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MIDIALIDADES E ADAPTABILIDADES NOS TRABALHOS DE AMOR SHAKESPEARIANOS DE JORGE FURTADO

MEDIALITIES AND ADAPTABILITIES IN JORGE FURTADO’S SHAKESPEAREAN LABOURS OF LOVE

Resumo

Neste artigo, objetivamos analisar a representação de midialidades (em termos de possibilidades e de restrições midiáticas) no romance Trabalhos de amor perdidos, do escritor Jorge Furtado. Na narrativa literária, destacam-se especialmente as referências às mídias teatro, novela ilustrada, programa de rádio e website, a partir das escolhas das personagens do romance sobre como trabalhar suas potencialidades e entraves comunicativos ao desenvolverem projetos de adaptação que envolvem Shakespeare e sua obra. Discutimos ainda a relação entre intertextualidade e intermidialidade, de modo a posteriormente ilustrarmos o caráter devorador da paródia de Furtado. Palavras-chave: Literatura comparada; Paródia; Intermidialidade; Antropofagia literária; Shakespeare.

Palavras-chave
Literatura comparada; Paródia; Intermidialidade; Antropofagia literária; Shakespeare

Abstract

In this paper, we aim at analyzing the representation of medialities (in terms of medial possibilities and restrictions) in Jorge Furtado’s novel Trabalhos de amor perdidos. In this literary narrative, the intermedial references to theater, illustrated novel, radio program and website are especially significant, for they portray the characters’ choices on how to work with these media’s communicative potentialities and obstacles when developing adaptation projects of Shakespeare and his body of work. We also discuss the relationship between intertextuality and intermediality, so as to illustrate the devouring character of Furtado’s parody.

Keywords
Comparative literature; Parody; Intermediality; Literary anthropophagy; Shakespeare

Introdução

Trabalhos de amor perdidos, de Jorge Furtado (2006)FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., é o primeiro romance da Coleção Devorando Shakespeare, publicada no Brasil pela Objetiva entre os anos de 2006 e 2007. Nessa coleção, há ainda duas outras releituras paródicas de peças de Shakespeare: Luis Fernando Verissimo (2006)VERISSIMO, Luis Fernando. A décima segunda noite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. é o escritor de A décima segunda noite, intertexto construído a partir da comédia Noite de Reis; e Adriana Falcão (2007)FALCÃO, Adriana. Sonho de uma noite de verão. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. é a autora de Sonho de uma noite de verão, que tem como base os eventos da celebrada peça que empresta seu título à narrativa brasileira.

Em Trabalhos de amor perdidos, Furtado parodicamente atualiza a comédia shakespeariana de mesmo nome para o início da década de 2000, em um enredo que envolve pesquisadores e adaptadores da obra de Shakespeare provenientes de todos os continentes do planeta. Essa informação introdutória já nos leva ao ponto central a ser analisado neste artigo, a saber, a representação de midialidades e de adaptabilidades – especialmente relacionadas ao dramaturgo inglês – no romance de Furtado. De fato, a narrativa confirma o interesse global (a começar pelo Brasil do próprio Furtado) em estudar e reler artística e midiaticamente a obra de Shakespeare. Há, em outras palavras, a evidenciação do interesse em consumir, produzir e fazer circular Shakespeare, sua obra e adaptações, em contornos nitidamente midiáticos, paródicos e memorialísticos.

No romance de Furtado, desenvolve-se, mais especificamente, a articulação de quatro personagens com quatro formas midiáticas de comunicação: Robin, o narrador brasileiro, está conectado ao próprio teatro; Suhair, princesa jordaniana, é uma escritora de novelas ilustradas; Duck, estadunidense, é criador de programas de rádio; e Gavil, canadense, é programador de websites. Cada um deles, criativamente, explora sua mídia, ao escolher trabalhar com algum aspecto da vida ou com uma ou mais obras de Shakespeare. Nesse romance, somos apresentados às escolhas dos personagens em relação a como trabalhar com a midialidade de suas mídias, ou seja, com suas potencialidades e restrições comunicativas. Como tais questões estão representadas em um romance, torna-se possível refletir também sobre a midialidade da própria literatura, ou, mais especificamente, da narrativa literária longa, especificamente sobre como, em seus processos de significação, o romance faz uso de referências intermidiáticas a outras mídias.

Para além desse dado, o romance de Furtado deixa inequivocamente claro para seu leitor que todos estamos inseridos em um mundo de mídias. Diversas são as mídias artísticas e não-artísticas presentes em Trabalhos de amor perdidos, a exemplo das quatro mencionadas acima e também cartas, e-mail, cinema, música, telefone, estátua de cera, post-it, etc. Com isso, temos uma representação literária da ubiquidade das mídias na contemporaneidade, de como as mídias fazem parte da experiência humana no mundo. É por essa razão que, a seguir, começamos com uma discussão sobre a relação entre intertextualidade e intermidialidade, de modo a posteriormente ilustrarmos o caráter devorador da paródia de Furtado. Em seguida, aspectos de midialidade e de adaptabilidade (shakespearianas) são considerados. Por fim, fazemos a análise da representação dos limites e das possibilidades criativas – no contexto do romance – do teatro, da novela ilustrada, do rádio e de website, que são as quatro principais mídias nos processos de adaptação descritos na narrativa brasileira.

Literatura comparada: da intertextualidade à intermidialidade

Shakespeare é um dos autores que mais têm inspirado, ao longo da tradição literária, investigações de análise comparativa. Não apenas porque ele próprio escreveu suas peças com inspiração em obras pré-existentes, de autores como Plautus, Thomas Lodge, Plutarch, Chaucer, Ovid (WELLS, 1967WELLS, Stanley. Introduction. In: SHAKESPEARE, William. A midsummer night’s dream. London: Penguin, 1967.), mas porque muitos autores – a exemplo daqueles da coleção brasileira aqui mencionada – tiveram na vasta produção do bardo um intertexto explícito de criação literária. Neste sentido, é como se a riqueza literária que Shakespeare constitui fizesse surgir um campo de literatura comparada que irradia diferentes prismas em múltiplos contextos: temporais, geográficos, culturais, artísticos e midiáticos.

Em sua obra Literatura comparada (2000), Sandra Nitrini oferece os percursos históricos e teóricos dessa disciplina, desde suas origens, definições, metodologias, até seus recortes epistemológicos. A autora discute noções como fonte, influência, imitação e originalidade, até chegar ao que parece ser o conceito fundamental que embasa a literatura comparada – a intertextualidade. De fato, segundo Nitrini (2000, p. 157)NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000., a partir da segunda metade do século XX, a intertextualidade foi acolhida por muitos estudiosos da área como um conceito eficaz para o estudo literário que tem como premissa a crença de que “[uma] estrutura literária se elabora a partir de uma relação com outra” (NITRINI, 2000NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000., p. 158). Nesta relação entre literaturas, há que se dar também atenção a questões políticas relacionadas ao cânone e à (in)visibilidade de autores: quem é acionado no intertexto? Que literaturas são resgatadas no novo diálogo? E com que intuito?

Como não poderia deixar de ser, Nitrini procura resgatar a leitura que Kristeva faz de Bakhtin, sobretudo a partir do texto “A palavra, o diálogo e o romance”, chamando a atenção para a natureza dialógica da palavra: “(...) o centro regulador do monologismo é fixo (lei, verdade, Deus), enquanto o centro regulador do dialogismo é móvel (constituído pelos entrecruzamentos do sujeito enunciador com a palavra poética)” (NITRINI, 2000NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000., p. 159).

Ora, esses entrecruzamentos só são possíveis por conta do “diálogo entre diversas escrituras [e leituras]: a do escritor, do destinatário (ou do personagem), do contexto atual ou anterior” (NITRINI, 2000NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000., p. 159). Ou seja, a intertextualidade, em sendo uma poética que plasma o trânsito e o deslocamento de textos, para criar novos textos, constitui um convite substancial à atitude dinâmica e crítica do leitor, figura central na concatenação das novas subjetividades e comunicabilidades do intertexto. Como afirma Tiphaine Samoyault, em A intertextualidade (2008, p. 20), “a noção de alteridade é decisiva para estabelecer esse movimento dos textos, esse movimento da linguagem que carrega outras palavras, as palavras dos outros”. Isto em uma via de mão dupla: da perspectiva dos autores implicados no diálogo entre textos e da perspectiva também dos leitores que acionam e articulam os novos rearranjos semióticos e interpretativos.

É imprescindível também considerar a amplitude da palavra texto. Mesmo nos estudos pioneiros de literatura comparada, a exemplo do texto “Comparative literature: its definition and function” (1971), de Henry H. Remak, a literatura comparada já é vista como passível de estabelecer articulações com outras disciplinas e outras manifestações artísticas:

Literatura comparada é o estudo da literatura, além das fronteiras de um país particular, e o estudo das relações entre literatura, de um lado, e outras áreas de conhecimento, e da crença, tais como as artes (ex.: pintura, escultura, arquitetura, música), filosofia, história, ciências sociais, religião, etc., de outro. Em suma, é a comparação de uma literatura com uma outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana

(REMAK, 1971REMAK, Henry H. Comparative literature: its definition and function. In: STALLKNECHT, Newton Phelps; FRENZ, Horst (Eds.). Comparative Literature: method and perspective. Carbondale: Illinois University Press, 1971, p. 3-38. apud NITRINI, 2000NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000., p. 28).

Com efeito, em Julia Kristeva, a noção de texto é também ampla, “sinônimo de ‘sistema de signos’, quer se trate de obras literárias, de linguagens orais, de sistemas simbólicos, sociais ou inconscientes” (KRISTEVA, 1969 apud NITRINI, 2000NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000., p. 161). Não à toa, Kristeva também define a intertextualidade como “a transposição de um (ou vários) sistema(s) de signos em outro” (KRISTEVA, 1974 apud SAMOYAULT, 2008SAMOYAULT, Tiphaine. A intertextualidade. Trad. Sandra Nitrini. São Paulo: Hucitec, 2008., p. 17); ao fazer uso do termo ‘transposição’ e ‘signo’, Kristeva reveste o termo ‘textualidade’ (contido em ‘intertextualidade’) de uma qualidade para além dos textos verbais, de modo que o diálogo também possa acontecer entre signos de diferentes artes e mídias. Desse modo, a intertextualidade não se restringe à relação entre textos literários verbais, podendo ser também intersemiótica e intermidiática.

Podemos concluir, portanto, que a intermidialidade seria uma modalidade intertextual que chama a atenção para o diálogo entre textualidades originárias de múltiplas mídias, algo que tem se tornado cada vez mais frequente nas criações e produções artísticas e culturais contemporâneas. A propósito, dois teóricos do campo da intermidialidade ressaltam a relação entre os dois termos: Claus Clüver (2006CLÜVER, Claus. Da transposição intersemiótica. In: ARBEX, Márcia (org.). Poéticas do visível: ensaios sobre a escrita e a imagem. Belo Horizonte: UFMG, 2006, p. 107-166., 2012)CLÜVER, C. Intermidialidade. PÓS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG, v. 1, n. 2, p. 8–23, 2012., por exemplo, declara que um termo (intertextualidade) inevitavelmente encapsula o outro (intermidialidade): “dentre os intertextos de qualquer texto (em qualquer mídia) há sempre referências (citações, alusões) a aspectos e textos de outras mídias” (CLÜVER, 2012CLÜVER, C. Intermidialidade. PÓS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG, v. 1, n. 2, p. 8–23, 2012., p. 17). Irina Rajewsky (2012, p. 27)RAJEWSKY, Irina O. Intermidialidade, intertextualidade e ‘remediação’. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira (org.). Intermidialidade e estudos interartes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, p. 15-45. também argumenta que “há uma relação estreita entre referências intermidiáticas e referências intertextuais ou, numa concepção mais ampla, referências intramidiáticas (...)”.

No entanto, como as palavras não são neutras em suas nuances semânticas, o termo intermidialidade chama a atenção, de modo mais explícito, para diálogos que se dão com textualidades não comumente percebidas como artísticas e estéticas, como é o caso do website e jogos de vídeo configurados no romance de Furtado; ou mesmo outros objetos como novelas ilustradas e programa de rádio. Com o avanço da era digital e das novas tecnologias, o intertexto passa a ser, com frequência, intermidiático – ou seja, o diálogo se amplia em suas referências para acolher outras mídias, provocando um deslocamento do parâmetro estético ou artístico, de modo específico, para o midiático em geral. Ou seja, de novo há que se observar o caráter político dos objetos de investigação, uma vez que tal ampliação (da literatura para as mídias) ilustra uma mudança no que diz respeito aos objetos de pesquisa da literatura comparada, que passa a incluir “as formas populares, tais como telenovela, romance popular, literatura infantil, rock, esportes, etc.” (NITRINI, 2000NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000., p. 119). Outro efeito diz respeito às políticas de re-apropriação textual – tendo na paródia uma de suas formas mais significativas e inventivas – por meio de outras semioses e mídias.

A natureza paródica da coleção Devorando Shakespeare já aparece no próprio título da coleção, em que o termo ‘devorando’ nos faz lembrar, de imediato, do caráter antropofágico da articulação. Em Uma literatura antropofágica, Lúcia HelenaHELENA, Lúcia. Uma literatura antropofágica. Fortaleza: Edições UFC/Universidade Federal do Ceará, 1983. resgata a relação entre paródia e antropofagia:

Sob a denominação de antropofagia, Oswald sintetizava um projeto estético-cultural: a busca de deglutir as influências poético-ideológicas européias, incorporando-as criticamente às matrizes nacionais, através da paródia, para, deste modo, constituir um discurso literário de dicção autonomamente brasileira, imune aos sectarismos e ufanismos.

(1983, p. 23; ênfase original)

Obviamente, já estamos a um século de distância do projeto modernista antropofágico, mas o ethos devorador da paródia continua valendo. A propósito, o advérbio ‘criticamente’, presente na citação acima, é crucial na concepção (pós)moderna de paródia, sobretudo de uma paródia que se propõe e constrói como devoradora. Segundo Linda Hutcheon (2000)HUTCHEON, Linda. A theory of parody: the teachings of twentieth-century art forms. Urbana and Chicago: Illinois University Press, 2000., a paródia é um modo de revisitar a tradição, de confrontá-la, mas fazendo-o com distanciamento crítico, transgressões e releituras irônicas que interferem diretamente no surgimento de outros olhares e outras políticas de representação.

Robert Stam, que faz uso das teorias de Bakhtin em contexto fílmico, também ressalta a relação entre antropofagia, paródia e dialogismo intertextual. Em Of cannibals and carnivals, Stam (1992, p. 125)STAM, Robert. Of cannibals and carnivals. In: STAM, Robert. Subversive pleasures: Bakhtin, cultural criticism, and film. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1992, p. 122-156. afirma que o termo antropofagia pode ser considerado como outra forma de nomear a intertextualidade – de que faz parte a paródia –, “mas agora em um contexto de dominação cultural neocolonial”, em que estão presentes atos de resistência e diluição de fronteiras.

No caso da coleção Devorando Shakespeare, não podemos perder de vista a importância de Shakespeare como objeto literário canônico, como capital cultural. Valeria perguntar: que outros autores, em termos de constância e de quantidade, constituem-se como intertexto para a criação de novos textos? Ou seja, ao tempo em que Shakespeare é dessacralizado – porque devorado em contexto literário cultural brasileiro – sua relevância como ícone literário e cultural parece apenas ser confirmada, porque, mais vez, sua obra é resgatada, acionada, parodiada, relida, subvertida.

Um mundo de mídias

Se a experiência humana sempre foi marcada por mídias e mediações, na contemporaneidade tal condição é exacerbada com o desenvolvimento de diversas novas formas midiáticas e com uma maior frequência de contatos midiáticos a que somos submetidos (ou mesmo a que nos submetemos). Nesse sentido, Gabriele Rippl afirma que

nós passamos uma quantidade incrível de tempo usando mídias, que em si é um sinal de sua ubiquidade. Elas representam uma grande indústria e seu grande poder pode ser explicado pelo efeito que têm sobre nós. Elas moldam nossas ideias, comportamento e o que experienciamos como realidade [...].

(2012, p. 314)

A ubiquidade das mídias, somada ao fato de que estas estão em constantes processos de influência, contágio, competição, fazem com que alguns teóricos vejam a própria intermidialidade como a norma nos processos de constituição de sentido. Para Lehtonen (2001)LEHTONEN, Mikko. On no man’s land: theses on intermediality. Trad. Aijaleena Ahonen e Kris Clarke. Nordicom Review, v. 22, n. 1, p. 71-83, 2001. DOI: https://doi.org/10.1515/nor-2017-0346.
https://doi.org/10.1515/nor-2017-0346...
, a intermidialidade, como uma característica bastante pronunciada da contemporaneidade, é devedora da ubiquidade das mídias, do fato de o mundo contemporâneo ser largamente midiatizado. Já Rippl (2015)RIPPL, Gabriele. Introduction. In: RIPPL, Gabriele (org.). Handbook of Intermediality: Literature – Image – Sound – Music. Berlin: De Gruyter, 2015, p. 1-31., em suas discussões sobre intermidialidade, parte do pressuposto de que todas as mídias e formas artísticas estão interconectadas, sendo as relações intermidiáticas inerentes aos fenômenos culturais.

Em Trabalhos de amor perdidos, as enormes presença e influência das mídias podem ser percebidas pelo grande número de formas midiáticas que são referenciadas ao longo da narrativa – e não nos esqueçamos que o próprio texto literário existe através de um processo de constituição midiático de significação, pois, como nos lembra Bruhn (2016)BRUHN, Jørgen. The intermediality of narrative literature: medialities matter. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2016., também a literatura é uma forma mediada. Entre as mídias e artes referenciadas estão o teatro, a novela ilustrada, o rádio, a internet e websites, a carta, o e-mail, a música, a escultura, o musical, o cinema, as séries audiovisuais, a poesia, os jogos de vídeo, o próprio romance literário, entre outros. As mídias e os processos de mediação ganham papel de destaque na narrativa de Furtado, a partir de seu potencial de criar sentidos, de influenciar interpretações e de instituir subjetividades. Quando, por exemplo, o narrador Robin viaja à Dinamarca para visitar o castelo de Hamlet, temos comprovado o grande poder de influência da mídia cinematográfica:

A visita ao castelo de Kronborg, em Elsinore, a 50 quilômetros ao norte de Copenhague, foi uma decepção. [...] A paisagem é bonita, [...] mas o castelo original de 1420 foi reconstruído em 1585 e restaurado em 1937. Hoje é um museu naval e não se parece em nada com um cenário para Hamlet. [...] Nem tirei fotos, preferi manter como cenário mental da peça o castelo em preto-e-branco do filme de Laurence Olivier, com suas escadas intermináveis, corredores escuros e estreitos, arcos góticos e torres medievais

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 50).

Em outro momento da narrativa, os personagens Duck e Silvia, amantes, acreditam estar sendo espionados pelo marido de Silvia, que é um agente da CIA. O próprio Robin, a pedido do casal, atua como espião, ou melhor, atua como se estivesse inserido em um filme de espionagem, ao tentar adentrar um apartamento de forma sorrateira:

[...] entrei, dei um tempo. Olhei pela janela, ninguém na rua. [...] Eu sei que pode parecer ridículo, mas eu levei meu pano de prato com a cara de Shakespeare para abrir a porta sem deixar impressões digitais no trinco. Minha vasta experiência em filmes ruins sugere que uma trama que inclui detetives particulares, um corno raivoso, espiões da CIA, mulheres traídas e vingativas deve incluir também impressões digitais. Melhor garantir

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 167).

As suspeitas de Duck e Silvia, de que estavam sendo espionados, acabaram não se confirmando. Porém, as próprias suspeitas e a forma como o par romântico e Robin passaram a agir são um forte indício da influência que tem o cinema, ou, mais especificamente, que têm os filmes de espionagem, na subjetividade desses personagens. Ao menos durante certa parte do romance, é como se tais personagens passassem a ver a vida pela ótica de um filme de espionagem. Bruhn (2016, p. 28)BRUHN, Jørgen. The intermediality of narrative literature: medialities matter. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2016. define um fenômeno dessa ordem como uma “projeção midiática” [medial projection], que consiste na percepção e na descrição do mundo como se esse fosse ou pudesse ser o que ele denomina mídia qualificada (a exemplo do cinema) ou mídia técnica (um aparelho de televisão).

As primeiras informações descobertas por Robin sobre a Fundação Roger Dod foram encontradas na internet; o romance de Furtado demonstra, a nível midiático, a importância do contexto na produção de sentidos. Robin se deparou com informações conflitantes sobre a biografia de Theodore Roger Dod, entre a narrativa oficial do website da Fundação e a narrativa “oficiosa” de um canal de informação alternativo: “Isso tudo eu fiquei sabendo no site deles. O que eles não contam é que [...] Theodore enriqueceu de forma tão rápida por embolsar parte considerável dos salários dos miseráveis irlandeses que contratava. Isso eu fiquei sabendo num blog” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 9).

O mundo formado por mídias no romance de Furtado também se articula com questões afetivas. Em Londres, por exemplo, Gavil visita o (em suas palavras) “caríssimo” museu de cera Madame Tussauds, a fim de tirar fotos com seus ídolos pop Britney Spears, The Beatles e William Shakespeare. Em Stratford upon Avon, Robin apanha um punhado de terra do jardim da casa de Shakespeare e relembra uma canção dos Carpenters, estabelecendo uma relação afetiva entre essa canção e uma proximidade com o dramaturgo inglês. O próprio amor ganha estatuto de tema transmidiático na narrativa, quando, em um diálogo entre Suhair e Robin, um soneto shakespeariano é comparado a dois sambas brasileiros. O próprio romance traz, em nota de rodapé, parte das letras dos sambas =Falso amor sincero e A flor e o espinho; entre elas, nessa mesma nota, encontra-se citado o primeiro verso do soneto número 138, “When my love swears that she is made of truth” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 160).

Para além daqueles que envolvem Shakespeare, há dois momentos em que se destacam referências à literatura em sua condição midiática, referências que reflexivamente contribuem para a instituição de um mundo de mídias. O primeiro deles ocorre logo após a comparação entre o soneto e os dois sambas, em torno de um trecho do poema “Seja você quem for”, de Walt Whitman, declamado por Suhair; após a declamação, segue uma reflexão do narrador Robin:

– “Seja você quem for, agora segurando a minha mão, sem uma coisa há de ser tudo inútil – é um leal aviso o que eu lhe dou, antes que continue a me tentar: não sou aquele que você imagina, mas muito diferente”.

Não sei se em obediência ao poema ou se inspirado pela luz do poente, o certo é que, sem pensar, segurei a mão de Suhair. Ela sorriu, apertou a minha mão e colou seu ombro ao meu. E assim caminhamos pela tarde do Brooklin, e para sempre assim caminharemos pela tarde do Brooklin, enquanto eu puder lembrar do que a vida é feita

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 161).

Tal passagem tem efeitos e funções de ordem intra e extratextual (HALLET, 2015HALLET, Wolfgang. A methodology of intermediality in literary studies. In: RIPPL, Gabriele. (Org.). Handbook of Intermediality: Literature – Image – Sound – Music. Berlin: De Gruyter, 2015, p. 605-618.). Intratextualmente, percebe-se que o poema, de modo performático, influencia o enredo amoroso entre Robin e Suhair, ao levar a cabo a ideia que contém, o dar-se as mãos. Além disso, ele informa significativamente a caracterização dos personagens, especialmente a de Suhair, que pôde declamar, acionando sua memória, o trecho de “Seja você quem for”. Extratextualmente, nota-se o poema imbricado em uma rede intertextual e intermidiática que diz respeito ao sentimento amoroso, configurando uma reflexão de ordem metaestética ou metamidiática sobre a relação entre o amor, a literatura e a poesia, bem como sobre o potencial que essas têm em comover, unir e afetar indivíduos. Por fim, observemos já um primeiro indício de que o amor, como tema, só pôde se presentificar ou ganhar corpo (GAUDREAULT; MARION, 2012GAUDREAULT, André; MARION, Philippe. Transescritura e midiática narrativa: questões de intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012, p. 107-128.) através de objetos midiático-literários: o soneto shakespeariano, os sambas, o poema de Whitman e o próprio romance de Furtado.

O segundo momento em que se destaca uma referência à literatura em sua condição midiática diz respeito a uma conversa entre vários personagens sobre a existência de patrocínio de marcas em textos literários. Mais especificamente, os personagens estão discutindo o romance "The Bulgari Connection", da escritora Fay Weldon, publicado em 2001, que traz, já em seu título, o nome de uma grife de moda, joalheria e cosméticos (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 187-188). Dois argumentos principais são apresentados: por um lado, o patrocínio poderia significar a liberdade financeira do escritor, que não mais precisaria se preocupar com o número de exemplares vendidos; por outro, há um questionamento sobre o compromisso do autor com seu público leitor – afinal, quem passaria a ter mais relevância durante a composição da obra, os patrocinadores ou os leitores? Ambos os argumentos, bem como todo o diálogo durante essa passagem no romance de Furtado, promovem reflexões de ordem metamidiática, ao colocar a literatura em um sistema artístico e econômico de produção, circulação e consumo, e de ordem metacultural, ao ponderar sobre o valor (econômico e simbólico) da literatura na cultura contemporânea.

A capacidade de mnemonicamente gravar ou encarnar uma informação através de uma mídia, influenciando subjetividades e epistemologias (NEUMANN, 2015NEUMANN, Birgit. Intermedial negotiations: postcolonial literatures. In: RIPPL, Gabriele. (Org.). Handbook of Intermediality: Literature – Image – Sound – Music. Berlin: De Gruyter, 2015, p. 512-529.), é especialmente destacada na parte final do romance, quando um passeio entre os personagens é cancelado devido ao atentado terrorista às torres do World Trade Center, que ocorreu em Nova York em 11 de setembro de 2001. O narrador Robin, que se vê em meio a uma realidade aterradora, encontra-se também imerso nos discursos da imprensa (especialmente a televisão) sobre o evento, dos quais não consegue se desvencilhar:

Eu li, vi e ouvi mais sobre aquele dia do que sobre qualquer outro. Tento preservar o que é memória real, mas não sei se ainda consigo. Os buracos nas imagens e sons de minhas lembranças são rapidamente preenchidos pelas imagens e sons de incontáveis câmeras [...]. Lembro daquela terça-feira aos pedaços, acho que na ordem certa. De algumas coisas eu hoje sei a hora em que aconteceram, outras eu só imagino

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 198).

Sobre o evento, Robin narra que, de uma televisão no saguão no hotel em que Suhair estava hospedada, para uma audiência atônita, a cena em que o segundo avião se choca com a torre era transmitida repetidamente. Para o narrador, “[o] mundo da mídia, uma máquina concebida para tornar espetaculares os acontecimentos mais banais, humanizava-se, repetindo-se como um idiota, quando o espetáculo da morte e da destruição superava a fantasia mais delirante” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 205). O “mundo da mídia”, no romance, refere-se à imprensa, diferindo do entendimento mais amplo que temos sobre mídia neste artigo. Dito isto, é muito relevante que mais uma vez tenhamos um texto literário exercendo uma forte crítica de ordem metacultural sobre o papel da imprensa em tempos contemporâneos (de crise).

Após o exposto, fica evidenciado o fato de que, em muitos sentidos, Furtado arquitetou seu romance também com a ideia de representar “um mundo de mídias”. E muitas dessas mídias, como veremos a seguir, dizem respeito diretamente à figura do dramaturgo William Shakespeare e a sua obra.

Shakespeare, midialidade e adaptabilidade

Se a ubiquidade das mídias na contemporaneidade é facilmente comprovada, também o é a ubiquidade de fenômenos midiáticos que envolvem processos de adaptação – ou, para usar o vocabulário de Irina O. Rajewsky (2012)RAJEWSKY, Irina O. Intermidialidade, intertextualidade e ‘remediação’. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira (org.). Intermidialidade e estudos interartes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, p. 15-45., que envolvem processos de transposição midiática. Rippl (2012)RIPPL, Gabriele. Film and Media Studies. In: MIDDEKE, Martin; MÜLLER, Timo; WALD, Christina; ZAPF, Hubert. (Eds.). English and American Studies: Theory and Practice. Stuttgart: J. B. Metzler, 2012, p. 314-332., neste sentido, argumenta que a adaptação é um campo vibrante dentro dos estudos intermidiáticos (especialmente em sua interseção com os estudos de cinema), e, para além disso, é um fenômeno cultural ubíquo, dada sua difusão na cultura contemporânea. E desde já é importante destacar que processos de adaptação, que podem se instituir via um regime paródico, relacionam-se diretamente com questões de memória e de resgate criativo e interpretativo de textos ou objetos midiáticos. Para Linda Hutcheon (2013, p. 45)HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. 2. ed. Trad. André Cechinel. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2013., “[q]ualquer que seja o motivo, a adaptação, do ponto de vista do adaptador, é um ato de apropriação ou recuperação, e isso sempre envolve um processo duplo de interpretação e criação de algo novo”.

Para além de ser, em si, um romance que, de forma intertextual, intermidiática e intercultural configura uma adaptação paródica de uma peça shakespeariana, resgatando a memória desse texto e recriando-o criativamente, a narrativa de Jorge Furtado representa diversos outros processos adaptativos que envolvem Shakespeare e sua obra. Como já informado, Robin, Suhair, Duck e Gavil desenvolvem projetos de adaptação de Shakespeare em mídias específicas, respectivamente, teatro, novela ilustrada, rádio e website. Como bolsistas da Fundação Dod, os quatro personagens estão associados a um grupo que financia as artes – assim, “economizando milhões de dólares em imposto de renda” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 11) –, através de bolsas para projetos que objetivem popularizar Shakespeare e sua obra. De acordo com o narrador Robin: “Não se interessam por pesquisa puramente acadêmica, mas por projetos ou pesquisas com ‘potencial pop’: adaptações para cinema e televisão, edições pocket, histórias em quadrinhos, coletâneas, coisas assim” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 11).

O caráter pop das adaptações de Shakespeare é confirmado por duas informações solicitadas no questionário da Fundação destinado a possíveis bolsistas: “Descreva seu projeto para alguém que não sabe nada sobre Shakespeare” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 11, ênfase original) e “Como você acha que seu projeto pode ajudar a popularizar a obra de Shakespeare?” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 15, ênfase original). Algumas questões são importantes de serem destacadas em relação a esse regime de adaptações shakespearianas. A primeira delas, mais óbvia, é o fato de que Shakespeare, hoje comumente associado a círculos eruditos, detém um enorme potencial para também ser pop. E isso se deve, claramente, à imbricação entre o dramaturgo inglês e sua obra e uma vasta rede de adaptações, também em mídias e em gêneros mais populares: citemos, por exemplo, a comédia romântica estadunidense 10 coisas que eu odeio em você (filme de 1999)10 COISAS QUE EU ODEIO EM VOCÊ. Direção de Gil Junger. Estados Unidos: Touchstone Pictures, 1999. e a telenovela brasileira O cravo e a rosa (2000-2001)O CRAVO E A ROSA (telenovela). Direção de Dennis Carvalho e Walter Avancini. Rio de Janeiro: TV Globo, 2000-2001. 221 episódios., ambas releituras da comédia shakespeariana A megera domada. O potencial pop de Shakespeare, ademais, dá-se em virtude da existência de um grande público consumidor para a obra do dramaturgo e para as diversas adaptações e mercadorias por ela inspiradas – Shakespeare como mercadoria, a propósito, é representado no romance de Furtado com a menção a (além do já referido pano de prato) mousepads, fraldas, camisetas, bonecos e a possibilidade de visita ao Globe Theatre, em Londres.

A inserção de Shakespeare em redes de adaptações, no romance de Furtado, é destacada ainda em passagens que informam, por exemplo, que os personagens entraram em contato com a obra do autor não através de montagens ou da leitura dos textos dramáticos, mas via adaptações na forma de filmes, seriados televisivos e até mesmo via o anime (animação japonesa) Cavaleiros do Zodíaco. Isso indicia o vasto capital cultural e simbólico que envolve a figura de William Shakespeare e sua obra, capital esse que continua a ser ampliado a cada nova adaptação. Nesse sentido, adapta-se Shakespeare e criam-se discursos a sua volta também com fins de usufruir de seu capital cultural. Hutcheon (2013, p. 132)HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. 2. ed. Trad. André Cechinel. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2013. chama atenção para esse fenômeno, quando argumenta que “uma forma de a adaptação ganhar respeitabilidade ou de aumentar seu capital cultural está em seu voo ascendente. Os historiadores do cinema argumentam que essa motivação explica as várias adaptações cinematográficas iniciais de Dante e Shakespeare”.

O enorme capital cultural e o potencial pop de Shakespeare se exemplificam também em discursos e memes vinculados ao universo da internet. Na narrativa brasileira, durante a viagem de trem de Stratford upon Avon para Londres, Gavil conta a seguinte anedota a Robin:

– Estes dias eu li uma [piada] engraçada, de um jornalista americano, Wilensky: “Todos nós ouvimos dizer que um milhão de macacos batendo em um milhão de teclados poderiam eventualmente escrever as obras completas de Shakespeare. Hoje, com a internet, descobrimos que isso não é verdade”

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 45).

O próprio Shakespeare, além de adaptado, é apontado também como adaptador no romance de Furtado (2006, p. 90-91)FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.: “Para escrever o seu Romeu e Julieta, Shakespeare se inspirou em poemas que provavelmente se inspiraram em Tristão e Isolda, a história de um amor fulminante que terminou na morte dos amantes, ela morre depois e cai sobre o corpo dele”. A rede de adaptações/inspirações é ampliada ainda com a ópera de Wagner sobre a lenda de Tristão e Isolda, quando ele recria a atmosfera de amor impossível e adiciona “o final de Romeu e Julieta” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 91). De fato, sabe-se que Shakespeare, bem como os escritores dele contemporâneos, faziam largo uso de referências anteriores ao criar suas obras – a noção da imitatio renascentista é reveladora nesse sentido.

É interessante perceber que o próprio romance de Furtado traz uma importante reflexão sobre o que significa adaptar Shakespeare e sua obra para outras mídias, bem como sobre a própria maneira pela qual ocorre a adaptação, o tom adotado. São apresentadas, nesse sentido, duas posições antagônicas: temos, de um lado, Robin, que deseja parodiar Shakespeare, fazendo uma releitura carnavalizada; do outro, encontra-se Suhair, que deseja realizar uma releitura mais séria – em sua visão, respeitosa. Nesse sentido, essa personagem questiona Robin, quando este afirmou que gostaria de fazer uma colagem de várias peças do dramaturgo inglês, com foco direcionado às piadas presentes nos textos dramáticos:

- [Suhair:] Com que direito você pode usar a obra dele assim?

- [Robin:] Você fala Dele, com maiúscula, já reparou? Dele. É como se você fosse uma crente, você acredita em Shakespeare.

[...]

- [Robin:] O objetivo dessa bolsa é popularizar as obras de Shakespeare.

- [Suhair:] Sim, mas o seu projeto deve, a partir de Shakespeare, criar algo e não destruir, eu suponho

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 105).

A ideia de vulgarização ou de heresia em relação à obra de Shakespeare indica a posição de centralidade canônica e enorme prestígio cultural que ele possui. Em sua fala, Robin ainda utiliza alguns verbos que apontam que sua prática paródica será bastante ácida, a exemplo de “sacanear”, “brincar” e “debochar” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.). O próprio romance não chega a dar uma resposta definitiva a qual personagem tinha razão, mas é muito sintomático que, após diversos encontros e trocas afetivas sobre Shakespeare e sua obra, Suhair se disponha a ajudar Robin com ideias para sua peça, mesmo não admitindo uma mudança de posição em relação a sua bardolatria. De qualquer maneira, postas as questões, temos, em um romance que cria paródias de Shakespeare de forma mais respeitosa, ora de forma mais debochada, importantes reflexões metaestéticas, metamidiáticas e metaculturais sobre a adaptabilidade do dramaturgo inglês.

A partir do exposto, é possível afirmar que Shakespeare pode ser – e de fato é – bastante adaptado. Adapta-se Shakespeare e sua obra para diversas mídias, artísticas e não-artísticas, bem como faz-se uso de sua figura e de seus personagens para a criação de mercadorias para consumo. No processo de adaptação como transposição midiática, há a evocação de uma memória textual, que é lida e interpretada, a fim de ser recriada através da materialização em uma outra mídia e por ela ser difundida. Nesse percurso, a adaptabilidade de Shakespeare esbarra na midialidade da mídia de chegada do processo de adaptação, ou seja, esbarra nas possibilidades e restrições comunicativas da mídia em que será encarnada a releitura adaptativa.

Discutindo questões de adaptação e (inter)midialidade, André Gaudreault e Philippe Marion (2012)GAUDREAULT, André; MARION, Philippe. Transescritura e midiática narrativa: questões de intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012, p. 107-128. argumentam que uma história, enquanto conteúdo, “assunto”, não pode ser contada no vácuo – ela necessariamente precisa de um alicerce midiático para que possa existir. Dessa forma, um encontro entre ideia e materialidade, entre projeto narrativo e mídia, enfrentará as possibilidades comunicativas dessa forma midiática, ou seja, sua midialidade, que diz respeito

à capacidade intrínseca de uma mídia de representar – e comunicar essa representação. Essa capacidade é determinada pelas possibilidades técnicas da mídia, pela configuração semiótica interna que ela pressupõe e pelos aparatos comunicacionais e relacionais que ela é capaz de gerar

(GAUDREAULT; MARION, 2012GAUDREAULT, André; MARION, Philippe. Transescritura e midiática narrativa: questões de intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012, p. 107-128., p. 122).

É devido a esta articulação entre projeto narrativo e realidade midiática que podemos observar que algumas histórias parecem ser contadas de forma mais adequada em algumas formas midiáticas que em outras. Dados imagéticos, por exemplo, são mais facilmente transmitidos em mídias visuais como o cinema, a pintura e a fotografia, quando comparamos a representação imagética feita pela midialidade verbal da literatura, por exemplo. Isso não quer dizer, porém, que a literatura não seja capaz de articular intermidiaticamente informações pictóricas, pois o encontro entre história e materialidade midiática, embora cheio de restrições, também pode ser lócus de uma força motora criativa. Apesar da resistência das mídias à intervenção humana, essas oferecem “como parte das confrontações específicas dessa resistência, possibilidades infinitas de criatividade” (GAUDREAULT; MARION, 2012GAUDREAULT, André; MARION, Philippe. Transescritura e midiática narrativa: questões de intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012, p. 107-128., p. 112).

Via de regra, a materialidade de uma mídia irá influenciar fortemente o próprio projeto narrativo a ser desenvolvido nela. Nos processos de adaptação, histórias costumam ser modificadas quando confrontadas com a realidade material da mídia de chegada. É por isso que versões de uma “mesma história”, contadas em diferentes mídias, podem vir a ter grandes diferenças não somente em um nível de materialidade midiática, mas também em termos de conteúdo. Isso exige que, em relação à ficção, em geral, e especificamente em casos de adaptação, haja a consideração e a reflexão sobre o que Gaudreault e Marion (2012, p. 118)GAUDREAULT, André; MARION, Philippe. Transescritura e midiática narrativa: questões de intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012, p. 107-128. nomeiam de três tipos de intervenção criativa: “(1) uma intervenção em termos de invenção, [...] que gera elementos da história sendo contada; (2) uma intervenção que tem a ver com a organização, [...] a estruturação da história [...]; (3) uma intervenção no nível de expressão, por meio de uma mídia”.

Considerando tais pressupostos teóricos, a seguir passamos à análise da representação de quatro mídias no romance Trabalhos de amor perdidos, de Jorge Furtado, em meio à rede de adaptações instituída por essa narrativa. As mídias são o teatro, a novela ilustrada, o rádio e o website. Na referência intermidiática que o texto literário faz a essas outras mídias, buscaremos apresentar como tais mídias são representadas em termos de sua midialidade, em termos de suas possibilidades e de suas restrições de constituição de sentido.

Possibilidades e restrições midiáticas

a) Teatro

O primeiro caso de referência intermidiática que será discutido está relacionado à mídia teatro e ao personagem Robin. Como bolsista da Fundação Roger Dod, Robin precisa fazer uma releitura pop de Shakespeare. Seu projeto de adaptação consiste na escrita e posterior encenação de uma peça que realce aspectos cômicos do universo shakespeariano: em um primeiro momento, ele tem a ideia de escrever um texto sobre Yorick, o bobo da corte de Hamlet; posteriormente, decide fazer uma peça na forma de coletânea de várias piadas de Shakespeare; por fim, idealiza uma peça em que diversos fantasmas shakespearianos subiriam ao palco para falar sobre a vida, contando piadas sobre sexo, bebida, comida e vícios.

Robin, assim como Shakespeare o fez, desempenha as funções de ator, escritor e diretor teatral. Além disso, escreveu alguns textos jornalísticos de crítica literária que foram publicados em jornais do Rio Grande do Sul. O que o levou a disputar a bolsa da Fundação Dod, mesmo admitindo ter conhecimento apenas mediano sobre Shakespeare, foi o fato de se encontrar desempregado, tendo sua trupe se debandado, pouco antes de sua inscrição no processo seletivo. Através dessa caracterização de Robin, já é possível observar alguns aspectos do teatro enquanto mídia, especialmente em seu viés econômico, isto é, as dificuldades financeiras pelas quais passam muitos dos agentes do meio teatral.

No romance de Furtado, o teatro é apresentado como uma mídia compósita – de acordo com a segunda subcategoria de Rajewsky (2012)RAJEWSKY, Irina O. Intermidialidade, intertextualidade e ‘remediação’. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira (org.). Intermidialidade e estudos interartes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, p. 15-45., a de combinação de mídias –, ao lidar com linguagem verbal, som, visualidade e performance. O aspecto sonoro do teatro como mídia é destacado na narrativa de Furtado; a afirmação sobre a importância da acústica no teatro vem em meio à narração de Robin, quando reflete sobre as traduções para o português de Hamlet: “Passei o resto do dia no hotel [...] lendo Hamlet, a tradução do Millôr, minha preferida. Gosto de reler de vez em quando as traduções que conheço, mas a do Millôr me parece a melhor de dizer em voz alta, qualidade fundamental para o teatro” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 31). Logo em seguida, Robin dispõe uma tabela em que compara uma passagem de Hamlet em inglês com onze traduções para o português (brasileiro e europeu), inclusive a de Millôr Fernandes. Essa tabela toma o espaço das páginas 32 e 33 do romance, claramente convidando o leitor a também ler em voz alta as passagens traduzidas, avaliando-as em sua qualidade sonora.

O texto teatral é uma mídia que pode se materializar através da linguagem verbal impressa em um livro ou exibida na tela de um e-reader. Como tal, configura-se como um texto em que há a prevalência de diálogos, com indicação do ato, da cena e dos nomes dos personagens envolvidos no diálogo, demarcando suas falas específicas. Essa configuração é referenciada intermidiaticamente no romance de Furtado: o romance atua como se fosse um texto dramático, ao abandonar sua estrutura narrativa de parágrafos e adotar aquela de um texto dramático. Esse caso de referência intermidiática ocorre em relação a Trabalhos de amor perdido, nesse caso, a peça shakespeariana, que tem um trecho citado na narrativa brasileira. O trecho citado aparece primeiramente em português; em seguida, ele é analisado em inglês, com o narrador detendo-se em cada frase, “interrompendo” o diálogo entre Rosalinda, Maria, Costard e Boyet, a fim de explicar os duplos sentidos que caracterizam uma linguagem densamente erótica e carnavalizada:

COSTARD – By my troth, most pleasant: how both did fit it!

By my troth é uma expressão, “de fato”, “eu juro”. Most pleasant é “que divertido” ou “adorei”. How both did fit it, “como ambos rimavam” ou “se ajustavam”, “se encaixavam”.

MARIA – A mark marvellous well shot, for they both hit it.

Mark, além de “alvo”, é também o órgão genital feminino. A mark marvellous well shot é um alvo e também uma vagina, muito bem atingida. For they both hit it seria algo como “os dois chegaram lá”, ou “ambos a atingiram”

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 135, ênfase original).

Ao trazer a estrutura e um trecho de texto dramático para dentro do romance, através de uma referência intermidiática ao teatro, a fim de apresentar seu potencial de criação de ambiguidades sugestivas de erotismo, a narrativa de Furtado eleva a opacidade e a reflexividade de sua própria mídia narrativa. Como releitura paródica, os Trabalhos de Furtado, em certo sentido, lembram um trabalho de crítica literária sobre os Trabalhos shakespearianos.

b) Novela ilustrada

O projeto de adaptação de Suhair envolve a escrita de uma novela ilustrada. Em seu texto, Suhair pretende representar uma etapa da vida do dramaturgo William Shakespeare, recriando o momento em que ele escreveu Hamlet. Em sua novela ilustrada, Shakespeare retorna para Stratford upon Avon pouco antes da morte de seu filho Hamlet, acometido por alguma doença. Desolado com a morte do filho, Shakespeare resolve não retornar para Londres e para o Globe Theatre; em Stratford upon Avon, ele reescreve, com apoio emocional e ajuda de Judith (irmã gêmea de Hamlet), a peça Hamlet, cuja primeira versão havia sido um retumbante fracasso. No projeto de adaptação de Suhair, ela pretende representar esse momento (ficcionalizado) da vida de Shakespeare como sendo aquele em que ele escreveu uma de suas obras primas: a versão da tragédia de Hamlet tal como a conhecemos hoje, que seria a reescrita de uma peça anterior, como uma homenagem póstuma de Shakespeare a seu filho.

A definição do que é uma novela ilustrada é oferecida pela própria Suhair no romance de Furtado: “Uma novela. Maior que um conto, menor que um romance. É um livro para crianças e adolescentes, mas acho que os adultos podem se interessar” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 96). Especialmente em conversas com Robin, os leitores são informados de que a obra de Suhair tem como alvo um público especialmente infanto-juvenil, que poderia vir a se interessar em conhecer as obras de Shakespeare posteriormente. São informados também sobre o processo criativo de Suhair, sobre a criação de um objeto de arte compósito, composto por narrativa verbal e ilustrações. A ideia de uma só pessoa escrever e ilustrar um livro causa certa estranheza para Robin; a resposta de Suhair, nesse sentido, diz muito sobre como questões artísticas e intermidiáticas também têm um alicerce cultural:

– [Robin:] Você escreve e faz também as ilustrações?

– [Suhair:] Imagino que possa parecer estranho para um ocidental que o autor do livro seja também o ilustrador, mas para nós não há uma divisão tão rígida entre o desenho e a escrita, não como para quem escreve em caracteres ocidentais. A própria escrita, a caligrafia em arábico, é uma ilustração

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 96).

Para além do dado intercultural da caligrafia em arábico, é interessante pensar sobre como a própria escrita na literatura, em termos de tipografia, também tem um dado imagético (portanto, intermidiático) que é muitas vezes desprezado. Rippl (2015), nesse sentido, chama a atenção para três tipos de relações intermidiáticas que podem existir entre linguagem verbal e imagem em textos literários: a inclusão de imagens, como na novela ilustrada de Suhair; experimentos tipográficos; e descrições ecfrásticas.

Na (re)escrita de Hamlet representada na novela ilustrada de Suhair, o próprio ato de escrever, por parte de Shakespeare, também articula a linguagem verbal a uma noção intermidiática (também pictórica, e, de certa forma, artesanal) do ato de escrever. Além do caráter intermidiático da escrita em si, torna-se evidente um aspecto afetivo que se dá na preparação e utilização dos instrumentos (tintas, papéis, ou seja, a literatura em sua realidade material) por parte de Shakespeare e de sua filha Judith, instrumentos esses que são utilizados para materializar a história de Hamlet:

– [Suhair:] Ele fica em Stratford, Judith ajuda o pai a reescrever Hamlet.

– [Robin:] Judith? Com 11 anos?

– [Suhair:] Isso.

– [Robin:] Sua história parte da suposição de que Hamlet é um remake escrito em colaboração com uma menina de 11 anos?

– [Suhair:] Ela ajudou o pai a escrever preparando a tinta, os papéis. Ela era muito chegada ao pai [...]

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 99).

É interessante perceber que aspectos imagéticos, na narrativa de Furtado, para além do que é descrito em relação à novela ilustrada, costumam ocorrer também em torno de Suhair. No capítulo em que há a introdução dessa personagem, por exemplo, Robin depara-se com um quadro do pintor estadunidense Edward Hopper. O narrador descreve ecfrasticamente a pintura em termos de cores e técnicas de composição e oferece impressões do que esse texto imagético desperta em termos de efeitos no observador: “De perto, a pintura parecia uma série de borrões de tinta. Me afastei um pouco, o quadro ganhou forma, uma luz inclinada fazendo sombras profundas entre grandes rochas alaranjadas. Apertei um pouco os olhos, nublando minha visão, e o quadro agora parecia uma fotografia” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 77).

Por fim, destaquemos a aquarela dada por Suhair a Robin em seu breve momento de despedida, quando o governo jordaniano precisou retirar Suhair rapidamente dos Estados Unidos, após ameaças direcionadas aos povos árabes resultantes do atentado terrorista ao World Trade Center. Lê-se na narração de Robin:

Olhei para a folha, era uma aquarela. Uma pessoa, talvez uma menina, de cabelos curtos, de costas, no interior de uma casa, olha para fora por uma janela. [...] Num dos pequenos vidros da janela, através do qual se vê ao longe um mato denso que cobre parte do campo, percebe-se claramente o reflexo do rosto da mulher que olha para fora, uma mulher de olhos escuros. [...] Olhando o desenho com mais atenção ainda, parece que a menina refletida na janela pode ser um menino, como se a imagem no vidro não fosse o reflexo de quem olha para fora, mas a imagem de um ser translúcido, olhando para dentro, um menino transparente que fita nos olhos a menina que olha para fora

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 207-208).

Nesse trecho, em que a narrativa literária faz uma referência intermidiática à pintura, a descrição ecfrástica de Robin destaca principalmente as múltiplas possibilidades de criação de sentido da arte pictórica, que pode, sim, ser ambígua, e trazer diversas camadas de significados. A passagem citada, uma verdadeira celebração do potencial criativo das artes plásticas, configura um interessante caso de reflexão metaestética ou metamidiática, em que os sentidos vão sendo desvelados à medida que Robin passa a observar com mais atenção determinados pontos da aquarela. De forma muito significativa, essa aquarela é intitulada Twins, gêmeos, o que, em um nível intratextual, informa que a janela e seu vidro, que separam os gêmeos – Judith não mais vive com seu irmão falecido Hamlet –, metaforicamente marcam também a separação do casal Suhair e Robin. Embora separados, a relação pode permanecer viva na memória dos personagens do romance de Furtado, tendo sido materializada na memória midiática da pintura. Em seu caso, porém, ao menos quando pensamos na ideia de amor bem-sucedido como aquele com um final feliz, tem-se uma exemplificação de um trabalho de amor perdido.

c) Rádio

No romance de Furtado, o rádio, como mídia, está conectado ao personagem Duck. Mais especificamente, a sua série de programas intitulada “Shake Your Spears”, que é um trocadilho em língua inglesa com o nome de Shakespeare, e que no próprio romance consta traduzido como “Sacudam suas lanças”. Como bolsista da Função Dod, Duck continuaria a desenvolver mais episódios para sua série de rádio (que contava com alguns já produzidos). O contexto de onde surgiu a ideia para a criação de “Sacudam suas lanças” é bastante revelador da proposta da série de rádio: Duck transmitia seu programa em uma rádio universitária, no intuito de popularizar Shakespeare entre uma audiência composta principalmente por jovens adultos. Para isso, resolveu ressaltar o erotismo ostensivamente presente ou apenas sugerido nas obras do dramaturgo inglês.

Através do uso de um aparato técnico e tecnológico composto por notebook, microfone, caixas de som e softwares de edição e de organização de arquivos, Duck atuou como escritor, produtor, apresentador e organizador da trilha sonora de “Sacudam suas lanças”. Além disso, Duck recrutou também atores da escola de artes dramáticas de sua universidade para encenar algumas das cenas de peças shakespearianas em seus programas.

Um programa de rádio, em uma narrativa literária, instaura uma relação intermidiática em que, a princípio, questões acústicas prevalecem. O rádio, afinal, é composto, transmitido e consumido via ondas sonoras: nesse processo, são os sentidos da fala e da audição aqueles mais acionados. Em relação à narrativa de Furtado (2006)FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., cabe, nesse sentido, refletir sobre como o texto literário pode realizar referências intermidiáticas a essa mídia substancialmente auditiva, já que o romance literário não pode incluir sons ou um programa completo de rádio em sua composição – aqui estamos nos referindo ao romance impresso, em brochura, tal como foi impresso Trabalhos de amor perdidos; sabe-se que com a literatura digital e audiobooks, tais restrições talvez possam ser contornadas.

No romance de Furtado, Duck convida Robin para ouvir um dos episódios da série “Sacudam suas lanças”, aquele referente à comédia shakespeariana Tudo está bem quando acaba bem. Na impossibilidade de também nós ouvirmos o programa, a narrativa literária, via um processo complexo de referência intermidiática, traz o que poderíamos considerar como um roteiro desse programa. Há um movimento em que a narrativa literária procura simular o programa de rádio, auditivo, através da linguagem verbal: ela o faz através do uso de parênteses, troca de parágrafos, designação dos nomes dos personagens e indicação de sons e de músicas que compõem a trilha sonora. Vejamos um exemplo:

(sobre trilha)

(Voz de Duck) Ele está em Florença e anda cortejando Diana, a bela filha de uma viúva.

[...]

Diana – “Batei à meia-noite na janela do meu quarto [...]”

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 125).

Apesar da impossibilidade de sonoramente reproduzir o programa, na narrativa de Furtado, além de informações explícitas sobre sons, músicas e vozes, há estratégias que emulam características sonoras, como o uso de “bip” em duas situações: “(voz de homem) [...] Acho que no dia em que eu t... (bip) com a pessoa certa eu caso. (voz de Duck) [...] A pergunta é se você acha que é possível t... (bip) com alguém pensando que se trata de outra pessoa, por engano” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 127). Percebe-se que a linguagem verbal simula um recurso largamente utilizado em mídias sonoras e audiovisuais, quando se deseja censurar algo considerado impróprio.

Em seu programa sobre Tudo está bem quando acaba bem, Duck cria um texto híbrido, que contém um resumo do enredo da peça, diálogos encenados, comentários críticos sobre esse texto dramático e sobre outras questões envolvendo Shakespeare, além de entrevistas com pessoas na rua (caso do “bip”, citado acima). Como um programa de rádio, convém ressaltar que “Sacudam suas lanças” é um objeto midiático que reconhece e reflete substancialmente sobre sua midialidade sonora. O episódio que acompanhamos, via referência intermidiática, inicia com a canção “Venha, seu Jack, e traga algum tabaco”, seguido de explicações sobre o panorama midiático da música cada vez mais profana durante a Renascença. Além disso, o dado sonoro e a realidade midiática (o fato de ser um programa de rádio) são destacados de forma bastante reflexiva na vinheta do programa: “(voz de Duck) Aumentem o som que está entrando no ar mais uma edição de ‘Sacudam suas lanças’, o programa de rádio para quem acha que o cérebro também é uma zona erógena” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 124).

Sobre a midialidade do rádio em relação à adaptabilidade de Shakespeare, destaca-se especialmente a possibilidade de performaticamente ler em voz alta ou encenar sonoramente trechos das peças do dramaturgo inglês. Pode-se, por exemplo, dar ênfase aos diversos trocadilhos, responsáveis por muitas das insinuações sexuais que existem no conjunto da obra dramática de Shakespeare.

Por fim, em “Sacudam suas lanças”, percebemos um processo de adaptação que pode ser caracterizado como paródico ou carnavalizado, especialmente quando consideramos o foco nos aspectos eróticos da obra shakespeariana. Nessa adaptação paródica, nem mesmo Hamlet e uma de suas mais celebradas passagens saem imunes: “(voz de Duck) Como vocês podem ver, queridos ouvintes, há mais coisas entre o céu e a terra que buracos na camada de ozônio” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 128).

d) Website

O último projeto de adaptação a ser observado é o de Gavil, personagem canadense com formação acadêmica dupla em filosofia e ciências da computação. Seu projeto consiste na criação de um website de autoajuda shakespeariana. No início do romance, Gavil esboça sua ideia para Robin, quando afirma que seu empreendimento envolve o “desenvolvimento de um site chamado Pergunte a Shakespeare, uma espécie de auto-ajuda on-line. Você faz perguntas sobre a sua vida e Shakespeare responde” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 24, ênfase original).

A aproximação de Gavil com o universo da tecnologia se dá antes mesmo da menção a seu website. Ao longo do romance de Furtado, há capítulos que consistem de e-mails trocados entre esse personagem e sua mãe, que é professora de literatura em uma universidade canadense e que o auxilia com ideias para o desenvolvimento do projeto. Tais e-mails, além de confirmarem o fato já mencionado de que Trabalhos de amor perdidos é um romance que representa um “mundo de mídias”, marcam significativamente o panorama midiático da narrativa como sendo aquele do início dos anos 2000 – em termos tecnológicos, um romance contemporâneo, da década de 2020, possivelmente substituiria os e-mails por mensagens trocadas por aplicativos como WhatsApp ou Telegram. Ainda sobre os e-mails, é bastante interessante perceber como eles são compostos: neles, há informações sobre as viagens de Gavil, sobre a situação familiar no Canadá, sobre Shakespeare e sua obra, etc. As correspondências eletrônicas, dessa forma, apresentam-se como mais uma forma midiática que mescla informação e afeto.

Desde criança, Gavil recebeu de sua mãe uma educação literária e shakespeariana; ao longo de sua vida, foi colecionando suas frases favoritas da obra do dramaturgo inglês. Dos quatro projetos de adaptação aqui analisados, talvez a ideia de linguagens em rede seja mais evidente em relação a Gavil e seu website. Ele nos conta: “Um dia passei minha coleção de frases de Shakespeare de um programa de texto (Word) para um programa de dados (Access). Depois organizei todas as frases por tema e assunto e aí surgiu a ideia do site” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 48). No processo de transposição midiática de Gavil, mais do que mudanças em termos de conteúdo, tem-se uma transferência em termos de suporte midiático: as palavras impressas dos livros de Shakespeare foram transportadas para, primeiramente, um editor de textos eletrônico, e, posteriormente, para um sistema de gerenciamento de banco de dados. Apesar da falta de mudanças conteudísticas, é inegável que há um profundo processo de filtragem e de seleção, a fim de se escolher as frases que melhor serviriam ao intuito de autoajuda e-literário.

A ideia de que usuários podem se beneficiar em contato com a literatura, através de uma educação literária, mesmo que embrionária, serve como justificativa para o projeto de Gavil – e, de fato, foi aquilo que motivou o personagem a desenvolver seu projeto em torno da criação de um website shakespeariano de autoajuda. Segundo o próprio: “É como um inventário da raça humana, melhores e piores momentos. Meu site pretende colocar o usuário em contato com esta enorme fonte de conhecimento de uma maneira divertida” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 48). E ainda: “Se muita gente se interessa pelo conselho de astrólogos, [...] ou mesmo artistas e celebridades que dão opinião sobre dezenas de assuntos dos quais pouco ou nada sabem, por que não se interessariam pelos conselhos que nos deixou William Shakespeare?” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 49).

Gavil se depara com questões midiáticas no desenvolvimento do website, em termos tanto de conteúdo quanto de forma (de organização midiática). Em relação ao conteúdo, temos o fato de que seu website abrange o conjunto da obra shakespeariana, devidamente selecionada para os propósitos desejados. A seleção de trechos, porém, significa que eles virão descontextualizados em relação às peças, situação comunicativa maior de onde foram coletados. Como parte de suas atividades, Gavil tem sessões de orientação com um professor especialista em Shakespeare, que reage de forma conflitante em relação à ideia do website de autoajuda shakespeariano. Em um e-mail para sua mãe, Gavil relata a reunião com o professor Lodge:

A princípio ele pareceu detestar o meu trabalho, disse que era “superficial, ingênuo, reducionista e apelativo”. [...] Pensei que ia me mandar embora, mas depois se acalmou. Acho que ele percebeu que eu levei um choque, pegou mais leve, disse que a idéia era “divertida” e que, “de um jeito ou de outro”, poderia ajudar a divulgar as peças

(FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 35).

Essa reunião fez com que Gavil confirmasse seu entendimento de que o conteúdo shakespeariano precisaria explorar as potencialidades midiáticas da forma website. Dessa forma, a própria midialidade – em termos materiais e de interação entre usuário e plataforma digital – do website é alvo de referência intermidiática pelo romance de Furtado.

Durante uma viagem de trem, Gavil pede a Robin para testar seu website. No romance de Furtado, a narrativa literária emula o processo pelo qual passou Robin em interação com um sistema virtual, através do uso de diferentes recursos tipográficos, como parágrafos destacados e centralizados, itálico, negrito e uma tabela temática com duas colunas e vinte e cinco linhas. Na impossibilidade de nós, leitores de um romance impresso em papel, acompanharmos diretamente a interação dos personagens com o website, a narrativa literária também detalha o processo em relação às escolhas e aos “cliques” feitos, bem como traz informações sobre estratégias de significação utilizadas pela mídia digital, como animações e dissolvências. No romance de Furtado (2006, p. 38, ênfase original)FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., assim se inicia a utilização do website:

Gavil deu alguns cliques e a página de abertura do site surgiu, uma animação formando o título:

Do you have any problem? Ask Shakespeare.

– Pense num problema – ele disse.

– Um problema meu?

– Pode ser, ou pode inventar. Um problema complicado, específico.

Mais um clique e surgiu uma inscrição:

On kai me on.

As letras se dissolveram e viraram

To be or not to be. Se quer perguntar sobre a vida, clique em To Be. Se quer perguntar sobre a morte, clique em Not to be.

Robin formulou um problema de ordem amorosa e seguiu uma série de escolhas no website, até que, após uma música ser tocada, formou-se uma imagem na tela contendo uma citação de Shakespeare sobre o amor, seguida pela informação da peça em que se encontra o trecho citado, bem como o ato, a cena e o personagem responsável pela fala.

A narrativa de Furtado, em termos de crítica metamidiática, por meio do narrador Robin, aponta como positiva a utilização da midialidade do website; é bastante significativo que, logo após a primeira tentativa, Robin já se mostra disposto a testar novamente a ferramenta digital. Por outro lado, como crítica metacultural, torna-se evidente que, embora muito eloquentes, as citações utilizadas pecam por serem muito genéricas, a fim de se adequarem a uma grande gama de problemas pensados pelos usuários. Em todo caso, a ferramenta digital demonstra também a adaptabilidade de Shakespeare para o mundo da internet. Como autoajuda e entretenimento, o website pode mesmo ajudar a difundir, de maneira inusitada, a obra do dramaturgo, além de, quem sabe, servir como conselheiro para seus usuários. Como afirma o próprio Gavil: “[...] a ideia é que, ao pensar sobre o seu problema, você já começa a resolvê-lo. [...] Na pior das hipóteses, o site incentiva a ler a obra de Shakespeare, partindo das melhores frases” (FURTADO, 2006FURTADO, Jorge. Trabalhos de amor perdidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006., p. 43).

Considerações finais

Na narrativa de Furtado, temos casos de referência intermidiática que estão interligados a adaptações de Shakespeare e sua obra para diferentes mídias. Na análise, através da discussão de casos específicos de adaptação nas mídias teatro, novela ilustrada, rádio e website, pudemos trazer à tona observações sobre a própria midialidade de tais mídias, ou seja, seu potencial e suas restrições para comunicar. Ademais, por meio dos quatro casos de referência intermidiática aqui analisados, fica evidente que Shakespeare e sua obra podem ser resgatados e reinventados através de adaptações; e, nesse sentido, as quatro mídias representadas em Trabalhos de amor perdidos serviram claramente como suporte memorialístico para a materialização dos projetos narrativos de Robin, Suhair, Duck e Gavil.

O atentado terrorista ao World Trade Center impediu a finalização das adaptações no romance de Furtado. O fato, porém, de que pudemos discuti-las aqui, mesmo ainda inacabadas, significa que a adaptação é também um processo, não somente um produto (HUTCHEON, 2013HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. 2. ed. Trad. André Cechinel. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2013.). Um processo que, vimos, foi passível de ser representado em uma narrativa literária via referências intermidiáticas.

Através de uma prática paródica devoradora (em que se mesclam aspectos políticos, literários, afetivos), Trabalhos de amor perdidos se apresenta como substancialmente vinculado ao próprio Shakespeare, a sua obra e a midialidades correlatas ao dramaturgo inglês. Nesse sentido, é bastante revelador o fato de que Jorge Furtado é declaradamente um bardólatra – expressão utilizada para se referir aos grandes admiradores de Shakespeare, o Bardo. O escritor brasileiro, por exemplo, já havia se engajado em práticas intertextuais e intermidiáticas com a obra de Shakespeare desde antes do convite para compor a coleção Devorando Shakespeare: talvez o caso mais emblemático seja a incorporação de sonetos shakespearianos no enredo de seu filme O homem que copiava (2003)O HOMEM QUE COPIAVA. Roteiro e direção de Jorge Furtado. Produção de Nora Goulart e Luciana Tomasi. Manaus: Videolar, 2003..

Em relação ao romance analisado, fica evidente o grande conhecimento de Furtado sobre Shakespeare e sua obra, bem como sobre as formas em que as peças e os sonetos são lidos, reescritos e vinculados em diferentes formas midiáticas. Como autor-leitor do Bardo, Furtado parodia a comédia shakespeariana e inclui, em sua narrativa ficcional, diversos comentários sobre o universo midiático shakespeariano – comentários esses que por vezes se assemelham, em um gesto metaficcional, aos discursos da teoria e da crítica literárias. Dessa forma, Furtado apresenta, para o leitor de seu romance, possíveis caminhos para a recepção de Shakespeare e de seus textos dramáticos: em certo sentido, o processo de devoração do Bardo, por parte do escritor brasileiro, parece ter resultado em uma apresentação de um Shakespeare mais facilmente digerível (quando levamos em conta o número de informações complementares) para audiências brasileiras contemporâneas.

Por fim, cabe ressaltar que o romance de Furtado, ao realçar a midialidade de outras mídias através de referências intermidiáticas, fez com que a própria narrativa literária acabasse também desnudando sua própria midialidade – suas potencialidades e suas restrições na produção de sentido. Instaurando críticas de ordem metaficcional, metamidiática e metacultural, Trabalhos de amor perdidos funciona também como uma espécie de trabalho de amor pela própria literatura, uma declaração carinhosa sobre a plasticidade e a adaptabilidade da linguagem verbal literária, capaz de abarcar – e, como vimos, afetivamente abraçar – diversas outras mídias e suas específicas potencialidades.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2022
  • Aceito
    14 Mar 2022
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