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APRESENTAÇÃO TRADUÇÃO DE RELATOS DE VIAGEM SOBRE A AMAZÔNIA II

Este número de Cadernos de Tradução é o segundo de uma série de volumes especiais dedicados à temática “Traduzindo a Amazônia”. No primeiro número especial “Tradução de relatos de viagem sobre a Amazônia” buscou-se “lançar-se [...] a essa possível e desejada compreensão do Outro [...]” (Guerini, Fernandes, 2021Guerini, Andreia; Torres, Marie Helene Catherine; Fernandes, José Guilherme. “Traduzindo a Amazônia: os novos argonautas e suas viagens possessórias, exploratórias e utópicas ao Grão-Pará del Marañón”. Cadernos de Tradução. V.41, nº esp 1. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/84962/47757. DOI:https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84962
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, p.8). Esses volumes são o resultato das pesquisas realizadas dentro do Programa de Cooperação Acadêmica na Amazônia (PROCAD-AMAZÔNIA/CAPES), que envolve a Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (PGET/UFSC), a Pós-graduação em Estudos Antrópicos da Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGEAA/UFPA) e a Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Estadual do Amazonas (PPGICH-UEA).

Desde a invasão portuguesa em 1500, a Amazônia povoa o imaginário europeu e mundial. Várias expedições foram sendo realizadas ao longo dos anos e vários foram os relatos construídos por viajantes estrangeiros. Por isso, no primeiro volume de Cadernos Amazônia, publicado em 2021, foram apresentadas 9 traduções, com comentários e anotações. Neste número, temos 14 textos de diferentes línguas (alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e neerlandês), que são relatos de viagem materializados em crônicas, diários, discursos e correspondências de botânicos, etnógrafos, geógrafos e naturalistas estrangeiros sobre a Amazônia. As traduções são antecedidas por um artigo apresentando o texto, com comentários sobre os procedimentos tradutórios adotados.

No primeiro artigo de Andréa Cesco e Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento, antecede a tradução do capítulo XLIII de Jornada del río Marañon que Toribio de Ortiguera escreveu a partir da memória dos relatos de viagem dos que estiveram em expedições na região amazônica, principalmente no que diz respeito ao percurso do rio Amazonas, em expedições de Orellana e Orsúa. O comentário centra nas questões da tradução de topônimos, e nos elementos da fauna e flora, envolvendo termos das línguas e culturas indígenas e das línguas e culturas ibéricas – português e espanhol, com respaldo em documentos históricos e cartográficos da época e em dicionários antigos, pois é um texto do século XVI. Na sequência, Júlio César Monteiro apresenta e comenta uma tradução inédita para o português do texto neerlandês presente no Journaal van de reijs door den vaandrigh Fredrik Hoeus, gedaen naer de Acouries, 13 juni – 22 augustus 1717. A tradução para o português foi produzida a partir da cópia transcrita do manuscrito disponível no Arquivo Nacional em Haia (Nationaal Archief te Den Haag), segundo as normas da Real Sociedade Histórica Holandesa (Koninklijk Nederlands Historisch Genootschap). Na tradução, o leitor encontra explicações sobre o caráter histórico e enciclopédico das notas de rodapé do texto de partida, sobre questões de antroponímia e toponímia, bem como sobre os arcaísmos do neerlandês do século XVIII. Dando continuidade, Marie-Hélène C. Torres e Brenda Bressan Thomé abordam as desventuras da senhora Isabel Godin des Odonais ao percorrer a Amazônia na primeira metade do século XVIII num texto escrito pelo seu marido intitulado “Carta do Sr. Godin des Odonais para o Sr. de La Condamine”. As tradutoras destacam os desafios de traduzir um texto escrito em francês renascentista e ainda chamam atenção para as suas posições tradutórias ao não apagar os preconceitos e a visão de mundo presente no texto. Comentam também sobre a relação que se estabelece entre o texto de partida, a tradução e a retradução, e ainda sobre os neologismos criados em francês concernente à fauna, à flora e aos topônimos. Antônio Sérgio Pinto e Joaquim Cancela, por sua vez, comentam a tradução de A description of British Guiana, de Robert Schomburgk, explorador prussiano do século XIX que descreve de forma estatística e geográfica a Guiana Inglesa e registra várias críticas sociais ao modelo de ocupação europeu, sobretudo no que diz respeito ao extermínio dos nativos e à escravatura. Os tradutores escolheram excertos relacionados aos habitantes, à religião e à instrução pública das colônias de Demerara e Essequibo, buscando valorizar o contexto cultural, a ética na tradução de textos históricos e o impacto da ação humana no meio ambiente. Dando continuidade, Luana Ferreira de Freitas e Michel Félix François comentam o capítulo XXII de A Voyage up the River Amazon, de William H. Edwards, também do século XIX, que trata da burocracia, impostos, imigração, clima e da necessidade do branco para uma missão civilizatória do território amazônico, além disso esclarecem sobre as estratégias de tradução de um texto permeado de preconceitos explícitos e implícitos. Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Luzeiro Lucena de Medeiros e Walter Carlos Costa apresentam uma análise do capítulo XIV do primeiro volume do livro Exploration of the Valley of The Amazon, escrito pelo tenente da Marinha dos Estados Unidos da América William Lewis Herndon, entre 1851 e 1852, bem como abordam questões relacionadas ao processo de tradução. Katia Aily Franco de Camargo apresenta e comenta a sua tradução do capítulo XLVIII da obra Amazone et Cordillère, do viajante Charles Wiener, publicada originalmente na revista francesa Journal de Voyage, na segunda metade do século XIX. Em “La provincia delle Amazzoni”, publicado no Bollettino della Società Geografica Italiana, em Florença, em 1885, e escrito por Giuseppe Coppi, Nicoletta Cherobin e Rafael Ferreira da Silva comentam as suas estratégias de tradução que se pautou pelo princípio manter o sentido geral do texto, com todas as suas nuances e os desafios maiores estiveram relacionados aos topônimos e antropônimos presentes no texto. Pablo Cardellino traz comentários referentes à tradução de um excerto do texto “Las grandes vías fluviales de Sud América: maravillas del continente” de Rafael Reyes. A tradução, que seguiu uma abordagem decolonial, buscou evidenciar o perfil ideológico do texto, eivado de valores de matriz eurocêntrica e reveladores do olhar capitalista do autor, que posteriormente viria se tornar presidente da República da Colômbia e vê a natureza exuberante da América como um recurso a ser explorado. Sheila Maria dos Santos e Clarissa Marini apresentam os comentários a respeito de suas escolhas tradutórias do francês para o português do primeiro capítulo do livro Voyage au Rio Curua (1903), de Octavie Coudreau. As tradutoras mostram como a autora se tornou exploradora, discutem sobre o gênero relato de viagem, e comentam sobre os procedimentos adotados na tradução, que visou se aproximar ao máximo do estilo de escrita da autora francesa, reproduzindo vícios de linguagem, e das questões sobre toponímia que Marie Octavie Coudreau reproduzia foneticamente em francês. Karine Simoni e Karla Ribeiro discutem sobre a tradução do capítulo “Navigazione sull’Amazzone” , extraído do livro Dalle Antille, alle Gujane e alla Amazzonia, de autoria do almirante italiano Gregorio Ronca, publicado em Roma em 1908. Após explanar os motivos que impulsionaram essa viagem, oferecem ao leitor algumas informações sobre a vida e obra do autor, e no que se refere à tradução revelam que buscaram manter a letra do texto, segundo a acepção de Berman. Robert de Brose apresenta a tradução, com comentários, notas e ilustrações de “As danças das Máscaras” do livro Zwei Jahre unter den Indianern: Reisen in Nordwesten Brasilien, de Theodor Koch-Grünberg. Reinhard Michael Eugen Arnegger comenta o texto de Theodor Koch-Grünberg “Auf neuen Wegen in Nordbrasilien”, e também apresenta uma breve biografia do etnólogo alemão, sua relação com os indígenas e a ambivalência dessas relações amigáveis e de confiança, imprescindíveis à pesquisa etnológica de Koch-Grünberg, para poder enriquecer as coleções etnográficas dos museus na Alemanha. Em relação à tradução, o tradutor afirma ter optado por uma estratégia moderadamente domesticadora. Para encerrar o volume, José Guilherme dos Santos Fernandes trata do primeiro capítulo do processo judicial acerca dos crimes perpetrados por seringalistas instalados na região amazônica do Putumayo, no Peru, durante a década de 1910, que gerou o livro El Proceso de Putumayo y sus secretos inauditos de Carlos A. Valcárcel. O capítulo “Os crimes de Putumayo” é construído por um discurso de indignação em razão da irresponsabilidade e omissão do sistema penal peruano, o que provocou a impunidade dos criminosos e a única penalidade histórica, dos próprios indígenas que sofreram genocídio. Por isso, a tradução deste capítulo revela a quebra evidente do discurso objetivo judiciário e nos mostra um autor-juiz tomado por opinião e indignação.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022
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