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THEODOR KOCH-GRÜNBERG: UMA VIDA ENTRE PESQUISAS ETNOLÓGICAS NA AMAZÔNIA E CARREIRA ACADÊMICA NA ALEMANHA

THEODOR KOCH-GRÜNBERG: A LIFE BETWEEN ETHNOLOGICAL RESEARCH IN AMAZONIA AND AN ACADEMIC CAREER IN GERMANY

Resumo

Breve biografia do etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), sua relação com os indigenas visitados e a ambivalência dessas relações amigáveis e de confiança, imprescindíveis a pesquisa etnológica de Koch-Grünberg, para poder enriquecer as coleções etnográficas dos museus na Alemanha.

Palavras-chave
Estudos Etnográficos; Amazônia; Theodor KochGrünberg

Abstract

A brief biography of the German ethnologist Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), his relationship with the indigenous people he visited and the ambivalence of these friendly and trusting relationships, indispensable to Koch-Grünberg‘s ethnological research in order to enrich the ethnographic collections of museums in Germany.

Keywords
Ethnographic Studies; Amazon; Theodor KochGrünberg

Theodor Koch-Grünberg já era em 1911, na época do texto traduzido sobre essa expedição, uma autoridade acadêmica em sua área. Ele nasceu em 1872 na cidade de Grünberg, Estado de Hessen. Estudou Línguas Clássicas, Letras, História e Geografia nas Universidades de Giessen e de Tübingen. Em 1901, Theodor Koch desistiu de seu trabalho como professor de ensino médio para realizar seu sonho de adolescente e tornar-se um explorador de índio. Depois de já ter participado - como fotógrafo - da expedição fracassada ao Xingu de Hermann Meyer em 1898, ele empreendeu duas grandes expedições bem sucedidas por conta própria. Após a primeira expedição ao Noroeste do Brasil (1903-1905), ele acrescentou o nome de sua cidade natal ao seu sobrenome e doravante se chamou Koch-Grünberg. Os resultados da expedição à Venezuela, que durou de 1911 a 1913, foram publicados com o título Vom Roroima zum Orinoco” (1916-1928) em cinco volumes.1 1 Koch-Grünberg (2006).

Theodor Koch-Grünberg não alcançou o objetivo real de sua expedição à Venezuela, ou seja, encontrar a nascente do rio Orinoco. Em vez disso, ele ficou famoso pelos estudos etnográficos que realizou durante a viagem e durante longas estadias entre vários grupos étnicos na Venezuela, especialmente entre os Taurepán (Taulipang) e Arekuná no Monte Roraima.

Após nove anos como diretor do Museu Linden em Stuttgart, Alemanha, Theodor Koch-Grünberg juntou-se ao geógrafo norte-americano Alexander Hamilton-Rice em 1924, que queria chegar às nascentes ainda desconhecidas do Orinoco. No primeiro ano da expedição, Koch-Grünberg adoeceu de malária e morreu em Vista Alegre, no Rio Branco.

O trabalho de Theodor Koch-Grünberg foi importante tanto para a literatura brasileira quanto para a antropologia e etnologia no Brasil. As publicações dele inspiraram a obra prima de Mário de Andrade, Macunaíma. O herói sem nenhum caráter (1928), sobretudo a leitura que o autor fez da obra Do Roraima ao Orinoco, que trata sobre mitos e lendas dos índios Taulipang e Arekuná. O filme “O Abraço da Serpente” do cineasta colombiano Ciro Guerra, lançado em 2016 e indicado para o Oscar como melhor filme estrangeiro, se inspirou também no pesquisador alemão.

Optou-se por uma tradução moderadamente domesticada, no sentido de, por um lado, atualizar os nomes dos topônimos, das localidades geográficas e das etnias indígenas, sendo a atualização dos etnônimos de acordo com as regras da nomenclatura antropológica. Eles foram utilizados apenas no singular e com a inicial maiúscula quando substantivos que designam povos indígenas; quando adjetivos, aparecem sempre no singular e com a inicial minúscula.

Por outro lado, foram mantidas as denominações do pesquisador quando se referiu aos indígenas, pois refletem uma perspectiva absolutamente comum à época, a quem chama Indianer (índio, índios) e, em sua coletividade, Stamm (tribo), denominações que atualmente tem uma conotação marcada. A tradução menos polêmica seria hoje indígena(s) e etnia ou povo. Porém, o texto perderia seu timbre ou teor histórico, se essas denominações fossem modernizadas na tradução.

Sem dúvida, Theodor Koch-Grünberg admirava a cultura dos indígenas da Amazônia. Consciente das diferenças culturais entre os brancos (identificados como civilizados, cristãos, brasileiros) e os indígenas, ele foi um grande defensor desses povos. Após ter vivido as crueldades da I Guerra Mundial (1914-18) na Europa, sua admiração aumentou ainda mais.2 2 Kraus (2004, p. 467).

Porém, consta, em geral, uma certa ambivalência na relação entre o etnólogo e os indígenas. Três citações extraídas do texto traduzido pelo autor podem ilustrar isso:

No isolamento de suas montanhas de difícil acesso, eles ainda não foram expostos à influência destrutiva da assim chamada “civilização” brasileira e preservaram fielmente seu caráter. São pessoas livres e amáveis que se caracterizam principalmente pela beleza física de ambos os sexos.

(Koch-Grünberg, 1912/13Koch-Grünberg, Theodor. “Auf neuen Wegen in Nordbrasilien“. Deutsche Rundschau für Geographie, Wien und Leipzig, 1912/13: pp. 115-120. Disponível em: https://archive.org/details/deutscherundscha35wien/page/114/mode/2up. Acesso em 26/08/2022.
https://archive.org/details/deutscherund...
, p. 116 et seq.).

Eram magníficos caras selvagens que nunca haviam visto brancos antes, mas logo se tornaram confiantes e nos venderam tudo o que tinham com eles.

(Koch-Grünberg, 1912/13Koch-Grünberg, Theodor. “Auf neuen Wegen in Nordbrasilien“. Deutsche Rundschau für Geographie, Wien und Leipzig, 1912/13: pp. 115-120. Disponível em: https://archive.org/details/deutscherundscha35wien/page/114/mode/2up. Acesso em 26/08/2022.
https://archive.org/details/deutscherund...
, p. 118).

“Minha coleção de mitos, que eu ainda estou enriquecendo diariamente, é provavelmente a maior que foi trazida até agora da América do Sul. Sobre os costumes, tradições e crenças (crença em espíritos, feitiçaria, magia e outras curas, etc.) dos Taulipáng, tenho muito material: detalhes que um viajante de outra forma não aprenderia em absoluto. Seria o suficiente para uma monografia maior apenas sobre esta tribo. Eu também tenho muito material gramatical sobre esta língua Karaib até então desconhecida. Finalmente, recebi várias centenas de fotografias, 49 fonogramas de canções de índios e uma grande coleção etnográfica.”

(Koch-Grünberg, 1912/13Koch-Grünberg, Theodor. “Auf neuen Wegen in Nordbrasilien“. Deutsche Rundschau für Geographie, Wien und Leipzig, 1912/13: pp. 115-120. Disponível em: https://archive.org/details/deutscherundscha35wien/page/114/mode/2up. Acesso em 26/08/2022.
https://archive.org/details/deutscherund...
, p. 120).

O encontro entre ambos, pesquisador e indígenas, é caracterizado inicialmente pela desconfiança e pelo medo ao desconhecido e inesperado, podendo transformar-se aos poucos em uma relação satisfatória que tem como finalidade o intercâmbio de coisas, de bens e de conhecimentos.

Após os confrontos com militares, missionários, colonos, comerciantes, caçadores e seringueiros ao longo de séculos, ser explorado por um pesquisador europeu foi uma nova experiência para os indígenas da Amazônia.

Estabelecer amizade é um método imprescindível para o etnólogo. A um lado, poderia ser uma expressão de respeito e de sincera simpatia. Ao mesmo tempo, é um meio para o fim da coleta de dados. As informações esperadas sobre os modos de pensar e de viver dos indígenas só poderiam ser coletadas se fosse possível estabelecer relações amigáveis e de confiança. Somente desta forma poderiam desenvolver-se relações de intercâmbio sem conflitos. As coleções etnográficas enriqueciam os museus e, ao mesmo tempo, serviam como base de estudo para os novos cursos etnológicos, criados a partir da segunda metade do século 19 na Europa e nos Estados Unidos. Paralelamente, comercializadas pelo pesquisador, podiam cobrir os gastos das expedições.

As grandes coleções de Theodor Koch-Grünberg são o resultado do seu interesse e de sua simpatia pelos povos que contatou, mas também da confiança que inspirou, com base do seu comportamento amigável. De uma ou de outra maneira, tratou-se de uma relação ambivalente, por vezes desequilibrada. As coleções dele consistem em inúmeros objetos culturais, em documentaçao de mitos e lendas, assim como em filmes, fotografias e fonogramas. Cabe a nós, cidadãos contemporâneos, tentar restituir esse tesouro cultural para os povos de hoje, para que possam interligar a história de seus antepassados com sua realidade atual, fortalecendo e valorizando assim sua existência na sociedade brasileira, muitas vezes hostil a eles.

  • 1
    Koch-Grünberg (2006)Koch-Grünberg, Theodor. Do Roraima ao Orinoco, Vol. 1: (Observações de uma viagem pelo norte do Brasil e pela Venezuela durante os anos de 1911 a 1913). Tradução Cristina Alberts-Franco. São Paulo: UNESP, 2006..
  • 2
    Kraus (2004, p. 467)Kraus, Michael. Bildungsbürger im Urwald: Die deutsche ethnologische Amazonienforschung (1884-1929). Marburg: Curupira, 2004..

Referências

  • Koch-Grünberg, Theodor. “Auf neuen Wegen in Nordbrasilien“. Deutsche Rundschau für Geographie, Wien und Leipzig, 1912/13: pp. 115-120. Disponível em: https://archive.org/details/deutscherundscha35wien/page/114/mode/2up Acesso em 26/08/2022.
    » https://archive.org/details/deutscherundscha35wien/page/114/mode/2up
  • Koch-Grünberg, Theodor. Do Roraima ao Orinoco, Vol. 1: (Observações de uma viagem pelo norte do Brasil e pela Venezuela durante os anos de 1911 a 1913). Tradução Cristina Alberts-Franco. São Paulo: UNESP, 2006.
  • Kraus, Michael. Bildungsbürger im Urwald: Die deutsche ethnologische Amazonienforschung (1884-1929) Marburg: Curupira, 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2022
  • Aceito
    26 Set 2022
  • Publicado
    Nov 2022
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