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O conceito de justiça: argumentação e dialogismo

Resumos

Este trabalho apresenta uma reflexão procurando situar os conceitos de justiça e de argumentação na abordagem de Perelman em diálogo com as teorias do Círculo de Bakhtin. Para tanto, aborda o conceito de justiça; trata do conceito de argumentação procurando situar o seu campo e destacar como esse conceito respalda o de justiça; destaca o caráter ético e dialógico da argumentação jurídica estabelecendo conexões entre as ideias de Perelman e os princípios dialógicos da linguagem; e, finalmente, procura mostrar como diferentes vozes se interseccionam no embate argumentativo por meio da análise de dois fragmentos de discurso jurídico.

Justiça; Argumentação; Retórica; Dialogismo; Ética


This paper presents a reflection attempting to situate the concepts of justice and argumentation in Perelman's approach in dialogue with the Bakhtin Circle's theories. For this purpose, it analyses the concept of justice, deals with the concept of argumentation in order to situate its field and to emphasize how it supports the concept of justice, highlights the ethical and dialogical aspects of legal argumentation, establishing connections between Perelman's ideas and dialogic principles of language, and, finally, attempts to show how different voices intersect in the argumentative confrontation through the analysis of two excerpts of legal discourses.

Justice; Argumentation; Rhetoric; Dialogism; Ethics


ARTIGOS

IUniversidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL, São Paulo, São Paulo, Brasil; altinococabral@gmail.com

IIUniversidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL, São Paulo, São Paulo, Brasil e da Faculdade de Tecnologia - FATEC, São Paulo, São Paulo, Brasil; m-guaranha@uol.com.br

RESUMO

Este trabalho apresenta uma reflexão procurando situar os conceitos de justiça e de argumentação na abordagem de Perelman em diálogo com as teorias do Círculo de Bakhtin. Para tanto, aborda o conceito de justiça; trata do conceito de argumentação procurando situar o seu campo e destacar como esse conceito respalda o de justiça; destaca o caráter ético e dialógico da argumentação jurídica estabelecendo conexões entre as ideias de Perelman e os princípios dialógicos da linguagem; e, finalmente, procura mostrar como diferentes vozes se interseccionam no embate argumentativo por meio da análise de dois fragmentos de discurso jurídico.

Palavras-chave: Justiça; Argumentação; Retórica; Dialogismo; Ética

Introdução

Chaïm Perelman, conforme destaca Lempereur (2005), é considerado um dos maiores filósofos do Direito do século XX. Sua importância, no entanto, não se circunscreve ao Direito; ele ocupa um lugar de destaque nos estudos da linguagem, particularmente no que diz respeito à argumentação. Considerando que a prática jurídica se funda no princípio do contraditório que une duas partes em litígio, iniciando-se na controvérsia e se cristalizando com as decisões do juiz, Perelman atribuiu papel central à argumentação. Seus estudos trouxeram um recrudescimento da Retórica, na medida em que retomou o gênero judiciário da Antiga Retórica, enriquecendo-o.

As questões da justiça, dos valores, do razoável e dos procedimentos argumentativos são recorrentes nos trabalhos de Perelman. Pensá-las em conjunto nos remete a alguns questionamentos sobre o conceito de justiça, o campo da argumentação e as relações entre a argumentação e o conceito de justiça. Essas questões nos parecem dialogar com os estudos do discurso, possibilitando ampliar a visão e buscar novas relações entre diferentes pontos de vista teóricos frente a um mesmo objeto. Desse modo, o trabalho tem por objetivo refletir sobre a visão dialógica que subjaz ao conceito de justiça proposto por Perelman e que se manifesta no discurso jurídico. Para tanto, o presente texto está dividido em três partes, além desta introdução e das considerações finais: a primeira aborda o conceito de justiça para Perelman; a segunda trata do conceito de argumentação procurando situar o seu campo e destacar como esse conceito respalda o de justiça; e a terceira procura mostrar o caráter ético e dialógico da argumentação jurídica tal como é abordada por Perelman.

1 O(s) conceito(s) de justiça para Perelman

Perelman (2005) introduz seu pensamento em relação à conceituação de Justiça advertindo seu leitor de que não pretende apresentar apenas um único conceito; ressalta que suas intenções são diferentes do que costumam ser as da maioria das pessoas. Ele não acredita na existência de um único sentido que dê conta dessa ideia. Para ele, assim como a de outros substantivos abstratos como liberdade, bem, virtude, a ideia de justiça se produz fundada numa escala de valores que cada um constrói em sua existência, guiando-se por eles. Sendo assim, para Perelman, a justiça, é uma virtude entre outras; e, sob outra perspectiva, envolve a moralidade, sentido pelo qual contrabalança os outros valores a ela ligados.

O filósofo lembra que todas as revoluções e guerras se fizeram sempre em nome da justiça, à qual se apegam tanto os partidários da nova ordem quanto os defensores da antiga; no entanto, cada um está convicto de que seu posicionamento é o justo. Cada um fala, portanto, de uma justiça diferente, do que decorre que não há um conceito de justiça que seja absoluto, verdadeiro, mas apenas aceitável por determinada comunidade em uma dada situação. Segundo Perelman (2005, p.8), "cada qual defenderá uma concepção de justiça que lhe dá razão e deixa o adversário em má posição".

Partindo, portanto, do raciocínio de que a justiça depende dos valores de cada um, apresenta concepções variadas de justiça que evidenciam como se pode entender o conceito a partir de valores diversos, enumerados aqui de um a seis para facilitar a leitura. São as concepções mais correntes de justiça, segundo o filósofo: 1. "A cada qual a mesma coisa". Essa concepção declara que "todos os seres devem ser tratados da mesma forma, sem levar em conta nenhuma das particularidades que os distinguem". Segundo essa concepção não há justiça perfeita, pois só a morte seria "o ser perfeitamente justo" (PERELMAN, 2005, p.9). 2. "A cada qual segundo seus méritos". A ideia contida aqui é que os seres devem receber tratamento conforme sues méritos, proporcionalmente. (PERELMAN, 2005, p.9). 3. "A cada qual segundo suas obras". Essa ideia de justiça não pressupõe um tratamento igual a todos, mas relativo ao resultado dos atos. Ela tem, portanto, um caráter prático, pois desconsidera a intenção e o sacrifício em detrimento dos resultados (PERELMAN, 2005, p.10). 4. "A cada qual segundo suas necessidades". Não se trata de considerar o merecimento, mas de suprir as necessidades básicas do homem, o que aproxima essa fórmula da justiça da caridade (PERELMAN, 2005, p.10). 5. "A cada qual segundo sua posição". Reconhece as diferenças que os homens adquirem segundo suas posições, desconsiderando as qualidades intrínsecas do indivíduo. Segundo Vannier (2001), essa regra de justiça dirige-se a sociedades hierarquizadas como as sociedades de castas (PERELMAN, 2005, p.11). 6. "A cada qual segundo o que a lei lhe atribui". Essa fórmula, segundo Perelman (2005), é paráfrase do cuique suum tribuere dos romanos. De acordo com essa regra, o justo encontra-se no cumprimento da letra da lei (PERELMAN, 2005, p.12). A leitura das fórmulas de justiça propostas por Perelman nos indicam o quanto o conceito é movediço. O discurso jurídico apoia-se, para justificar suas decisões, tanto na igualdade quanto na diferença, por meio de fórmulas até conflitantes, que exigem, portanto, múltiplas perspectivas de interpretação segundo os valores daqueles que as aplicam.

De fato, a escolha de um sistema normativo admite um valor mais geral do qual se deduzem as normas. Trata-se, para Perelman (2005), de um valor fundado na afetividade que não se apoia nem na lógica, nem na realidade, é arbitrário e irracional, ou seja, apoia-se no caráter emotivo dos valores que estão na base de todo sistema normativo.

É a partir dessa noção de valores que Perelman (2005) parece situar o juiz em seu papel de decidir. Para Perelman (1999), em Logica jurídica: Nova retórica, o papel do juiz vai além da simples aplicação da letra da lei que, enquanto tal, seria percebida como injusta. Isso quer dizer que, quando uma letra da lei traz um problema ético a um caso particular, é necessário retomar a intenção do legislador; dá-se, assim, ao juiz, uma possibilidade de interpretar os textos e pronunciar julgamentos que pareçam mais justos. O sentimento que permite declarar alguns atos justos e outros injustos é, segundo Perelman (1999), a ética.

O filósofo defende que a noção de justiça preexiste à sua expressão linguística porque ela corresponde a um sentimento universal. E mesmo que a ideia de justiça se aplique, em relação aos fatos concretos, de maneiras muito diversas, ela envolve algo de universal: a noção de igualdade: "A cada qual a mesma coisa". A ideia de justiça consiste, grosso modo, em tratar os elementos semelhantes de maneira semelhante (PERELMAN, 2005). O que ocorre, no entanto, é que, em função de seus valores, cada um tem uma ideia diferente da aplicação que deve ter a regra de justiça. É preciso considerar, entretanto, que existem noções éticas, ainda que vagas, que, tomadas em certo grau de abstração, podem ser consideradas universais. É, na maioria das vezes, em nome dessas noções que o juiz se permite interpretar o espírito da lei, em vez de aplicá-la ao pé da letra.

A regra de justiça engloba também outro conceito postulado por Perelman (2005), o de aceitabilidade. Para Perelman, a ação justa

é a que se amolda a uma regra aceita ou, pelo menos, a um precedente estabelecido. Quando uma decisão autorizada tratou de certa forma um caso relevante de certa categoria, é muito justo, e racional, tratar da mesma forma um caso essencialmente semelhante (2005, p.88).

A aplicação da justiça supõe, por conseguinte, uma classificação dos seres de acordo com a característica essencial que lhes serve de base.

O fato é que, para Perelman (2005, p.35), nosso sentimento de justiça leva em conta, simultaneamente, várias categorias essenciais, nem sempre concordantes, o que torna o trabalho complexo e permite concluir, com o autor, que "a justiça perfeita não é deste mundo". Sempre é possível dizer que se foi injusto se não se levou em conta uma um critério considerado essencial pelo interessado. Podemos afirmar, a partir do pensamento de Perelman, que a noção de justiça é uma noção fluida, que não se baseia em fatos, mas em valores aplicados à avaliação dos fatos, o que implica diferentes pontos de vista, controvérsia, desacordo e, também, acordo.

2 Retórica, justiça, argumentação jurídica e a questão dos valores

As relações entre Retórica e justiça estão presentes desde o nascimento da Retórica. Os estudos que abordam a Retórica Clássica esclarecem (cf. ROBRIEUX, 1993) que ela nasceu a partir da instauração de processos para recuperar terras que haviam sido expropriadas por tiranos que invadiram a ilha da Sicília, no início do século Va.C.. Os invasores deportaram os habitantes da ilha para instalar ali os seus mercenários, mas um movimento democrático reverteu a situação, e foi necessário reparar os danos causados, o que ocorreu por meio de processos que se desenvolveram pela primeira vez diante de um júri popular. Segundo Robrieux (1993), foi a partir da necessidade de convencer os membros desse júri que surgiu a Retórica, o que a liga desde o seu nascimento aos atos jurisdicionais.

Não podemos deixar de considerar que falar, seja bem, seja mal, implica uma intenção, e, por conseguinte, uma argumentação. Argumentamos para um determinado fim, que, conforme ressalta Danblon (2005), pode ser a finalidade de tomar decisões para transformar uma representação do mundo. Além disso, assumimos com essa autora que somente se constrói argumentação nos domínios sobre os quais os homens exercem certo controle. A esfera jurídica constitui um deles, e a própria história da Retórica é testemunha disso.

Nas práticas jurídicas, a argumentação ocupa lugar de destaque, cumprindo papel preponderante, pela necessidade de se convencer e pelas constantes tomadas de decisões que envolvem o trabalho de advogados, juízes e juristas. Com efeito, conforme ensina Perelman (1999), o Direito se elabora por meio das controvérsias, da argumentação que mostra que os argumentos usados pelo adversário são irrelevantes, arbitrários, inoportunos, inválidos e que a solução proposta por ele é injusta.

No mesmo sentido, Danblon (2005) postula que argumentar consiste em expressar um raciocínio visando a conduzir um auditório a adotar uma conclusão à qual ele não adere. Conforme explica essa estudiosa, trata-se de uma ação complexa que pressupõe o domínio de pelo menos três conceitos bastante elaborados: o de raciocínio, o de auditório e o de conclusão. Quando argumentamos, estabelecemos uma relação entre um raciocínio e uma conclusão, estabelecendo uma ligação de pertinência entre ambos. Essa ligação de pertinência se baseia em uma série de representações do mundo que são partilhadas pela comunidade que argumenta; representações que podem, algumas vezes, ser expressas sob a forma de leis, de princípios gerais, ou de verdades proverbiais. É o que a tradição Retórica chamou de lugares comuns. O laço de pertinência entre o raciocínio e a conclusão tem valor para o auditório a que nos dirigimos.

Assim como ocorre com a justiça, a Retórica se funda nos valores aceitos pela comunidade. Conforme explica Perelman (2005), a ação retórica, no que respeita à justiça, consiste em buscar as condições que permitem qualificar um ato, uma regra ou um indivíduo como justo; significa, portanto, determinar o que é válido, o que merece ser aprovado na área da ação social. Desse ponto de vista, a justiça também recorre aos lugares comuns, ou aos valores que representam os anseios da comunidade na qual ela se insere e a quem ela atende.

Segundo define Perelman, a argumentação consiste num conjunto de técnicas discursivas que visam a "provocar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que se apresentam ao seu assentimento" (1993, p.29). Essa definição inclui o conceito de concordância, que não tem a ver com a verdade, está ligado à adesão e, por esse motivo, a argumentação nunca se desenvolve no vazio. Argumentar, conforme já destacamos anteriormente, tem a ver com tomada de decisão, seja a decisão de onde passar as férias, seja a de condenar ou não um réu. Tomada de decisão a partir do discurso, o próprio discurso ou o discurso de outrem, a quem se deseja convencer. A Retórica está, portanto, ligada ao discurso, ao uso da palavra; desse ponto de vista, a ameaça e a promessa se incluem no campo da argumentação, pois se servem da linguagem para ganhar a adesão, por isso Perelman (2005) exclui a violência e a carícia, uma vez que ambas não necessariamente se apoiam no discurso. Também, de acordo com seus ensinamentos, foge do campo da Retórica a demonstração, que trabalha com a verdade das premissas que respaldam a verdade de uma conclusão.

A argumentação, ao contrário, se baseia em premissas válidas, isto é, aceitáveis como verdadeiras em um determinado contexto, para uma determinada comunidade, mas não absolutamente verdadeiras. Daí que a adesão a uma tese não está ligada à noção de verdade, ela depende de valores. Os valores, por sua vez, não são absolutos, são variáveis. A argumentação se estrutura com base nos valores, do orador e do auditório, em constante diálogo. Esse é o primeiro conceito da argumentação que respalda o de justiça: o conceito de valor, isto é, um sistema de crenças ou convicções aceito como verdadeiro para uma determinada comunidade social. Eles constituem, conforme observa Van Dijk (1998), os pilares da ordem moral das sociedades, uma vez que as opiniões sociais básicas constroem-se a partir desses valores.

Para Perelman (1999), no ato de decidir encontra-se a intersecção entre justiça e argumentação. A argumentação baseia-se na incerteza, que faz apelo à liberdade humana e, desse ponto de vista, as noções de problema moral e de liberdade são intrínsecos à argumentação, uma vez que nenhuma argumentação se fundamenta na verdade, pois a adesão se apaga diante da verdade. Com efeito, de acordo com Perelman, não há liberdade na verdade porque ela própria exige submissão da ignorância ao conhecimento. A liberdade se constitui, ao contrário, pela deliberação sobre os valores e pela escolha proveniente da hesitação que conduz a uma decisão. Como observa Perelman, onde não há nem possibilidade de escolha, nem alternativa, não exercemos nossa liberdade; é a deliberação que distingue o homem do autômato; e a deliberação está na fonte da decisão.

A esse respeito, Danblon (2002) pondera que as sociedades modernas, tendo atingido certa maturidade em seu funcionamento institucional, conferem mais confiança a um julgamento humano do que a uma aplicação mecânica de procedimentos que visam a descobrir a verdade. Desse ponto de vista, entende-se que a argumentação somente acontece quando há possibilidade de comunhão de ideias. Nesse sentido, os valores estão na base de qualquer julgamento e avaliação, daí a sua importância para a argumentação e, sobretudo, para a justiça.

Perelman destaca que o poder concedido ao juiz

não é limitado por um âmbito legal claramente definido de uma vez por todas - pois os termos de uma lei, claros de desprovidos de ambiguidade, no que tange a certos casos de aplicação, podem deixar de sê-lo noutras situações (2005, p.478).

Com efeito, o juiz tem a obrigação de julgar, mas não apenas julgar; ele deve ainda motivar seu julgamento, indicando como se estabelece a ligação entre sua decisão e a legislação que ele aplica. Sua argumentação deve, por conseguinte, servir para justificar a aplicação da lei, tornando sua decisão válida, o que confere à argumentação um lugar central para a justiça, pois esta só se torna justa se válida dentro dos valores admitidos como tal na comunidade em que se insere.

Perelman (1999), analisando o papel da decisão, observa que as opiniões são elaboradas graças a raciocínios que não têm a ver nem com a evidência, nem com uma lógica analítica, mas com presunções pautadas em valores e de cujo exame depende uma teoria da argumentação. Desse ponto de vista, a noção de justiça exclui a noção de absoluto, repousa sobre o acordo dos homens, aspecto salientado por Amossy (2006) na proposta de Perelman. Segundo essa estudiosa do discurso, a Nova Retórica postulada por Perelman oferece para a análise do discurso um quadro importante, na medida em que insiste sobre algumas premissas tais como o caráter fundador das premissas e dos pontos de acordo na interação argumentativa, além dos lugares comuns que balizam a argumentação (cf. AMOSSY, 2006).

Considerando que a argumentação implica raciocínio, acordo, Perelman (1999) pondera que as questões relativas à justiça e ao seu pertencimento ao campo do Direito, assim como aquelas concernentes ao raciocínio jurídico, só podem ser respondidas se nos colocarmos no ponto de uma ideia do Direito de uma dada sociedade, ou, pelo menos, admitido tacitamente por ela. Esse pensamento nos remete a Bakhtin quando afirma que

a concepção do seu objeto, por parte do discurso, é um ato complexo: qualquer objeto "desacreditado" e "contestado" é aclarado por um lado e, por outro, é obscurecido pelas opiniões sociais multidiscursivas e pelo discurso de outrem dirigido sobre ele. [...] A concepção do objeto pelo discurso é complicada pela "interação dialógica" do objeto com os diversos momentos da sua conscientização e de seu desacreditamento sócio-verbal (1998, p.86- 87).

Podemos dizer que a Justiça, que compreende fórmulas nem sempre consoantes, é um objeto discursivo e, como tal, está atravessado pelo desacordo.

3 Justiça e argumentação: um princípio ético e dialógico

Assumimos com Perelman (1999) que o Direito se elabora por meio das controvérsias, da argumentação que mostra que os argumentos usados pelo adversário são irrelevantes, arbitrários, inoportunos, inválidos e que a solução proposta é injusta. É no mesmo sentido que podemos citar Bakhtin/Volochínov:

Assim, cada um dos elementos significativos isoláveis de uma enunciação e a enunciação toda são transferidos nas nossas mentes para um outro contexto, ativo e responsivo. A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor a palavra do locutor uma contrapalavra. Só na compreensão de uma língua estrangeira é que se procura encontrar para cada palavra uma palavra equivalente na própria língua. É por isso que não tem sentido dizer que a significação pertence a uma palavra enquanto tal. Na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro (1981, p.132).

Ao pensamento de Bakhtin podemos relacionar o caráter de controvérsia do Direito. De acordo com Perelman (1999, p.8), mesmo dentro de uma sociedade específica "os raciocínios jurídicos são acompanhados por incessantes controvérsias, e isto tanto entre os mais eminentes juristas quanto entre os juízes que atuam nos mais prestigiosos tribunais". Desse ponto de vista, o raciocínio jurídico muito raramente poderá ser considerado correto ou incorreto, verdadeiro ou falso, de forma impessoal, pois a tomada de uma decisão em Direito implica necessariamente um comprometimento pessoal que diz respeito ao caráter ético responsável postulado por Bakhtin (1998, p.146), para quem a "palavra implica uma concepção singular do ouvinte, seu fundo aperceptivo, um certo grau de reponsabilidade e uma certa distância".

Podemos afirmar, por conseguinte, que o raciocínio jurídico é uma atitude responsável-responsiva, o que nos conduz ao conceito de dialogismo. Na visão dialógica Bakhtiniana,

toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 1981, p.113).

Com efeito, raras são as situações em que as boas razões apresentadas para respaldar uma decisão não sejam questionadas por razões também boas a favor de decisão diferente, emergem desse questionamento as duas faces da palavra. Assim também ocorre quando a questão é justiça. Há nessas razões valores cuja apreciação é variável de um indivíduo para outro e não se reduz a um cálculo, do que decorre que nada prova que a decisão tomada seja efetivamente a única solução justa para o problema apresentado. Encontramos aí convergência entre as ideias de Perelman e as de Bakhtin.

Amorim, ao debruçar-se sobre Bakhtin, também o associa às questões de Justiça. Para essa autora, os conceitos de validade e justiça encontram-se, na teoria bakhtiniana, "em relação ao contexto do sujeito que pensa, à posição a partir da qual ele pensa" (2009, p.22). Esse pensamento vai ao encontro dos postulados de Perelman, para quem o conceito de justiça não é absoluto, nem está pautado na verdade; o ato de justiça é visto dessa perspectiva como um gesto ético, que leva em conta o outro, ou, no dizer de Bakhtin (1998, p.88), "o discurso nasce no diálogo com sua réplica viva, forma-se na sua mútua-orientação dialógica do discurso de outrem no interior do objeto. A concepção que o discurso tem do seu objeto é dialógica". O outro está sempre presente no agir e no pensar, no avaliar e no julgar, o que evidencia o caráter dialógico da justiça e do ato de julgar. O raciocínio judiciário, conforme o caracteriza Perelman, reflete esse aspecto dialógico:

[...] o raciocínio judiciário visa a discernir e a justificar a solução autorizada de uma controvérsia, na qual argumentações em sentidos diversos, conduzidas em conformidade com procedimentos impostos, procuram fazer valer, em situações diversas, um valor ou um compromisso entre valores, que possa ser aceito em um meio e em um momento dados (1999, p.183).

Cabe lembrar que todo discurso visa a um interlocutor que também o constitui, conceito que, segundo Amossy (2005), está no seio do conceito de auditório, tão importante para a retórica, definido por Perelman, em seu Tratado da argumentação desenvolvido com Olbrechts-Tyteca, como uma construção do orador, e não o público efetivo, real. Segundo a autora, esse conceito de dialogismo é o essencialmente pertinente à análise do discurso argumentativo, pois o sujeito que argumenta constrói uma imagem do outro, de suas crenças e saberes e de suas opiniões e, tomando por base essa imagem, ele constrói seu discurso, dirige-se ao interlocutor, prevendo as reações e as possíveis objeções. É nesse sentido que, segundo a autora, a orientação do discurso em direção ao outro sobre a qual insiste Bakhtin encontra-se com o princípio de base que funda a Retórica de Aristóteles a Perelman.

A convergência entre o conceito de dialogismo e os fundamentos da Retórica nos encaminha, em consonância com Bakhtin, a compreender o modo como aquilo que é repetitivo, formal, na linguagem, transforma-se em significados também formais, mas que se renovam no ato enunciativo. Isso implica levar em conta a questão da liberdade pessoal - podemos incluir como uma das instâncias dessa liberdade a interpretação da lei pelo juiz - de acordo com os valores pertinentes à sociedade em que ele se insere.

O significado em geral, e também a interpretação da lei pelo juiz, é um produto coletivo de um sistema cultural que se legitima pela aceitação da comunidade. Especificamente no campo jurídico, as leis, nesse sentido, cristalizam os valores coletivos, mas nelas não estão ou delas não se extraem os significados aplicáveis a quaisquer casos. Por outro lado, esses significados também não estão no sujeito, o juiz, que as toma para legitimar suas decisões. Essa reflexão nos remete a Bakhtin:

A pessoa que fala e sua palavra como objeto de reflexão e do discurso são tratados na esfera da ética e do direito, unicamente em razão do interesse especial destas esferas. A estes interesses especiais e a essas opções estão submetidos todos os processos de transmissão de elaboração e de enquadramento da palavra de outrem (1998, p.149).

O embate discursivo, no caso da esfera jurídica, ocorre justamente no jogo argumentativo. Pode-se dizer que, nesta esfera, o diálogo argumentativo direciona a construção do significado - a interpretação da lei - como um produto em certo sentido ad hoc, já que constantemente alterado pelo caráter dinâmico da linguagem em sociedade, uma vez que também resultado de argumentos construídos nessa mesma linguagem.

Recentemente, acompanhamos, no Brasil, o caso do julgamento dos embargos infringentes pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de recursos impetrados pelos advogados de defesa dos réus condenados por causa da Ação Penal 470, que fora movida pelo Ministério Público, no STF, contra alguns integrantes do governo do Presidente Luís Inácio da Silva e do Partido dos Trabalhadores, acusados de corrupção política por meio de compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional do Brasil, entre os anos de 2005 e 2006, no caso conhecido como Mensalão.

Os embargos infringentes estão previstos no artigo 333 do Regimento Interno do STF para réus que obtiveram pelo menos quatro votos favoráveis, dando-lhes direito a um novo julgamento. Contudo, esse mesmo benefício foi omitido na lei 8.038/1990, que regula as ações no STF. O conflito entre as diretrizes normativas provocou impasse na Corte Suprema.

No embate discursivo entre os ministros evidencia-se o aspecto dialógico da argumentação jurídica a que nos referimos, bem como o processo linguístico e discursivo da construção dos sentidos em que as vozes, às vezes, fazem coro com outras vozes e, às vezes, entram em confronto com elas. Como exemplo, propomos a análise de dois fragmentos de votos de ministros que rejeitaram ou que aceitaram o recurso.

O Ministro Joaquim Barbosa expressou posição contrária aos embargos apoiando-se na omissão da lei em relação aos recursos. Esse enunciador conta com a voz da opinião pública, reforçada por quase toda a mídia e pelo senso comum, que acusa a justiça brasileira de leniente com os criminosos de nível social elevado, caso dos réus em questão. O discurso de Barbosa, como se pode observar no excerto a seguir, reflete essas vozes:

A reapreciação de fatos e provas pelo mesmo órgão julgador é de toda indevida. A Constituição e as leis não preveem privilégios adicionais. Esta Corte já se debruçou cinco meses em 2012 e agora no segundo semestre de 2013 já ultrapassamos um mês de deliberação. Admitir embargos infringentes no caso seria uma forma de eternizar o feito (http://www.olhardireto.com.br/noticias Acesso em: 17 out. 2013).

Consciente da lacuna legislativa, já que pela letra da lei os réus teriam direito à reconsideração do julgamento, o Ministro opta por um discurso que não relativiza a situação e faz apelo à regra de justiça segundo a qual os seres humanos devem ser tratados todos igualmente, ou seja, "a cada qual a mesma coisa". Desse modo, parte do juízo de valor que dispõe que é preferível e desejável ter o caso encerrado para não prolongar um problema e, apoiado pelo discurso da sociedade que vê a justiça como uma instituição que discrimina ricos e pobres, refuta a concepção aristocrática "a cada qual segundo sua posição". No início do fragmento, ele não se refere à reapreciação do julgamento, que seria a revisão de algo subjetivo, mas à reapreciação de "fatos e provas", elementos objetivos, concretos. Ao dizer que essa reapreciação é "toda indevida" e que "a Constituição e as leis não preveem", apaga a existência do artigo 333 do STF e recorre à lei maior, que atende a todos os cidadãos e não só àqueles que podem recorrer ao Supremo.

Para marcar linguisticamente sua posição e acentuar a longevidade do processo como algo nocivo à sociedade, serve-se da locução adjetiva "toda indevida", cuja finalidade é suprir por meio da universalidade da proposição a excepcionalidade do pedido. Além disso, por duas vezes serve-se do advérbio de tempo "já", com o sentido de "antes, anteriormente", associando essas duas ocorrências do advérbio ao pretérito perfeito, indicativo de ação acabada: a "Corte já se debruçou" e "já ultrapassamos um mês de deliberação". Assim, reforça a voz coletiva que clama pelo encerramento rápido do processo e reforça o discurso da lentidão da justiça e dos privilégios que ela concede aos poderosos.

Quando se refere à alternativa da admissão dos embargos que refuta, usa o verbo no futuro do pretérito "admitir [...] seria", tempo que indica um fato dependente de uma condição. No caso, essa condição virtual seria "eternizar o feito", ou seja, a Corte Suprema entrar no jogo dos advogados dos réus que visam à protelação do processo e que, portanto, se colocam contra a voz coletiva que anseia por uma justiça célere e equânime, a da Constituição.

O ministro Luís Roberto Barroso colocou-se em posição oposta à de Barbosa, apoiou-se na previsão dos embargos infringentes. Nesse caso, como favorável à admissão dos recursos, seu discurso é mais conciliador, confronta pontos de vista divergentes e os articula apelando para o valor pautado no lugar da ordem, no que está estabelecido pela lei, ou seja, "a cada qual segundo o que a lei lhe atribui". De acordo com isso "a regra do jogo" não deve ser mudada, ainda que isso pareça injusto:

Mesmo que se queira cogitar da supressão dos infringentes, penso que seria imprópria uma mudança da regra do jogo quando ele se encontra quase no final. Não há por que sujeitar um processo tão emblemático a uma decisão casuística, de última hora. A exemplo de toda sociedade brasileira, eu também estou exausto deste processo. Ele precisa chegar ao fim. Temos que virar esta página. [...] Ninguém deseja o prolongamento desta ação. Mas é para isso que existe a Constituição: para que o direito de 11 não seja atropelado pelo interesse de milhões (http://www.olhardireto.com.br/noticias Acesso em: 17 out. 2013).

O fragmento do discurso do ministro inicia-se com a concessiva "mesmo que", cuja função é incorporar a voz contrária para refutá-la. Com isso, não rechaça simplesmente a voz alheia, mas se posiciona no interior dela para, de lá, apresentar-se como voz dissonante: "A exemplo de toda sociedade brasileira", "eu também estou exausto", "Temos que virar esta página".

A expressão "penso" confere ao discurso um tom de racionalidade que permeia toda a fala e que se amplia quando evoca a "regra do jogo", bem como a mesma "Constituição" que fora usada no discurso de Barbosa, apelando para valores pautados na tradição. Ao colocar onze contra milhões, Barroso inverte a equação do oponente: não são onze privilegiados que pedem o recurso, mas um grupo pequeno que luta contra a massa "atropelado pelo interesse de milhões". Nesse sentido, a conjunção adversativa que abre o último período realça o contraste entre o que se disse: "faço coro com os que querem acabar com o processo"; e o que se irá dizer: "discordo dos que querem acabar com o processo". Essa última proposição ganha maior prestígio, pois o Direito está acima do interesse de grupos, ainda que seja o interesse de uma maioria; o Direito é o valor maior. É curioso como aqui o discurso de Barroso apropria-se, agora com intenção diametralmente oposta, da mesma concepção que norteou discurso de Barbosa: "a cada qual a mesma coisa".

Considerações finais

Sem entrarmos no mérito do caso específico do Mensalão, no que diz respeito à questão da Justiça, tal como a tratamos neste texto, vê-se que se assenta num princípio fundamentalmente argumentativo, dialógico em sua dupla dimensão: quer compreendida como troca de turnos entre sujeitos que expõem ideias divergentes; quer entendida como vozes sonantes ou dissonantes que são evocadas na fala de cada sujeito. Esse dialogismo permeia o conceito de Justiça, tanto do ponto de vista do que se considera justo, quanto do ponto de vista dos atos jurídicos que se esforçam para construir argumentativamente a justiça em favor de um caso particular.

Além disso, a ideia de dialogismo intrínseca ao caráter interativo da linguagem encontra eco nos postulados de Perelman, especialmente com aqueles que dizem respeito ao ato de julgar, ligados ao juiz. Tanto Perelman como Bakhtin inserem-se em um mundo em que as verdades monolíticas desapareceram. Sendo assim, reconhecer e compreender o aspecto heterogêneo e contraditório e, portanto, dialógico, que permeia uma das mais elaboradas instituições humanas, a esfera jurídica, é reconhecer a singularidade do discurso e as múltiplas possibilidades que ele nos oferece de termos acesso à própria forma de construção do conceito de Justiça.

Recebido em 19/10/2013

Aprovado em 15/05/2014

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  • O conceito de justiça: argumentação e dialogismo

    Ana Lúcia Tinoco CabralI; Manoel Francisco GuaranhaII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jul 2014

    Histórico

    • Aceito
      15 Maio 2014
    • Recebido
      19 Out 2013
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