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ENTREVISTA COM FAN XING E FRANCISCO FOOT HARDMAN

Entrevista realizada com Francisco Foot Hardman e Fan Xing, que discorrem sobre a edição bilíngue do livro Viagem à América do Sul, de Ai QingAi Qing, Francisco Foot Hardman (Org.). Viagem à América do Sul. Tradução de Fan Xing. São Paulo: Editora da Unesp, 2019. (Jinhua, 1910 – Pequim, 1996), um dos maiores poetas da literatura moderna chinesa. Suas obras foram traduzidas para diversas línguas ocidentais e orientais. Em 1954, Ai Qing realizou uma viagem pela América do Sul, na ocasião do cinquentenário de Pablo Neruda. Nesse livro, temos 21 poemas vinculados diretamente a essa viagem do poeta reunidos em um único volume. Também é o primeiro livro de Ai Qing traduzido diretamente do chinês para o português brasileiro, editado e publicado no Brasil. O livro ganhou o prêmio da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU) em 2020 e foi um dos finalistas do prêmio Jabuti na categoria “Tradução”.

Fan Xing é professora assistente do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Pequim, atuando nas áreas de literatura brasileira, estudos culturais e tradução literária. É doutora em Teoria e História Literária pela Unicamp. Traduziu do português para o chinês Tenda dos Milagres, A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água, Três Contos Ilustrados e O Menino Grapiúna, de Jorge Amado; Brasil: País do Futuro, de Stefan Zweig; O Demônio e a Srta. Prym, de Paulo Coelho; Jesusalém, de Mia Couto, entre outros.

Francisco Foot Hardman é professor titular na área de Literatura e Outras Produções Culturais do Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, onde leciona desde 1987. É pesquisador 1-A do CNPq na área de Letras. Foi professor visitante em várias instituições, dentre elas na Universidade de Pequim, de 2019-2020. É autor de Meu Diário da China: a China real aos olhos de um brasileiro (Pequim, PKU Press, 2021, edição bilíngue). É coautor de China Contemporânea: seis interpretações (Belo Horizonte, Autêntica, 2021).

Cadernos de Tradução (CT): Parabéns pelo prêmio ABEU e pela indicação como finalista do prêmio Jabuti, maior prêmio de tradução do Brasil. Acreditamos que seja a primeira vez que uma tradução literária do chinês para o português ganhou um prêmio de tradução no Brasil. Como foi saber da premiação?

Fan Xing (FX): Na verdade, não é a primeira vez que uma tradução literária de chinês para português ganhou prêmio no Brasil, porque, em 2014, a Antologia da poesia clássica chinesa ganhou o segundo lugar do prêmio Jabuti. Mas acredito que seja a primeira vez que uma tradução da literatura chinesa contemporânea ganhou prêmio no Brasil (primeiro lugar na ABEU e finalista no Jabuti).

Francisco Foot Hardman (FFH): Ficamos muito felizes com a premiação e a indicação, claro. Sobretudo nos tempos que correm, porque imaginamos que este reconhecimento contribui para aprofundar os laços de amizade entre os nossos povos e afastar os malefícios do preconceito e do estereótipo.

(CT): Gostaríamos de saber como surgiu esse projeto. Qual foi a motivação da escolha desse poeta e da tradução das poesias da viagem dele?

(FFH): Creio que responderemos mais detalhadamente na questão nº: 4. Aqui, quero apenas ressaltar que Fan Xing, logo que começamos a conversar sobre Ai Qing, confessou-me que era um poeta canônico na China, que ela leu obrigatoriamente durante o ensino médio e que tinha particular predileção pela sua poesia, tendência algo incomum na sua geração, lembrando que o poeta viveu entre 1910 e 1996. Isso me pareceu uma boa razão para que pesquisássemos sua obra e fôssemos perseguir os rastros de sua viagem poética à América do Sul.

(FX): Assim como o Prof. Foot falou, o projeto foi surgindo pouco a pouco após várias conversas que tivemos sobre Ai Qing. Mesmo que seja um poeta canônico na China, a grande maioria dos chineses só conhece alguns poemas mais famosos dele, tais como “Rio Dayan: minha ama de leite”, “Neve cai na terra da China” etc. Fiz uma matéria de literatura chinesa contemporânea no último ano de faculdade, por isso li a obra completa dele e só soube naquele momento que Ai Qing escreveu três poemas no Brasil. Portanto, traduzir os poemas de Ai Qing não só possibilita aos leitores brasileiros conhecerem um grande poeta chinês, mas também ajuda a restaurar a história e intensificar a amizade sino-brasileira.

(CT): Como vocês organizaram o trabalho de tradução e de pesquisa?

(FFH): O relato desse processo está contado resumidamente na próxima resposta. Foram cerca de 6 anos de trabalhos de pesquisa, tradução, introdução, nota biográfica e edição. Sublinho aqui o cotejo possível com 10 dos 21 poemas que compõem nosso corpus em diferentes traduções esparsas em línguas ocidentais (francês, inglês, italiano, alemão, espanhol e português lusitano de Macau). E, também, o esboço de roteiro que foi viável fazer a partir da reunião parcial, pelo próprio Ai Qing, de poemas de sua viagem, em importantes revistas literárias chinesas, como Diário da Luz() e Literatura do Povo(), entre 1954 e 1957.

(CT): Quanto tempo levou a tradução dos poemas e o projeto como um todo?

(FFH): Tenho aqui guardado o exemplar da antologia de poemas de Ai Qing publicada em Macau, em 1987, que me foi presenteado com dedicatória por Fan Xing, em agosto de 2012! Ela e sua colega Ma Lin haviam ingressado em nosso programa de pós-graduação e tinham sido minhas excelentes alunas no semestre anterior. Eu já tinha ouvido falar do poeta, que é pai do hoje célebre artista global Ai Weiwei, e daí me interessei não só pela sua vida e obra, mas em especial por essa viagem ao nosso continente, em parte esquecida, no ano de 1954. Lentamente, começamos a pensar neste projeto, que ganhou grande impulso quando viajamos para a China, no outono de 2015, na comitiva que começava as negociações do acordo bilateral de cooperação entre a Unicamp e a Universidade de Pequim. As pesquisas de fontes ali realizadas foram essenciais. E a localização do livro póstumo de Ai Qing, Diário de viagem, editado em 2004, em Xangai, a partir do caderno manuscrito de sua memorável viagem, guardado até ali, carinhosamente, por sua esposa Gao Ying, foi um pequeno tesouro que nos permitiu reconstituir, passo a passo, aqueles dois longos meses de travessia poética transcontinental. A partir daí, muitas reuniões e muitas correspondências, muitas versões e muitas discussões, até a versão definitiva, no segundo semestre de 2018. Incluindo mais duas viagens à China, em 2017. Além de pesquisas complementares em bibliotecas da França e Itália. Gostaria de lembrar, também, que em julho de 2018, viajei ao Chile, estive na Fundación Pablo Neruda, em Santiago, e na mítica casa-museu da Isla Negro, cenário de vários poemas de Ai Qing no livro. E, lá, pude constatar a permanência da paisagem que tanto o emocionou e inspirou poemas como “Penedo” e “Alga Marinha”. A foto que tirei e que ilustra nossa capa é testemunha disso.

(CT): Qual foi o maior desafio para vocês durante a realização da tradução dos poemas de Ai Qing? E podem nos dar algum exemplo específico?

(FX): É a primeira vez que traduzi uma obra literária do chinês para o português e, para minha surpresa, encontrei dificuldades de compreender alguns versos do texto original, porque às vezes uma palavra pode ter vários sentidos. Por isso, um dos maiores desafios para nós foi escolher a palavra certa em português.

Ainda me lembro claramente de como a gente escolheu o título do poema “Penedo”. Como o título original de pode ser traduzido como rochedo, penedo, escolho ou recife, nós pensamos e discutimos por muito tempo a melhor tradução de acordo com o conteúdo do poema.

Outro exemplo é “abriu uma garrafa de vinho”, de “Despedida”. Na primeira versão traduzi como “abriu uma garrafa de aguardente”, porque no texto original é “”, e pode se referir a qualquer bebida alcoólica. Mas o prof. Foot salientou que o poema foi escrito no Chile. Lá, a bebida alcoólica mais comum é o vinho e não aguardente. Então alteramos a tradução.

(CT): Quais são as características mais marcantes das poesias da viagem de Ai Qing? Essas características são semelhantes àquelas apresentadas em outras poesias famosas dele?

(FX): Eu acho que as características mais marcantes de Viagem à América do Sul são a simplicidade de linguagem e a sinceridade de expressão. Sendo um poeta revolucionário que fala diretamente com e pelo povo, Ai Qing escreve de forma concisa e clara, e sabe usar metáforas e símbolos impressionantes para representar a realidade. Outras poesias famosas dele também têm estas características.

(CT): Qual o lugar que esse autor, Ai Qing, ocupa na tradição literária chinesa?

(FX): Ai Qing é um dos nomes mais importantes na poesia moderna chinesa. É um poeta obrigatório nos ensinos primário e secundário na China. Além de poemas, ele também escreveu ensaios sobre a poesia, nos quais levantou a teoria de que a poesia deve ser um elo e uma combinação de verdade, bondade e beleza, e destacou a importância da “beleza da prosa” para a poesia.

Tanto seus poemas quanto seus ensaios exerceram grande influência na literatura chinesa. Na minha opinião, as maiores contribuições que ele fez à poesia chinesa são: 1. Combinar o estilo livre da poesia moderna europeia com a oralidade do chinês moderno. 2. Conciliar o conflito entre a estética e a ética na criação de poesia. No período da Nova Revolução Democrática (1919-1949), na China havia duas correntes literárias principais: uma apoiava a “arte pela arte” e a outra “arte pela revolução”. Porém, Ai Qing não só critica a “literatura pura” e afastada dos problemas nacionais, pois acha que os poetas precisam carregar a responsabilidade de falar pelo país e pelo povo, mas também deprecia a poesia propagandística, pois insiste na beleza/sinceridade da poesia.

(CT): A tradução dos poemas deste livro parece que adotou o método mais domesticador, em vez do método de tradução estrangeirizante. Ou seja, parece que vocês optaram por ficar mais próximos da cultura de chegada. Esse procedimento foi “intencional”?

(FX): Sim, acho que foi intencional. Considerando que, na China, Ai Qing pertence aos poetas que escrevem para a massa, não queríamos criar dificuldades ou estranheza para os leitores brasileiros. Assim, pode-se manter melhor as características de Ai Qing.

(FFH): Além desse ponto essencial destacado por Fan Xing, convém sempre lembrar que Ai Qing foi um poeta moderno, inteiramente atualizado com a poesia francesa que conheceu, ainda jovem, em sua estadia na França, na crucial passagem dos anos 20 para os anos 30. Ele logo entendeu o papel do verso livre e da coloquialidade temática e de linguagem da poesia contemporânea.

(CT): Na tradução, percebe-se que há algumas omissões de verbos ou preposições presentes nos poemas de Ai Qing. Isso foi feito para manter a concisão do português na sintaxe poética? (Como, por exemplo, em Jovem Negra Cantando, “No tabuleiro, (tem/há) uma jovem negra, (ela é muito) encantadora, passeia e canta…). Comentem, se possível, sobre esse procedimento.

(FFH): Sim, buscamos, sempre que possível, especialmente nos poemas mais curtos, manter um ritmo entre os versos e, ao mesmo tempo, a percepção do movimento de corpos e objetos pelo olhar do poeta-viajante, a sinestesia das imagens por ele criadas.

(CT): Ao traduzir um poema, sabemos que é quase impossível manter todas as suas características. Então, na tradução dos poemas de Ai Qing, qual ou quais foram os elementos que vocês procuraram manter?

(FFH): Sem nenhum apelo vanguardista a que, acredito, nem Fan Xing nem eu somos chegados, trata-se de buscar, sempre, uma solução de inteligibilidade circulante entre as culturas de “partida” e de “chegada”, além do diálogo entre o “tempo do poeta” e o “tempo de sua tradução aqui e agora”. Falar é mais fácil do que a dura experiência de traduzir e escolher, sempre.

(CT): O texto de apresentação do livro deixa claro que este projeto não é simplesmente uma tradução, mas também uma introdução, com ampla pesquisa sobre este poeta moderno da China, o que ajuda os leitores a conhecer o contexto histórico e político da época da viagem dele e consequentemente a entender melhor essas poesias. Além dessa edição bilíngue de Viagem à América do Sul, o projeto resultou ou vai resultar em algum outro trabalho acadêmico?

(FFH): Bem, esta entrevista, p.ex., não deixa de ser um desdobramento acadêmico do trabalho. A este propósito, lembro, também, da exposição de Fan Xing e do debate que tivemos, em novembro de 2019, no curso de literatura hispano-americana do nosso colega Prof. Fan Ye, da área de Espanhol da Escola de Línguas Estrangeiras da Universidade de Pequim. Ele é reconhecido tradutor, entre outros, de García Márquez e Roberto Bolaño. A exposição e debate versaram sobre Viagem à América do Sul, de Ai Qing. E interessantes questões surgiram, tanto sobre a viagem do poeta ao Chile e suas relações com Pablo Neruda, quanto sobre determinadas escolhas lexicais e semânticas tomadas durante a tradução.

Minha longa estadia na China, entre 2019 e 2020, e a continuidade de nosso acordo de cooperação acadêmica certamente continuam a propiciar vários projetos e colaborações mútuas. O grupo de pesquisa Exodus, organizado no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, a partir do início de 2019, do qual fazemos parte, possui, entre seus campos de interesse, o estudo das relações interculturais entre China e Brasil.

(FX): Só para completar a resposta acima: no XII Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, que ocorreu em Macau em 2017, o Prof. Foot fez uma bela apresentação sobre a viagem de Ai Qing ao continente sul-americano, que faz parte do texto “Brasil-China-Macau: Diálogos Transculturais”, publicado no primeiro volume de De Oriente a Ocidente: Estudos da Associação Internacional de Lusitanistas (Coimbra, 2019). Esta apresentação também serve de base da Introdução de Viagem à América do Sul.

(CT): A divisão de seções por ordem de escalas de viagem deixou os poemas da coletânea mais organizados e sistematizados. Essa divisão foi proposta por vocês?

(FX): Sim, foi proposta pelo Prof. Foot. É a primeira vez que os poemas de viagem foram organizados em conjunto, então ninguém tinha dividido os poemas como a gente fez.

(FFH): Sim, a ideia do projeto foi tratar da viagem do poeta à América do Sul como uma experiência única. Não só por ser a primeira e única vez que Ai Qing viajou até o nosso continente, mas por se tratar de uma experiência rara e muito delicada naqueles anos, a menos de uma década do final da Segunda Guerra Mundial e a apenas cinco anos da vitória da Revolução e da fundação da República Popular da China. Então, conseguimos, com muita pesquisa e sorte, reconstituir esta viagem desde sua partida da China, todas as suas escalas em países europeus, sua passagem marcante pela África, sua estadia no Recife e Rio de Janeiro, sua passagem por Buenos Aires, até o destino final, Chile. Na volta, também, um itinerário cheio de surpresas, como foi a proibição de ele sair do aeroporto, no Rio de Janeiro, para reencontrar os amigos Jorge Amado e Zélia Gattai que o esperavam com um almoço; bem como, sua escala final em Moscou, antes do regresso à China.

(CT): O amigo brasileiro do poeta, Jorge Amado, também foi ao Chile para participar do evento de aniversário de 50 anos de Neruda. Durante a pesquisa que fizeram sobre essas poesias de Ai Qing, cruzaram com algum registro literário de Jorge Amado sobre essa viagem?

(FFH): Acredito que as melhores memórias escritas das relações de Amado com a República Popular da China ficaram por conta das três crônicas escritas por Zélia Gattai, reportando as três viagens do casal àquele país, duas delas nos anos 50 e a última em 1987, mesmo ano em que a escritora as escreve e publica no Correio Braziliense. Mas, vale também ressaltar as lindas fotografias que obtivemos na Fundação Casa de Jorge Amado, e que foram incorporadas ao nosso livro. Especialmente da segunda viagem deles, em 1957, quando Ai Qing, Neruda, Matilde Urrutia, Amado e Zélia se reencontram pela última vez, e navegam, felizes, pelo rio Yangtzé. Já as raríssimas fotos de 1954 na Isla Negra, Chile, nos foram disponibilizadas pela Fundación Pablo Neruda.

(FX): Em Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei (1992), Jorge Amado também recordou as três viagens à China e seus contatos com os intelectuais chineses, tais como Ai Qing e Xiao San, companheiro de Ai Qing nessa viagem.

(CT): A carreira de Ai Qing começou, na verdade, como um pintor, e foi a vida na prisão que lhe mudou para o ramo de poemas. Como vocês comentaram no texto “não se pode ler a poesia de Ai Qing desconsiderando a grande vivência que ele teve com a poesia moderna em sua longa estada na França, entre 1929 e 1932, na sua primeira juventude”, esse período da estadia na França foi importante para ele. Além do contato com a literatura ocidental, acham que essa experiência da aprendizagem de pintura também tem influência na produção poética ou no estilo poético dele?

(FFH): Sem dúvida! Para começo de conversa, não se pode ignorar a extrema conexão entre a escrita ideográfica, a caligrafia e o desenho. Mas, para além disso, é necessário observar que, no ambiente boêmio e artístico por excelência do bairro de Montparnasse, Paris, onde Ai Qing trabalhou como aprendiz num ateliê de pintura e numa oficina de laca chinesa, circulavam, além de pintores, poetas e escritores. O futuro poeta chinês conhecia bem a língua francesa, desde seu ensino médio na China, e podia ler normalmente a poesia de Verhaeren (que traduzirá mais tarde para o chinês), Apollinaire, Rimbaud, entre outros, para não falar dos russos Iessiênin e Maiakóvski, este último tendo viajado várias vezes à França durante os anos 20. Mas não se pode ignorar também seu contato direto com o escritor da modernidade chinesa, Lu Xun. A poesia de Ai Qing nasce de todas essas vozes, mas como grande poeta, desde logo, ele instaura sua própria voz.

(FX): O prof. Foot tem toda a razão ao lembrar a conexão entre a caligrafia e o desenho. Na verdade, diz-se que na arte clássica chinesa a poesia e a pintura estão sempre juntas, não dá para separar uma da outra, pois um bom poema sempre traz ricas imagens enquanto numa pintura de qualidade nunca falta sentimento de poesia. Ai Qing nos seus ensaios também disse coisas semelhantes, afirmando que um poeta “deve compor as imagens com suas próprias emoções, assim como os pintores” e “é claro que muitas obras (poéticas) são coloridas”. Nos poemas dele também se observam as diversas cores, e no Diário de Viagem que fez em 1954 há um trecho citado pelo prof. Foot na Introdução do livro: “O mar é verde-rosa, a terra é cinza-azul, entre o mar e a terra há uma renda curva e branca, que é espuma do mar”, que na minha opinião é muito esclarecedor nesse sentido.

(CT): À página 26 do livro, listaram as traduções dos poemas de Ai Qing já existentes em línguas ocidentais, incluindo edições em português. Gostaríamos de saber mais detalhes sobre isso. Algumas dessas edições foram traduzidas para português do Brasil? E foram traduzidas diretamente de chinês para português?

(FFH): Atenção, é preciso esclarecer: não se tratam de edições diferentes. Mas, sim, do fato de que 6 poemas dos 21 que compõem nossa antologia, conheceram uma tradução anterior em língua portuguesa (com acento de Portugal), na edição publicada em Macau, Poesia escolhida de Ai Qing, em 1987, organizada e traduzida por Jin Guo Ping. Além das mais de três décadas transcorridas entre o importante trabalho desse tradutor e editor e a nossa edição, o fato de que lá predomina um acento de Portugal, com ênfase numa dicção mais solene que se afasta, a nosso ver, da poesia moderna de Ai Qing (mesma dificuldade que encontramos em 3 poemas editados em espanhol, numa antologia organizada por Alfredo Gómez Gil, em 1986, em Pequim), fizeram desses poemas achados um bom parâmetro de cotejo e revisão para balizarmos soluções que nos pareceram mais adequadas.

Mas é preciso lembrar ainda a ótima tradução de 3 poemas de Ai Qing feita pela cineasta Milena de Moura Barba e publicados em 2013, no Caderno de Literatura em Tradução da USP, nº: 14. São os poemas “Esperança”, “Muro” e “As pombas de Viena”, todos de 1979. Embora não fazendo parte do corpus de Viagem à América do Sul, essa tradução, em português brasileiro contemporâneo, nos foi inspiradora.

(CT): Como está sendo a recepção da obra? Acompanham esse movimento da crítica?

(FFH): Infelizmente, no Brasil, e parece que isso é tendência internacional, as obras de poesia encontram mais dificuldade de conquistar um grande público de leitores do que as obras em prosa, ficcionais e não-ficcionais. Mas, sem dúvida, a premiação da Associação Brasileira das Editoras Universitárias e termos sido finalistas do prêmio Jabuti ampliou bastante o interesse dos leitores. Enfatizo, também, o fato de o livro ter saído por uma editora universitária (Unesp), o que ajuda a despertar maior curiosidade pela cultura e literatura chinesas entre estudantes, docentes e funcionários de nossas instituições de ensino superior. Este generoso convite das pesquisadoras do prestigioso programa de pós-graduação em Estudos da Tradução da UFSC já é um bom exemplo.

Quanto à crítica, tivemos a boa surpresa de uma resenha positiva recente, de autoria de Edson Cruz, saída no jornal literário Rascunho, em março passado.

(FX): Concordo com o prof. Foot que agora não há um grande público para a poesia, mas, felizmente, dos poucos comentários que achei na internet, todos são muito positivos. Por exemplo, tem um comentário longo no site Amazon.br que prestou agradecimentos à Editora por ter publicado o livro. E no Youtube, tem um canal que lançou cinco vídeos dedicados aos poemas no livro; entre os comentários lá também se pode ver elogios aos versos de Ai Qing.

(CT): Pretendem traduzir mais poemas chineses no futuro, seja de Ai Qing ou de outro poeta chinês? Ou ao contrário, traduzir poetas brasileiros para o chinês?

(FFH): No momento, não há nenhum projeto específico. Mas, em se tratando das riquíssimas poesias chinesa e brasileira, ainda tão mal conhecidas entre si, por que não? Deixemos que os bons ventos da nossa amizade internacionalista tragam e levem bons versos que nos aproximem em nossas afinidades e nos enriqueçam em nossas diferenças.

Referências

  • Ai Qing, Francisco Foot Hardman (Org.). Viagem à América do Sul Tradução de Fan Xing. São Paulo: Editora da Unesp, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2021
  • Aceito
    19 Dez 2021
  • Publicado
    Fev 2022
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