Acessibilidade / Reportar erro

FROM PARÁ TO MANAOS EM TRADUÇÃO: UMA ANÁLISE DOS MOVIMENTOS TRADUTÓRIOS E DO MAGNETISMO INTERLINGUAGENS E INTERGÊNEROS

FROM PARÁ TO MANAOS IN TRANSLATION: AN ANALYSIS OF TRANSLATION MOVEMENTS AND INTERLANGUAGES AND INTERGENRES MAGNETISM

Resumo

O corpus deste estudo é o texto From Pará to Manaos, capítulo V da obra A Journey in Brazil, de autoria de Elizabeth Agassiz, publicado em 1868 pela editora Ticknor and Fields e traduzido da língua inglesa para a língua portuguesa em 2023 por Silvia Benchimol para compor a publicação Traduzindo a Amazônia III1 1 A série de publicações reunidas sob o título “Traduzindo a Amazônia” e organizada por Guerini, Torres & Fernandes (2021, 2022) constitui representativo acervo histórico-cultural sobre a região Amazônica e sobretudo sobre como a realidade local é traduzida. propriedade centrípeta, que faz os escritos a respeito dessa obra convergirem para seus elementos textuais, sociais, ideológicos, narrativos, linguísticos e estéticos, ressalta-se o poder centrífugo da obra que provoca, a partir do centro – o texto – um afastamento em diferentes direções. A linguagem serpenteia por diversos gêneros discursivos de modo orquestrado – diário de viagem, relato, cartas, notas de rodapé – movimento acompanhado pela tradução. Nas descrições minuciosas que revelam o encantamento da escritora pelo mistério e exuberância da floresta, a linguagem é fortemente marcada pela estética literária e poética, propiciando construções de imagens de precisão fotográfica que nos transmovem para aqueles lugares. Não menos evidentes são as referências científicas que derramam sobre o texto rico glossário especializado. A tradução recebe o texto fonte e o reconcebe em outro código linguístico no locus dos acontecimentos, propiciando à tradutora um mergulho em memórias e fatos, reconstruindo experiências pessoais no ato da reescrita.

Palavras-chave
Magnetismo interlinguagens; Mescla de gêneros; Movimentos tradutórios

Abstract

The corpus of this study is the text From Pará to Manaos, chapter V of the book A Journey in Brazil, by Elizabeth Agassiz, published in 1868 by Ticknor and Fields and translated from English to Portuguese in 2023, by Silvia Benchimol to compose the publication Traduzindo a Amazônia III. In addition to the centripetal property, which makes the writings about this work converge to its textual, social, ideological, narrative, linguistic and aesthetic elements, we emphasize its centrifugal power that provokes, from the center – the text – movements in different directions. The language meanders through different discursive genres in an orchestrated way – travel diary, report, letters, footnotes – accompanied by the translation. In the meticulous descriptions that reveal the writer’s enchantment for the mystery and exuberance of the forest, the language is strongly marked by literary and poetic aesthetics, fostering images with photographic precision that transport us to those places. No less evident are the scientific references that spill over the text, a rich and specialized glossary. The translation receives the source text and re-conceives it in another language in the same locus of the events, providing the translator with a dip in memories and facts, reconstructing personal experiences in the act of rewriting.

Keywords
Interlanguage magnetism; Mixture of genres; Translation movements

– viaggi per rivivere il tuo passato? – Era la questo punto la domanda del Kan che poteva anche esseri formulata cosí – viaggi per ritrovare tuo fututo? E la risposta di Marco: – L’altrove è uno especchio in negativo. Il viggiatore reconosce il poco chi è suo, scoprendo il moto che non ha avuto e non avrà2 2 “viajas para reviver teu passado? Essa era a pergunta de Kan, que também pode ser formulada assim - viajas para encontrar teu futuro? E a resposta de Marco: - O algures é um espelho negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o tanto que não teve e jamais terá” (Calvino, 1972, p. 13, tradução nossa).

(Calvino, 1972Calvino, Ítalo. La città invisibili. Einaudi Torino, 1972., p. 13).

Lizzie Agassiz: breve perfil da autora

A biografia de Elizabeth Cabot Cary, “Lizzie”, especialmente no que se refere aos seus interesses acadêmicos, encontra afinidades com outras figuras femininas de perfil desbravador que despontam no cenário da segunda metade do século XIX3 3 A exemplo do caráter explorador e de projeção nos estudos etnográficos na Amazônia, Emilie Snethlage (1868-1929), naturalista alemã, é trazida em artigo da primeira publicação de Traduzindo a Amazônia, de autoria de Arnegger & Sanjad (2021 p. 360-365). As pesquisas da expedicionista com animais e plantas na Amazônia e o interesse antropológico pelos indígenas acentuam confluências entre Emilie e Elizabeth. .

Em uma tentativa de conhecer um pouco mais sobre “Lizzie”, fazemos breve retrospecto biográfico para o amparo de algumas reflexões sobre seus escritos. Elizabeth nasceu em Boston, Massachusetts em 1822 e faleceu em julho de 1907. Apesar de não ter recebido educação formal, fato justificável pelo contexto socio-histórico da época, tornou-se uma naturalista e educadora.

Destaco três trechos de cartas de Abigail Adams, estadunidense de Weymouth-Massachussetts, para seu marido John Adams, futuro presidente dos Estados Unidos (1797-1801), publicadas no Massachussetts Historical Society, os quais representam a posição subalterna, porém não passiva, das mulheres naquele estado, respectivamente, no breve anteceder da independência dos Estados Unidos em 4 de julho de 1776 e no imediato suceder deste evento, em 14 de julho do mesmo ano. Os excertos transcritos em língua inglesa têm os grifos traduzidos nos comentários que os seguem:

I long to hear that you have declared an independency. And, by the way, in the new code of laws which I suppose it will be necessary for you to make, I desire you would remember the ladies and be more generous and favorable to them than your ancestors. [...] If particular care and attention is not paid to the ladies, we are determined to foment a rebellion, and will not hold ourselves bound by any laws in which we have no voice or representation [March 31, 1776].

(Adams, 1963Adams, Abigail. Abigail Adams to John Adams, 14 August 1776. National Archives. 1963. Disponível em: https://founders.archives.gov/documents/Adams/04-02-02-0058#:~:text=I%20wrote%20you%20to%20day,or%20lay%20with%20any%20comfort. Acesso em 2 out. 2023.
https://founders.archives.gov/documents/...
, s. p., grifos nossos)

If you complain of neglect of Education in sons, What shall I say with regard to daughters, who every day experience the want of it. With regard to the Education of my own children [March 31, 1776]

(Adams, 1963Adams, Abigail. Abigail Adams to John Adams, 14 August 1776. National Archives. 1963. Disponível em: https://founders.archives.gov/documents/Adams/04-02-02-0058#:~:text=I%20wrote%20you%20to%20day,or%20lay%20with%20any%20comfort. Acesso em 2 out. 2023.
https://founders.archives.gov/documents/...
, s. p. grifos nossos).

I most sincerely wish that some more liberal plan might be laid and executed for the Benefit of the rising Generation, and that our new constitution may be distinguished for Learning and Virtue. If we mean to have Heroes, Statesmen and Philosophers, we should have learned women [July 14th 1776]

(Adams, 1963Adams, Abigail. Abigail Adams to John Adams, 14 August 1776. National Archives. 1963. Disponível em: https://founders.archives.gov/documents/Adams/04-02-02-0058#:~:text=I%20wrote%20you%20to%20day,or%20lay%20with%20any%20comfort. Acesso em 2 out. 2023.
https://founders.archives.gov/documents/...
, s. p., grifos nossos).

As cartas de Abigail externavam suas expectativas e desencantos com o descaso das leis em relação às mulheres e seu papel na sociedade, especialmente no âmbito intelectual, em consonância com as inquietações de Elizabeth, a viajante expedicionista do século XIX, que também surge no cenário de Massachussetts como outra representante da luta pelo espaço feminino na educação nas décadas subsequentes.

Os nossos grifos ressaltam os apelos e protestos de Abigail Adams (1963, s. p., nossa tradução)Adams, Abigail. Abigail Adams to John Adams, 14 August 1776. National Archives. 1963. Disponível em: https://founders.archives.gov/documents/Adams/04-02-02-0058#:~:text=I%20wrote%20you%20to%20day,or%20lay%20with%20any%20comfort. Acesso em 2 out. 2023.
https://founders.archives.gov/documents/...
: “[...] desejaria que você lembrasse das senhoras e fosse mais generoso e favorável a elas do que os que lhe antecederam”; “se cuidado e atenção particulares não forem dispensados às senhoras, estamos determinadas a fomentar uma rebelião” [excerto 1]. “Se você reclama da negligente Educação dos filhos homens, o que dizer em relação a das mulheres que diariamente experimentam sua falta” [excerto 2]. “Se desejamos ter Heróis, Estadistas e Filósofos, não podemos prescindir de mulheres educadas” [excerto 3].

O casamento com o renomado naturalista suíço Louis Agassiz, em 1850, tornou Elizabeth parte relevante do seu trabalho, ainda que pouco se tenha escrito que não a mantivesse em patamar desigual, de inferioridade, em relação a ele. Além de os registros de Elizabeth feitos a partir das palestras de Louis Agassiz terem se constituído matéria prima para muitas das publicações futuras do autor, Elizabeth também participou de várias de suas expedições para pesquisas de campo, entre as quais destacam-se a Thayer Expedition para o Brasil (de 1865 a 1866) e a Hassler Expediton através do Estreito de Magalhães (de 1871 a 1872). Em 1868, a obra A Journey in Brazil foi publicada pela editora londrina Ticknor and Fields, objeto da tradução sobre a qual disserta o presente artigo.

A parceria do casal Agassiz resultou na fundação da escola mista Anderson School of Natural History na Ilha de Penikese, Baía de Buzzard. Entre os trabalhos de Elizabeth Agassiz, se incluem ainda A First Lesson in Natural History (1859) e Seaside Studies in Natural History (1865) este último com a co-autoria de seu enteado Alexander Agassiz.

Após o falecimento de seu marido aos 66 anos, em 1873, a senhora Agassiz passou a dedicar-se à biografia do falecido naturalista, mostrando-se novamente motivada pelas ciências naturais, bem como retomou seu interesse pela educação das mulheres em seu estado.

A presença do educador e filantropo Arthur Gilman e de sua mulher Stella Scott em Massachussetts na segunda metade do século dezenove tornaram os ideais de Elizabeth ainda mais próximos da concretização, já que os planos do casal incluíam um curso de ensino superior dedicado às mulheres dentro da Universidade de Harvard – O Private Collegiate Instruction for Women, ou Harvard Annex, de cujo comitê organizador, exclusivamente feminino, Elizabeth era membro de destaque.

Ser uma figura feminina com expressiva participação na defesa dos direitos das mulheres à educação, à formação superior e à intelectualidade no século XIX faz de Elizabeth Agassiz substancial fonte de interesse para os propósitos desta publicação e são os escritos dela, durante a expedição científica exploratória Thayer, no trecho entre o Pará e Manaus, ao mostrarem um mosaico de linguagens, movimentos tradutórios e a interação de variados gêneros discursivos, que protagonizam as análises deste artigo, cujo foco prioritário são as formas de dizer e traduzir.

Convergência dos olhares estrangeiro e local na produção e na tradução

Aspectos comuns como o gênero feminino e a ambiência amazônica atrelam autora e tradutora que se encontram, por meio da transposição interlinguística, no universo denso da linguagem em tempos apartados. Essas similitudes anunciavam antecipadamente interesses e expectativas de convergências, enquanto o distanciamento de mais de cinco décadas, suscitava a curiosidade de resgates históricos que contribuíram para a escolha do capítulo “From Pará to Manaos”, da obra A journey in Brazil (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.) a ser traduzido. Lócus de viagem da autora e lócus de vivência da tradutora, em sintonia, prenunciavam ainda uma análise favorecida de aspectos imagológicos e tradutológicos do texto fonte.

Considerando-se que a obra A journey in Brazil é resultado de uma incursão capitaneada pelo zoólogo e geólogo suíço Louis Agassiz, cujo objetivo era o de pesquisar os peixes da Bacia Amazônica e apresentar argumentos contraditórios às teses evolucionistas de Darwin, faz-se evidente que a viagem per se não era o propósito, mas o meio pelo qual o intento científico se concretizaria de forma mais eficaz, em campo – nos rios da Amazônia.

Era previsível que os achados científicos da expedição dessem origem a publicações de natureza estritamente científica, textos especializados das áreas da ictiologia com aportes substanciais da geologia, geoquímica dos solos e história natural, entretanto, as narrativas de autoria de Elizabeth Agassiz, que compõem o relato da viagem, especificamente no capítulo V da obra, estendem-se para além desses objetivos.

De forma envolvente e imaginativa, a tripulante expedicionária aborda os fatos e experiências vividas, enriquecidos com observações características de quem deseja apreender a dimensão humana daquela oportunidade sui generis, nas relações familiares, nos aspectos comportamentais entre membros das famílias indígenas e seus papéis sociais definidos pelos gêneros, sua hospitalidade, descrições de estruturas arquitetônicas das habitações e de objetos, hábitos alimentares e de higiene, lazer, fazeres domésticos entre outros que, certamente, não estariam no escopo de observação do cientista.

Os excertos abaixo traduzidos por Barros & Silva (2023)Barros, Silvia Helena Benchimol & Silva, Tabita Fernandes. “Do Pará para Manaos (capítulo V) de Uma Viagem ao Brasil, de Elizabeth Agassiz”. Cadernos de Tradução, 43(esp.2), 2023b. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e96108
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e...
4 4 Todos os excertos traduzidos para a língua portuguesa que ilustram esse estudo são trechos da tradução completa do capítulo V da obra A Journey in Brazil (Agassiz & Agassiz, 1868, p. 152-184). ilustram essas observações:

Ele, tal qual todos os indígenas amazônidas, é um pescador. Com exceção de pequenos cuidados que lhes exige a pequena plantação doméstica, a pesca é sua única ocupação. Nunca se vê um homem indígena realizando trabalhos domésticos, e como a pesca é realizada, basicamente, em épocas determinadas, no restante do tempo ele é uma figura ociosa

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 176-177, nossa tradução).

As mulheres, ao contrário, são consideradas extremamente produtivas [...] esperança está sempre ocupada ralando mandioca, secando a farinha, embrulhando o tabaco, cozinhando ou varrendo. Seus filhos são ativos e obedientes, os mais velhos, mostrando-se cooperativos trazem a água do lago, lavam a mandioca e cuidam dos irmãos mais novos

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 177, nossa tradução).

Fomos recepcionados da forma mais gentil e cordial (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 12, tradução nossa); [...] grupos de indígenas – homens, mulheres e crianças – nos acenando de forma acolhedora sob a abóbada das árvores

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 174, nossa tradução).

De onde as contemplamos, (as casas) parecem abrigos pitorescos com telhados de palha cobrindo espécie de varanda aberta] (p. 2); [...] a estrutura de sustentação da casa consistia em longas toras de madeiras que se encontravam em ângulos retos. Entre estas, entrecruzavam-se longas folhas de palmeiras [...] às vezes, as paredes eram preenchidas com barro – casas de pau a pique

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 154, nossa tradução).

Uma peculiaridade no seu estilo de construção [...] os indígenas geralmente erguem suas casas sobre estacas fincadas sob a água. Aqui temos as tradicionais edificações lacustres reproduzidas diante de nós e tão discutidas nas últimas décadas – as palafitas.

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 162, nossa tradução).

As crianças estão sempre me trazendo flores e pequenos agrados que conseguem obter para gentilmente oferecer, especialmente, as [cuias] pintadas que os indígenas fazem dos frutos grandes e globulosos da Crescentia

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 182, nossa tradução).

O olhar de Elizabeth é o olhar feminino de mulher de sua época, desprendido de um foco único de observação e com referências culturais bem diversas, que não lhe refreiam as analogias, as representações e os juízos de valor (Sousa, 2011Sousa, Celeste Henriques Marquês Ribeiro de. “Literatura e imagologia: uma interação produtiva. A contribuição da Comparatística da Universidade de Aachen”. Pandaemonium Germanicum, 17, p. 159-186, 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S1982-88372011000100010
https://doi.org/10.1590/S1982-8837201100...
p. 163-164), conforme ilustrados nos excertos abaixo traduzidos. Juízos de valor e expressões racistas são frequentemente observadas em textos deste período histórico. Referem Harden & Harden (2021, p.103)Harden, Alessandra Ramos de Oliveira & Harden, Theo. “Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia brasileira”. Cadernos de Tradução, 41(esp.1), p. 101-109, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84943
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e...
que os trabalhos de Spix e Martius (1823, 1828, 1831) “(...) oferecem uma ampla visão do Brasil da época, em um texto que representa bem a perspectiva eurocêntrica e até racista de grande parte dos pesquisadores que então atuavam sob a profunda influência do Ilu-minismo”.

alguns artigos típicos da cerâmica local, tão feios quanto curiosos

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 154-155, nossa tradução).

uma velha mulher indígena e horrenda veio visitar-me em meu quarto

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 180, nossa tradução).

é inimaginável qualquer coisa mais sem graça, entediante e não convidativa do que a vida nas cidades amazônicas que tentam atender aos convencionalismos da civilização, mas sem o toque de seu charme

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 175, nossa tradução).

É dessa forma que, transitando por diferentes nuances culturais, a linguagem revela o discurso valorativo, que emerge com certa frequência nas linhas do texto de Elizabeth Agassiz.

No diário de viagem, que envolve entrelaçamento de cartas, descrições teóricas, outras carregadas de encantamento, subjetividade e adjetivações, distingue-se a estética da linguagem literária e poética como no excerto a seguir conforme tradução abaixo:

das paredes verdejantes que se erguiam em ambos os lados do estreito, apresando-nos, frondosas árvores revestidas de cipós, dos pés ao cume, projetavam-se aqui e ali como colunas gigantescas pronunciando-se no desabrochar do céu matinal

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 172, nossa tradução).

Evidenciam-se, ainda, na análise dos excertos acima, questões atinentes aos contextos, cuja influência no texto é consistentemente problematizada na literatura de viagem para a construção dos sentidos. Nesse caso, coloca-se em nitidez e tensionamento a situação do ‘contexto estrangeiro’ – submetido ao ‘olhar estrangeiro’ e seu horizonte de expectativas e respectivas representações culturais no texto fonte – e o ‘contexto familiar’ - submetido ao olhar local na tradução. A este respeito, comentam Freitas & Nascimento (2021, p. 01)Freitas, Luana Ferreira de & Nascimento, Kelvis Santiago do. “Notas à tradução de A Voyage up the river Amazon including a residence at Pará”. Cadernos de Tradução, 41(esp.1), p. 142-148, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84947
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e...
, “a literatura de viagem nada mais é que um registro de natureza científica e/ou pessoal de experiências vividas em forma de diários, livros, artigos.

‘intergêneros’, ‘interlinguagens’ e interssemioses

A necessidade de retomadas dos diferentes gêneros, em diferentes partes do TF, e até mesmo de retorno aos mesmos excertos para observações de diferentes perspectivas, dá a este capítulo um movimento espiralizado, ora a considerar características do gênero discursivo em uso, ora o tipo de linguagem, ora os movimentos de tradução.

A tessitura híbrida – intergêneros e interlinguagens – do texto fonte e as diferentes formas de dizer que apresenta, estão espelhadas no processo tradutório, que para além das equivalências primou por trazer o leitor para a ambiência amazônica, com explicitações, por vezes, acrescidas ao TF5 5 Expressões e termos como “casas de pau a pique”; “palafitas”; “macacos guariba”; “cuia”, que constam de excertos em análise neste estudo, não estão presentes no texto fonte, mas apenas na tradução. Essas explicitações, entretanto, remetem ao conhecimento de contexto e das denominações utilizadas localmente. ; e adequações etnoterminológicas. Os suportes imagéticos, no caso de exemplares da vegetação local foram recursos também utilizados pelas autoras.

Notas do tradutor, pesquisas paralelas, manipulações de ordem estética corroboram a concretização de um trabalho com assinatura. Outrossim, a tradução apresentada preserva algumas marcas que identificam o caráter histórico da obra, oscilando de forma sutil entre domesticações e estrangeirizações.

Podem ser verificadas algumas peculiaridades linguísticas arrazoadas pela localização temporal da produção (em língua inglesa) em termos como “To-day6 6 O termo to-day [hoje: today] forma utilizada em Middle-English – to dai, por sua vez, advinda do Old English to dæge. (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.. p.184); e topônimos com grafias antigas (em língua portuguesa) como “Manaos”7 7 O topônimo Manao [hoje Manaus]: nome da cidade, capital do estado do Amazonas em grafia antiga. A origem do topônimo faz alusão ao grupo indígena dos Manao [mãe dos deuses] que, por uma mudança fonética passou a Manau, e, posteriormente, a Manaus, como é registrada, atualmente, na grafia oficial. e Villa Bella8 8 O topônimo Villa Bella [hoje Vila Bela] ainda é apresentada com a provável influência da ortografia francesa Belle Ville. presentes no TF e preservadas no TM (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.). A manutenção das grafias já não utilizadas, na tradução, tem como propósito marcar a originalidade histórica.

As investigações cujos objetos são textos e gêneros discursivos, produzidos em momentos e contextos históricos bastante distintos se inserem nos pressupostos do Paradigma das Tradições Discursivas (Kabatek, 2012Kabatek, Johannes. “Tradição discursiva e gênero”. In: Lobo, Tânia, Carneiro, Zenaide; Soledade, Juliana; Almeida, Ariadne & Ribeiro, Silvana (Orgs.). Rosae: linguística histórica, história das línguas e outras histórias. Salvador: EdUFBA, 2012. p. 579-588., p. 580), pois além de se ancorarem no arcabouço teórico dos estudos textuais longitudinais, evolutivos, perpassam pelas formas particulares de dizer em relação ao contexto socio-histórico em que foram ditas ou escritas e pelo gênero utilizado com sua relativa estabilidade de características.

Além disso, os diferentes gêneros utilizados respondem pelas escolhas linguístico-discursivas que lhes são peculiares (Koch, 2021Koch, Peter. “Traduções discursivas: de seu status linguístico-teórico e sua dinâmica”. Tradução de Alessandra Castilho Ferreira da Costa. Pandemonium Germanicum, 24(42), p. 360-401, 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/1982-88372442360
https://doi.org/10.11606/1982-8837244236...
). Nesse caso, a decisão da tradutora foi oscilar entre a domesticação de fluidez e a manutenção das marcas históricas que remetem os leitores ao momento de produção do TF.

Como o enfoque deste capítulo é a materialidade do texto escrito em determinado recorte de uma obra localizada no século XIX e sua tradução no século XXI e não a análise da perspectiva diacrônica dos gêneros nela contidos, trazemos essas referências, mas atemo-nos à diversidade desses gêneros e às características linguístico-discursivas nos TF e TM.

A natureza interdisciplinar do texto de Elizabeth, o mosaico de gêneros discursivos e as pertinentes mudanças de registro do texto fonte mantêm-se no texto traduzido e demonstram que esta força atrativa entre as formas de linguagem favorece a compreensão, além de atender a múltiplos interesses leitores independentemente do código linguístico em uso. No âmbito discursivo, as cartas atropelam o fluxo da narrativa ao se interporem na sequência do diário. Quando no corpo do TF, as cartas apresentam-se sem destaques, exceto pelos elementos formais do gênero (introdutórios) e quando em notas de rodapé – no caso de cartas traduzidas pela autora – apresentam asteriscos, fonte de tamanho destacado (menor) para visibilidade mais clara da mescla.

O diário de viagem ou relato de viagem é o suporte no qual se desenrolam as narrativas que reúnem registros de experiências, vivências, aventuras em novos territórios com a expectativa de futuro compartilhamento. Esse aspecto alusivo à publicização futura do texto de Elizabeth Agassiz é revelado em trecho abaixo traduzido:

Para meus leitores interessados no progresso científico desta expedição, tanto quanto na trilha de aventuras pessoais, compartilho convosco uma carta sobre o tema, escrita um ou dois dias depois pelo Sr. Agassiz e endereçada ao Sr. Pimenta Bueno, no Pará, o generoso amigo a quem ele deve muito das benesses desfrutadas nesta viagem

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 157, nossa tradução).

O excerto acima, além de manifestar a intenção de compartilhamento de informações sobre o êxito da expedição com futuros leitores, serve de introdução para uma das cartas inseridas no corpo do relato. As missivas, incorporadas à narrativa, irrompem desviando o leitor da cronologia do diário e levando-o a outro ambiente dialógico – não mais entre relatora e leitor, mas entre interlocutores cientistas. Nesse sentido, seguem o convencional objetivo comunicativo, mantêm a estrutura característica – data, vocativo, assunto e despedida – oscilando da pessoalidade informal ao discurso científico no campo da ictiologia com propósitos informativos. Esse trânsito da linguagem, suscita a mudança de registro e de características lexicais – aspectos que podem ser observados, abaixo, na transcrição de fragmentos, em língua fonte e meta, com grifos das autoras.

*August 22nd, morning: between Tajapuru and Gurupá. The forest fishes

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 159).

22 de agosto, manhã: entre Tajapuru e Gurupá: Os peixes da floresta

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 159, nossa tradução).

MY DEAR FRIEND: – yesterday was a most instructive day, – above all, in the “forest fishes

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 159, grifos do autor).

MEU QUERIDO AMIGO: – ontem foi um dia bastante instrutivo – sobretudo no tema “peixes da floresta”

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 159, nossa tradução).

[...] considering all, It seems to me already apparent that our voyage will make a revolution in Ichthyology

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 159).

[...] em uma avaliação geral, já me parece claro que nossa viagem provocará uma revolução na Ictiologia

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 159, nossa tradução).

Ainda sobre as cartas, é interessante observar que o texto de Elizabeth apresenta a tradução de algumas delas do francês para o inglês, ambas para o mesmo destinatário – o Sr. Pimenta Bueno. São os casos da carta de 22 de agosto (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.. p. 156-159), inclusive trazendo a mesclas dos idiomas, e da carta de 23 de agosto (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.. p. 164 -165) em destaque abaixo. Outro movimento identificado nos escritos da Sra. Agassiz e relacionado à tradução é o fato de que as cartas em francês compõem o corpo do texto, entretanto, as traduções para o inglês estão, na íntegra, em notas de rodapé que se estendem, cada uma, por duas páginas. Assim, as notas de rodapé comumente concebidas como recurso para ‘limpar’ o texto são aqui utilizadas para abrigar longos trechos de conversão interlinguística. Outrossim, pode-se constatar a mescla dessas diferentes línguas na própria carta traduzida pela autora, em saudação de despedida, abaixo ilustrada:

Adieu pour aujourd’hui, votre bien affectioné, L. Agassiz (TF)

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.. p. 159).

Adien for to-day, your affectionate, L. Agassiz (TM 1)

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 159).

[Adeus por hoje, afetuosamente, L. Agassiz (TM 2)]

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 159, nossa tradução).

As cartas pessoais desta obra além da estrutura introdutória, peculiar ao gênero, incluem o período do dia e a temática, elementos que sinalizam a preocupação de localização mais precisa dos fatos, seguindo a dinâmica do diário, embora incomum nas cartas e, assim, revelam um entrelaçamento dos gêneros e a mistura de seus componentes formais. Assinalamos, mais uma vez, a intenção de compartilhamento dos escritos de Elizabeth Agassiz por meio do movimento de tradução de cartas para o Inglês – língua franca – e com as introduções marcadas por temáticas (exclusivas na tradução de L. Agassiz e ausentes no original em francês), conforme vê-se traduzido a seguir:

MON CHER AMI: – Je suis exténué de fatigue, mais je ne veux pas aller me reposer avant de vous avoir écrit um mot. Hier soir nous avons obtenu vingt-sept espèces de poissons a Gurupá et ce matin, cinquante-sept [...]

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.. p. 164)

[L.AGASSIZ.*

*ON THE XINGU, AUGUST 23RD, 1865

MY DEAR FRIEND: – I am worn out with fatigue, but I will not go to rest before writing you a word. Yesterday evening we obtained twenty-seven [...]

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 164).

[L.AGASSIZ.*

*NO XINGU, 23 de AGOSTO, 1865

MEU QUERIDO AMIGO: – Estou exausto de cansaço, mas não irei descansar antes de lhe escrever uma palavra. Ontem à noite capturamos vinte e sete [...]

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 164, nossa tradução).

A presença das cartas, na íntegra corrobora nossa percepção de uma despreocupação da autora com um gênero de predominância, mas reforça uma interação entre vários gêneros e linguagens com objetivo de trazer ao texto o máximo de realidade, precisão de informações e a densidade dessas quando tratam de conteúdo científico. A voz do Sr. Agassiz presente no texto do relato de viagem e pronunciada nas cartas, indica que não estariam as observações e impressões pessoais e informais de Elizabeth acima dos propósitos científicos do Senhor Agassiz, tampouco deveria se sobrepor o registro formal ao informal do diário, ou as características literárias das descrições ao léxico de especialidade. Um misto equânime que se apresenta sob a orquestração da autora.

As cartas inseridas em notas de rodapé são a ambiência onde o texto de especialidade se manifesta com maior frequência, o que se justifica por serem instrumento de comunicação entre especialistas que compartilham uma terminologia comum da ictiologia. Os excertos traduzidos, abaixo, ilustram essa afirmação:

(A pirarara) é um espécime pesado, de cabeça larga, com um tipo de escudo ósseo em volta de toda a cabeça. Em geral, sua coloração é negra, mas possui laterais amarelo-brilhantes que se intensificam em tom laranja em algumas partes. Seu nome científico é Phractocephalus bicolor

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 183, nossa tradução, grifos nossos).

[...] não me refiro aqui aos Gymnotus elétricos – as enguias (peixe elétrico – [poraquê]) já tão competentemente descritos por Humboldt, [...] mas sim aos pequenos representantes conhecidos por Carapus, Sternopygus, Sternarchus e Ramphichthys. [...] já que não deslizam com rapidez para a frente, mas sim como os Cobitis e Petromyzon (lampreias), os turus frequentemente dão cambalhotas e mudam de direção. Essa característica assemelha-se à dos Sternopygus e Sternarchus [...]

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 183, nossa tradução, grifos nossos).

Em alguns trechos do texto traduzido, onde se manifesta o discurso especializado – seja da ictiologia ou arquitetura – ocorre a transposição intralinguística orientada, por vezes, pelo processo de vulgarização terminológica (Botta, 2013Botta, Mariana Giacomini. “Comportamento dos termos do meio ambiente em textos de vulgarização”. Tradterm, 22, p. 185-210, 2013. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2317-9511.tradterm.2013.69128
https://doi.org/10.11606/issn.2317-9511....
) e/ou são evidenciadas estratégias de explicitação/implicitação (Becher, 2011Becher, Viktor. Explicitation and implicitation in translation: a corpus-based study of English-German and German-English translations of business texts. Doctoral Thesis (Ph.D.). Fachbereichen für Sprache, Literatur und Medien, Universität Hamburg, Hamburg, 2011. https://d-nb.info/102042673X/34
https://d-nb.info/102042673X/34...
), ambas favorecidas pelo conhecimento de contexto pela tradutora, corroborando a hipótese de Halliday & Matthiessen (2004)Halliday, Michael & Mathiessen, Christian. Introduction to Functional Grammar. Londres & Nova York: Hodder Education, Hachette UK company, 2004. de que o desempenho de compreensão do tradutor deixa evidências no texto traduzido.

Nos excertos dos TF e TM, abaixo, trago a ilustração dessas questões. Em grifo, encontram-se as explicitações, de onde emergem os vestígios da familiaridade e compreensão contextual que levam à extrapolação do texto fonte, com a vulgarização terminológica constatada nos termos poraqué (Gymnotus) e guariba (Alouatta Guariba).

I was especially interested in seeing living Gymnotini. I do not here allude to the electric Gymnotus, already so fully described by Humboldt

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 183).

Fiquei especialmente interessada em ver espécies Gyminotidae vivos. Não me refiro aqui aos Gymnotus elétricos – as enguias (peixe elétrico – [poraquê]) já tão competentemente descritos por Humboldt

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 183, nossa tradução, nossos acréscimos).

The frames are made of tree-trunks, crossing each other at right angles. Between these are woven long palm-leaves, making an admirable thatch, or sometimes the walls are filled with mud

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.. p. 161).

A estrutura de sustentação da casa consistia em longas toras de madeiras que se encontravam em ângulos retos. Entre essas, entrecruzavam-se longas folhas de palmeiras em um admirável entrelace de palhas, mas às vezes as paredes eram preenchidas com barro – as casas de pau a pique

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 183 nossa tradução, nossos acréscimos).

This morning the forest is noisy with the howling monkeys. They sound very near and very numerous; but we are told that they are deep in the forest and would disappear at the slightest approach

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 180).

Esta manhã estava ruidosa com os uivos dos [macacos guariba]. Parecem estar muito próximos e em grande número, mas os indígenas nos esclarecem que estão, na realidade, muito adentro na floresta e desparecem ao menor sinal e aproximação

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 183, nossa tradução, nossos acréscimos).

Owing to the submerged state of the ground on which they live, the Indians often raise their houses on piles sunk in the water. here we have the old lacustrine buildings, so much discussed of late years, reproduced for us

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 162).

devido ao estado de alagamento do solo sobre o qual vivem, os indígenas geralmente erguem suas casas sobre estacas fincadas sob a água. Aqui temos tradicionais edificações lacustres reproduzidas diante de nós e tão discutidas nas últimas décadas – [as palafitas]

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.. p. 162, nossa tradução, nossos acréscimos).

Ao falarmos sobre a mistura de gêneros, chamamos a atenção para a presença de algumas notas, oscilando entre detalhamentos de natureza informal e meramente informativos como no caso da identificação de pessoas referidas nominalmente no texto ou; de maior expressividade emocional, impressões adicionais da autora; traduções e notas técnicas expansivas sobre a pesquisa, espécimes, aspectos geológicos, etc. As notas de rodapé, contudo, são elementos que, de modo corriqueiro, não se fazem presentes nos diários pela natureza de livre expressão que lhes é inerente. As notas são sempre “(re)cursos” desviantes do trajeto das narrativas que, neste caso, têm o propósito explicativo e evocam, simultaneamente, os movimentos: centrípeto – de convergência e aprofundamento de aspectos do texto com ampliação de informações; e centrífugo – ao remeterem o leitor para fora do texto em pesquisas que se desdobram a partir do centro – o texto.

Genette (2009)Genette, Gérard. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. retrocede historicamente aos momentos em que as glosas, depois notas, “cercavam” ou “recheavam” o texto em letras menores. E prossegue, “[...] é no século XVIII que o uso dominante as transfere para o pé da página, o rodapé” (Genette, 2009Genette, Gérard. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009., p. 282). Refere Genette (2009, p. 282)Genette, Gérard. Paratextos Editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. que, “[...] nada impede, por outro lado, que as notas de rodapé, quando são longas, se estendam por várias páginas” [...]. Nada impede tampouco as anotações em diferentes níveis, notas sobre notas [...]. Nada impede, por fim, que coexistam num mesmo livro vários sistemas: notas curtas em pé de página, mais detalhadas em final de capítulo ou de volume [...]”.

Abaixo, trazemos exemplos de duas notas de rodapé traduzidas texto de Elizabeth Agassiz:

* Senhor Sepeda, um cavalheiro extremamente cortês e acolhedor a quem jamais conseguiremos retribuir à altura por tamanha gentileza e pela valiosa coleção que disponibilizou durante nossa viagem pelo Alto Amazonas

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 157, nossa tradução).

* Representações destas colinas podem ser encontradas no Atlas de Martius e na obra “Naturalist on the River Amazons” de Henry Walter Bates

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 166, nossa tradução).

No âmbito das notas de rodapé, para além das notas autorais, destacamos as alógrafas, que no texto traduzido foram ainda acrescidas na forma de notas de tradutor (NTs).

Essas notas constituem expansões elucidativas de elementos linguísticos com grafias antigas – Manao(s); estrangeirizações utilizadas pela autora – Icamiabas e Montaria; referências de nomes, cuja expectativa de compartilhamento no contexto de recepção (da tradução) suscitam esclarecimentos – Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Martius . Outros termos estrangeirizados pela autora como “sítio” e “igarapé”; foram explicados no próprio corpo do texto.

O gênero relato encerra, obviamente, a subjetividade de quem o faz, em forma de narrativa, empregando seu potencial de descrição e de formulação de imagens. Nessas narrativas, o olhar reflete as experiências pessoais, referências culturais, representações e visão de mundo da autora. A comparação da Arcádia com a cena Amazônida expressa essas representações como evidencia o trecho traduzido a seguir:

[...] a esta altura, se dissipariam quaisquer possíveis ilusões ou visão aproximada da Arcádia. Mas, acrescento ainda que este exemplo que se nos apresenta aqui, não é uma referência favorável

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 173).

O diário da Sra. Agassiz segue, assim, a dinâmica da sequencialidade cronológica, que vai aos poucos compondo, verbalmente, a viagem e enredando o leitor por meio da linguagem escrita e seus movimentos metamórficos. O trabalho de tradução segue o olhar observador e detalhista da mulher pesquisadora, sensível, que ao mesmo tempo, mostra-se comprometido com a descrição objetiva dos fatos e das espécies cientificamente identificadas e atem-se, com especial minucia, aos detalhes das casas, suas arquiteturas, aparência das mulheres e seus papéis, das crianças, da limpeza dos lares e vestimentas.

Os trechos abaixo traduzidos, exemplificam a precisão do olhar nas descrições:

[...] junto com essas misturas, encontra-se ainda o tipo físico do puro indígena com suas sobrancelhas baixas, contorno quadrado da face e ombros retilíneos, característica especialmente mais observável nas mulheres

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 154, nossa tradução).

O miriti (Mauritia), [ou buriti] uma das mais deslumbrantes, exibe seus cachos de frutos vermelhos suspensos e suas gigantescas folhagens abertas em forma de ventarolas farfalhantes e fibras recortadas em filamentos [...]

(Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.. p. 156. Nossa tradução. Acréscimo das autoras).
Figura 1
miriti ou buriti9 9 Todas as imagens ilustrativas das espécies vegetais foram produzidas por Anarry Tavares, bolsista Bibic do Projeto ET-Multi.

O primeiro excerto faz referência à descrição física de um “indígena puro” com características fenotípicas estabelecidas que são tomadas como referência. Uma tentativa de amparar-se em padrões genéticos – físicos e biológicos que determinariam as “raças” – conceito fragilizado pela falta de evidências e sustentação diante dos avanços da ciência e que, hoje, é retomado sob perspectiva diferenciada da busca pelas “porções genéticas” reveladoras das ancestralidades e da origem geográfica, sem, no entanto, valorizar os aspectos físicos.

O segundo excerto tem como objeto de contemplação a espécie vegetal, Mauritia. Os recursos linguísticos aqui utilizados, como em várias outras ocasiões no texto, revelam a estética da linguagem literária e poética. Não se trata simplesmente de cores, tamanhos ou formas, mas de adjetivos hiperbolizados permeados de sentimentos. A descrição estende-se para além da superficialidade captada pelo sentido da visão, levando-nos a compartilhar o encantamento, das comparações, que acessam memórias da autora como no emprego de fan-like e ribbons (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 156), utilizadas para a descrição das folhagens, que poderiam ter como tradução “leque” e “fitas” (adornos de senhoras sofisticadas da época) que compõem referências visuais menos consistentes para os amazônidas e, por isso, na tradução foram utilizados os termos: ventarolas e filamentos.

Os trechos abaixo traduzidos reforçam esse caráter performático da linguagem e sua capacidade de suscitar imagens mentais, tal o esforço em reproduzir os detalhes, como em um registro fotográfico.

A árvore que de pronto nos salta aos olhos e se destaca da massa verde com imensa graciosidade e soberania é a sublime e esbelta palmeira do açaí, com sua coroa de folhagens leves como plumas e seus cachos fartos de frutos escuros e redondos como bagas pendendo de galhos que se retesam rijos, quase que horizontalmente abaixo da folhagem (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 154, nossa tradução).

Figura 2
açaí

O Jupati (Rhaphia) projeta suas ramas em plumagens que chegam a medir de 12 a 15 metros. Em virtude do caule curto, as ramagens parecem brotar do próprio solo. Sua aparência de vaso é particularmente graciosa e simétrica (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 156, nossa tradução).

Figura 3
jupati

As margens desta parte do rio são muito frequentemente ladeadas por duas fileiras de plantas formando, por vezes, uma espécie de proteção contínua das bordas – a Aninga (Arum), com grandes folhas em formato de coração que se projetam para cima dos altos caules e o Murici, de porte mais baixo fazendo contato com a água (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 156, nossa tradução).

Figura 4
aninga
Figura 5
murici

Há também o Ubuçu ou Bussu (Manicaria). Essa palmeira tem folhas inteiriças e rijas de cerca de nove metros de comprimento vertical, fechadas em seu prolongamento e com as bordas serrilhadas. O tronco dessa palmeira é analogamente curto (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 156, nossa tradução).

Figura 6
Bussu

A precisão das descrições de Elizabeth Agassiz, estimulando a formação de imagens mentais, levou-nos a trazer a real aparência das espécies, como forma de constatação da acuidade verbalizada tanto no TF quanto no TM. Com essa motivação, foram criados desenhos das espécies vegetais, a partir da matriz puramente verbal, comparada com fotografias locais a traçar um movimento intersemiótico no texto traduzido.

A intensidade poética é evidente, especialmente, nos trechos em que Elizabeth Agassiz se desprende dos fatos e se permite um passeio revelador do seu deslumbramento, aguçamento e sensibilidade. A natureza exuberante e impressionante é a principal responsável pelos momentos e movimentos da linguagem em que os adjetivos emergem como pincéis que traduzem um quadro. A busca por correspondências no processo tradutório também se desprende, na reescrita do texto, legitimado pelo conhecimento que emana da experiência real, sensorial da tradutora.

Considerações Finais

Este artigo consistiu em um trabalho de reflexão sobre tradução realizada da língua inglesa para a língua portuguesa. O objeto – capítulo V da obra A Journey in Brazil, intitulado From Pará to Manaos, publicado em 1868 pela editora Ticknor and Fields – é texto escrito por Elizabeth Agassiz, uma mulher estrangeira no século XIX, reproduznido suas observações durante a expedição Thayer à Amazônia, liderada pelo zoólogo suiço Louis Agassiz. No processo de análise do texto fonte, destacamos a convergência de diferentes gêneros discursivos, de linguagens e de registros.

Transparecem nas linhas da autora, a subjetividade, representações e referências estrangeiras no contato com a ambiência amazônica, de onde produz descrições, ora de extremada acuidade, ora de profundo arrebatamento com os cenários por onde transita. A linguagem se revela fluida e metamórfica a serviço da composição de um texto híbrido que pode ser observado por uma ampla variedade de lentes e perspectivas.

Ao tratarmos da transposição para a língua portuguesa - versão sobre a qual nos debruçamos de forma restrospectiva - salientamos o fato de ter sido realizada no próprio lócus, em momento sócio-histórico distanciado por mais de um século e meio, por sujeito integrado ao contexto dos acontecimentos, fato que deixa marcas naturais de explicitação, expansão, domesticação e liberta para a inserção de elementos semióticos inexistentes na obra original.

Na tradução, foram preservados aspectos reveladores da historicidade do texto – marcas de época – e observadas as peculiaridades estruturais dos diferentes gêneros interpostos. Essas distinções e suas especificidades e interações são trazidas nesse texto, onde estão contrastados: tempos, contextos, línguas e linguagens.

  • 1
    A série de publicações reunidas sob o título “Traduzindo a Amazônia” e organizada por Guerini, Torres & Fernandes (2021, 2022) constitui representativo acervo histórico-cultural sobre a região Amazônica e sobretudo sobre como a realidade local é traduzida.
  • 2
    “viajas para reviver teu passado? Essa era a pergunta de Kan, que também pode ser formulada assim - viajas para encontrar teu futuro? E a resposta de Marco: - O algures é um espelho negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o tanto que não teve e jamais terá” (Calvino, 1972Calvino, Ítalo. La città invisibili. Einaudi Torino, 1972., p. 13, tradução nossa).
  • 3
    A exemplo do caráter explorador e de projeção nos estudos etnográficos na Amazônia, Emilie Snethlage (1868-1929), naturalista alemã, é trazida em artigo da primeira publicação de Traduzindo a Amazônia, de autoria de Arnegger & Sanjad (2021 p. 360-365)Arnegger, Reinhard, Michael Eugen & Sanjad, Nelson. “Emilie Snethlage: uma pesquisadora extraordinária em um universo acadêmico masculino”. Cadernos de Tradução, 41(esp.1), p. 360-365, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84958
    https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e...
    . As pesquisas da expedicionista com animais e plantas na Amazônia e o interesse antropológico pelos indígenas acentuam confluências entre Emilie e Elizabeth.
  • 4
    Todos os excertos traduzidos para a língua portuguesa que ilustram esse estudo são trechos da tradução completa do capítulo V da obra A Journey in Brazil (Agassiz & Agassiz, 1868Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil. Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184., p. 152-184).
  • 5
    Expressões e termos como “casas de pau a pique”; “palafitas”; “macacos guariba”; “cuia”, que constam de excertos em análise neste estudo, não estão presentes no texto fonte, mas apenas na tradução. Essas explicitações, entretanto, remetem ao conhecimento de contexto e das denominações utilizadas localmente.
  • 6
    O termo to-day [hoje: today] forma utilizada em Middle-English – to dai, por sua vez, advinda do Old English to dæge.
  • 7
    O topônimo Manao [hoje Manaus]: nome da cidade, capital do estado do Amazonas em grafia antiga. A origem do topônimo faz alusão ao grupo indígena dos Manao [mãe dos deuses] que, por uma mudança fonética passou a Manau, e, posteriormente, a Manaus, como é registrada, atualmente, na grafia oficial.
  • 8
    O topônimo Villa Bella [hoje Vila Bela] ainda é apresentada com a provável influência da ortografia francesa Belle Ville.
  • 9
    Todas as imagens ilustrativas das espécies vegetais foram produzidas por Anarry Tavares, bolsista Bibic do Projeto ET-Multi.

Referências

  • Adams, Abigail. Abigail Adams to John Adams, 14 August 1776. National Archives 1963. Disponível em: https://founders.archives.gov/documents/Adams/04-02-02-0058#:~:text=I%20wrote%20you%20to%20day,or%20lay%20with%20any%20comfort Acesso em 2 out. 2023.
    » https://founders.archives.gov/documents/Adams/04-02-02-0058#:~:text=I%20wrote%20you%20to%20day,or%20lay%20with%20any%20comfort
  • Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary. “From Pará to Manaos”. In: Agassiz, Louis & Agassiz, Elizabeth Cabot Cary (Eds.). A trip in Brasil Boston: Ticknor & Fields, 1868. p. 152-184.
  • Arnegger, Reinhard, Michael Eugen & Sanjad, Nelson. “Emilie Snethlage: uma pesquisadora extraordinária em um universo acadêmico masculino”. Cadernos de Tradução, 41(esp.1), p. 360-365, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84958
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84958
  • Barros, Silvia Helena Benchimol & Silva, Tabita Fernandes. “Do Pará para Manaos (capítulo V) de Uma Viagem ao Brasil, de Elizabeth Agassiz”. Cadernos de Tradução, 43(esp.2), 2023b. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e96108
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e96108
  • Becher, Viktor. Explicitation and implicitation in translation: a corpus-based study of English-German and German-English translations of business texts Doctoral Thesis (Ph.D.). Fachbereichen für Sprache, Literatur und Medien, Universität Hamburg, Hamburg, 2011. https://d-nb.info/102042673X/34
    » https://d-nb.info/102042673X/34
  • Botta, Mariana Giacomini. “Comportamento dos termos do meio ambiente em textos de vulgarização”. Tradterm, 22, p. 185-210, 2013. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2317-9511.tradterm.2013.69128
    » https://doi.org/10.11606/issn.2317-9511.tradterm.2013.69128
  • Calvino, Ítalo. La città invisibili Einaudi Torino, 1972.
  • Freitas, Luana Ferreira de & Nascimento, Kelvis Santiago do. “Notas à tradução de A Voyage up the river Amazon including a residence at Pará”. Cadernos de Tradução, 41(esp.1), p. 142-148, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84947
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84947
  • Genette, Gérard. Paratextos Editoriais Tradução de Álvaro Faleiros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009.
  • Halliday, Michael & Mathiessen, Christian. Introduction to Functional Grammar Londres & Nova York: Hodder Education, Hachette UK company, 2004.
  • Harden, Alessandra Ramos de Oliveira & Harden, Theo. “Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia brasileira”. Cadernos de Tradução, 41(esp.1), p. 101-109, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84943
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84943
  • Kabatek, Johannes. “Tradição discursiva e gênero”. In: Lobo, Tânia, Carneiro, Zenaide; Soledade, Juliana; Almeida, Ariadne & Ribeiro, Silvana (Orgs.). Rosae: linguística histórica, história das línguas e outras histórias Salvador: EdUFBA, 2012. p. 579-588.
  • Koch, Peter. “Traduções discursivas: de seu status linguístico-teórico e sua dinâmica”. Tradução de Alessandra Castilho Ferreira da Costa. Pandemonium Germanicum, 24(42), p. 360-401, 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/1982-88372442360
    » https://doi.org/10.11606/1982-88372442360
  • Sousa, Celeste Henriques Marquês Ribeiro de. “Literatura e imagologia: uma interação produtiva. A contribuição da Comparatística da Universidade de Aachen”. Pandaemonium Germanicum, 17, p. 159-186, 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S1982-88372011000100010
    » https://doi.org/10.1590/S1982-88372011000100010

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2023
  • Aceito
    29 Set 2023
  • Publicado
    Out 2023
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: suporte.cadernostraducao@contato.ufsc.br