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Análise da polifonia e estudos do Self em Dostoiévski

Analysis of polyphony and studies of the Self in Dostoevsky

Resumos

Este estudo propõe apresentar discussões do Self (autoconsciência) da personagem na obra Crime e castigo de Dostoiévski, a partir da noção de polifonia proposta por Bakhtin. Uma análise de polifonia e seus aspectos em torno dos personagens dostoievskianos é realizada, verificando-se a questão da equipolência das vozes dos personagens, a sua simultaneidade e interação, bem como a noção de autoconsciência como elementos que compõem o espectro da polifonia de Bakhtin. Tais concepções podem ser ampliadas para a compreensão do Self na relação eu-outro.

Bakhtin; Dostoiévski; Polifonia; Self


This paper proposes to present discussions of the Self(self-awareness) of the character Dostoevsky's Crime and Punishment, from the notion of polyphony proposed by Bakhtin. An analysis of polyphony and its aspects around the Dostoevskian characters is held, verifying the issue of equipollence voices of the characters, their simultaneity and interaction as well as the notion of self-awareness as elements making up the spectrum of the polyphony of Bakhtin. These concepts can be extended to the understanding of the Self in the I-other

Bakhtin; Dostoevsky; Polyphony; Self


ARTIGOS

Análise da polifonia e estudos do Self em Dostoiévski

Analysis of polyphony and studies of the Self in Dostoevsky

Robson Santos de Oliveira

Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru - FAFICA, Caruaru, Pernambuco, Brasil; robssantoss@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo propõe apresentar discussões do Self (autoconsciência) da personagem na obra Crime e castigo de Dostoiévski, a partir da noção de polifonia proposta por Bakhtin. Uma análise de polifonia e seus aspectos em torno dos personagens dostoievskianos é realizada, verificando-se a questão da equipolência das vozes dos personagens, a sua simultaneidade e interação, bem como a noção de autoconsciência como elementos que compõem o espectro da polifonia de Bakhtin. Tais concepções podem ser ampliadas para a compreensão do Self na relação eu-outro.

Palavras-chave: Bakhtin; Dostoiévski; Polifonia; Self

ABSTRACT

This paper proposes to present discussions of the Self(self-awareness) of the character Dostoevsky's Crime and Punishment, from the notion of polyphony proposed by Bakhtin. An analysis of polyphony and its aspects around the Dostoevskian characters is held, verifying the issue of equipollence voices of the characters, their simultaneity and interaction as well as the notion of self-awareness as elements making up the spectrum of the polyphony of Bakhtin. These concepts can be extended to the understanding of the Self in the I-other

Key-words: Bakhtin; Dostoevsky; Polyphony; Self

Bakhtin, Dostoiévski e as questões de psicologia

Bakhtin e Dostoiévski não eram psicólogos, no entanto, suas ideias reclamaram questões pertinentes à Psicologia. Nesse sentido destacamos que as obras literárias do romancista russo, em geral, suscitaram discussões e reflexões nos leitores e críticos, assim como provocaram debates variados e estudos aprofundados sobre os aspectos psicológicos de seus personagens, derivando para a compreensão da psique humana, da constituição do Self, das questões éticas, etc1 1 Bakhtin (2004) cita vários autores do seu tempo cujas obras foram destinadas ao estudo de Dostoiévski, como Engelgardt e A novela dialógica de Dostoiévski (idem, p. 14), Motyliova e Dostoiévski e a literatura universal (idem, ibidem), Ivánov e Dostoiévski e o romance-tragédia (ibidem, p. 20), Askóldov e A importância ético-religiosa de Dostoiévski (ibidem, p. 22) e A psicologia dos caracteres em Dostoiévski (ibidem, p. 25), Grossman e A poética de Dostoiévski (ibidem, p. 26-27), etc. . O reconhecido literato russo também não escapou de ser objeto de estudo, ele mesmo, através do estudo psicanalítico de Freud no seu polêmico ensaio Dostoiévski e o parricídio (1990), no qual distinguiu quatro aspectos na multifacetada personalidade dostoievskiana: o artista criador, o neurótico, o moralista e o pecador.

Mas é Bakhtin, o crítico de literatura, o linguista e o filósofo, também ele multifacetado em sua personalidade, à semelhança de Dostoiévski, que tratará em suas obras e escritos de temas diretamente relacionados à Psicologia de sua época, a qual ainda se caracterizava pela proximidade com a episteme filosófica. Filosofia e Psicologia, semelhante a gêmeos siameses, lutavam por uma justa separação em cânones próprios nas primeiras décadas do século XX. Importa considerar, conforme Morson e Emerson (2008, p. 188-189), que a Psicologia na Rússia nos anos 1920 sofria intensas mudanças através dos debates públicos sobre as abordagens idealista e behaviorista e, como exemplo da característica daqueles tempos, os autores citam a Sociedade Psicológica de Moscou que existiu entre 1885 e 1922, contando com membros ativos tanto "psiquiatras e psicólogos quanto filósofos especulativos".

Bakhtin e os principais representantes de seu Círculo refletirão esse ar do tempo em que as concepções da Filosofia e Psicologia são compartilhadas inclusive com outras áreas do conhecimento, como a Linguística, para a compreensão dos fenômenos tomados como objetos de estudos: Bakhtin citará os nomes de Bergson e Kant em seu ensaio Para uma filosofia do ato (1993); Bakhtin (Volochínov),2 2 Volochínov assina a obra original (1927), embora na edição utilizada, tradução de Paulo Bezerra de 2007, apareça Mikhail Bakhtin como autor. no trabalho escrito Freudismo (2007), discutirá Freud, nominando os representantes da Psicologia Experimental, da Psicologia Objetiva e da Psicologia do Comportamento; e ainda, no livro Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin (Volochínov) citará para argumentação de suas noções (e para corroboração dos conceitos que adota), bem como para contra-argumentações, uma série de nomes representativos da Filosofia e da Psicologia, tais como Dilthey, Wundt, Vossler, Brentano, Ernst Cassirer, Kant, Husserl (BAKHTIN, 2004a, p.46-48). O capítulo 3 de Marxismo e filosofia da linguagem tem o título representativo daquele contexto: Filosofia da Linguagem e Psicologia Objetiva.

As discussões de Bakhtin e de seu Círculo, principalmente nos anos 1920, irão se concentrar no estudo da linguagem, suscitando inevitavelmente as questões aprofundadas pela Psicologia e Filosofia, principalmente de origem alemã. Os temas correlatos para os estudos do Círculo de Bakhtin nas principais obras são a palavra, o enunciado, o diálogo, a interação, a percepção, a condição do sujeito falante e do sujeito ouvinte (estes soerguidos à terminologia mais ampla do Eu-Outro), a ideia de corpo, a noção de consciência, autoconsciência, introspecção, linguagem, pensamento, individualidade, sociedade, indivíduo, social etc. Todos eles encontram ecos e reverberações nos campos da Psicologia, da Filosofia e da Linguística, dentre outras áreas do conhecimento. Bubnova (2009, p. 34-36) identifica a influência da Psicologia de Bühler, Brentano e Yakubinsky em Volochínov, por exemplo. Ivanova (2003; 2008, p. 162; 2009, p. 117-119) enfatiza a influência da psicologia de W. Wundt, a psicologia funcional de W. James e do behaviorismo de Watson, como também a notoriedade reconhecida na Rússia do neurologista e fisiologista Ivan Pavlov e do psicólogo social Gabriel Tarde à época do Círculo de Bakhtin. Brandist (2005, p. 41), por sua vez, traça a influência da psicologia popular (Völkerpsychologie) sobre a linguística, informando a presença dos conhecimentos oriundos da Psicologia, como os de Moritz Lazarus (1824- 1903) e de Heymann Steinthal (1823-1899), bem como as considerações de Johann Herbart (1776-1841) de apercepção. Romand e Tchougounnikov (2008), ainda, discutem a influência da psicologia alemã, através de Herbart, no formalismo russo. E também discutimos a influência da psicologia no Círculo de Bakhtin através de Yakubinsky (SANTOS, 2010), principalmente sobre Volochínov.

Bakhtin e seu Círculo, portanto, não puderam eximir-se da forte influência da Psicologia, seja a de origem alemã ou de origem russa, e isto fica evidente nos textos bakhtinianos ao tratar da linguagem, a qual exige outras concepções correlatas dentro do campo da Psicologia, como consciência, subjetividade, intersubjetividade, cognição etc. Vieira afirma que o Círculo de Bakhtin, ao

realizar discussões específicas sobre as ideias de Freud e ao escrever uma série de críticas dirigidas especialmente à sua escola psicanalítica, materializa a importância de dialogar criticamente com as ideias do pensamento em Psicologia com um dos pilares da teoria dialógica (2009, p. 53-54).

Segundo Vieira (p. 54-55), o Círculo de Bakhtin realizou desde 1913 as discussões em torno das temáticas de Psicologia: 1913-1918 (leitura de Bakhtin sobre a Escola Objetiva/Wundt), 1924 (leitura sistemática dos textos de Freud) e, em 1925, Bakhtin realizou uma série de oito palestras sobre a crítica do juízo de Kant. Esse movimento intelectual em torno da Psicologia culminou em duas obras que tratariam dos aspectos psicológicos mais especificamente, estabelecendo o viés do Círculo de Bakhtin para o dialogismo: Freudismo e Marxismo e filosofia da linguagem. É nessa última obra que Bakhtin/Volochínov (2004a, p. 35) apresentará a consciência individual como "um fato sócio-ideológico" que "adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado", signos estes que "só podem aparecer em um terreno interindividual". Isto é intersubjetividade. Em todo o capítulo 3 da primeira parte de Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin/Volochinov estabelecerão uma concepção social do psiquismo, construindo as bases psicológicas do dialogismo:

• A consciência constitui um fato sócio-ideológico (p. 48)

• A realidade do psiquismo interior é a do signo (p. 49)

• Todo signo, inclusive o da individualidade, é social (p. 59)

• A atividade mental não é visível nem pode ser percebida diretamente, mas pode ser compreensível (p. 61)

Em oposição a uma corrente filosófico-linguística do objetivismo abstrato e uma outra corrente de pensamento, o subjetivismo idealista, Bakhtin (Volochínov) propôs uma terceira via que, segundo Vieira (2009, p. 68), ampliava o escopo de uma Psicologia sociológico-idealista para o campo das ciências sociais e da linguística, concebendo o homem como uma consciência em permanente diálogo com outras consciências através da palavra, esta sendo o signo ideológico compartilhado e mediador do processo de interação humana.

Emerge desse contexto epistemológico do dialogismo bakhtiniano, portanto, a questão do sujeito, o ser pensante, ora tomado como consciência, autoconsciência, individualidade, psiquismo, Eu, Self, questão que vai ser ampliada por Bakhtin para a noção dialógica do Eu-Outro. Evidentemente que não nos cabe aqui a distinção dos referidos termos, os quais podem apresentar nuances variadas, conforme o enfoque que lhes seja dado, nem estamos aceitando qualquer reducionismo terminológico. Apenas evidenciamos que a questão do sujeito, que também é central em Psicologia, torna-se inescapável para o dialogismo. Para Sobral (2009a, p. 47), o sujeito é pensado a partir da concepção de interação eu-outro; ao mesmo tempo, essa compreensão do sujeito em relação com outrem, que lhe dá uma ideia de formação e de trocas discursivas, portanto de desenvolvimento, não lhe retira o caráter de uma "certa continuidade de consciência" (SOBRAL, 2009a, p. 50), preservando-lhe aquilo que denominamos de individualidade. Sobral admite que a concepção de sujeito para o Círculo de Bakhtin apresenta três características essenciais (2009a, p.50-51): 1) é dotado de uma constituição psíquica que explica sua identidade ao longo do tempo; 2) é marcado pelos aspectos sociais e históricos, oriundos da intersubjetividade; 3) é orientado para agir segundo uma valoração pessoal, que lhe dá o caráter de responsividade.

Essa base epistêmica em Psicologia e Filosofia constituíram contribuição de Bakhtin para a Linguística, ao estudar um dos maiores escritores da literatura universal, Dostoiévski, utilizando o método dialógico. O renomado literato russo foi autor de personagens complexos, indecifráveis, caracterizados por incógnitas pessoais e dramas internos. O leitor dostoievskiano é convidado a assistir os personagens a pensar, duvidar, tergiversar, viver em conflitos pessoais que lhes dão caráter enigmático, não podendo ao certo ser definidos como prontos, acabados, como nos romances nos quais o herói, por exemplo, está previamente destinado ao sucesso, à felicidade, desde o início da narrativa. Em Dostoiévski, os heróis não têm um final certo, é sempre dada a ele a concepção de uma continuidade, portanto, ocorre nele a noção da incompletude, do inacabamento. Essa característica permeia não apenas toda a obra de Dostoiévski, mas o seu interior, através das falas de seus personagens repletas de reticências, ponderações, questionamentos, rupturas, não-finalização, ou mesmo do próprio enredo e das cenas apresentadas, remetendo o leitor a repensar o fio da história. Quem lê Os irmãos Karamazov questiona-se, por algum tempo, e conforme algum ângulo observado, sobre quem matou o pai Fiódor Karamazov: foi mesmo Dimitri, o filho, num clássico parricídio? Quem lê Crime e castigo é convidado a assistir os enigmas da mente humana que realiza um assassinato por questões tão banais (não que haja razão para um assassinato): o jovem Raskólnikov se vê depois do crime em meio aos dramas íntimos de remorso pelo ato cometido contra uma senhora que vive de penhores e sua irmã, ao mesmo tempo, podendo-se duvidar de que tenha sido ele mesmo o assassino.

Os personagens de Dostoiévski são elevados à categoria de um Outro [ser humano], assumindo o estatuto da subjetividade e escapando aos limites da obra artística. Bakhtin vai admitir justamente isso ao estudar o romancista russo: Dostoiévski eleva os personagens ao nível do leitor e do próprio autor3 3 Bakhtin admite a respeito dos personagens dostoiévskianos: "O herói de Dostoiévski é todo autoconsciência" (2004b, p. 79) e ainda considera que o autor no romance polifónico "afirma a autonomia, a liberdade interna, a falta de acabamento e de solução do herói. Para o autor, o herói não é um 'ele' nem um 'eu', mas um 'tu' plenivalente, isto é, outro 'eu' equitativo e alheio (um 'tu és')" (ibidem, p. 97) [tradução minha do espanhol]. . Os personagens dostoievskianos são todos profundamente psicológicos, tangenciados para o mesmo nível dialógico da relação Eu-Outro que ocorre na vida comum, entre as pessoas; eles gozam dos mesmos direitos que o leitor e o próprio autor de terem consciência própria. Assim, eles possuem também o excedente de visão que nós todos possuímos na relação Eu-Outro; veem algo que nos escapa à percepção (na condição de leitor e mesmo de autor): somente eles veem aquilo que está por trás de nossos ombros e que faz parte do seu horizonte de 'consciência individual'. Essa concepção parece assustadora, e realmente o foi para muitos críticos de Bakhtin no final dos anos 1920 da Rússia Comunista nos tempos de Stálin.

Em seu livro Problemas da poética de Dostoiévski (2004b, p. 25-26)4 4 Publicado originalmente com o título de Problemas da obra de Dostoiévski, em 1929; nova edição revista, aumentada e atualizada pelo autor é publicada em 1963. , Bakhtin revisou vários críticos de Dostoiévski, dentre eles S.Askóldov, o qual conseguiu identificar a assombrosa autonomia dos personagens dostoievskianos, embora tenha utilizado um psicologismo para compreender o caráter, a personalidade e o temperamento dos personagens, não percebendo o caráter mais amplo dos romances de Dostoiévski ou simplesmente analisando seus personagens sob um cunho psicológico reducionista. Em defesa do particular estilo dostoievskiano, Bakhtin (2004b, p. 93), revisando a biografia contendo as cartas e notas no caderno de notas de Dostoiévski, extraiu-lhe a seguinte confissão: "Com um realismo pleno, descobrir o homem no homem... Chamam-me de psicólogo: não é verdade, sou apensa um realista no mais alto sentido, ou seja, retrato todas as profundezas da alma humana". Para o olhar bakhtiniano, Dostoiévski apresentava três aspectos significativos: 1º) considerava-se um realista e não um romântico subjetivista; 2º) propunha um realismo não-monológico ou um realismo mais amplo; 3º) negava categoricamente que fosse um psicólogo.

Segundo Bakhtin ainda (2004b, p.94), Dostoiévski tinha um posicionamento avesso à Psicologia de sua época, segundo a qual a psique humana era coisificada, objetivada numa perspectiva mecanicista, ora pragmática ora fisiologista. Nessa perspectiva o homem é todo determinado quando posto como objeto da ciência psicológica daquela época e, assim sendo, é como se o próprio homem (enquanto coisa, objeto da Psicologia) pudesse estar com um outro homem às suas costas, escrutinandoo, observando-o completamente, definindo-o em modelos psicológicos e processos mentais conhecidos. Anos mais tarde, em 1963, será publicado na segunda versão de Problemas da poética de Dostoiévski um adendo contendo fragmentos da primeira versão do livro, que foi publicado em 1929, tendo o seguinte título A respeito da obra de Dostoiévski5 5 Temos no Brasil esse adendo em dois livros de Bakhtin traduzidos por Paulo Bezerra: 1) Estética da criação verbal, p. 193-201, pela editora Martins Fontes, 2003 a; 2) Problemas da poética de Dostoiévski, p. 311-317, pela editora Forense Universitária, 2010. Utilizamos nesse artigo a referência contida em Estética da criação verbal, 2003a. . Bakhtin reforça essa perspectiva ao dizer que Dostoiévski não transformou sua arte em psicologia porque "ao objetivar um pensamento, uma ideia, uma experiência emocional, Dostoiévski nunca o faz pelas costas, nunca ataca pelas costas" (Bakhtin, 2003c, p. 198) e volta a insistir que o romancista russo não era um psicólogo, mas sim um realista.

Para Yves Clot (2009, p. 219), também Bakhtin opunha-se àquela prática dos psicólogos de sua época, embora se aproximasse da abordagem da Psicologia russa de Vigotski e de Leontiev, sem que houvesse chegado a dialogar com eles, mesmo tendo sido conterrâneo e contemporâneo deles. Morson e Emerson (2008, p. 103), por sua vez, admitem que Bakhtin, em Problemas da poética de Dostoiévski, revelou certa simpatia pelas estruturas puramente psicológicas nos romances dostoiveskianos, considerando-se que, para Bakhtin (ainda conforme Morson e Emerson), a Psicologia era vista como uma "ciência pedagógica" [sic] ou mesmo "monológica": "de fato, Bakhtin relutava em ver a psicologia em Dostoiévski mesmo ali onde ela se achava manifestamente presente", afirmam eles (MORSON & EMERSON, 2008, p. 103). Certamente um pouco contraditórias essas observações de Morson e Emerson os fizeram discutir mais a questão e, por fim posicionarem-se melhor, admitindo que Bakhtin era contrário às "falsas psicologias" [sic] e aos psicólogos, sempre utilizando "Dostoiévksi em sua guerra contra a psicologia" (MORSON & EMERSON, 2008, p. 212).

O que é notório, ante o que está escrito nas obras de Bakhtin e Dostoiévski, a despeito de ambos negarem os postulados da Psicologia da época, é que aqueles gênios russos discutiram Psicologia, talvez não aquela predominante do seu tempo, instigando ainda hoje a repensar o domínio das ciências humanas. Talvez seja preciso retornarmos ou inspirarmo-nos nos círculos de debates soviéticos do início do século passado para uma perspectiva holística e mais ampla das ciências humanas. O caso Bakhtin-Dostoiévski é inspirador para mais amplos debates não apenas na Linguística, mas em diversas áreas do conhecimento humano, como a Psicologia e a Filosofia, entre outras.

A noção bakhtiniana de polifonia

Talvez por força da influência das concepções de Psicologia tanto em Bakhtin quanto em Dostoiévski a pesquisadora Caryl Emerson (2003, p. 110) defina polifonia como "uma psicologia das relações eu/outro [...]". O termo foi utilizado por Bakhtin na sua obra Problemas da poética de Dostoiévski, já na edição de 1929, sem contudo ser um vocábulo original, um neologismo; era, e ainda é, uma terminologia empregada no campo da Música como uma técnica de composição que produz uma textura específica de sons, em que duas ou mais vozes se desenvolvem e se misturam, preservando um caráter melódico e rítmico individualizado. O próprio Bakhtin assim explica esse empréstimo a título de analogia com a obra de Dostoiévski: "É necessário anotar que a comparação do romance de Dostoiévski com a polifonia que estamos utilizando significa somente uma imagem analógica e nada mais" (BAKHTIN, 2004b, p. 38-39) e insiste em que não devemos esquecer a origem do termo metafórico utilizado para os estudos da literatura.

De fato, a concepção de contraponto, polifonia, tonalidade, entre outras nomenclaturas, pertence mais propriamente ao campo da Música, referindo-se à percepção das vozes ou dos sons e suas singularidades quando isoladas ou em conjunto. Emerson (2003, p. 178) enfatiza esse aspecto associativo-comparativo da polifonia musical à polifonia dialógica na literatura, que Bakhtin utilizou com o "objetivo de evocar pelo menos a imagem (sonoridade) de uma textura de múltiplas harmonias, um tecido de distintos fios entrelaçados que seja, para os outros, receptivo e convidativo". Posteriormente Morson e Emerson (2008, p. 505), numa nota ao capítulo dedicado à polifonia bakhtiniana, afirmam que Bakhtin omitiu algumas outras noções do campo musical, como as notas atonais, a ressonância, a dissonância, a consonância etc. Podemos verificar isso, por exemplo, no final do capítulo O romance polifônico de Dostoiévski e seu enfoque na crítica literária, do livro Problemas da poética de Dostoiévski, quando Bakhtin elogia a crítica de Grossman à obra dostoievskiana e cita um trecho das Cartas de Dostoiévski em que fala da modulação musical, para admitir: "Aqui, Dostoiévski transpõe, com muita sutileza, ao campo da composição literária a lei da passagem musical de uma tonalidade à outra. O romance se estrutura com base no contraponto" (BAKHTIN, 2004b, p. 69); é como se Bakhtin falasse para um conhecedor das terminologias da Música, exigindo do leitor um aprofundamento sobre os termos que são emprestados de outras áreas para o campo da Linguística. Mais adiante, na mesma obra, Bakhtin imprimirá um aspecto específico ao termo utilizado da Música, o contraponto, utilizando-o no campo da literatura e no dialogismo, como contraposição dialógica (p.70).

Ressaltamos assim apenas considerar as noções do campo da Música que Bakhtin utilizou, não sendo possível aqui aprofundarmos considerações mais específicas dessa área de conhecimento, pois seria possível incorrer em grandes riscos de irmos longe demais, afastando-nos dos propósitos iniciais, mesmo porque deveremos nos lembrar do aviso bakhtiniano: o termo polifonia foi utilizado como uma metáfora para falar do discurso, da linguagem e transladar a terminologia para o campo da literatura do romance, com todas as implicações e limitações do uso dessa metáfora (BAKHTIN, 2004b, p. 39).

Em função desse aspecto muitos críticos e estudiosos de Bakhtin apontam que ele foi omisso6 6 Clark e Holquist (1998, p.286), em nota de rodapé, comentam um autor russo, A. Fadeev (Literaturnyj kritik, nº 4, 1934, p. 45), afirmando que Bakhtin havia tirado o termo polifonia do seu vocabulário em decorrência dos tempos políticos da época e da relação com a metáfora de Gorki para o realismo socialista, visto como uma orquestra em que todos os instrumentos estão em harmonia. numa explicação mais ampla da terminologia emprestada do campo da Música. Morson e Emerson consideram a polifonia um dos termos mais intrigantes de Bakhtin, admitindo que ele nunca a definiu claramente nem as "características definidoras da polifonia e as maneiras específicas pelas quais Dostoiévski a implementou" (op. cit., p. 247-248). Mas é Faraco um dos mais severos críticos de Bakhtin quanto a isso, adjetivando de fatídico o termo polifonia, "certamente, um dos temas mais difíceis do seu pensamento" (FARACO, 2009b, p. 48), utilizado pelo pensador russo abundantemente em Problemas da poética de Dostoiévski, mas que não teve o devido acabamento conceitual. Faraco afirma ainda que o termo ficou à deriva dos críticos literários e analistas do discurso, chegando a admitir, da maneira mais dura que "o termo vale hoje mais pela sedução derivada de livres associações do que como categoria de um certo arcabouço teórico".

Preferimos compreender o aviso bakhtiniano de que o termo foi utilizado apenas como uma analogia, uma metáfora, mesmo considerando todas as limitações desse uso. E, mesmo com todas as omissões, sobretudo o não acabamento conceitual do termo, acreditamos ser possível compreender a noção de polifonia que Bakhtin quis aplicar e incorporar no romance de Dostoiévski, mais tarde incorporado ao arcabouço teórico do dialogismo. Em razão disso, evitando-se a similaridade do termo, como outras conotações, como no campo da Música da qual se originou, adotaremos doravante o termo como polifonia dialógica para a característica do romance de Dostoiévski em que há a pluralidade de vozes e consciências independentes e inconfundíveis, portanto autônomas (BAKHTIN, 2004b, p. 15). Na perspectiva bakhtiniana, a polifonia dialógica reconhece a personagem dostoievskiana como uma outra consciência: "A consciência do herói aparece como outra, como uma consciência alheia" e essa consciência alheia ao escritor e ao leitor é elevada ao nível destes em caráter de equidade, ou seja, a personagem de Dostoiévski vista como consciência goza dos mesmos atributos de inconclusibilidade, de inacabamento, de autoconsciência do ser humano, como concebido pelo Círculo de Bakhtin. Para melhor compreender essa assertiva, Bakhtin utiliza a seguinte expressão quase metafórica: "Dostoiévski, semelhante ao Prometeu de Goethe, não criou escravos carentes de voz própria (como o fez Zeus), mas sim pessoas livres, capazes de enfrentar o seu criador, de não estar em acordo com ele e até de se lhe opor" (BAKHTIN, 2004b, p. 15).

Então, assim como numa orquestra, um bom ouvinte e um conhecedor de música poderá identificar as várias melodias, tons, sobretons, vozes e os sons dos instrumentos específicos, na multiplicidade dos sons simultâneos que se destacam e se distinguem, num romance como o de Dostoiévski também é possível observar a pluralidade de vozes equitativas, as vozes dos personagens e a do próprio autor, sem que sejam reduzidas a um centro (FIORIN, 2006, p. 79; DISCINI, 2009, p. 72). Essa característica em uma obra literária é o que caracteriza a polifonia dialógica.

Bakhtin, ao longo de Problemas da poética de Dostoiévski (2004b), vai construindo elementos que podem definir a polifonia dialógica. É preciso ler, reler, buscar as notas de referência, as citações escolhidas por ele, ir mais além do que o próprio Bakhtin para entendê-lo e para compreender melhor a noção do termo, por ele emprestado da Música, mas incorporado ao seu construto filosófico de linguagem. Poderemos, assim, identificar esses elementos que caracterizam a polifonia dialógica no romance de Dostoiévski:

• Autonomia ou isonomia de consciência da personagem em relação aos próprios personagens quanto ao leitor e, inclusive, quanto ao próprio autor (idem, p.15);

• Coexistência e interação entre os personagens e o autor, elevados à condição de outras consciências, outros selves (idem, p. 14, 15, 47, 49 e 51);

• Interação e interdependência dos personagens (idem, p. 60);

• Percepção da personagem como uma outra consciência e, mais precisamente, todo ele uma autoconsciência (idem, p. 79).

Posteriormente Bakhtin (2003d, p. 338), quando pretendia reformular (SOBRAL, 2009b, p. 177) o texto original de Problemas da poética de Dostoiévski de 1929, escreve em suas notas para esse ambicioso plano uma breve síntese do que acabamos de expor sobre a polifonia dialógica, em três aspectos notáveis:

1) a estrutura totalmente nova da imagem do homem é a consciência;

2) a noção do autodesenvolvimento que se concretiza no acontecimento ou no evento (aqui, agora);

3) a potencialidade dialógica identificada na interação entre consciências isônomas e equivalentes.

Pode-se inferir que Bakhtin a essa época, trinta anos após a sua primeira versão, quando já tinha ampliado diversos outros horizontes conceituais de suas próprias ideias e do seu Círculo, também aqui parece ratificar ainda mais o foco da polifonia dialógica do romance dostoievskiano para a vida humana. Brait (2009b, p. 56), sem falar de polifonia dialógica, enfatiza isso quando discute Bakhtin e os personagens dostoievskianos: "Ao observar o texto literário, Bakhtin sugere determinados ângulos que podem ser estendidos à linguagem comum", sendo indissociável a relação conceitual entre personagem e autoconsciência na perspectiva bakhtiniana que constrói a noção de polifonia dialógica (idem, p. 57), ampliando-a para a vida. Essa perspectiva é bem explorada no texto Reformulações do livro sobre Dostoiévski (2003 d), quando Bakhtin vai tecendo observações em torno da personagem do romance dostoievskiano como um Self, um outro Eu, uma outra consciência, o que Bakhtin denomina de "ampliação do conceito de consciência em Dostoiévski. Em essência, a consciência é idêntica à personalidade do homem: tudo o que é determinado pelas palavras 'eu mesmo' ou 'tu mesmo'" (idem, p. 347-348) e que é admitida como uma "natureza dialógica da consciência, natureza dialógica da própria vida humana. [... ] a vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar etc." (idem, p. 348).

A partir desse macroespectro ou horizonte epistemológico, quando Bakhtin fala de polifonia dialógica não se restringe tão somente à análise literária da obra de Dostoiévski, mas à vida humana, ao ser em relação com o outro, às consciências equitativas na interação social, ao Eu-Tu: "o homem existe em realidade nas formas do eu e do outro ('tu', 'ele' [...])" (idem, p. 349).

Desse modo, identificamos em Bakhtin dois aspectos conceituais da polifonia dialógica:

1º. restrita ao romance de Dostoiévski, que pode ser definida pela interação em um mesmo espaço da obra literária de uma multiplicidade de vozes e consciências autônomas e interdependentes (BARROS, 2003, p. 5; LOPES, 2003, p. 74; FIORIN, 2003, p. 5; BEZERRA, 2010a, p. 194);

2º. ampliada para a vida, reconhecida ela como um grande romance inacabado, caracterizado pela incompletude que se concretiza no aqui e agora do acontecimento, do evento atual, constituído pela linguagem (BRAIT, 2009b, p. 56), pelas interações das consciências humanas, pela relação dialógica Eu-Tu (BAKHTIN, 2003d, p. 347-349).

Os estudiosos da linguagem, da análise do discurso e de outras áreas que se referenciam na polifonia dialógica de Bakhtin, devem poder transitar pelos dois aspectos de que se reveste essa noção utilizada por ele, aplicando-a no estudo dos romances e das obras literárias, mas também com a perspectiva de que se pode ir mais além, aplicando-a na compreensão da vida humana, a partir da perspectiva do dialogismo. Assim também pensam Clark e Holquist (1998, p. 259) quando admitem que a perspectiva primeira da polifonia dialógica, que apresentamos anteriormente, restrita ao romance de Dostoiévski, oferece "uma brecha pra um novo entendimento de como a autoconsciência, ou a consciência do self, opera na interação humana mesmo fora da literatura".

É a partir dessa dupla perspectiva conceitual para a polifonia dialógica que nos propomos realizar a análise de uma das mais importantes obras de Dostoiévski: Crime e castigo.

Aspectos polifônicos no estudo de Crime e castigo de Dostoiévski

O romance polifônico, atribuído por Bakhtin a Dostoievski, é caracterizado por este romancista apresentar variados pontos de vista, ou seja, múltiplas vozes representando ideias através das personagens que ganham autonomia, não mais sendo possuídas ou totalmente delimitadas pelo pensamento original do autor (CLARK & HOLQUIST, 1998, p. 259); tais personagens e suas vozes ganham o estatuto de isonomia de pensamento próprio, de certa profundidade psicológica inacessível ao próprio criador do romance (SANTOS, 2010, p. 48). Dotado da condição de autoconsciência, as personagens de Dostoiévski dialogam não apenas com os outros personagens em toda a obra, mas também com o autor e com o leitor. A personagem dostoievskiana elevada ao nível de um outro-Eu, de uma outra consciência, de um Self, provoca uma relação dialógica permanente com o Outro (seja na condição daquele que originou a obra literária, daquele que lê o romance ou das outras personagens).

Utilizaremos a nomenclatura autor-criador para a função assumida na obra literária por aquele que organiza, enreda, constrói e cria os temas, as personagens, paisagens e as tramas do romance; poderemos dizer, assumindo uma posição dialógicobakhtiniana, que o termo se constitui num componente imanente da obra artísticoliterária, assumindo o papel de reger o coro de vozes que se misturam e atuam dentro da obra romanesca7 7 Bakhtin (2003b, p. 9) distingue o 'autor-criador' (elemento da obra) do 'autor-pessoa' (elemento do acontecimento ético-social da vida). Pode-se dizer que o 'autor-pessoa' antecede o 'autor-criador', tem primazia sobre este, porque representa o artista, no caso em estudo, o escritor Dostoievski, com seu posicionamento histórico-social que o identifica como um ser no mundo (com seus valores, suas ideias, seus sentimentos, sua personalidade enfim). Ratificamos também Sandrini (2007, p. 131) ao afirmar que o 'autor-criador' é fruto do recorte do 'autor-pessoa', ou seja, o viés axiológico do 'autor-pessoa' direciona as escolhas feitas pelo 'autor-criador' para o trabalho estético da obra literária. . Bakhtin assim se expressa a respeito: "O autor-criador é um momento constitutivo da forma artística" (BAKHTIN, 2010a, p. 58) e Faraco enfatizará esse conceito admitindo que ele é um constituinte do objeto estético que pertence naturalmente ao todo artístico com a função de sustentabilidade e organização:

Ele é entendido fundamentalmente como uma posição estético-formal cuja característica básica está em materializar uma certa relação axiológica com o herói e seu mundo: ele os olha com simpatia ou antipatia, distancia ou proximidade [... ] e assim por diante (FARACO, 2010a, p. 37).

Nos recortes polifônicos do texto dostoievskiano apresentados a seguir, tomaremos a fala de Dostoievski na condição de autor-criador da obra artística, em diálogo contínuo com suas personagens, ao mesmo tempo dando forma ao conteúdo, registrando os eventos da existência e reorganizando-os esteticamente; ora exercendo uma função narrativa, descritiva, analítica, persuasiva etc., para a qual denominaremos de autor-criado. Bakhtin registrou em seus Apontamentos de 1970-1971 breves considerações a respeito, ao tratar da imagem do autor no romance (2003, p.384-385), e Bezerra, no prefácio ao livro dostoievskiano Bobók (DOSTOIÉVSKI, 2005), discorreu sobre o assunto, asseverando que se o 'autor-criador' (ou 'primário') está situado fora da obra, então o 'autor-criado' (ou 'secundário') estaria dentro do romance:

O autor primário não pode ser imagem, ele é o autor de todas imagens que povoam a obra, entre elas a do autor secundário ou imagem de autor. Já o autor secundário, mesmo sendo imagem, é imagem do autor que cria de dentro da própria obra, e ao mesmo tempo é personagem que integra a estrutura da obra, cria personagens, dialoga e interage com elas. Portanto o autor secundário é uma categoria estética, é um elemento do processo composicional. (BEZERRA, 2005, p. 77)

Também Bezerra (2001), no prefácio à tradução de Crime e castigo8 8 Nas sendas de Crime e castigo. In: DOSTOIÉVSKI, F. Crime e castigo. Tradução, prefácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2001. , acentuará este aspecto de como o ' autor-pessoa' (Dostoiévski) se faz refratar no autor-criador ou autor-primário (a função de categoria estética da obra), o qual cria um autor-secundário na voz de um narrador de eventos que, por vezes, interage com as outras personagens9 9 Em O discurso no romance, Bakhtin comentará a respeito: "Percebemos nitidamente cada momento da narração em dois planos; no plano do narrador, na sua perspectiva expressiva e semântico-objetal, e no plano do autor que fala de modo refratado nessa narração e através dela." e "a refração pode ser ora maior, ora menor, e em alguns momentos pode haver uma fusão quase total das vozes" (2010b, p. 118 e 119). . Vejamos algumas dessas passagens no romance Crime e castigo, cuja primeira edição é de 1866.

Esse romance trata dos dilemas psicológicos de Ródion Raskólnikov, seu personagem principal, um estudante pobre que se torna homicida para roubar uma senhora que vive de penhores (Aliena Ivánovna), assassinando-a e a sua irmã (Lisavieta) a golpes de machado, mas não levando nada. Seu drama inicia-se pelo remorso do crime cometido e da decisão de entregar-se à polícia. Confidencia seu crime a uma jovem pobre e prostituta (Sônia). Por fim é julgado e sentenciado a oito anos de prisão no exílio (Sibéria) para trabalhos forçados de segunda classe, tendo-se levado em conta a confissão e alguns atenuantes da sua culpa, sendo acompanhado pela confidente humilde que se lhe tornou companheira fiel.

Durante a narrativa, Dostoiévski nos coloca, muitas vezes, dialogando com a personagem, penetrando até certo ponto sua consciência, mas não sua totalidade, como se fora um objeto que poderia ser minuciosamente escrutinado. Dostoiévski narra um momento em que Raskólnikov está pensando consigo próprio a respeito do casamento da irmã, não aceitando tal decisão e realizando vários questionamentos a respeito:

"Subitamente voltou a si e parou.

1. A voz do autor-criado: narrador

'Não irá se realizar? Mas que podes fazer para impedi-lo? Proibi-lo? E com que direito?' " 2. A voz interna, o pensamento do personagem Raskólnikov (DOSTOIÉVSKI, 2007, p. 56)

Percebamos um dos aspectos da polifonia dialógica nessa passagem de Crime e castigo quando se misturam várias vozes num mesmo plano temporal: a voz do autorcriado (narrador) descrevendo o ato do personagem (voz nº1) e em seguida a voz do personagem (Raskólnikov) questionando-se internamente em suas próprias elucubrações (voz nº2). Até aí ainda é possível contemplarmos e conhecermos o que pensa o personagem, mas haverá outros momentos em que isto não é possível, nem para o leitor, nem para o próprio autor. Dostoiévski comentará adiante, afirmando que o personagem "experimentava um amargo prazer fazendo a si próprio essas dolorosas perguntas" (idem, ibidem), o que nos permite compreender a reação psicológicoemocional dos questionamentos sobre o próprio personagem, mas não nos dá a sensação de experimentar o amargo prazer nem a sua dor, mas sim nos projeta a ideia, a imagem analógica do que estaria ocorrendo com Raskólnikov. No final desse mesmo parágrafo em que predomina a voz do autor-criado (narrador), este escreve algo a respeito do personagem e, no parágrafo seguinte, é o próprio personagem (Raskólnikov) quem responde ao autor:

"Era necessário tomar desde já uma resolução qualquer ou... 3. A voz do autor-criado: narrador 'Ou renunciar à vida!', exclamou ele subitamente, 'aceitar uma vez por todas, o destino como ele é, sufocar todas as aspirações, abdicar definitivamente ao direito de ser livre, de vice, de amar!...'" 4. A voz interna, o pensamento do personagem Raskólnikov como se estivesse respondendo ao autor-criado, complementando sua fala, dialogando com ele.

(DOSTOIÉVSKI, 2007, p. 56)

Nesses exemplos das vozes 3 e 4, é possível observar como Dostoiévski eleva ao nível de interlocução o seu personagem Raskólnikov, chegando a dialogar com ele. Essa é uma das características da polifonia dialógica que Bakhtin identificou no romance dostoievskiano: a equipolência das vozes. Também o personagem é dotado da liberdade de pensar e considerado como um outro Self, sendo possível ao autor estabelecer uma relação plenivalente com ele.

Em outra passagem do romance encontramos o personagem principal com os seguintes questionamentos:

" 'Mas para onde mesmo eu pretendia ir?', 5. Voz do personagem, Raskólnikov pensou ele repentinamente. 6. Voz do autor-criado: narrador

'É estranho... eu tinha um destino em mente quando saí de casa. Ah, sim, agora me lembro: ia procurar Razumíkhin [...].

7. Voz do personagem, Raskólnikov Nem ele próprio se entendia." (DOSTOIÉVSKI, 2007, p. 56) 8. Voz do autor-criado: narrador

Observemos na voz 5 o personagem Raskólnikov levantando um questionamento a si próprio: "Mas para onde mesmo eu pretendia ir?" o que nos faz deparar com o nosso limite de entendimento completo do personagem, fazendo-nos chegar a uma fronteira indevassável no nível da consciência do outro, deparando-nos com um Self e seu mundo interno, cognitivo, do qual não podemos saber com precisão o que está pensando neste exato momento. Bakhtin (Volochínov) discute essas questões em Marxismo e filosofia da linguagem (2004a, p. 60-62) ao falar da introspecção mental, do psiquismo e dos signos: "A atividade mental não é visível nem pode ser percebida diretamente, mas, em compensação, é compreensível" (p.61). Outra passagem de Crime e castigo ilustrativa disso é o momento quando o autor-criado (narrador) descreve o instante em que o pensamento origina-se na mente do personagem principal do romance, na cena em que Raskólnikov entra numa taberna "pediu chá, sentou-se e pôs-se a refletir. Um pensamento estranho, ainda mal definido, acabava de nascer no seu espírito" (DOSTOIÉVSKI, 2007, p. 73; grifos meus). Esse é também um aspecto importante da polifonia dialógica, sendo enfaticamente referenciado por Bakhtin na obra de Dostoiévski: o personagem como sujeito goza do estatuto da autonomia do pensamento, de uma autoconsciência (BAKHTIN, 2004b, p. 79).

As vozes 6 e 8 do autor-criado (narrador), parecem dialogar no mesmo plano do discurso com as vozes 5 e 7 pertencentes ao personagem Raskólnikov, remetendo-nos ao outro aspecto da polifonia dialógica: a coexistência simultânea entre o personagem e o autor que dialogam entre si (BAKHTIN, 2004b, p. 49). Esse mundo dostoievskiano de coexistência e interação artisticamente organizado (p.52) é formado por uma heterogeneidade de consciências e vozes que se distinguem naquilo que ele conceituou como sendo a polifonia dialógica (p.60; 66-67).

Uma das cenas mais impressionantes da arte polifônica de Dostoiévski, que o leitor compreende, surpreso, somente após a conclusão da narrativa, torna-se um recurso recorrente e sofisticado nos romances dostoievskianos: os sonhos dos personagens e a criação dos seus duplos como demônios ou fantasmas de si mesmos, podendo dialogar com eles. Em Crime e castigo encontramos uma cena em que o leitor é conduzido pelo autor-narrador a acreditar que está acontecendo com o personagem, mas surpreende-se no final da narrativa compreendendo que tudo não passara de um sonho do próprio personagem:

"Caminhara por umas seis horas. Tremendo dos pés à cabeça, como um cavalo fatigado, despiu-se, estendeu-se sobre o divã e, depois de se embrulhar no capote, adormeceu profundamente.

9. Voz do autor-criado: narrador

Era já noite fechada quando um grande ruído o acordou. Que horrível cena se estava passando, Senhor! Eram gritos, gemidos, ranger de dentes, vociferações como ele nunca ouvira. Aterrado, sentou-se no divã [...]"

(DOSTOIÉVSKI, 2007, p. 123)

10. Polifonia das vozes: voz do autor-criado (narrador) que se sobrepõe à voz do personagem, Raskólnikov.

Observamos que a voz nº 9, a do autor-criado (narrador) é nítida neste parágrafo do romance Crime e castigo, descrevendo as ações do personagem Raskólnikov, que aparece cansado, despindo-se, estendendo-se sobre o divã e adormecendo. Mas, no parágrafo seguinte, observamos que há uma sobreposição de vozes (nº 10), iniciando-se com a voz do autor-criado (narrador) esclarecendo que já era noite fechada quando um uma multidão de vozes acordou Raskólnikov; em seguida, o parágrafo continuado insinua ser a voz do personagem e não mais do autor-criado (narrador): "Que cena horrível estava se passando, Senhor!". Quem aqui fala? O autor-criado (autorsecundário, como narrador) ou o personagem (Raskólnikov)? Fica a ambiguidade que sempre caracterizou o estilo dostoievskiano e que produz um efeito de polifonia dialógica.

No mesmo parágrafo longo e continuado ocorre uma narrativa vertiginosa da cena em que Roskólnikov acorda do sono e presencia uma confusão no prédio, um corre-corre de todos, envolvendo o comissário de polícia que agredia violentamente a vizinha. Em seguida, no próximo parágrafo, o autor-criado (narrador) retoma a voz mais nitidamente:

"Raskólnikov caiu exausto no divã, mas não pode adormecer; durante meia hora foi dominado por um terror que nunca experimentara. Repentinamente, uma luz brilhante iluminou o quarto. Era Natássia que entrava com uma vela e um prato com caldo." (DOSTOIÉVSKI, 2007, p. 123)

11. Voz do autor-criado (narrador), descrevendo como Raskólnikov acorda e inicia um diálogo, surpreendente e esclarecedor com Natássia

Nessa passagem do romance de Dostoiévski está clara a voz (nº 11) do autor criado (narrador), assumindo a vez da narrativa, descrevendo a cena em que, após a confusão no prédio, Raskólnikov deita-se novamente no divã, recebendo em seguida a visita de Natássia. O diálogo que se segue, muito nítido quanto às vozes dos personagens e do autor-narrador, provoca-nos a surpresa de que toda a cena da confusão no prédio, envolvendo o comissário de polícia, a vizinha e os moradores do edifício, descrita anteriormente, não passara de um devaneio do personagem, um sonho:

Parece-me que não comes desde ontem. Andaste o dia inteiro por aí, a arder em febre.

12. Voz da personagem Nastássia

Oh, Natássia...por que bateram na senhoria?

13. Voz do personagem Raskólnikov

Ela fitou-o demoradamente.

14. Voz do autor-criado (narrador)

Quem bateu na senhoria?

15. Voz da personagem Nastássia

Há pouco... talvez há meia hora, Iliá Pietróvitch, o adjunto do comissário da polícia, deu-lhe uma grande surra, ali na escadaria... Por que diabo a espancaria assim?

16. Voz do autor-criado (narrador)

(DOSTOIÉVSKI, 2007, p. 123-4)

Como bem observa Bezerra (2010a, p. 194), uma característica da polifonia é "a posição do autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico" e com um detalhe notável: o autor rege vozes que ele mesmo criou mas que se manifestam com isonomia, revelando um Self, com seu mundo interior, infinito, no estado de incompletude e de criatividade. As vozes desta cena (nº 12 a 16) são coexistentes, simultâneas, envolvendo as vozes dos personagens e a do autor-criado (narrador), ao mesmo tempo em que também colocam no mesmo plano horizontal dos acontecimentos a voz autônoma do personagem (nº 10) que era simplesmente uma manifestação subjetiva, inconsciente, um sonho ou devaneio de Raskólnikov. O que impressiona é que enquanto não se chega ao final da leitura tem-se a impressão de que os fatos narrados estão mesmo acontecendo, quando não passaram de mero devaneio da mente delirante, ou em sonho, do personagem.

Assim, percebemos como Dostoiévski tratou seus personagens, elevando-os a um nível mais profundo de subjetividade, contemplando-os como uma consciência própria. Bakhtin, observando tal característica especial nos romances de Dostoiévski, utilizou-a para construir as bases do dialogismo, elaborando a noção que estamos denominando de polifonia dialógica.

Lendo esses dois gigantes do pensamento russo, admiramo-nos pela genialidade de ambos e ficamos como que extasiados pela polifonia provocada pelas vozes desses pensadores que falam do Self, embora não tenham sido psicólogos. Suas contribuições lançam questionamentos e reflexões a respeito do psiquismo e da linguagem, bem como das relações Eu-Outro, não apenas circunscritas ao romance, mas ampliadas para o contexto da vida humana.

Recebido em 17/04/2011

Aprovado em 19/10/2011

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  • 1
    Bakhtin (2004) cita vários autores do seu tempo cujas obras foram destinadas ao estudo de Dostoiévski, como Engelgardt e
    A novela dialógica de Dostoiévski (idem, p. 14), Motyliova e
    Dostoiévski e a literatura universal (idem, ibidem), Ivánov e
    Dostoiévski e o romance-tragédia (ibidem, p. 20), Askóldov e
    A importância ético-religiosa de Dostoiévski (ibidem, p. 22) e
    A psicologia dos caracteres em Dostoiévski (ibidem, p. 25), Grossman e
    A poética de Dostoiévski (ibidem, p. 26-27), etc.
  • 2
    Volochínov assina a obra original (1927), embora na edição utilizada, tradução de Paulo Bezerra de 2007, apareça Mikhail Bakhtin como autor.
  • 3
    Bakhtin admite a respeito dos personagens dostoiévskianos: "O herói de Dostoiévski é todo autoconsciência" (2004b, p. 79) e ainda considera que o autor no romance polifónico "afirma a autonomia, a liberdade interna, a falta de acabamento e de solução do herói. Para o autor, o herói não é um 'ele' nem um 'eu', mas um 'tu' plenivalente, isto é, outro 'eu' equitativo e alheio (um 'tu és')" (ibidem, p. 97) [tradução minha do espanhol].
  • 4
    Publicado originalmente com o título de
    Problemas da obra de Dostoiévski, em 1929; nova edição revista, aumentada e atualizada pelo autor é publicada em 1963.
  • 5
    Temos no Brasil esse adendo em dois livros de Bakhtin traduzidos por Paulo Bezerra: 1)
    Estética da criação verbal, p. 193-201, pela editora Martins Fontes, 2003 a; 2) Problemas da poética de Dostoiévski, p. 311-317, pela editora Forense Universitária, 2010. Utilizamos nesse artigo a referência contida em
    Estética da criação verbal, 2003a.
  • 6
    Clark e Holquist (1998, p.286), em nota de rodapé, comentam um autor russo, A. Fadeev (Literaturnyj kritik, nº 4, 1934, p. 45), afirmando que Bakhtin havia tirado o termo polifonia do seu vocabulário em decorrência dos tempos políticos da época e da relação com a metáfora de Gorki para o realismo socialista, visto como uma orquestra em que todos os instrumentos estão em harmonia.
  • 7
    Bakhtin (2003b, p. 9) distingue o
    'autor-criador' (elemento da obra) do
    'autor-pessoa' (elemento do acontecimento ético-social da vida). Pode-se dizer que o
    'autor-pessoa' antecede o 'autor-criador', tem primazia sobre este, porque representa o artista, no caso em estudo, o escritor Dostoievski, com seu posicionamento histórico-social que o identifica como um ser no mundo (com seus valores, suas ideias, seus sentimentos, sua personalidade enfim). Ratificamos também Sandrini (2007, p. 131) ao afirmar que o
    'autor-criador' é fruto do recorte do
    'autor-pessoa', ou seja, o viés axiológico do 'autor-pessoa' direciona as escolhas feitas pelo 'autor-criador' para o trabalho estético da obra literária.
  • 8
    Nas sendas de Crime e castigo. In: DOSTOIÉVSKI, F.
    Crime e castigo. Tradução, prefácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2001.
  • 9
    Em O discurso no romance, Bakhtin comentará a respeito: "Percebemos nitidamente cada momento da narração em dois planos; no plano do narrador, na sua perspectiva expressiva e semântico-objetal, e no plano do autor que fala de modo refratado nessa narração e através dela." e "a refração pode ser ora maior, ora menor, e em alguns momentos pode haver uma fusão quase total das vozes" (2010b, p. 118 e 119).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      19 Out 2011
    • Recebido
      17 Abr 2011
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