Theo. Reading images: the grammar of visual design. London: Routledge, 2006., teóricos pioneiros na leitura de imagem, podem ser ações de um participante – processos materiais; falas de participantes – processos verbais; cognição ou percepção de participantes – processos mentais. Para os autores, as imagens que não possuem vetor, recurso que realiza processo na imagem, são imagens conceituais, as quais podem ser relacionadas a construtos sociais de classe, estrutura ou significado. Esses construtos de identidade ou estados são complementares a processos relacionais na verbiagem.

Para as relações entre ações, Painter, Martin & Unsworth (2013)Painter, Clare; Martin; James R. & Unsworth, Len. Reading visual narratives: image analysis of children’s picture books. Sheffield: Equinox Publishing, 2013. criam o sistema de relações entre eventos, analisadas no curso da narrativa, por comparações de imagens adjacentes ou sucessivas. Aborda-se aqui apenas a relação de desdobramento entre eventos, obtida em leitura padrão da articulação do tempo em imagens sucessivas. Esta relação de sucessão de eventos pode retratar uma única sequência ou mais de uma sequência de atividades com o mesmo personagem.

Finalmente, o último aspecto da construção da experiência são as circunstâncias. Na imagem, as circunstâncias primariamente especificam os detalhes da localização espacial, apesar de relógios, raios, a presença da lua, entre outros, indicarem a localização no tempo. Quando não há circunstâncias, o foco está simplesmente na energia ou atividade do personagem ou processo retratado. Uma mudança de circunstância ou contexto requer um deslocamento de um cenário a outro entre as imagens. Este recurso auxilia no reconhecimento de estágios diferentes na estória1 1 Este item lexical passou por mudança ortográfica na língua portuguesa, no entanto, aqui ele é usado como termo técnico. . Em livros ilustrados, uma alternativa usual para mudar o contexto das relações entre circunstâncias é retratar o personagem dentro e fora de casa em uma sequência de imagens, com um portal (porta ou janela) demarcando o limite entre os dois contextos. Este retrato representa a saída da criança da segurança do lar para o desconhecido e incerto lá fora, geralmente, culminando com o retorno à casa. O cruzamento do limite entre os dois contextos é enfatizado no desenho, quando se retrata o portal demarcando a distinção entre ambiente familiar e ambiente estranho.

Reafirma-se, finalmente, que o enfoque deste artigo é a interação da função ideacional com a interpessoal na narrativa visual. No entanto, este trabalho aborda também um significado interpessoal não abordado em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., a ambiência, ou uso ou não de cores na imagem, relevante para identificar os diferentes estágios e fases da narrativa. A narrativa visual pode representar ambiência, seja usando apenas o recurso da textura, sem cores, seja ativando a infusão de cores ou negando esta infusão com o uso apenas do preto.

A leitura das narrativas verbais

Martin & Rose (2007)Martin, James R. & Rose, David. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007. se debruçam sobre a interpretação do discurso, enfocando a participação do social na construção de significados nos textos. Propõem, assim, uma perspectiva da semântica do discurso na Teoria Sistêmico-Funcional (TSF). A TSF estabelece dimensões para lidar com o fenômeno do discurso na perspectiva dos autores. Entre elas, duas são enfocadas nesta pesquisa: os estratos, especificamente o estrato da semântica do discurso, e as metafunções. O estrato da semântica do discurso constituem padrões de padrões do estrato do gênero, em complementaridade com o campo (a experiência), a sintonia (a encenação de relações) e o modo (a organização da mensagem). As metafunções são tipos de significados da semântica do discurso que representam a experiência (ideacional), estabelecem relações sociais (interpessoal) e organizam o texto (textual).

Os autores consideram gênero como estrato do contexto social da linguagem. Definem gênero como padrões de campo, sintonia e modo, inseridos em uma cultura e que organizam vários tipos de contextos sociais. Cada gênero tem configurações próprias de recursos linguísticos, possui características essenciais de interação social e é orientado para um objetivo, obtido em uma sucessão de estágios. Estágios são os recursos básicos das culturas para organizar os discursos no nível de texto, e cada gênero possui estágios relativamente estáveis e facilmente identificáveis pelos falantes. Autores como Rothery & Stenglin (1997)Rothery, Joan & Stenglin, Maree. “Entertaining and instructing: exploring experience through history”. In: Christie, Frances & Martin, James R. (Eds.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263. e Martin & Rose (2007)Martin, James R. & Rose, David. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., adaptando Labov & Waletzky (1967)Labov, William & Waletzky, Joshua. “Narrative analysis: oral versions of personal experience”. In: Helm, June (Ed.). Essays on the verbal and visual arts: American Ethnological Society, Proceedings of Spring Meeting. Washington, DC: University of Washington Press, 1967. p. 12-44., definem como estágios essenciais da narrativa a Orientação, a Complicação e a Resolução. A Orientação cria um contexto para que seja possível entender o que se passará nos estágios subsequentes do gênero, preparando os leitores para os eventos da Complicação, como em um prenúncio de uma ruptura da estabilidade, a qual é o cerne da Complicação. A Resolução representa a volta a uma espécie de estabilidade.

Já as fases que compõem os estágios são menos previsíveis, geralmente mais variáveis e específicas ao texto em questão. Martin & Rose (2008)Martin, James R. & Rose, David. Genre Relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., contudo, avançam na definição de tipos específicos de fases características das estórias. Cada tipo de fase tem uma função determinada para envolver os leitores ao longo da estória, construindo o campo da experiência, evocando respostas emocionais ou associando-a a interpretações e experiências comuns da vida. São identificados como tipos de fase: ambientação (setting), descrição, eventos, efeito, reação, problema, solução, comentário e reflexão. Os autores ressaltam que pode haver outros tipos gerais de fases, de acordo com a função específica que uma fase tem em uma sequência específica de uma estória.

Um dos sistemas de significado da metafunção ideacional é a ideação, referente à construção da experiência no discurso. Ela é composta de outros três sistemas: relações taxonômicas, relações nucleares e sequências de atividades. As relações taxonômicas são construídas entre pessoas, processos, coisas, lugares e qualidades no desenrolar do texto, de uma oração à outra. Pode-se então, progressivamente, relacioná-los a taxonomias. Serão abordadas neste artigo as relações taxonômicas hiponímia, meronímia, repetição, sinonímia e contraste. A hiponímia cria relações de classificação entre uma classe e seus membros e entre os membros de uma classe, como família e pai, filhos, e outros. A meronímia cria relações composicionais entre um todo e suas partes e entre as partes de um mesmo todo, como floresta e caminho da floresta. Na repetição, o mesmo item lexical é instanciado mais de uma vez, ainda que em diferentes formas gramaticais, como caminho e caminhar. Já na sinonímia, itens lexicais diferentes constroem significados experienciais similares, como casa e lar. Por fim, os contrastes são construídos com itens lexicais cujos significados se diferenciam significativamente, como quente e frio.

É necessário aqui ressaltar que a repetição e a sinonímia, recursos ideacionais, podem também realizar um significado da função interpessoal, a gradação. A gradação opera aumentando ou diminuindo o volume de recursos que realizam a atitude, descrita em Martin & White (2005)Martin, James R. & White, Peter R. R. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave Macmillan, 2005. como sistema de significados de expressão de sentimentos e valores no texto. Ao introduzirem os tipos de realização prosódica de valores atitudinais, os autores descrevem a repetição e a sinonímia como recursos da gradação. A gradação por meio da repetição ou sinonímia é denominada de gradação de ‘força’, que determina quão forte ou fraco é um sentimento, expresso por um processo ou qualidade. Estes recursos serão retomados na revisão de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., que explorou os tipos de sentimento expressos na verbiagem, especialmente o afeto.

As relações nucleares se referem à configuração dos elementos dentro de cada oração. Elas se estabelecem entre pessoas e coisas no processo em que estão envolvidas, e lugares e qualidades associados ao processo. Os elementos centrais das orações são os processos. Com os processos materiais, há um participante que tem o papel de agente, aquele que instiga o processo. Neste trabalho enfoca-se o papel da agência do protagonista da narrativa; assim, mapeiam-se os eventos em que o protagonista é ou não agente e os tipos de processos (materiais, mentais, relacionais, verbais) da oração da qual é participante.

As sequências de atividades dizem respeito à sequência de configurações das pessoas, processos, coisas, lugares e qualidades nas orações. Elas são séries de eventos esperados em um campo da experiência. Em eventos previsíveis no campo, a relação entre os eventos é não marcada, e sua função lógica é de adição de um evento a outro na série. Quando a relação entre eventos não atende a expectativa do leitor para a sequência, sua função é mais de marcar uma contra- expectativa do que de adição.

Trabalhos empíricos sobre livros ilustrados

Entre os trabalhos empíricos sobre livros ilustrados com base em diferentes perspectivas da sociossemiótica, citam-se aqui apenas Moya-Guijarro (2014)Moya-Guijarro, Arsenio Jesús. A multimodal analysis of picture books for children: A systemic functional approach. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2014., Paula (2018)Paula, Flávia Ferreira de. Picturebooks/Narrativas infantis ilustradas: um estudo de relações semânticas verbo-visuais em textos originais e suas respectivas traduções com base na Teoria Sistêmico-Funcional. 2018. 101 p. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. e Magalhães, Leitão & Fernandes (2017)Magalhães, Célia M.; Leitão, Andrea A. & Fernandes, Daniela S. A. A função interpessoal e o posicionamento dialógico de tradutores de “picture books”. Domínios de Lingu@gem, 11(5), p. 1604-1627, 2017. DOI: 10.14393/DL32-v11n5a2017-12
https://doi.org/10.14393/DL32-v11n5a2017...
. O primeiro tem como enfoque as relações lógico-semânticas entre imagem e verbiagem, usando uma interface da perspectiva da TSF de Halliday & Matthiessen (2014)Halliday, M. A. K. & Matthiessen, Christian. An introduction to functional grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014. e da leitura de imagens de Kress & van Leeuwen (2006)Kress, Gunther & van Leeuwen, Theo. Reading images: the grammar of visual design. London: Routledge, 2006., principalmente. O segundo baseia-se em Halliday & Matthiessen (2014)Halliday, M. A. K. & Matthiessen, Christian. An introduction to functional grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014. para também identificar um modelo de análise das relações lógico-semânticas entre imagem e linguagem verbal. Finalmente, o terceiro a interface entre a valoração (Martin & White, 2005Martin, James R. & White, Peter R. R. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave Macmillan, 2005.) na verbiagem e estudos de corpus. As relações lógico-semânticas não serão tema explorado neste estudo; da mesma forma, não será usada a metodologia de corpus na análise dos livros ilustrados. Os trabalhos anteriores baseados na perspectiva sociossemiótica adotada aqui identificaram recursos ideacionais usados na imagem e verbiagem e sua interação na construção de significados em livros ilustrados. Martin (2008)Martin, James R. “Intermodal reconciliation: mates in arms”. In: Unsworth, Len (Ed.). New literacies and the English curriculum: multimodal perspectives. London: Continuum, 2008. p. 112-48. estudou o modo como as palavras e imagens interagem para alinhar os leitores em torno do tema da reconciliação entre inimigos no livro ilustrado Photographs in the mud. O autor aborda como os australianos e japoneses, personagens na estória em lados opostos no meio de um conflito de motivações raciais, na Segunda Guerra Mundial, se reconciliam com seu passado em um processo ativo de cura. Entre os recursos ideacionais identificados, ressalta-se a agência. O autor constata que há complementaridade entre imagem e verbiagem na construção de papéis similares de agência para os personagens na estória nas ações da guerra.

Cunha (2018)Cunha, Gabriela de Souza. Rose e Jack em The Tunnel, de Anthony Browne: um estudo da representação de gênero baseado na leitura de narrativas visuais e na semântica do discurso. 2018. 37 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. analisa o livro ilustrado The Tunnel, de Anthony Browne, de uma perspectiva sociossemiótica de leitura da narrativa visual em interação com a narrativa verbal. O trabalho identifica recursos ideacionais de relações taxonômicas da imagem e da verbiagem que constroem representações diferentes de gênero para os dois irmãos, protagonistas da estória. Casali (2018)Casali, Lucia Kiesling. A tradução intermodal e interlinguística: uma perspectiva Semântico-Discursiva e Sociossemiótica sobre a narrativa ilustrada infantil Clifford The Big Red Dog e sua reinstanciação em português. 2018. 36 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. investiga as variações semânticas nos significados ideacionais de relações taxonômicas construídos no texto bimodal Clifford The Big Red Dog, de Norman Bridwell, e sua tradução para o português, apontando para uma complementaridade menor entre significados de verbiagem e imagem na tradução. Ambos utilizam uma metodologia de análise adaptada de Painter, Martin & Unsworth (2013)Painter, Clare; Martin; James R. & Unsworth, Len. Reading visual narratives: image analysis of children’s picture books. Sheffield: Equinox Publishing, 2013., usada também neste estudo.

Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. analisa recursos interpessoais da imagem e verbiagem de Into the Forest, de Anthony BrowneBrowne, Anthony. Na Floresta. Tradução de Clarice Duque Estrada. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.. Ela defende que a intertextualidade (referências a contos de fada) neste livro ilustrado resulta na desconstrução da narrativa enquanto gênero, com consequente omissão do estágio da Orientação. Segundo a autora, a estória tem início na Complicação, com o Tema marcado “One night”, o qual indica o acontecimento de um evento em um tempo específico. Esse evento é avaliado negativamente por meio da qualidade “terrible”. A Complicação, além de fornecer contexto e motivação para o personagem realizar sua jornada na floresta (levar o bolo para avó, que ele ama, e encontrar o pai, de quem ele sente falta), também representa a força que impulsiona o protagonista a aceitar o chamado para a jornada (Tian, 2011Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., p. 184). Os recursos valorativos de afeto e a resposta emocional do personagem frente aos acontecimentos de cada fase do estágio (a qualidade “terrible” e os processos “missed (dad)”, “love (grandma)” e “wanted (to be home)”) são usados para corroborar a interpretação da autora. O que representa a força irresistível, segundo a autora, é a insegurança em relação ao abandono do pai combinada ao desejo de revê-lo.

A Resolução tem início na floresta, como o Tema marcado “After a short while” quando o garoto se distancia do ambiente familiar de casa e da proteção da mãe. As três primeiras “partes” da Resolução, conforme Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. configuram-se como “testes” para o protagonista na jornada, seguidos da reação do personagem. Esses testes são representados por crianças sozinhas ou perdidas na floresta, que desejam seu bolo ou pedem ajuda, e a reação do personagem é seguir andando. A quarta parte é de conflito interno, quando a insegurança do personagem é explicitada. As qualidades “cold”, “scared” “terrified” e “lost”, por exemplo, realizam o sentimento explícito de insegurança do personagem. A lembrança da estória do “lobo mau” que vivia na floresta reforça sua insegurança. A narrativa se encerra na quinta parte da Resolução com o sucesso da jornada, ao entregar o bolo para a avó, encontrar o pai e retornar à casa.

Para a autora, a intertextualidade é crucial na construção dos testes da Resolução. Todos os personagens são adolescentes de famílias simples e pobres, das estórias de João e o Pé de feijão, Cachinhos Dourados e os Três Ursos e João e Maria. Eles compartilham o mesmo contexto sociocultural e familiar do protagonista, e assim como em Chapeuzinho Vermelho, se aventuram em jornadas com desafios e oponentes, que são superados. No fim das estórias, eles retornam à estabilidade e são premiados por sua bravura. A estrutura dessas estórias se assemelha à de Into the Forest, que se conecta a dois tipos de ansiedade representados nas estórias infantis, segundo Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011.: a ansiedade de uma jornada na floresta e ansiedade gerada pelo abandono do pai.

Textos analisados

Into the Forest foi escrito e ilustrado por Anthony Browne, autor britânico vencedor do Prêmio Hans Christian Andersen. O livro foi publicado pela editora Walker Books em 2005 e visa um público-alvo de crianças entre 4 e 8 anos. A narrativa trata da estória de um personagem sem nome que um dia acorda em casa e não encontra seu pai, de quem ele passa a sentir falta. Sua mãe pede que o garoto leve um bolo para a avó, que está doente. Ele, então, vai até a casa da avó pelo caminho da floresta, contrariando as ordens de sua mãe. Na floresta, ele encontra crianças sozinhas ou perdidas. Por fim, o personagem encontra um casaco vermelho, que ele veste para proteger-se do frio. A narrativa se constrói através da intertextualidade com os contos de fada. O protagonista assume o papel de Chapeuzinho Vermelho, levando o bolo até a sua avó, e as crianças que o garoto encontra na floresta são também personagens de contos de fada: João, de João e o pé de feijão, Cachinhos dourados, e João e Maria. Na narrativa visual, a casa da avó, vista de fora, possui orelhas de lobo. No segundo plano das imagens da floresta estão “escondidos” elementos que remetem ao universo encantado, como a roca de fiar da Bela Adormecida, os três ursinhos, a torre de Rapunzel, o Gato de Botas e muitos outros. Quando o menino chega à casa da avó, ele é recebido por sua avó e reencontra seu pai. Juntos, os dois personagens voltam para casa.

Stace (2016)Stace, Lynley. “Intertextuality of Into the Forest by Anthony Browne”. Slap Happy Larry. 17/06/2016. Disponível em: https://www.slaphappylarry.com/the-symbolism-of-the-forest-in-australian-literature/.
https://www.slaphappylarry.com/the-symbo...
, escritora e ilustradora australiana, defende que a intertextualidade torna Into the Forest um “livro-brinquedo”, em que os jovens leitores são instigados a ver as imagens e buscar por elementos intertextuais, o que o torna popular para o uso em sala de aula. A estória, segundo Stace (2016)Stace, Lynley. “Intertextuality of Into the Forest by Anthony Browne”. Slap Happy Larry. 17/06/2016. Disponível em: https://www.slaphappylarry.com/the-symbolism-of-the-forest-in-australian-literature/.
https://www.slaphappylarry.com/the-symbo...
, se estrutura em Fraqueza/Necessidade (a ausência do pai); Desejo (rever o pai); Oponente (a própria ansiedade do personagem); Plano (ignorar a ordem da mãe, para voltar mais rápido para casa); Batalha (a batalha mística e psicológica, representada pelas árvores retorcidas da floresta); Autorrevelação (é possível superar uma floresta de ansiedade e terminar bem); e Novo equilíbrio (a volta ao conforto e segurança). Além da batalha psicológica, há uma batalha real, para além das páginas, segundo Stace (2016)Stace, Lynley. “Intertextuality of Into the Forest by Anthony Browne”. Slap Happy Larry. 17/06/2016. Disponível em: https://www.slaphappylarry.com/the-symbolism-of-the-forest-in-australian-literature/.
https://www.slaphappylarry.com/the-symbo...
. Com base em Painter, Martin & Unsworth (2013)Painter, Clare; Martin; James R. & Unsworth, Len. Reading visual narratives: image analysis of children’s picture books. Sheffield: Equinox Publishing, 2013., a escritora sugere que o pai é um soldado na guerra, indicando detalhes nas ilustrações (um soldadinho de chumbo mutilado no quarto do garoto, a forma de capacete de uma luminária na sala de jantar cuja lâmpada se derrete em forma de uma lágrima, a sombra projetada pela cadeira na parede, semelhante às grades de uma prisão, e a bandeira da Inglaterra na estampa da toalha de chá que envolve o bolo na cestinha). A análise de Stace (2016)Stace, Lynley. “Intertextuality of Into the Forest by Anthony Browne”. Slap Happy Larry. 17/06/2016. Disponível em: https://www.slaphappylarry.com/the-symbolism-of-the-forest-in-australian-literature/.
https://www.slaphappylarry.com/the-symbo...
está em concordância com a análise verbal de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. a respeito das inseguranças do personagem, sua batalha mística e a volta à segurança e da intertextualidade na narrativa.

No Brasil, este livro foi traduzido por Clarice Duque Estrada e publicado em 2014 sob o título Na Floresta, pela Editora Zahar. Lima & Pereira (2019)Lima, Lia Araújo Miranda & Pereira, Germana Henriques. Traduções para a primeira infância: o livro ilustrado traduzido no Brasil. São Paulo: Pontes Editores, 2019., em um mapeamento dos livros ilustrados traduzidos no Brasil, registram que a Editora Zahar tem se dedicado à tradução de Anthony Browne, apresentando o nome da tradutora na capa e na ficha catalográfica do livro e, eventualmente, nota de louvor sobre o autor e trechos de jornais sobre as obras. As autoras não registram mais informações sobre a tradutora. As imagens da narrativa visual e a organização de imagem e verbiagem nas páginas são exatamente as mesmas do texto-fonte.

Metodologia

Nesta seção são descritos os procedimentos de análise de imagem e verbiagem usados no trabalho.

A análise do texto-fonte seguiu as seguintes etapas:

  1. Segmentação da narrativa em estágios;

  2. Identificação das unidades de análise de cada estágio;

  3. Mapeamento dos conjuntos complementares de significados ideacionais na imagem e na verbiagem de cada unidade de análise;

  4. Associação dos significados ideacionais complementares aos significados valorativos;

  5. Identificação de variações semânticas na verbiagem do texto traduzido;

A segmentação dos estágios tomou por base especialmente a agência do protagonista, significado ideacional da verbiagem, e a ambiência, significado interpessoal das imagens. Para a identificação das unidades de análise, foram levados em consideração os tipos de unidades descritos em Painter, Martin & Unsworth (2013)Painter, Clare; Martin; James R. & Unsworth, Len. Reading visual narratives: image analysis of children’s picture books. Sheffield: Equinox Publishing, 2013.. Considerando-se o livro aberto, a unidade pode ser a página simples, com apenas imagem ou verbiagem ou imagem e verbiagem complementares (Figura 1).

Figura 1
Unidade de página simples

A unidade pode ser também a página dupla, espaço ocupado por duas páginas adjacentes. A página da frente e do verso nesta unidade podem ter apenas imagem ou verbiagem ou imagem e verbiagem complementares (Figura 2).

Figura 2
Unidade página dupla de duas imagens

Finalmente, a unidade pode ser a página dupla, em que apenas uma imagem ocupa o todo das duas páginas, iniciando no verso e avançando, através da costura do livro para a página de frente (Figura 3).

Figura 3
Unidade de página dupla de uma imagem

Os processos e os sistemas de relações entre personagens, entre eventos e circunstâncias foram analisados de modo semiautomático em uma aba da planilha eletrônica do Google Sheets, procedimento utilizado em Casali (2018)Casali, Lucia Kiesling. A tradução intermodal e interlinguística: uma perspectiva Semântico-Discursiva e Sociossemiótica sobre a narrativa ilustrada infantil Clifford The Big Red Dog e sua reinstanciação em português. 2018. 36 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. e Cunha (2018)Cunha, Gabriela de Souza. Rose e Jack em The Tunnel, de Anthony Browne: um estudo da representação de gênero baseado na leitura de narrativas visuais e na semântica do discurso. 2018. 37 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.. Em seguida, as relações taxonômicas, nucleares e sequências de atividades foram também analisadas de modo semiautomático em outra aba da mesma planilha. As relações taxonômicas são organizadas em termos de Pessoas (personagem 1 e 2), Coisas, Processos, Lugares e Qualidades. As opções destas relações são a hiponímia, a meronímia, a repetição, a sinonímia e os contrastes. A agência, relacionada às relações nucleares, foi analisada apenas para o protagonista. As sequências de atividades foram analisadas em paralelo com o processo que as realizava observando o cumprimento ou não da expectativa do leitor por meio das opções “expectativa”, “contra-expectativa”. O Quadro 1 ilustra as categorias complementares usadas para a análise da imagem e da verbiagem na planilha mencionada:

Quadro 1
Sistemas ideacionais complementares

Para mapear os conjuntos complementares de significados ideacionais da imagem e da verbiagem, foram enfocados:

  1. Relações entre personagens na imagem e relações taxonômicas de classificação e composição na verbiagem;

  2. Processos na imagem, processos e agência do participante na verbiagem;

  3. Relações entre eventos na imagem e sequências de atividades na verbiagem.

No último procedimento da análise, foram identificadas as variações semânticas na verbiagem do texto traduzido. Foram, ainda, comparados os significados construídos na interseção dos dois modos no texto-fonte e texto traduzido. Assim, para cada unidade do texto traduzido em que fosse identificada uma variação semântica em relação à verbiagem do texto-fonte, a construção de significados na interseção com a imagem era analisada.

Resultados3 3 As imagens serão descritas, uma vez que a permissão para sua reprodução não foi obtida até a data da redação do artigo.

Nesta seção apresentamos os resultados da segmentação da narrativa e da análise dos dois estágios, a Complicação e a Resolução.

Segmentação da narrativa

Concordando com o argumento de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. sobre a desconstrução da narrativa e a consequente omissão do estágio de Orientação, segmentou-se, entretanto, a Complicação e a Resolução de modo distinto. Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. baseia-se na função textual da verbiagem, especificamente, na função dos Temas marcados, para segmentar os dois estágios, bem como as fases de cada um. Baseia-se, ainda, nos padrões de configurações de recursos valorativos da verbiagem para esta segmentação. De acordo com esta segmentação, a Complicação tem início no começo da narrativa (“One night I was woken up by a terrible sound.”), com o Tema marcado “One night”. Tem, ainda, padrões de configurações de recursos valorativos que expressam os sentimentos de saudades do pai (“missed”), insegurança por ela gerada (“terrible”) e o início do enfrentamento dessa insegurança (“I wanted to be home in case Dad came back.”) com a saída de casa para a visita à avó.

Segundo Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., a Resolução inicia com outro Tema marcado, “After a short while” (“After a short while I saw a boy.”). Ela tem como fases os três “testes” pelos quais o protagonista passa durante sua viagem pela floresta no enfrentamento de obstáculos para vencer a insegurança até chegar à casa da avó, encontrar-se com o pai e voltar para o conforto e segurança da família. Padrões de configurações de recursos valorativos são usados para corroborar esta segmentação. Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., portanto, não leva em conta a imagem para segmentar a estória em estágios.

Nesta pesquisa, ao considerar a agência do personagem (função ideacional) na verbiagem e a ambiência (função interpessoal) na imagem, segmentam-se os dois estágios diferentemente. Argumenta-se que Resolução inicia-se antes, com dois Temas marcados e a tensão criada pela contra-expectativa, associada à escolha pelo enfrentamento do problema (“But that day, for the first time...”). Esta primeira fase da Resolução também é marcada pela agência do protagonista (“... I chose the quick way” – a escolha do caminho). Em todas as fases da Complicação o protagonista não é agente de eventos de ação com processos materiais na verbiagem. Nesta primeira fase da Resolução o protagonista expressa um julgamento sobre o caminho a tomar para a casa da avó, contrariando, a ordem da mãe, o que aumenta a força da tensão. A tensão criada por esta contra-expectativa nesta fase também culmina com uma reação atitudinal, o desejo do protagonista “I wanted to be home...”, o qual justifica sua escolha por contrariar a mãe e por enfrentar o problema. Cabe ressaltar que o início da Resolução retoma a relação intertextual construída na última fase da Complicação: a tarefa do protagonista é a mesma de Chapeuzinho Vermelho, fazer uma visita à avó querida que está doente.

O início da Resolução também é marcado na imagem pela escolha diferente de ambiência em relação às imagens da Complicação. Neste estágio, enquanto o protagonista está em casa ou à porta dela para iniciar a viagem, a escolha é pela ativação da infusão de cores nas ilustrações. Quando o protagonista, longe de casa, age tomando a decisão de entrar na floresta, a escolha predominante é pela textura, com as cores apenas da roupa do protagonista, que se destaca em todas as imagens, especialmente quando veste o casaco vermelho da Chapeuzinho Vermelho, cor quente e saturada, em oposição às cores da roupa do protagonista, o azul e o verde, cores frias e menos saturadas. Pode-se interpretar que tal destaque é dado ao protagonista com cores para evocar suas emoções, e também ressaltar suas ações, especialmente a final, para enfrentar a insegurança (estas ações serão pontuadas na próxima seção).

A escolha volta a ser a ativação das cores no início da fase de solução definitiva do problema, com o alívio das tensões e insegurança do protagonista nas fases anteriores. Trata-se da imagem em que se pode inferir que o leitor vê através do protagonista a avó no interior de sua casa. A verbiagem complementar a esta imagem (“Grandma”!) marca a entonação na escrita através da interjeição e expressa a surpresa e o alívio das tensões anteriores na floresta. Na fase anterior, a verbiagem complementar à imagem (o protagonista bate à porta da casa da avó, em um cenário em que apenas seu casaco é colorido) instancia significados adicionais aos da imagem. O uso de reticências na última oração desta fase mantém em suspenso a tensão do protagonista e a solução de sua insegurança, “I was terrified. I slowly crept in. Then in Grandma’s bed was…”. Também na segmentação este trabalho difere-se de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011.. A autora considera esta última oração “Then in Grandma’s bed was...” o início da fase da Resolução em que a tensão e o sentimento de insegurança do protagonista, gerados pela ausência do pai, começam a ser resolvidos. Tian baseia-se no Tema marcado da verbiagem, “in Grandma’s bed”, sem considerar a imagem, para esta segmentação.

Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. enfoca, pois, as fases da Resolução, sem referir-se a fases da Complicação. De acordo com os propósitos desta pesquisa, segmentamos a Complicação em quatro fases. Três delas apresentam eventos sucessivos4 4 A maioria das fases da narrativa foram nomeadas com base em Martin & Rose (2008), exceto “interação”, nomeada em Dias (2018), com base em Macken-Horarik (2003), e “teste”, nomeada por Tian (2011). e têm início com Temas marcados, todos eles circunstâncias temporais: na primeira fase, “One night”; na segunda, “The next morning” e na terceira fase, “The next day”. A segunda fase expressa a reação do protagonista seguida à tensão criada pela contra-expectativa, com o aparente desconhecimento da mãe sobre o retorno do pai ausente, o problema da narrativa (“I asked Mum when he was coming back but she didn’t seem to know”). A reação atitutinal de afeto está expressa em “I missed Dad”. A terceira fase apresenta um evento sucessivo, com uma reação atitudinal do protagonista, de afeto (“I love Grandma. She... tells me... fantastic stories”). O protagonista em seguida descreve os trajetos para a casa da avó (“There are two ways to get...”) e há, ao final, uma interação da mãe com ele, duas demandas relativas à viagem (“Don’t go into the forest. Go the long way round”). Para as demais fases da Resolução, segue-se a segmentação proposta em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011..

Complicação

No primeiro estágio, o protagonista aparece na primeira imagem em seu quarto e reaparece na imagem seguinte tomando café com sua mãe. Nesta imagem, uma cadeira vazia, em frente ao garoto, sugere a ausência do pai. Na imagem seguinte, o protagonista é retratado em três imagens com margem e enquadre. Estas imagens estão dispostas simetricamente na página junto a uma quarta, a de uma TV cujo contorno representa também um enquadre. Em uma das imagens o menino escreve mensagens; nas demais essas mensagens estão coladas em objetos dos cenários desses enquadres. Em um deles são retratados o garoto, a mãe e o pai em um retrato da família na parede. Uma rachadura no retrato, que separa o pai dos demais personagens na foto, sugere novamente a ausência do pai. O conjunto dos enquadres representa uma quebra na sequência de imagens para retratar em “flashback” ações do protagonista que evocam os sentimentos de ansiedade pela ausência do pai e de saudade (“missed”) dele. A imagem seguinte sugere a existência da avó por meio da cestinha e do bolo, elementos de Chapeuzinho Vermelho.

Para todas as fases da Complicação, em que o protagonista lida com a ausência do pai e a insegurança, a relação entre eventos é de desdobramento em uma sequência de atividades distintas, das quais o personagem é participante. Quanto à relação entre circunstâncias dessas quatro fases, há mudança de contexto, o cenário de cômodos da casa. Na última imagem deste estágio, mãe e filho estão do lado de fora da casa, perceptível por meio dos ladrilhos da parede, de uma lixeira grande encostada à parede e da porta da casa aberta. A porta funciona como um portal, realizando uma mudança de contexto de dentro (“home in”) para fora de casa (“home out”), o que representa a transposição de um ambiente de certeza para outro de incerteza.

Com relação às relações taxonômicas entre as pessoas nas verbiagens complementares às imagens, há instâncias de “Mum”, “Dad” e “Grandma” construindo uma relação entre os personagens como membros de uma família. Para as relações entre coisas, há uma instância de “cake”, em meronímia com “basket”. Esses elementos retratados ecoam o conto Chapeuzinho Vermelho. Em relação a lugares, as instâncias “home” e “house” em “Grandma’s house” retratam circunstâncias que representam proteção e segurança enquanto instâncias como “forest”, “way/s” em “ways”, “long way”, “short way” e “quick way”, e “path” (mais adiante na Resolução) representam abandono e insegurança: “home” e “house”, em relação de sinonímia, “forest” e “way”, de meronímia e “way” em “long way round”, “short way” e “quick way”, de repetição. O contraste entre estes dois fios de relações entre lugares constrói a transição entre os contextos dentro (“home in”) e fora (“home out”) de casa. A repetição de “way”, juntamente com o contraste entre as qualidades “long”, “short” e “quick”, constrói a gradação do sentimento de ansiedade do protagonista em relação a esta transposição.

No texto traduzido, as relações entre lugares são construídas com as instâncias “casa”, “casa da vovó”, “floresta”, e “caminho/s” em “caminhos”, “caminho comprido”, “caminho curto”, “caminho mais longo” e “caminho mais rápido” (e mais tarde na Resolução com a instância “caminho”). Há uma instância a mais de “caminho” no texto traduzido, avaliada com a qualidade “longo”, graduada por “mais” (“caminho mais longo”), em relação de sinonímia com “comprido” de “caminho comprido”. Nas instâncias “caminho curto” e “caminho mais rápido”, além da relação de sinonímia, também há gradação por “mais”. A instância a mais de repetição e a instância a mais de sinonímia nas relações entre lugares e qualidades no texto traduzido, juntamente com o recurso da gradação “mais”, sugere, em uma escala, um grau mais alto da ansiedade do personagem.

A instância “there” na verbiagem complementar de uma das imagens do texto-fonte (“Dad wasn’t there”) é traduzida por “casa” (“O papai não estava em casa”), uma instância a mais na relação de repetição de lugares, mencionada acima. No texto-fonte, o dêitico “there” é um recurso textual usado, de rastreamento da “casa”, retratada pela sala de jantar da imagem, enquanto no texto traduzido pode-se dizer que a relação de repetição é mais explícita que o rastreamento e, além disso, o uso de mais uma instância de “casa” constrói no fio de relações o significado de proteção e segurança.

Quanto às relações nucleares e, especificamente, a agência na Complicação, constata-se que o protagonista é participante de orações das verbiagens complementares das imagens, cujos eventos são realizados por processos mentais, verbais e relacionais, ou mesmo de ação, em “woken up” (“One night I was woken up by a terrible sound”), mas sem agência do protagonista. Além disso, ele recebe as ordens da mãe para agir (ir até a casa da avó e tomar o caminho mais longo). A sequência de atividades constrói uma relação de adição e de expectativa entre os eventos da Complicação. A expectativa só não será preenchida ao se iniciar a Resolução, quando o protagonista decide tomar o caminho da floresta.

Resolução

Na Resolução, inicia-se uma nova sequência de atividades em um novo contexto. Após a primeira imagem, todos os eventos fazem parte de uma mesma sequência, que é o trajeto pela floresta até a casa da avó; todos os cenários são a floresta, com uma nova perspectiva a cada imagem. A cada imagem desse estágio, supõe-se o desdobramento de sucessão temporal.

Na primeira fase, o garoto é retratado pela primeira vez na floresta. Há uma mudança de cenário em maior escala, para um ambiente distante de casa e desconhecido. Nele, o garoto adentra o caminho pela floresta, realizando a ação de caminhar e levando a cestinha. As segunda e terceira fases da Resolução constroem ideacionalmente testes à jornada do protagonista, seguida de reação atitudinal do personagem. Os personagens de contos de fada João (de João e o pé de feijão) e Cachinhos Dourados representam os testes. A reação aos testes por parte do protagonista é de firmeza, de seguir em frente em sua missão de levar o bolo para a avó. O contexto das imagens é a floresta. Por sua aparência e atributos (as vestimentas e a vaca de João) é possível inferir sua identidade intertextual; em adição, o protagonista, João e Cachinhos Dourados são classificados como pessoas de idade e classe social semelhantes, crianças de estrato social mais baixo. A quarta fase da Resolução difere-se das duas anteriores por ser representada em uma só imagem. Nessa fase, que também é de teste seguido de reação, aparecem os personagens João e Maria. Os novos personagens, por comparação de coclassificação com o protagonista, são construídos também como crianças pobres. A imagem é conceitual, sem processos de ação.

A próxima fase, conforme Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., é uma fase de conflito interno. Nesta fase, ele assume integralmente a identidade da Chapeuzinho Vermelho. Na primeira imagem da fase, o protagonista vê um casaco vermelho; na segunda, ele aparece trajando o casaco e, tomado pelo medo do lobo, corre e corre, com a impressão de ter-se perdido do caminho pelo qual seguia na floresta, até encontrar a casa da avó, o que é retratado na imagem seguinte. A floresta passa para segundo plano, atrás da casa e esta tem orelhas de lobo.

A fase seguinte, em que a missão é cumprida após os testes e constroem-se os significados de alívio da tensão e segurança, há uma sucessão de atividades dentro de uma mesma sequência. O personagem principal encontra a sua avó, e depois seu pai, no mesmo cenário (casa da avó), visto de perspectivas diferentes. Os membros da família são os únicos que aparecem nas imagens e são identificados na verbiagem. Em uma nova sequência de atividades, juntos, pai e filho voltam para casa, onde encontram a mãe do protagonista esperando-os. Esta sucessão é retratada pela mudança de contexto, a casa do protagonista. Pai e filho aparecem do lado de fora da casa, com a porta instanciando o retorno à casa e à segurança (“home in”). Na última imagem da narrativa a mãe reaparece em um cenário descontextualizado, de fundo branco. A descontextualização tem a função de destacar o significado do retorno do menino para a segurança de sua família. O reaparecimento da mãe e a descontextualização na imagem são convergentes com a instância “Mum” e com a ausência de circunstâncias, respectivamente, na verbiagem.

Com relação às relações taxonômicas na verbiagem destas fases, há repetições da qualidade “poorly”, atribuídas à avó pelo protagonista e a João por ele mesmo. Há ainda repetições de coisas, “basket” e “cake”. Essas repetições intensificam a insistência das crianças e seu desejo pelo bolo, os quais constroem os testes à jornada.

Retomando as relações taxonômicas da verbiagem do texto-fonte, há as instâncias “Dad and Mum”, os personagens do conto João e Maria, não retratados na imagem, mas evocados pelo conhecimento anterior deste conto. No que diz respeito a qualidades, a floresta, na verbiagem “The forest was becoming darker and colder” é avaliada por duas qualidades negativas em sinonímia, “darker” e “colder”, resultando em gradação do medo e insegurança. Assim, o teste desta fase é menos relacionado à missão de levar o bolo à avó e mais relacionado à missão de encontrar o pai, funcionando como mais um gatilho para o medo do abandono parental. Voltando aos personagens, há uma instância de “bad wolf”. É o último personagem do conto de fada referido na narrativa, e reforça a construção do protagonista como Chapeuzinho Vermelho. Na verbiagem da imagem adjacente, há a instância “strange voice”, em relação de meronímia com um personagem atrás da porta que conversa com o protagonista. Em sinonímia com “bad” em “bad wolf”, a qualidade “strange” conferida à voz gradua para mais o sentimento de medo/insegurança, uma vez que o protagonista não reconhece a voz da avó. Todos esses elementos intensificam o medo do protagonista.

No que diz respeito às relações taxonômicas de processos, a repetição é instanciada por “walk on” (“I walked on”) nas três fases de testes, o que constrói sua força para enfrentar a jornada. Na fase de conflito interno, ela é instanciada por “run”, expressando o sentimento de medo e ansiedade. Se por um lado os processos nesta fase (“run, ran, ran”) – junto com as qualidades (“deeper, deeper”, “lost”) – evocam os sentimentos de medo e insegurança e a relação de repetição aumenta o grau desses sentimentos, por outro, a repetição de “run”, similarmente à repetição de “walk on”, em eventos em que o protagonista é agente, parece aumentar sua força para enfrentar aqueles sentimentos. Finalmente, ressalta-se a repetição de “push” em verbiagens complementares a imagens em que é feita a transposição de fora para dentro, a primeira para a casa da avó e a segunda para a sua própria casa (“I pushed the door open”, “I pushed open the door”). Estas instâncias de repetição, situadas nos cotextos com outras instâncias, têm a função de intensificar o sentimento de coragem para concluir a missão, gradativamente; na primeira, ainda há o elemento de suspense (quem estará dentro de casa, a avó ou o lobo?), na segunda, há a certeza de ser recebido pela mãe e trazer uma surpresa, o pai, de cujo paradeiro sua mãe parecia não saber (“she didn’t seem to know [when Dad was coming back]”).

Quanto às relações nucleares e, especificamente, à agência em todas as fases da Resolução, ressalta-se que neste estágio o protagonista é participante de um número maior de processos de ação nas orações das verbiagens complementares. O estágio é marcado no início pela decisão do personagem (“I chose the path...”) e o constrói como agente de várias ações nos eventos no desenrolar das fases. Em todas as fases de “testes” ele os vence. Na fase de conflito interno, o protagonista veste (“I put [it – the coat] on”) o casaco e a identidade de Chapeuzinho Vermelho. Com medo do lobo, ele começa a correr (“I started to run”); ele corre e corre (“I ran and ran, deeper into the forest”), adentrando a floresta. Embora sentindo-se perdido (“I was lost”) continua até encontrar a casa da avó, bate na porta (“I knocked on the door”), abre-a (“I pushed the door open”) e, finalmente, entra na casa devagar (“I slowly crept in”).

Em relação à sequência de eventos de que o protagonista participa no desenrolar das fases da Resolução, uma maioria de processos mentais de percepção realizam os eventos, construindo uma relação de adição e de expectativa entre eles. Quando o protagonista assume a agência de processos materiais, enfrentando e vencendo cada evento de cada fase, instancia-se a quebra da expectativa. Sempre que esta expectativa é quebrada é feita a transição de uma fase para a outra. Na fase final, de solução definitiva, o protagonista é agente em um número menor de eventos com processos de ação, em alguns em conjunto com a avó ou com o pai (“We all had a hot drink...”; “When we got home...”). Ressalta-se que ele é agente do último evento, abrir a porta para retornar à casa (“I pushed open the door”), o que constrói a transposição de fronteiras, agora no sentido contrário.

Com relação às variações semânticas, no texto traduzido, nas relações taxonômicas entre qualidades, há a escolha da sinonímia em “não estar passando (muito) bem” e “não estar bem” para traduzir a repetição de “poorly” no texto-fonte. No exemplo 1 está ilustrada a variação:

“No, it’s for my poorly grandma,” I said, and walked on.

“I’m poorly,” I heard him saying, “I’m poorly…”

- Não, ele é para a minha vó, que não está passando muito bem - falei, e continuei andando.

- Eu não estou passando bem - ouvi ele dizer -, eu não estou bem…

A variação de repetição para sinonímia na construção ideacional do texto traduzido ao mesmo tempo que reduz o volume do significado interpessoal de gradação, aumenta-o como item gramatical de gradação “mais”, não instanciado no texto-fonte. Considera-se, em uma escala, a repetição como recurso de gradação de efeito maior na prosódia de intensificação que a sinonímia.

Há uma instância a mais de “bolo” que no texto-fonte, em que se instancia um recurso de rastreamento, resultando em um grau maior na escala de gradação do sentimento evocado pela insistência dos personagens, considerando-se que a repetição (ideacional) é um recurso também interpessoal enquanto o rastreamento (textual) não o é. O exemplo 2 mostra a variação:

2) “But it’s a lovely little cake, I’d like one like that…”

- É um lindo bolinho, eu adoraria provar um bolinho assim…

Enquanto no texto-fonte instancia-se a repetição do “walked on” nas três fases de testes, no texto traduzido em duas delas instancia-se a repetição da instância “continuei andando” e a sinonímia, com a instância “seguia em frente”, como mostra o exemplo 3:

3) As I walked on I could hear the dreadful sound of the girl crying, but what could I do?

Enquanto seguia em frente ouvi o som terrível do choro da garotinha, mas o que eu podia fazer?

A escolha no texto-fonte do recurso ideacional de repetição dos processos resulta em um grau maior da prosódia de intensificação do significado interpessoal dos eventos, do que a escolha do texto traduzido por usar uma instância ideacional de sinonímia de um dos eventos na série.

Na quarta fase, no texto-fonte, enquanto o protagonista é agente do evento “trazer um bolo da mamãe” (“I’ve brought a cake from Mum”), destaca-se que a variação semântica no texto traduzido “A mamãe mandou um bolo para você” confere a agência à mãe. Se considerarmos que o grau de agência é construído em um crescendo no desenrolar das fases, pelo efeito prosódico de saturação de eventos em que o protagonista é agente, os quais o conduzem ao cumprimento de sua missão e à resolução definitiva do problema, no texto traduzido esta saturação é reduzida em um grau na escala, com a instância de agência transferida para a mãe.

Discussão dos resultados

Este trabalho amplia o escopo de Cunha (2018)Cunha, Gabriela de Souza. Rose e Jack em The Tunnel, de Anthony Browne: um estudo da representação de gênero baseado na leitura de narrativas visuais e na semântica do discurso. 2018. 37 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. e Casali (2018)Casali, Lucia Kiesling. A tradução intermodal e interlinguística: uma perspectiva Semântico-Discursiva e Sociossemiótica sobre a narrativa ilustrada infantil Clifford The Big Red Dog e sua reinstanciação em português. 2018. 36 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. ao adicionar a perspectiva da função ideacional da imagem e ideação na verbiagem à perspectiva da função interpessoal da imagem e à valoração na verbiagem. Amplia também o estudo de Martin (2008)Martin, James R. & Rose, David. Genre Relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. ao identificar as mudanças de agência do protagonista na verbiagem com as fases dos estágios da narrativa, associando os padrões de agência encontrados aos significados de (in)segurança.

Em relação ao estudo de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., este artigo além de apresentar resultados de análise obtidos com a lente da função ideacional, associa-o aos resultados obtidos em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. com a lente da função interpessoal, além de considerar a imagem na análise dos estágios da estória. Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. analisa especificamente o acoplamento de estilo do desenho e expressão facial na imagem e de recursos valorativos de emoção na verbiagem. Este trabalho analisa a interação de recursos de relações entre personagens, entre eventos e entre circunstâncias na imagem e relações taxonômicas de repetição e sinonímia na verbiagem. Para além disso, associa as relações de repetição e sinonímia, recursos ideacionais, à gradação, recurso interpessoal, e seu efeito na prosódia de intensificação na verbiagem.

Também se segmentaram de modo distinto de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. os dois estágios da narrativa, com base na agência do protagonista na verbiagem e na infusão por ativação de cores, recurso do sistema de ambiência, da função interpessoal da imagem, não abordado pela autora. Assim, a última fase da Complicação, proposta em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., é identificada aqui como primeira fase da Resolução, com base em mudanças de ambiência na imagem e da agência do protagonista na verbiagem, associados ao Tema marcado da oração que inicia o estágio.

Em relação às perguntas de pesquisa, a primeira indagou quais recursos ideacionais interagiam com os recursos interpessoais já analisados em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011.. As relações de classificação na imagem permitiram mostrar uma identificação dos personagens em relações familiares, de faixa etária e de classe social. O pai na estória é um membro da família cuja ausência, representada por vários recursos ideacionais na imagem, evoca emoções negativas no personagem, de infelicidade e insegurança. As crianças, personagens de contos de fada que estão, de uma forma ou de outra, desamparadas pelos adultos, encontradas pelo protagonista no trajeto pela floresta (as fases de testes), constroem uma tensão cujo efeito é a intensificação de sua insegurança.

As relações taxonômicas de hiponímia construídas para os personagens na verbiagem são convergentes com as relações de classificação na imagem. A taxonomia de coisas constrói a identidade intertextual dos personagens. Em especial, as relações de repetição e de sinonímia entre coisas, processos, lugares e qualidades têm também valor interpessoal, uma vez que graduam as atitudes de (in)segurança e (in)felicidade na narrativa, intensificando essas emoções.

Com relação às relações nucleares e, especificamente, à agência do protagonista, os resultados mostraram, por um lado, que este é participante de um número menor de orações com eventos cujos processos são de ação nas fases em que predominam os recursos atitudinais de insegurança. Mostraram, por outro lado, que o protagonista é agente em eventos com processos de ação, desde a decisão pela escolha do caminho a seguir pela floresta, até o enfrentamento dos testes e conflito interno para vencer a batalha da jornada e retornar para casa. Os padrões de agência se mostraram como um dos recursos centrais para a segmentação da narrativa em estágios.

Os resultados mostraram também que os recursos de infusão por ativação ou não da ambiência (pelo menos no cenário ou circunstâncias), por meio do uso de cores ou textura, e a escolha de cores quentes ou frias interagem com os recursos interpessoais estudados por Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011.. Essas escolhas representam o ambiente seguro e familiar (quando a ambiência é ativada e há calor) e o ambiente estanho e de incertezas (quando há mais textura que cor a qual, quando usada, é fria). No que diz respeito às relações entre eventos, as escolhas de desdobramento por sucessão, identificadas na análise, marcam as sequências nas imagens. Com relação às circunstâncias, os recursos que realizam instâncias de entrada (“home in”) e saída (“home out”) de casa, representam o cruzamento da fronteira entre os ambientes já citados anteriormente, convergindo com os sentimentos de ansiedade e de (in)segurança. A interação entre ambiência, relações entre eventos e circunstâncias e agência permitiu identificar a segmentação da narrativa em estágios e fases de modo distinto daquele proposto em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011..

A segunda pergunta questionou o papel da interação entre a função ideacional e interpessoal na construção dos padrões de cada estágio e fase da narrativa. Na Complicação, a repetição de itens relacionados à floresta intensifica o sentimento de ansiedade do garoto. O protagonista é participante de eventos cujos processos são mentais e verbais na verbiagem e na imagem. A instância “home out” serve para demarcar sua saída do ambiente seguro do lar, e a ausência do pai nas imagens corrobora sua ansiedade. As relações entre qualidades e coisas na verbiagem e na imagem constroem a relação intertextual da narrativa com os contos de fada e posicionam o protagonista como Chapeuzinho Vermelho, com uma jornada a ser realizada e uma missão a ser cumprida.

Nas fases de teste da Resolução, os significados construídos pelos recursos ideacionais convergem com aqueles construídos pelos recursos interpessoais, os significados valorativos de ansiedade e insegurança que marcam a jornada do protagonista. Os personagens dos contos de fadas encontrados durante a jornada do protagonista são crianças também pobres e sozinhas, o que converge com os sentimentos de ansiedade e medo do abandono nessas fases da estória. Por fim, na fase de conflito interno o ambiente das imagens é a floresta, que evoca sentimentos negativos. Nesta fase, tendo chegado à casa da avó, a porta da casa (“home out”) marca a divisão entre a floresta e a casa da avó, e evoca a incerteza a respeito do que o protagonista encontrará lá dentro, tendo em vista as relações intertextuais com o conto Chapeuzinho Vermelho. Na fase final da Resolução, os recursos interagem para construir os significados de segurança e felicidade. A qualidade atribuída à avó é positiva (“all right”), e o aparecimento dos adultos converge para construir segurança. Na primeira circunstância, a casa da avó, a ambiência contribui para a construção do sentimento de segurança e felicidade. Na última instância que antecipa o retorno (“home in”), o personagem principal está à porta de sua própria casa, antecipando o fim da narrativa, com o cruzamento da fronteira entre o mundo lá fora e a segurança da casa.

A análise ideacional realizada neste trabalho, associada à análise interpessoal de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., mostra, pois, que a interação entre os recursos ideacionais e os recursos interpessoais na narrativa estudada permite identificar o papel da gradação na construção de uma prosódia de intensificação dos significados interpessoais de cada estágio na construção do tema da estória. Desta forma, mostrou-se que os recursos das duas funções interagem para graduar sentimentos de infelicidade na Complicação, insegurança nas primeiras partes da Resolução e felicidade e segurança no fim da Resolução.

A terceira e última pergunta diz respeito às variações semânticas na tradução e os seus efeitos para a citada interação. Na tradução, as variações semânticas incidem principalmente em itens usados para construir relações taxonômicas. Na taxonomia de lugares, a escolha por usar a sinonímia no texto traduzido para instâncias de repetição no texto-fonte parece diminuir o grau da gradação e a consequente prosódia de intensificação do significado interpessoal de ansiedade. Assim, no estágio da Complicação, o efeito prosódico de intensificação dos significados negativos é reduzido. O mesmo ocorre na relação taxonômica entre qualidades, com a escolha da sinonímia no texto traduzido para traduzir a repetição no texto-fonte. Por outro lado, a escolha pela repetição de “caminho” no texto traduzido para uma instância de sinonímia “way e path”, além do uso de uma instância a mais de “caminho” que as instâncias de “way” no texto-fonte, tem a função de aumentar a gradação e a prosódia de intensificação do significado de insegurança da fase de conflito interno da Resolução. Finalmente, no que tange à agência, a variação no papel de agente no par “I’ve brought a cake from Mum”/“A mamãe mandou um bolo...” carrega menos significado interpessoal em relação à persistência do protagonista em seguir sua jornada e vencer seu medo e insegurança.

Conclusão

Este trabalho se baseou na leitura de narrativas visuais de Painter, Martin & Unsworth (2013)Painter, Clare; Martin; James R. & Unsworth, Len. Reading visual narratives: image analysis of children’s picture books. Sheffield: Equinox Publishing, 2013. e na semântica do discurso de Martin & Rose (2007)Martin, James R. & Rose, David. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007. para estudar a interação entre o significado ideacional e o interpessoal no livro ilustrado Into the Forest, de Anthony BrowneBrowne, Anthony. Into the Forest. London: Walker Books, 2005., e suas variações semânticas em Na floresta, traduzido por Clarice Duque Estrada. Retomou estudos empíricos já realizados com livros ilustrados, tendo como base a teoria sociossemiótica e, entre eles, mais detalhadamente Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011.. A autora estudou a função interpessoal no livro escolhido para o presente trabalho, enfocando o papel dos padrões de recursos de expressão de emoção e sentimentos na imagem e na verbiagem na construção da insegurança e ansiedade do protagonista e na segmentação da narrativa verbal em estágios e fases.

Os objetivos principais do presente trabalho, relacionar a construção da experiência com a expressão de sentimentos na narrativa bimodal Into the Forest; rever a segmentação desta narrativa à luz da nova perspectiva de análise; e identificar variações semânticas na tradução da narrativa citada e seus prováveis efeitos na citada interação de recursos ideacionais e interpessoais, foram atingidos. Para alcançá-los, o artigo baseou-se nas teorias citadas acima e usou a metodologia proposta por elas e desenvolvida em Casali (2018)Casali, Lucia Kiesling. A tradução intermodal e interlinguística: uma perspectiva Semântico-Discursiva e Sociossemiótica sobre a narrativa ilustrada infantil Clifford The Big Red Dog e sua reinstanciação em português. 2018. 36 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. e Cunha (2018)Cunha, Gabriela de Souza. Rose e Jack em The Tunnel, de Anthony Browne: um estudo da representação de gênero baseado na leitura de narrativas visuais e na semântica do discurso. 2018. 37 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018., estes últimos introduzindo o uso de planilhas eletrônicas tomando o modelo de base como ponto de partida.

Partiu-se das hipóteses de que a interação de recursos complementares ideacionais e interpessoais solicitados na imagem e na verbiagem do livro ilustrado é produtiva para a expansão dos resultados de Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. com relação a padrões na narrativa. Esta hipótese foi confirmada pelos vários aspectos abordados no presente estudo. O primeiro deles foi a segmentação distinta da narrativa em estágios e fases, segundo proposta de Martin & Rose (2008)Martin, James R. & Rose, David. Genre Relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.. Ao levar em conta as relações entre personagens, eventos e circunstâncias na imagem em interação com a agência do personagem principal da estória, todos estes recursos ideacionais, em conjunto com os valores atitudinais identificados em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. e a ambiência, não abordada pela autora, foi possível argumentar que o estágio da Complicação termina antes da fase que Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. interpreta como primeira da Resolução. Foi possível ainda argumentar que a fase final da Resolução tem início quando a escolha nas imagens é pela infusão por ativação da ambiência e, novamente, o uso de cores nas imagens. Os padrões de recursos valorativos identificados em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011., de insegurança instigada pelo abandono, por outro lado, convergiram com o uso de mais textura que cor nas imagens. A sequência de eventos e as circunstâncias retratadas na imagem, com o portal da casa do personagem, marcando sua saída da segurança do lar, convergiram também para justificar a segmentação. Por outro lado, os padrões de recursos valorativos de segurança em família, em convergência com o uso de cores e com o portal marcando o retorno para segurança do lar, permitiram segmentar o início da fase final da Resolução diferentemente. Recursos de pontuação na verbiagem, com efeitos para o padrão de emoções ainda típicas da Complicação, em interação com a ambiência também possibilitaram argumentar por uma segmentação distinta.

O segundo aspecto foi o da interação da repetição e sinonímia, recursos ideacionais, com a gradação de valores atitudinais, recursos interpessoais. Os recursos atitudinais de afeto, estudados em Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011. e associados neste artigo à gradação, permitiram argumentar a favor principalmente de uma prosódia de intensificação que converge com os demais recursos detalhados acima para construir a narrativa em seu desenrolar em estágios e fases. Em relação a esta hipótese, ressalta-se que a sequência entre eventos, em especial, em interação com a função textual da imagem, não estudada aqui, pode trazer mais elementos para auxiliar em uma segmentação mais precisa de estágios e fases, considerando-se imagem e verbiagem em conjunto.

Partiu-se ainda da hipótese de que variações semânticas na verbiagem da tradução teriam efeito na interação entre recursos ideacionais e interpessoais. Variações semânticas de ideação foram identificadas como decorrentes de instâncias de rastreamento (recurso textual) para instâncias de repetição (recurso ideacional) resultando também em instâncias de gradação (recurso interpessoal), uma vez que instâncias de repetição e sinonímia de itens lexicais ideacionais têm significado interpessoal. As variações foram também decorrentes de instâncias distintas de repetição ou sinonímia. A tradução de repetição por sinonímia, com efeito na prosódia de intensificação, reduz o volume da gradação e pode ter efeito na construção dos significados interpessoais, nas narrativas visual de verbal. Na tradução, identificaram-se tanto variações de repetição, usando-se sinônimos ou as mesmas palavras, com efeitos opostos na gradação e prosódia de intensificação. Tendo em vista estes resultados, considera-se que para a confirmação plena desta hipótese são necessários outros estudos para verificar-se mais precisamente padrões de variação semântica.

O presente trabalho abre espaço para novas investigações do papel da atuação conjunta das três funções da imagem e da verbiagem na segmentação da estória e na identificação de padrões de significados convergentes destas funções nos dois modos. Abre espaço, ademais, para estudos mais aprofundados de variações semânticas de relações taxonômicas de repetição e sinonímia e sua função interpessoal de gradação em textos traduzidos para verificação de padrões e efeitos na construção de significados. Adicionalmente, ele contribui para os estudos sociossemióticos de livros ilustrados com enfoque em significados que se constroem na interação da imagem e da verbiagem, com resultados novos sobre segmentação de narrativa e atuação conjunta de significados ideacionais e interpessoais. Contribui, ainda, com os estudos da tradução ao introduzir a questão das variações semânticas na verbiagem de livros ilustrados traduzidos e efeitos para significados construídos na atuação conjunta destes significados em relação à imagem.

  • 1
    Este item lexical passou por mudança ortográfica na língua portuguesa, no entanto, aqui ele é usado como termo técnico.
  • 2
    Para as relações entre circunstâncias na imagem não há significados complementares na verbiagem; as colunas foram, assim, sombreadas com cinza claro.
  • 3
    As imagens serão descritas, uma vez que a permissão para sua reprodução não foi obtida até a data da redação do artigo.
  • 4
    A maioria das fases da narrativa foram nomeadas com base em Martin & Rose (2008)Martin, James R. & Rose, David. Genre Relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., exceto “interação”, nomeada em Dias (2018), com base em Macken-Horarik (2003), e “teste”, nomeada por Tian (2011)Tian, Ping. Multimodal evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 2011. 360 p. Thesis (Ph.D. in Philosophy) – University of Sidney, Faculty of Arts and Social Sciences, Sydney, 2011..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2022
  • Aceito
    22 Jul 2022
  • Publicado
    Nov 2022
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
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