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A bisbilhotice na pintura

RESUMO

Este artigo defende que os princípios dialógicos do discurso são aplicáveis tanto a linguagens verbais como a linguagens icônicas, já que compartilham certas funções, como a importantíssima função metalinguística. O artigo estuda detalhadamente, por uma perspectiva bakhtiniana, uma série de seis pinturas criadas pelo artista holandês do Século XVII Nicolaes Maes (1634-1693). Cada pintura representa poses e gestos diferentes de um bisbilhoteiro, de tal maneira que o analista-observador bakhtiniano é obrigado a ver como a pintura desse tipo curioso combina de maneiras surpreendentes linguagens verbais e visuais. As telas de bisbilhoteiros de Maes concernem à curiosidade, reunindo personagens que poderiam ter preferido permanecer independentes umas das outras. As telas apresentam códigos gestuais, corporais, linguísticos e cromáticos, fazendo o material visual funcionar criativamente e permitindo que cada linguagem se beneficie das vantagens expressivas das outras. Combinam-se aí várias perspectivas para mostrar que as capacidades expressivas de toda linguagem dada são necessariamente mais pobres quando recorrem a um único meio. Uma perspectiva bakhtiniana pode derramar nova luz sobre as pinturas de Nicolaes Maes, ao mesmo tempo em que a análise ilumina novas possibilidades semânticas no pensamento de Bakhtin.

PALAVRAS-CHAVE:
Pintura; Linguagens icônicas; Linguagem verbal; Discurso dialógico; Curiosidade

ABSTRACT

This article claims that the principles of dialogic discourse are applicable to both verbal and iconic languages, because they share certain functions, such as the all-important metalinguistic one. The article studies in detail, from a Bakhtinian perspective, a series of six paintings created by the 17th century Dutch artist, Nicolaes Maes (1634-93). Each painting depicts different poses and gestures of an eavesdropper, in such a manner that the Bakhtinian analyst-viewer is obliged to see how painting of this curious sort combines surprising verbal and visual languages. Maes' eavesdropper paintings concern curiosity, bringing together characters who might have preferred to remain independent of one another. The paintings deploy gestural, bodily, linguistic, and colour codes and make the visual material work creatively, allowing each language to take advantage of the expressive advantages of other languages. Several vantage points combine to show that the expressive capabilities of any given language are necessarily poorer when they rely on a single medium. A Bakhtinian perspective can shed new light on the paintings of Nicolaes Maes, while the analysis illumines new semantic possibilities in the thought of Bakhtin.

KEYWORDS:
Painting; Iconic Languages; Verbal Language; Dialogic Discourse; Curiosity

Nos últimos trinta ou quarenta anos, pessoas de todo mundo têm se debruçado intensamente sobre Bakhtin como teórico da linguagem verbal, e especialmente Bakhtin como erudito literário. Na maioria das vezes, têm destacado suas ideias ora (mal)afamados sobre o romance e o dialogismo. Com o passar do tempo, começaram a se debruçar sobre Bakhtin como antropólogo da cultura, incluindo-se aí seus pensamentos dispersos sobre o cronotopo, a filosofia da vida, suas inclinações fenomenológicas e seu pensamento neokantiano sobre a responsabilidade. E logo descobriram que a maioria das coisas que ele tinha a dizer sobre o carnaval tem como origem fontes que ele não indicou, e que era chegada a hora de considerar mais atentamente o que ele sabia no momento de sua escrita, e de ter mais cuidado com relação a suas possíveis fontes de inspiração. Em meio a toda essa atividade de busca, constantemente descobríamos que nunca tínhamos conseguido abarcar o suficiente todas as possibilidades teóricas de seu trabalho.

Neste momento, acredito que ainda temos um caminho muito longo a percorrer antes de esgotar ao menos duas frentes de trabalho importantes: a música1 1 N.E. Sobre as aplicações teóricas da obra bakhtiniana à música, ver neste número: HUTCHEON, L., A crítica como réplica bakhtiniana: Edward W. Said como crítico musical. e as artes visuais. Como é impossível abordar adequadamente as duas em uma única contribuição, meu objetivo aqui será tratar de somente uma delas, a saber, a pintura artística. Isso não significa que ninguém fez algum trabalho relevante nessa área específica. Pelo contrário, um dos primeiros trabalhos teoricamente mais sugestivos, mas infelizmente bem pouco conhecido, é o livro inovador de Wolfgang Kemp (escrito em alemão e só parcialmente disponível em tradução), no qual o estudioso de Hamburgo trabalha a arte holandesa do período da Renascença com a ampla ajuda do cronotopo bakhtiniano (KEMP, 1996KEMP, W. Die Räume der Maler: Zur Bilderzählung seit Giotto. Munich: Verlag C.H. Beck, 1996.)2 2 Para uma tradução-adaptação parcial, cf. Duro (1996, p. 11-23). . Outras contribuições relevantes são o livro de Deborah Haynes (1995)HAYNES, D. J. Bakhtin and the Visual Arts. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995. sobre a arte francesa modernista e alguns artigos de revistas escritos por estudiosos internacionais como Eduardo Canizal Penuelo (1998)CAÑIZAL, E. P. La voix dans le miroir: le dialogisme métaphorique. Semiotic Inquiry / Recherches Sémiotiques, v. 18, n. 1-2, pp.205-216, 1998. no Brasil e Mikhail Sokolov (1998)SOKOLOV, M. A Bakhtinian Cocktail: The Emblematic Motif of Water Mixed with Wine and its Iconological Connotations. Semiotic Inquiry / Recherches sémiotiques, v. 18, n. 1-2, pp.197-203, 1998. na Rússia. Ao falar de imagens, eu seria omisso se não mencionasse o trabalho pioneiro de teóricos do cinema como Robert Stam (1992)STAM, R. Subversive Pleasures: Bakhtin, Cultural Critcism and Film. Baltimore, MD: Johns Hopkins University Press, 1992. e Karl Sierek (1994)SIEREK, K. Ophüls-Bachtin. Versuch mit Film zu reden. Basle/Frankfurt: Stroemfeld Verlag, 1994., bem como trabalhos bem recentes publicados por Martin Flanagan (2009)FLANAGAN, M. Bakhtin and the Movies: New Ways of Seeing Hollywood Film. London: Palgrave-MacMillan, 2009.. E, naturalmente, tenho de considerar grande parte das propostas inovadoras publicadas sobre a relação de Bakhtin com os ícones e o Cristianismo Ortodoxo que se pode encontrar nos trabalhos de Alexandar Mihailovic, Susan Felch, Paul Continuo, Ruth Coates e, muito mais recentemente, quase apesar de si mesmo, Graham Pechey (2007)PECHEY, G. Mikhail Bakhtin: The Word of the World. London: Routledge, 2007.. Todo esse material é relevante para as atuais contribuições relativas a Bakhtin e à pintura holandesa do século XVII, ainda que a seguir eu vá propor um percurso um tanto distinto.

Ao buscar uma abordagem bakhtiniana apropriada ao estudo de materiais visuais, é importante, creio eu, evitar duas armadilhas teóricas: a primeira consiste em considerar que as imagens constituem um tipo de linguagem tão completamente distinto do discurso verbal - que muitos, justa ou injustamente, julgam ser o verdadeiro território de Bakhtin - que é impossível imaginar como um arcabouço concebido para estudar as dimensões metalinguísticas do discurso verbal (e mais especificamente concebido para o estudo do discurso verbal escrito) pode um dia servir ao estudo de linguagens visuais. Minha posição acerca desse primeiro impasse teórico consiste em afirmar que as linguagens verbais e visuais, embora obviamente distintas entre si em vários aspectos ontológicos e funcionais, ainda assim compartilham algumas características metalinguísticas importantes que proponho explorar neste artigo. E aqui tomo a expressão "características metalinguísticas" tanto no sentido de Bakhtin como no de Jakobson.

A segunda armadilha teórica concerne a tendência demasiado frequente, pelo menos tal como se percebeu na primeira geração da semiótica francesa (nos anos 1970 e 1980), de estudar a linguagem visual como se funcionasse segundo os mesmos princípios operantes na linguagem verbal. Um segundo componente dessa armadilha é apoiar-se em uma visão da linguagem humana em geral inteiramente baseada no discurso verbal em particular. Quanto a isso, minha posição - tendo em mente a primeira armadilha teórica - consiste em aceitar que de fato devemos tratar a linguagem visual como distinta da linguagem verbal. Mas isto não quer dizer que nunca seja razoável procurar certos princípios bakhtinianos sobre a linguagem em geral em todas as linguagens manifestas, incluindo especialmente os trabalhos artísticos de arte visual. Mais especificamente, minha proposta vai consistir em dizer, no mínimo, que os princípios do discurso dialógico são aplicáveis a linguagens icônicas. Ao dizê-lo, não me restrinjo por isso a uma visão das linguagens visuais inteiramente dependente de um modelo da linguagem verbal. Mais uma vez, tendo em vista nossa segunda armadilha teórica, meu argumento é o de que, embora as linguagens verbais e icônicas compartilhem certas funções, como a importantíssima capacidade metalinguística (no sentido de Jakobson), cada uma dessas capacidades se manifesta de numerosas maneiras diferentes.

O objeto deste artigo concerne especificamente uma série de seis quadros de bisbilhoteiros criados pelo artista holandês do século XVII Nicolaes Maes (1634-1693)3 3 Para alcançar esse objetivo, recorro amplamente ao livro em alemão Nicolaes Maes, publicado em 2000 por León Krempel, e a dois outros textos perspicazes, impressos em inglês: (1) Hollander, 2002, em especial as seções The Eavesdroppers e Pictorial Space at Mid-Century, p.103-112 e p. 112-119, respectivamente, assim como (2) Robinson, 1987. . Cada um dos seis quadros representa poses e gestos diferentes de uma pessoa que está bisbilhotando (cinco mulheres e um homem) de modo tal que o analista-observador bakhtiniano é obrigado a ver como a pintura desse tipo curioso combina linguagens verbais e visuais de várias maneiras engenhosas. As pinturas de bisbilhoteiros de Maes concernem a um tipo especial da curiosidade que reúne personagens que, na verdade, prefeririam permanecer independentes uns dos outros. Os quadros recorrem a códigos gestuais, corporais, linguísticos e cromáticos e fazem o material visual funcionar de maneiras criativas, permitindo a cada linguagem individual aproveitar-se das vantagens expressivas das outras linguagens. Vários pontos de vista se combinam para mostrar que as capacidades expressivas de toda linguagem dada são necessariamente mais pobres quando se apoiam em um único meio.

1 Curiosidade dialógica

Uma das donas-de-casa inventivamente escutadeiras de Maes, hoje parte da Coleção Wallace em Londres (Ilustração 1), requer que seus observadores "emprestem" os olhos à bisbilhoteira-heroína, que não pode ver aquilo que os observadores da tela conseguem ver.

Ilustração 1
Nicolaes Maes, A bisbilhoteira (Dona-de-casa escutadeira), 1656. Pintura a óleo. Londres: Wallace Collection. 84.7 x 70.6 cm.

Esta pintura dá corpo visual a um empreendimento de "curiosidade conjunta", para não dizer "curiosidade dialógica". O que queremos dizer com estes termos é que, aqui, o empreendimento de meter o nariz na vida alheia não é realizado por uma pessoa única (em segredo) mas em parceria com alguma outra pessoa (em detrimento de uma terceira pessoa). Em outras palavras, a curiosidade não acontece simplesmente vinda do nada, mas é gerada dialogicamente por um convite de uma personagem a outra, e logo é reforçada pela segunda em benefício da primeira. Proposto em primeira instância por uma personagem pintada que olha o observador diretamente nos olhos, o desejo curioso do bisbilhoteiro de ver algo mais consiste em fazer um pedido implícito usando vários recursos semióticos. O pedido é acompanhado por várias outras pistas verbais sobre "olhar" que vêm de um quadro quase invisível pendente na parte superior esquerda da tela e de um espelho colocado na entrada bem à nossa direita. Podemos parafrasear mais ou menos isso como um pedido ao observador para que observe detalhadamente, de seu ponto de vista privilegiado, o que ela, a personagem pintada, não pode ver da posição em que se encontra.

Maes representa o fato de ela estar aprisionada entre dois mundos no vestíbulo de sua casa (um espaço designado no holandês do século XVII pela palavra cronotopicamente significante voorhuis)4 4 Voorhuis significa literalmente "pré-casa", o lugar da casa que "não é bem" a casa propriamente dita, porque seu objetivo é oferecer uma área de entrada a partir da qual seja possível ir a todas as outras áreas da casa. Cf. Franits (2004, p.156). , ao colocá-la entre duas cenas bem distintas, uma que se desenvolve em segundo plano, acima, mostrando o que poderia ser um grupo bastante enfadonho de visitantes5 5 Para a questão do enfadonho, ver Gardiner (2000). , e outra visível, abaixo, no celeiro, que mostra um episódio de flerte entre, presumivelmente, dois dos empregados da família.

O encontro entre a personagem pintada, situada mais ou menos no centro da tela, e o observador invisível, mas ativo (presumivelmente colocado no limiar da tela), produz uma troca linguística quase irreprimível, que é não só imaginável como, o que é mais importante, estimulado (senão exigido) pela bisbilhoteira pintada. Pode-se sugerir que, sem uma espécie de troca verbal-gestual, a pintura de Maes sequer pode funcionar esteticamente. Essa troca se desenrola de modo que tanto a cena explicitamente pintada, exposta diante de nossos olhos, como o mundo exterior6 6 O espelho pendente da parede conota duplamente a ausência no espaço do observador. Enquanto o espelho no famoso Retrato Arnolfi de Jan van Eyck (1434) dá ao pintor uma desculpa técnica para pintar duas figuras humanas no espaço normalmente ocupado pelo observador - no caso de Van Eyck são sem dúvida convidados de um casamento que entram no quarto ocupado pelo jovem casal -, o espelho no quadro de Maes só mostra o que parece ser um espaço aberto, no máximo uma porta aberta. Não se vê nenhuma silhueta humana. Podemos assim vislumbrar o espaço que ocupamos, mas não podemos nos ver nesse espaço. Se se puder por um momento unir o observador ao pintor - os dois se acham fora da moldura -, faria sentido pensar, com Bakhtin, que não pode haver no trabalho criado imagem do observador como criador: "Podemos criar a imagem de qualquer falante, perceber objetivamente qualquer palavra, qualquer discurso, mas essa imagem objetiva não entra na intenção e na tarefa do próprio falante nem é criada por ele como autor do enunciado" (BAKHTIN, 2003, p.314). A referência da obra é: BAKHTIN, M. O problema do texto na linguística, na filosofia e em outras ciências humanas. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. , logicamente presente (mas invisível) se tornem parte daquilo que podemos chamar razoavelmente de uma série de réplicas linguísticas que remetem ao material visual que a pintura apresenta. O quadro de Maes não se satisfaz em ser somente um "quadro silencioso". Ele multiplica referências a outros quadros de bisbilhoteiros (mediante a cor vermelha, uma cadeira à direita da entrada, um mapa na parede, uma espada que substitui a vassoura); ele manipula vários espaços enfileirados um após o outro, um artifício visual que muitos outros pintores holandeses de sua época adoravam7 7 Especialistas em arte holandesa muitas vezes usam os termos holandeses doorzien (entrever) e inzien (ver dentro) para descrever como esses espaços consecutivamente representados permitem aos observadores ver boa parte do interior de uma casa ou pátio e observar coisas simbolicamente significantes acontecendo nesses segundos ou terceiros espaços. Eles comumente consideram Samuel van Hoogstraten o mestre desses espaços geometricamente alinhados. O objetivo do livro de Wolfgang Kemp (Die Rãume der Maler) é estudar como esses corredores e os cômodos dos fundos podem tornar-se um meio eficiente para criar quadros de narratividade, na medida em que deixam implícita a passagem do tempo de um cômodo ao seguinte. Os pintores estavam acostumados a estimular o olho do observador a mover-se de um cômodo ao outro, mostrando por meio disso vários episódios de uma só história organizada de modo mais ou menos cronológico. . Ele multiplica espaços habitados tanto no fundo como no primeiro plano da composição.

Para apreciar as obras de Nicolaes Maes que retratam bisbilhoteiros, o observador precisa não só olhar como, especialmente, escutar. O quadro da Wallace Collection torna a pintura audível de um modo muito peculiar, literalmente sugerindo, se nos for permitido brincar com Problemas da Poética de Dostoievsky, que não basta ver a bisbilhoteira pintada; também temos de ouvi-la (BAKHTIN, 2002, p.53)8 8 "A personagem dostoievskiana não é uma imagem objetiva mas um discurso pleno, uma voz pura..'" (BAKHTIN, 2002, p.53). N. do T. A referência da obra é: BAKHTIN M. Problemas da poética de Dostoiévski. 3.ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2002. . Temos de escutar os seus gritos de ajuda usando as pistas visuais que o quadro fornece. Esse ato do pintor de tornar a obra visual audível ocorre de várias maneiras que nos propomos a explorar. Ele é teoricamente compatível com a crença de Bakhtin de que relações dialógicas são de fato possíveis "entre imagens de outras artes" (BAKHTIN, 2002, p.184)9 09 Para referência, ver nota de rodapé 8. .

Essa exploração parece inteiramente fiel ao espírito do trabalho de Bakhtin em arte e literatura na medida em que, para ele, mesmo no interior do domínio do discurso verbal, temos de aprender a descobrir a presença oculta de palavras aparentemente ausentes que estão ativas no corpo linguístico de palavras presentes. Nos trabalhos de Maes, a pintura explora sua relação com o discurso verbal de várias maneiras originais. É digno de nota que elas realizam esse trabalho não mediante uma descrição direta de palavras pintadas na tela ou painel de madeira (ALPERS, 1983ALPERS, S. Looking at Words: The Representation of Texts in Dutch Art. In: The Art of Describing: Dutch Art in the Seventeenth Century. Chicago: University of Chicago Press, 1983, pp.169-221.)10 10 Svetlana Alpers explora vários modos clássicos de tornar palavras visíveis na arte holandesa do século XVII, discutindo dispositivos como (1) expor uma pessoa que lê um livro e pintar as páginas que estão sendo lidas; (2) pintar uma placa ornamental nas paredes de um edifício ou fazer inscrições em um pilar ou chão de uma igreja; (3) expor um quadro-negro cheio de coisas escritas perto de uma mesa; (4) pintar mensagens ao lado da assinatura do artista; (5) adicionar legendas ou pergaminhos no pé da página; ou (6) escrever de modo transparente as palavras que alguém diz, etc. Essa fascinante discussão está em Alpers,1983, p.169-221. , mas, em vez de tornar o discurso verbal explicitamente ausente da descrição icônica, apenas mostra seus efeitos indiretos nas pessoas que vemos. Antes de tudo, os seis bisbilhoteiros pintados por Nicolaes Maes relacionam-se tanto comunicativa como artisticamente a muitas outras personagens da pintura holandesa que às vezes seguram uma das orelhas com a mão em forma de xícara, indicando assim, com as mãos ou dedos, de onde se originam as vozes de certas outras pessoas indeterminadas, e, outras vezes, aparecem precipitando-se por uma porta, conversam através de uma janela aberta, inclinando-se para fora a fim de bisbilhotar ou conseguir uma posição melhor para ver ou ouvir o que está acontecendo embaixo. Outras personagens espreitam em uma casa por uma janela aberta, escutam em uma porta fechada ou se escondem atrás de uma cortina. David Teniers (o jovem), contemporâneo de Maes, também desenvolve o tópico pictórico dos bisbilhoteiros, mas (Ilustração 2) o faz de modos que, além de "periféricos" com relação ao material visual principal explorado, remetem parodicamente a certos tipos de iconologia religiosa, como as das Anunciações italianas, por exemplo, e, mais especificamente, a um trabalho originalmente pintado por Giotto (Anunciação a Santa Ana, 1303-1305).

Ilustração 2
David Teniers, Alquimista, Meados Século XVII. Óleo em painel de madeira. Brunswick: Ulrich-museu de Herzog Anton. 50.7 x 71.2 cm.

Outra tela de Maes, uma Adoração dos pastores, recorre diretamente à composição de Giotto, inclusive suas paredes; também retrata justamente essa personagem escutadeira que rompe a fronteira entre interior e exterior (Ilustração 3). Aqui, ele captura a partir da direita as palavras trocadas na casa à esquerda. Contudo, para nossos objetivos de estudar os bisbilhoteiros de Maes, a tela pendente do Museu Getty foi pintada entre três e cinco anos depois de concluída a série de bisbilhoteiros.

Ilustração 3
Nicolaes Maes, Adoração dos pastores, aproximadamente 1658-1660. Pintura a óleo. Los Angeles: Museu J. Paul Getty. 119.2 x 94.8 cm.

De modo geral, o pensamento icônico desenvolvido por Nicolaes Maes em meados dos anos 1650 para abordar a bisbilhotice permanece basicamente de natureza não-religiosa, embora se possa sustentar que sua série estuda um pecado social peculiar. Mais importante para as nossas necessidades, seus bisbilhoteiros têm uma dimensão dialógica específica que está basicamente ausente dos trabalhos de Teniers. Os bisbilhoteiros de Maes apelam explicitamente para o lugar e os poderes semióticos do observador; eles o colocam no lugar pouco confortável de um voyeur linguisticamente dotado (cf. SLUIJTER, 2000SLUIJTER, E. Seductress of Sight: Studies in Dutch Art of the Golden Age. Zwolle (Netherlands): Waanders Publishers, 2000.). Os múltiplos gestos, movimentos oculares, contorções do corpo e expressões faciais do bisbilhoteiro incitam o observador a verbalizar aquilo que se esconde das vistas da personagem pintada, coisas que podem até estar demasiado distantes dos ouvidos do bisbilhoteiro para que este as apreenda intactas. Podemos imaginar imediatamente a necessidade, da parte do bisbilhoteiro, ou do observador, de pedir que o outro repita o que acabou de dizer, dizê-lo mais claramente ou talvez até fornecer alguns detalhes mais explícitos. São invocadas muitas palavras para preencher algumas lacunas deixadas pelo material visual incompleto ou para compensar gestos físicos demasiado ambíguos.

2 “Vazios” discursivos

Até certo ponto, os apelos visuais por palavras lançados por esses bisbilhoteiros na direção do observador funcionam como os "vazios" discursivos teorizados por Wolfgang Iser e seus colegas da Escola de Constança. Em primeiro lugar, esses apelos acentuam a existência de um espaço semântico incompleto, aquele que o observador deve então preencher, segundo os tipos de fendas indicados pela figura que espreita11 11 O papel dos vazios semânticos é central para a abordagem hermenêutica desenvolvida por Wolfgang Iser a fim de entender o processo de leitura. Em The Implied Reader [O leitor implícito], 1978, ele afirma: "O leitor é incitado a preencher os 'espaços vazios' entre os capítulos para organizá-los num todo coerente" (p.226) ["The reader is stimulated into filling the 'empty spaces' between the chapters in order to group them into a coherent whole"]; "Com efeito, é somente mediante omissões inevitáveis que uma história ganha seu dinamismo. Assim, sempre que o fluxo se interrompe e somos impelidos para direções inesperadas, temos a oportunidade de ativar nossa própria faculdade de estabelecer conexões - de preencher as lacunas deixadas pelo próprio texto" ["Indeed, it is only through inevitable omissions that a story gains its dynamism. Thus whenever the flow is interrupted and we are led off in unexpected directions, the opportunity is given to us to bring into play our own faculty for establishing connections - for filling in the gaps left by the text itself"] (p.280). É bem possível que, mediante essa conexão entre texto e leitor, ou mais precisamente entre uma personagem representada e o leitor/observador, seja possível estabelecer uma sólida conexão teórica entre a teoria visual em geral e o dialogismo de Bakhtin em especial. Significativamente, essa conexão já está estabelecida em um dos primeiros textos de Bakhtin, O autor e o herói na atividade estética (2003), presumivelmente escrito em 1929-30, em passagens em que ele discute processos de empatia em ação no autorretrato. Acerca da tendência que têm os autorretratos de criar uma sensação de empatia, Bakhtin escreve: "Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele" (BAKHTIN, 2003, p.23). E prossegue, mencionando autorretratos pintados por Rembrandt e Mikhail Vrubel. Meu agradecimento aos alunos e colegas de Beth Brait (PUC-SP/USP/, Brasil) por terem insistido, durante um estimulante curso (Presença e sentidos da citação em linguagens/discursos: verbal, visual e verbo-visual), ministrado por mim em abril de 2009, sobre a relevância teórica dessas passagens. . Em certos aspectos, podemos até imaginar a personagem pintada preenchendo os vazios daquilo que o observador diz ou pensa. Mas os gestos semióticos do bisbilhoteiro também são muito mais complexos do que acabamos de indicar, na medida em que devem ser entendidos especialmente em termos dialógicos.

Todos os bisbilhoteiros de Nicolaes Maes enfrentam uma barreira física de algum tipo colocada entre eles e o objeto do seu desejo. De fato, é essa barreira que transforma, para o bisbilhoteiro pintado, aquilo que é (para nós) de natureza visível em algo que é primariamente audível. Além disso, essas barreiras possuem a natureza cronotópica de um limiar. Em geral vemos uma entrada e às vezes um corredor inteiro; em duas ocasiões esses corredores indicam uma segunda escadaria que conduz para cima ou para baixo; também podem mostrar uma porta entreaberta. Em outra cena de bisbilhoteiro pintada em 1655, e agora parte da Guildhall Art Gallery, na Mansion House, em Londres (Ilustração 4), há uma barreira adicional que Maes decidiu incluir em sua composição.

Ilustração 4
Nicolaes Maes, A bisbilhoteira escutando sua criada repreender, 1655. Óleo sobre painel de madeira. Londres: Mansion House (Guildhall Art Gallery). Coleção Harold Samuel. 46.7 x 72.1 cm.

Aqui, vemos uma cortina móvel pintada no primeiro plano, um dispositivo que pode cortar potencialmente a visão do observador com relação à cena que se abre em segundo plano. Esta última é a cena que interessa à nossa bisbilhoteira, que se esconde no fundo de uma primeira escadaria, uma cena que ela não pode ver se desenvolvendo no cômodo no final de uma segunda escadaria12 12 Vários historiadores da arte sugeriram que a cortina serve para tirar de nossa visão a pessoa que está sendo repreendida (bem possivelmente o marido da mulher mais velha ou somente uma pessoa não muito apreciada pela doméstica que escuta). Seja qual for a verdade dessas especulações, a cortina é um dispositivo trompe-l'oeil cujo objetivo estético pode muito bem ser indicar que o melhor lugar para o observador se colocar, para melhor apreciar a composição, é precisamente a esquerda do painel de madeira, não, coincidentemente, na mesma área geral em direção à qual os olhos da donzela estão voltados. A menos que vá para esse lugar, o observador ficará tão cego quanto a própria heroína pintada e por isso será incapaz de servir de testemunha ocular para essa heroína que só tem seus ouvidos para ajudá-la. O observador deve mover-se primeiro para a esquerda, emprestar seus olhos à donzela que espreita (que assim pode se aproveitar da invisibilidade do observador) e então estar preparado para informar à heroína o que se consegue ver. . Em outras palavras, a pintura da Mansion House realça a possibilidade (e até a realidade) do bloqueio da visão dos observadores desse quadro em especial, e talvez também da realidade da arte em geral. Baseando seus comentários no estudo de uma tela de Rembrandt publicada por Wolfgang Kemp (1999)_______. Rembrandt: Die Heilige Familie oder die Kunst, einen Vorhang zu lüften. Frankfurt: Fischer Verlag, 1999., Vitor Stoichita (1999, p.98-99)STOICHITA, V. L'Instauration du tableau. Geneva: Droz, 1999. alega que esse dispositivo tem o poder de expor ao observador a impossibilidade de entrar na cena representada, do mesmo modo como a mulher que espreita não pode entrar no espaço da cena que quer entreouvir. Ele serve para acentuar a posição de abandono de alguém que não pode fazer mais do que observar passivamente. A criada que atrai a atenção do observador e a cortina que esconde uma parte significativa da cena desejada constitui um par de figuras que, para Stoichita, repetem a estrutura da obra como um todo. "Esta estrutura é até mais óbvia para nós", escreve, "na medida em que não só põe a representação em jogo, mas também joga com a consciência da representação" (STOICHITA, 1999STOICHITA, V. L'Instauration du tableau. Geneva: Droz, 1999., p.99)13 13 No original: "This structure is even more obvious for us to see [...] to the extent that it not only puts representation into play but it also plays with consciousness of representation". . Com seu sorriso e seu dedo, a empregada se torna o "foco dos eventos", como Kemp escreve, estimulando-nos a comportarmo-nos como ela (KEMP, 1998, p.189_______. The Work of Art and Its Beholder: The Methodology of the Aesthetic of Reception. In: CHEETHAM, M.; HOLLY, M.; MOXEY, K. (Eds.). The Subjects of Art History. Translated by Astrid Heyer and Michael Ann Holly. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1998.)14 14 O artigo contém uma seção intitulada An Analysis: Nicolaes Maes's The Eavesdropper (p.189-194). .

Nessa (discutivelmente) primeira tela da série dos bisbilhoteiros de Maes15 15 Krempel alega que a Bisbilhoteira de Boston é a primeira da série (KREMPEL, 2000, p.49), enquanto Hollander alega que esse lugar é ocupado por The Listening Housewife [A dona-de- casa escutadeira], que está no Palácio de Buckingham (HOLLANDER, 2002, p.104). Como Maes pintou ao menos três bisbilhoteiros no ano de 1155, talvez seja impossível saber qual ele pintou primeiro. , vemos que o jovem pintor holandês ainda está muito fascinado por um dispositivo icônico usado várias vezes por seu mestre, Rembrandt16 16 Krempel dá o exemplo de Sagrada Família com cortina, de Rembrandt, como um trabalho do mestre que se apoia fortemente no trabalho inicial do aluno. Martha Hollander (2002, p.106-1) também chama atenção para essa conexão, tal como o faz Kemp. Embora não possa haver dúvida de que Maes toma de empréstimo a cortina de seu mestre Rembrandt, também é claro que a usa de modos inteiramente originais. Atrás da cortina pode-se ver uma cadeira, presumivelmente um aceno de cabeça na direção de outras duas pinturas de 1155, que Maes já tinha concluído ou ainda estava trabalhando. Além disso, a cadeira está vazia, possivelmente um comentário sobre o espaço invisível que o observador real ocupa em relação à pintura. À esquerda do painel (a direção para a qual o observador é incitado a mover-se) pode-se ver uma cena de natureza morta, insinuando mais uma vez a "futilidade" da existência do espectador na "vida real". E essa cena inclui, entre outras coisas, o mesmo jarro que vai aparecer na mão esquerda do bisbilhoteiro de Wallace, um ano depois. . Além disso, há vários desenhos esboçados pela mão de Maes que documentam amplamente essa fascinação. Dois deles merecem menção especial: um, catalogado no trabalho de Werner Sumowski sobre a Escola de Rembrandt, traz uma versão completa da Sagrada Família com cortina17 17 A Sagrada Família [desenhada a partir de Rembrandt] (MAES, ca. 1148-1150); cf. Penny (1987, p.57, fig. 59) e Sumowski (1979, no. 1790x). Kemp indica que Maes copiou a pintura não uma, mas muitas vezes (1998, p.192). Como se sabe, o artefato da cortina foi praticado por muitos pintores holandeses, entre os quais Gerrit Dou, Jan Steen, and Johannes Vermeer. Ver, sobre essa questão, Bailey, 2002, p.87. , de Rembrandt; o outro, parte da magnífica coleção de desenhos abrigados no Museu de Arte Fogg da Universidade Harvard (sem dúvida um estudo que leva à tela da Mansion House), delineia claramente o dispositivo da cortina (que acentua ainda mais o ponto de vista do observador) e a postura física necessária à ação do bisbilhoteiro. Ao mesmo tempo, contudo, ele omite inteiramente o que o bisbilhoteiro tenta ouvir18 18 A bisbilhoteira (MAES, ca. 1669-1655); essa colocação "daquilo que é visto" em posição secundária diante do "aparato de ver" pode ser documentada em outros desenhos ou quadros de Maes. William Robinson destaca em particular o esboço que ele denomina Homem descendo a escada (ca. 1655), em que o espaço físico do ato de espionar está claramente delineado em contraste com a cena no pé da escada, que permanece apenas esboçada. Há nessa obra outro elemento relevante: ela contém outro homem bisbilhoteiro. Para uma ilustração, cf. Robinson (1989, p. 149, fig. 7). . Essa visão tão "pragmática" da bisbilhotice que se pode atribuir ao pintor Maes é totalmente compatível com a ênfase de Bakhtin no ato (comunicativo):

"A ênfase de Bakhtin está no ato, no feito determinado de uma determinada pessoa, o artista ou criador na grande temporalidade, que inclui uma relação especial com o futuro" (HAYNES, 1995HAYNES, D. J. Bakhtin and the Visual Arts. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995., p.166)19 19 No original: "Bakhtin's emphasis is on the act, the determinate deed of a particular person, the artist or creator in great time, which includes a special relationship to the future". . Além disso, essa omissão consciente do objeto de visão tem muito que ver com aquilo que Kemp competentemente aponta sobre esses sujeitos pintados: eles se chamam quadros "de bisbilhoteiros" e não algo como "O casal espionado" (KEMP, 1998_______. The Work of Art and Its Beholder: The Methodology of the Aesthetic of Reception. In: CHEETHAM, M.; HOLLY, M.; MOXEY, K. (Eds.). The Subjects of Art History. Translated by Astrid Heyer and Michael Ann Holly. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1998., p.190)20 20 É curioso que Christopher Lloyd (2004, p.92), em comentários reproduzidos no site oficial da Royal Collection, se refira a um dos quadros de bisbilhoteiros (que está na Apsley House, em Londres) como Amantes com uma mulher escutando. . Em outros dois bisbilhoteiros de 1755, a cortina desaparece e nossa atenção, por isso, é monopolizada por outra variante do cronotopo do limiar bakhtiniano (já duplamente presente na obra da Mansion House), a saber, a escadaria. No painel de Boston (Ilustração 5), não há portas fechadas, mas uma barreira espacial cuidadosamente trabalhada separa o bisbilhoteiro, dessa vez um homem, daquilo que quer ouvir e ver.

Ilustração 5
Nicolaes Maes, Bisbilhoteiro, ca. 1655-56. Óleo em painel de madeira. Boston: Museum of Fine Arts. 72.4 x 52.1 cm.

O bisbilhoteiro está descendo uma escadaria sinuosa, feita ostensivamente de madeira, e por isso experimentando grande dificuldade para não fazer demasiado barulho. Deve-se considerar, naturalmente, que pode estar usando sapatos domésticos de sola de madeira e, mesmo que esteja usando chinelos de linho, os degraus de madeira sem dúvida vão ranger. Barulho demais assustaria naturalmente o homem e a mulher visíveis no pequeno quarto à nossa direita. Para o quadro do bisbilhoteiro funcionar, o casal espionado não deve saber que está sendo observado21 21 Denis Diderot (1995, p.43) refere- se, em Salão de 1765, a algumas cenas genéricas que fazem a exigência estética de que as pessoas contempladas não saibam que estão sendo observadas. Em seus comentários, ele objeta nesse sentido à Caridade romana apresentada naquele ano por Louis-Jean-François Lagrenée (esse gênero em geral mostra uma mulher muito bem-dotada alimentando um prisioneiro com seus seios fartos - para alguns autores, seu pai - a fim de evitar que morra de fome). Diderot escreve: "Rejeito categoricamente a ideia de esse homem desafortunado e essa mulher benevolente estarem sendo suspeitosamente observados; essa suspeita impede a ação e destrói o tema". No original: "I absolutely reject the notion of having this unfortunate old man and this benevolent woman suspicious of being observed; this suspicion impedes the action and destroys the subject". .

Além de o bisbilhoteiro procurar não fazer nenhum barulho, algo mais o incomoda, talvez um som, talvez uma série surpreendente de eventos vinda de sua direita, ou mesmo da esquerda, quem sabe um sinal de movimento que ele não esperava ver. Hollander trata esta pintura como O marido ciumento, insinuando por meio disso outra razão pela qual ele está curioso por saber o que acontece em sua casa. Além disso, se é um homem ciumento, ele certamente não é ciumento na solidão, afora não ser ciumento do modo esperado, porque a mulher no fundo parece ser uma empregada (não sua esposa), e ele gesticula claramente em direção a alguém à sua direita, indicando assim que quer compartilhar sua descoberta com alguém mais. Sua mão pode simplesmente estar cofiando a barba - possivelmente como um sinal de um pensamento afetado pela perplexidade ("Como vou conseguir isso sem atrair a sua atenção?") - ou então, igualmente, poderia ser o sinal para o autor de algum barulho que vem da sua direita (uma olhada cuidadosa nos olhos do bisbilhoteiro mostra que sua atenção se dirige para a esquerda de nosso ponto de observação ideal), indicando que os dois deles estão nisso juntos - "Por favor! Devemos ter cuidado! ".

Essa série de barreiras físicas e espaciais - Maes destramente explora o pilar da escada - indica que nosso bisbilhoteiro provavelmente ainda não viu ou ouviu tudo o que gostaria de compreender. Esse espaço-barreira é adornado por uma lâmpada intricada, como se para destacar sua importância. Nós, observadores, situamo-nos em um espaço que o bisbilhoteiro gostaria de ser capaz de ocupar - um corredor potencial ou um futuro próximo para ele - o lugar em que sua trajetória o conduziria, se ele ao menos pudesse conceber um modo de chegar lá sem ser notado pelo casal que flerta no quarto dos fundos; isto é, ele percebe de repente que deve evitar pisar no tapete de palha ao pé da escada, pois é bem provável que esteja no campo de visão do casal. Percebe-se o pé direito do bisbilhoteiro pendendo acima da borda do último degrau, um gesto físico que (como indicaram inventivamente Wayne Franits e Martha Hollander) dá forma visual a um importante momento de hesitação (HOLLANDER, 1994HOLLANDER, M. The Divided Household of Nicolaes Maes. Word and Image, n.10, pp.138-55, 1994., p.156)22 22 Devemos assinalar ainda que o pé hesitante do bisbilhoteiro de Boston é visto de perfil, ao passo que os pés dos bisbilhoteiros do Palácio de Buckingham (Coleção Wallace, Dordrecht e Apsley House) se inclinam em nossa direção, uma pose tecnicamente bem mais difícil de pintar da parte de Maes. Só a bisbilhoteira da Mansion House está totalmente abaixo (ou acima) da escada, parecendo ter tirado os chinelos para garantir que seus pés não façam ruído. . Porque um momento especial do bisbilhoteiro de Boston está, por assim dizer, fora do tempo, pois interrompe a passagem do tempo normal, ou ao menos o movimento normal de alguém em uma escadaria que vai do topo para o pé. O bisbilhoteiro aspira por um modo de reduzir o número de direções normalmente disponível para o sentido de audição, chegando ao ponto de esperar que a audição passe a funcionar em uma só direção: "Podemos ouvi-los, mas não vamos deixar que nos ouçam". Deseja uma direção unilateral semelhante para a visão, perfeitamente preparado, como o bisbilhoteiro do painel da Mansion House, para tirar proveito do fato de o observador real ser invisível. Como em todos os outros quadros de bisbilhoteiro, o herói escutadeiro deseja atrair a atenção do observador para lhe mostrar um detalhe importante oculto no canto da composição. "Agindo como nosso embaixador pictórico no interior da obra, [o bisbilhoteiro] entra numa provocativa e ilusória intimidade conosco, mediando a nossa percepção da pintura" (COLE, 2006COLE, G. 'Wavering Between Two Worlds': The Doorway in Seventeenth-Century Dutch Genre Painting. Philament (Online Journal of Art and Culture), n. 9, pp.18-37, Dec., 2006., p.31)23 23 No original: "Acting as our pictorial ambassador within the work, [the eavesdropper] enters into a teasing and illusory intimacy with us, mediating our perception of the painting". .

É por isso que ele não ousa avançar mais, que parou ostensivamente de andar. Não há dúvida de que deseja permanecer invisível como o observador do lado de fora da moldura, observador cuja cumplicidade agora deseja conseguir. "Encarrego-me da escuta se puderes te encarregar do olhar. E depois podemos comparar nossas observações". O que está em questão aqui é a capacidade tanto de palavras como de imagens de fazer comentários metalinguísticos umas sobre as outras - e umas com as outras. Se, por exemplo, se pode dizer que a dona-de-casa bisbilhoteira da Coleção Wallace encarna uma figura pictórica da imperfeição visual - ela está privada da capacidade de ver a cena detalhadamente e só a pode montá-la a partir dos fragmentos que ouve -, também ela é uma personagem que quer se voltar para a linguagem verbal a fim de formar um quadro mais completo do mundo em que vive. Desse modo, pode-se dizer que nós os observadores somos personagens em seu mundo, figuras que traduzem nossa visão do quadro como um todo para a linguagem verbal em benefício dela.

Creio haver um coeso arcabouço bakhtiniano para explicar como os vários pontos de vista semióticos em ação nessa tela se reúnem de uma maneira mais ou menos cooperativa. Cada ponto de vista semiótico é por si incompleto e recorre a outro para adquirir uma perspectiva mais abrangente no mundo. Uma "linguagem" comenta a outra, por assim dizer, indicando seus pontos cegos e oferecendo material suplementar para a outra: mútua e reciprocamente. Com Bakhtin, devemos sustentar que todos os tipos de linguagem, para serem considerados humanos, não apenas têm de ser capazes de analisar a si mesmos, como também de comentar outros tipos da linguagem. Eles o fazem recorrendo a mecanismos como o discurso indireto, a citação, a alusão, a paráfrase e a definição de termos, fenômenos discursivos claramente relevantes para uma análise dialógica de como funciona cada uma de nossas composições de bisbilhoteiros.

Embora seja claro que a linguagem verbal pode ser usada para comentar trabalhos visuais - e isso fazemos sempre que tentamos responder ao convite do bisbilhoteiro para dizermos o que podemos ver -, Bakhtin também nos dá vários instrumentos úteis para entender como a arte visual comenta, de seu próprio ponto de vista particular, a linguagem verbal. É importante não esquecer o tremendo peso que Bakhtin atribuiu à visão como o modelo implícito de muitos cronotopos goethianos24 24 N. E.: Sobre a “estética visual de Bakhtin” com referência a Goethe, ver neste número: BUBNOVA, Tatiana. Bakhtin e Benjamin: sobre Goethe e outras questões que descobriu nos trabalhos do escritor alemão. Não é uma questão de a arte visual ter primazia sobre a linguagem verbal ou, nesse sentido, de a linguagem verbal demonstrar um poder explicativo bem maior do que a pintura. Pelo contrário, o que temos nos bisbilhoteiros de Nicolaes Maes é uma interessante experiência na arte dialógica de fazer a linguagem verbal e a expressão icônica funcionarem juntas de maneiras inventivas.

Naquela que às vezes é considerada a mais simples tela de bisbilhoteiros25 25 Hollander baseia sua afirmação sobre o quadro do Palácio de Buckingham como sendo o primeiro da série apontado para uma possível simplicidade da composição. , A dona-de-casa escutadeira da Royal Collection (Ilustração 6) exige que entendamos de um modo peculiar as palavras implicitamente trocadas entre a personagem pintada e o observador invisível.

Ilustração 6
Nicolaes Maes, A dona-de-casa escutadeira, 1655. Óleo sobre painel de madeira. Londres: Palácio de Buckingham (Royal Collection). 74.9 x 60.3 cm.

É quase como se constituíssem, para usar uma comparação bakhtiniana anacrônica, a metade de uma conversação telefônica, que podemos ouvir por acaso quando só um dos participantes fala em um espaço coberto por nossa capacidade normal de audição. Essa ideia se assemelha à de um objeto semiótico que "é aclarado por um lado e, por outro, é obscurecido pelas opiniões sociais multidiscursivas e pelo discurso de outrem dirigido sobre ele" (BAKHTIN, 2002a, p.86)26 26 BAKHTIN, M. M. O discurso no romance. In: Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. Trad. Autora Bernardini et al. 5. ed. São Paulo: Hucitec/Anablume, 2002. . É provavelmente necessário modalizar essa comparação metafórica que envolve telefones, frequentemente usados por comentadores para explicar a noção "dialogia velada". Como bem acentuou Caryl Emerson, Bakhtin era mais ou menos alérgico à tecnologia das comunicações, preferindo até evitar o telefone (EMERSON, 1994EMERSON, C. Getting Bakhtin, Right and Left. Comparative Literature, v. 46, n.3, pp.288-303, 1994., p.298; 1997_______. The First Hundred Years of Mikhail Bakhtin. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1997., p.54). Nesse sentido, a imagem de uma pessoa falando ao telefone não é exatamente Bakhtin puro, não adulterado27 27 A imagem já é citada em HOLQUIST e CLARK, 1984, p.207, como “ilustração comum”. . A dialogia velada é desenvolvida no último capítulo do livro sobre Dostoievsky como estando vinculada à "polêmica velada" (ainda que significativamente diferente dela). Nosso pensador russo nos pede que imaginemos "um diálogo entre duas pessoas no qual foram suprimidas as réplicas do segundo interlocutor, mas de tal forma que o sentido geral não tenha sofrido qualquer perturbação" (BAKHTIN, 2002b, p.191)28 28 Para referência, ver nota de rodapé 8. . Bakhtin continua seu exemplo imaginário de uma maneira que sugere firmemente a possibilidade de sua adaptação para usar em nosso estudo do bisbilhoteiro de Maes. Ele escreve ainda que "O segundo interlocutor é invisível, suas palavras estão ausentes, mas deixam profundos vestígios que determinam todas as palavras presentes do primeiro interlocutor" (BAKHTIN, 2002b, p.191-8)29 29 Para referência, ver nota de rodapé 8. .

Talvez sejam cabíveis nesse ponto quatro comentários: em primeiro lugar, não creio que alteremos o pensamento de Bakhtin se sugerirmos que os "profundos vestígios" dos quais fala, com referência ao primeiro falante, podem de fato receber uma forma significativa por meios icônicos. Para nosso pintor holandês, correspondem aos olhares simultânea (e ambiguamente) confundidos, perplexos, convidativos e desconcertados que vemos no rosto de nosso bisbilhoteiro. Lembramos também que esses dois olhares se vinculam com olhos inquisitivos e um gesto altamente significativo do dedo indicador.

Em segundo, Bakhtin fala de um primeiro falante que é visível (em nosso caso a figura bisbilhoteira), e de um segundo falante cujas palavras e corpo estão ausentes a não ser pelos efeitos que exercem nos meios expressivos do primeiro falante, aquele que podemos ouvir (ou, no caso de Maes, aquele que podemos ver). Mais uma vez, essas descrições correspondem impressionantemente bem ao observador (ou observadores) invisível mas implicitamente ativo a quem há constantes endereçamentos, de vária natureza, mediante os movimentos, gestos, olhos e postura corporal do bisbilhoteiro.

Em terceiro lugar, esse uso da "dialogia oculta" - e nossa adaptação de palavras "com um olhar de soslaio" e "com uma dupla direção" - demonstram amplamente não ser preciso, ao ler Bakhtin, partilhar concepções sobre o que tem sido descrito como desconfiança de sua parte para com "o impacto imediato e não negociável das imagens" (EMERSON, 1994EMERSON, C. Getting Bakhtin, Right and Left. Comparative Literature, v. 46, n.3, pp.288-303, 1994., p.298)30 30 No original: "immediate and non-negotiable impact of images". .

Em quarto, não é por certo coincidência que a passagem de Bakhtin recém citada sobre o diálogo que está apenas semipresente ocorra no contexto em que ele acabara de mencionar os gêneros literários autobiográficos. É relevante para nós que a autobiografia e o autorretrato estejam obviamente vinculados de relevantes maneiras. Em O autor e o herói, por exemplo, a autobiografia constitui uma das considerações importantes nas quais há referências explícitas à pintura.

Se exigem que sejamos criativos naquilo que, na qualidade de observadores, podemos ver, os bisbilhoteiros de Maes o fazem porque também exigem que transmutemos o que pode ser visto em algo que possa ser ouvido. Além disso, quando contemplamos essa série de obras, o que "ouvimos" não é na realidade nada mais, e nada menos, do que vemos. A partir daquilo que, na qualidade de outros ausentes e invisíveis, ouvimos criativamente de uma pessoa visível, bem próxima de nós, sentimos a necessidade de preencher o restante inaudível. Em outras palavras, a partir daquilo que a pintura mostra com os seus detalhes, surge em nós o desejo de ver mais.

Por todas estas razões, acho difícil aceitar a alegação de que o quadro do bisbilhoteiro de Buckingham (Ilustração 6) é bem simples. O olhar no rosto da dona-de-casa escutadeira é qualquer coisa menos simples ou transparente. Tal como o escutador no quadro de Boston (Ilustração 5), essa bisbilhoteira também leva o dedo indicador à boca. Esse gesto de boca e dedo pode assumir vários sentidos inteiramente diferentes, oscilando entre um pedido para não fazer nenhum barulho, um convite a participar da diversão e, muito mais claramente do que no quadro de Boston, uma indicação de curiosidade danosa ou mesmo de completa tentação. Diferente também do gesto do dedo nos lábios no queixo do bisbilhoteiro da Coleção Wallace (Ilustração 1) - que tem um conjunto admitidamente mais completo de "outros" objetos no espaço intermediário entre a cozinha e o porão do que a peça de Buckingham -, a expressão facial, combinada com um dedo ambíguo no painel de madeira da Rainha, admite um conjunto complexo de interpretações possíveis31 31 Hollander acrescenta novos sentidos possíveis a esse gesto completamente "ambíguo": suas alusões intertextuais implícitas a pinturas famosas do passado. Adicionemos ao que ela diz que é desejável remontar a pinturas anteriores ao início do século XVII holandês. É instrutivo lembrar o famoso afresco de Fra Angelico do século XV, que representa São Pedro, o mártir ca. 1440-43), com o dedo proeminentemente representado tocando os lábios, ele mesmo pintado com base no de Giotto (1325), um afresco que representa uma alegoria da obediência. Este, por sua vez, é uma nova versão cristã de estátuas antigas de Harpócrates, o deus grego do silêncio. A ambiguidade do dedo colocado nos lábios vem do fato de que o dedo indicador não só pode indicar uma ordem como também pode realizar as funções de convidar, escolher e especialmente mostrar. Essas questões são objeto de uma leitura fascinante no trabalho de André Chastel (1986 e 2001). . Além disso, esse painel de madeira contém um elemento que serve para destacar o ato de olhar de maneiras que a outra personagem "escutadeira" nunca o poderia: aqui há uma personagem acrescentada no espaço desejado, possivelmente o marido da dona-de-casa, que segura uma lâmpada na tentativa de lançar luz sobre o incidente embaixo. Essa terceira pessoa que agora vê obviamente foi muito mais bem-sucedida do que a dona-de-casa escutadeira, situação que faz dela um candidato adicional para uma possível interrogação verbal. Tudo isso explica a rosto complexo da dona-de-casa, que também pode ser interpretado como de total descrença ou completo assombro. Da perspectiva da dona-de-casa, há agora pelo menos quatro pessoas que terão agora muito a explicar sobre todo esse episódio.

3 “Escutar” cuidadosamente a pintura

Um estudo bakhtiniano voltado para a pragmática da imagem requer um estudo minucioso de todos os componentes do "enunciado" e de seu contexto. Temos de dar especial relevância aos agentes de escuta, observação e leitura como três partes componentes do ato comunicativo. Temos também de considerar elementos de tempo e cronologia. Certas imagens nos lançam apelos, pedem-nos implicitamente que executemos esse e aquele ato, exigem que "escutemos" muito cuidadosamente algumas complicadas instruções. A escuta se incorpora à estrutura composicional geral desses quadros e são engendradas palavras para os ouvidos de nossa mente mediante os sinais icônicos que incluem. Uma tentativa de descrever, em termos bakhtinianos, o que significa escutar a pintura deve possivelmente começar com imagens que parecem nos lançar apelos. Enquanto a boa conversação pressupõe a arte da escuta, a boa apreciação do tipo explorado por Maes também requer técnicas aperfeiçoadas de escuta.

Para esta pesquisa, é importante explorar a escuta não das maneiras que o trabalho mais recente de Peter Szendy nos estimula a fazer, isto é, algo baseado num medo quase paranoico do exterior, mas antes como um componente essencial de um exercício geralmente mais feliz e produtivo da compreensão ativa32 32 Enquanto uma concepção paranoica da escuta esteja bastante presente em Sur écoute. Esthétique de l'espionnage (2001), de Peter Szendy, uma concepção bem menos cínica da escuta é desenvolvida em seu livro anterior, Écoute. Une histoire de nos oreilles (2001). A expressão "compreensão ativa" vem, é claro, de Marxismo e filosofia da linguagem: "A palavra vai à palavra. É no quadro do discurso interior que se efetua a apreensão da enunciação de outrem, sua compreensão e sua apreciação, isto é, a orientação ativa do falante" (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2006, p.150). A referência da obra é: BAKHTIN, M./VOLOSHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. . Aqui, a escuta se torna não só um desiderato ético, mas também uma necessidade semiótica, possuindo conexões definidas com o que designei acima "curiosidade dialógica". Podemos ser um ouvinte ativo na pessoa de John Oswald, por exemplo, "músico" canadense quase contemporâneo que produziu um álbum único, chamado Plunderplonics (desde então excluído de distribuição pública), contendo todos os seus modos eletronicamente avançados de escutar a música de outros músicos. Szendy descreve a sobrecapa do álbum de 1989, inclusive a foto falsa da cabeça de Michael Jackson colada sobre o corpo de uma mulher nua (SZENDY, 200SZENDY, P. Écoute: Une histoire de nos oreilles. Paris: Éditions de Minuit, 2001.1, p.118-19). A fotomontagem é uma imagem perfeita de como Oswald manipulou a música em seu trabalho de escuta.

De modo semelhante, um estudo visual dos bisbilhoteiros de Maes pode nos dar uma oportunidade de explorar "a compreensão ativa" tal como manifesta na materialidade da pintura. Esse estudo também oferece um modo único de explorar, em termos bakhtinianos, uma unidade surpreendentemente profunda entre arte e literatura, já que se concentra em um número limitado de agentes que são cruciais para o ato comunicativo. Estes agentes dão corpo e sangue visual às variadas formas de comunicação que personificam "um olhar de soslaio". Quando examinadas como retratos de pessoas comuns vivenciando suas situações de vida diária, as personagens pintadas de Maes olham para nós diretamente nos olhos. Mas o fazem de maneira sutilmente diferente dos meios empregados pelos grandes retratistas protestantes da época de Maes, Rembrandt, Gerard Ter Borch, van Dyck, ou mesmo o Rubens católico. Os sujeitos pintados nos retratos de bisbilhoteiros de Maes - se nos for permitido nesse momento chamá-los de retratos, já que Maes se tornará de fato um retratista muito respeitável depois que conclui a sua série de bisbilhoteiros - não se contentam simplesmente em olhar o observador diretamente nos olhos; é mais importante para nós que eles insistem em fazer apelos especificamente verbais e iniciar uma sequência temporal composta por respostas e novas réplicas. Esses quadros de bisbilhoteiros indicam assim uma não autossuficiência peculiar da parte do herói ou heroína pintados. Como Voloshinov escreve em uma passagem-chave: "um 'eu' somente pode realizar-se na palavra se se apoia nos 'outros'" (VOLOCHÍNOV, 2013, p.80)33 33 VOLOCHÍNOV, V. Palavra na vida e a palavra na poesia: introdução ao problema da poética sociológica. In: A construção da enunciação e outros ensaios. Org. e trad. João Wanderley Geraldi. São Carlos, SP: Pedro & João, 2013, p.71-100. .

Parte da necessidade de complementação linguística tem que ver com o que mencionei antes como "curiosidade dialógica". Nas culturas ocidentais, a história do que hoje chamamos curiosidade é particularmente complexa, passando sinuosamente por, de um lado, uma concepção cada vez mais moralizante da curiosidade, que denegriu pessoas incapazes de "cuidar da própria vida" e, do outro, por uma antiga tradição latina, baseada na significação etimológica da palavra "curiosidade". Esta última se acha intimamente ligada a uma concepção civil da sociedade humana e envolve cura no sentido latino, isto é, cuidado do outro: cuida do bem-estar do outro, cuida dos problemas, crenças e preferências do outro. A curiosidade no sentido romano é a capacidade de levar em conta o bem-estar do outro segundo os próprios parâmetros e modos de comportamento. Mais ou menos a partir da Era do Racionalismo (século XVII), as sociedades ocidentais tendem a uma separação bastante estrita de dois tipos de curiosidade: o tipo inferior, que implica a intromissão indiscreta nos assuntos de outras pessoas, e o superior, que se resume ao desejo desinteressado de um cientista de aprender novas coisas. Observemos na Ilustração 7, por exemplo, no famoso quadro de Rembrandt, Lição de anatomia do doutor Tulp, a versão claramente científica da curiosidade pintada no rosto fascinado, se não fascinante, de um estudante.

Ilustração 7
Rembrandt, detalhe de Lição de anatomia do doutor Nicolaes Tulp, 1632. Pintura a óleo. Haia: Mauritshuis. 169.5 x 216.5

Significativamente, contudo, esses dois tipos da curiosidade deixam para trás a natureza fundamentalmente "dialógica" da antiga noção de curiosidade, baseada num cura civilizado, e bastante presente nas noções renascentistas de conversação educada. É por isso relevante entender que o terceiro tipo de curiosidade, o mais antigo, baseado no cura, ainda não tinha sido inteiramente esquecido na Europa do século XVII, apesar do caráter cada vez mais agressivo das formas moralizantes das formas científicas. Na iconologia religiosa, ela assume uma dimensão multissensorial, por exemplo, em pinturas que representam o encontro Noli Me Tangere de Cristo com Maria Madalena34 34 N. do T. Fala de Jesus a Maria pós-Ressurreição: "não me detenhas" (João, 20:17). . Os exemplos positivos da curiosidade dialógica, na arte religiosa do século XVII, estão em total contraste com suas formas negativas, de natureza tanto monológica como objetificante, que se podem ver nas numerosas telas que representam Suzana e os dois Anciãos35 35 N. do T. Episódio bíblico (Daniel, 13). . Em contraste com essas obras, as telas de bisbilhoteiros de Nicolaes Maes representam uma versão secularizada da curiosidade dialógica, com todas as suas produtivas ambiguidades em relação à sua atitude vis-à-vis a curiosidade per se, e à questão de se é melhor ser curioso sozinho ou com mais alguém. Em conjunto, as telas religiosas e seculares nos permitem ver quantos quadros do século XVII proporcionam uma descrição multissensorial da curiosidade, aquela que também pode criar uma conexão intelectual direta com antigas noções de curiosidade baseadas no cura. Sugerimos acima que os bisbilhoteiros podiam estar entediados em sua existência mundana; sugerimos agora que seu desejo de compartilhar suas aventuras divertidas com alguém mais pode ser interpretado em termos positivos.

No próprio corpo de obras de Maes podemos extrair algumas pistas significativas sobre como exatamente uma versão dessa concepção positiva da curiosidade funcionaria. Em primeiro lugar, a curiosidade dialógica requer um elemento de discurso vocativo por meio do qual uma personagem pintada faz um apelo direto à pessoa que olha o quadro "a partir de fora". A personagem interior verbaliza um apelo a esse mesmo observador invisível. A função de convocação da linguagem humana exprime-se de modos que fazem a obra de arte atribuir à forma visual uma espécie de pronome da segunda pessoa, mesmo na ausência de toda linguagem verbal per se. Esse cenário sugeriria, no mínimo, que o "caso vocativo" não é propriamente específico da linguagem verbal, uma vez que também pode se realizar pela pintura figurativa, com a sua abundância de figuras e movimentos baseados no corpo, incluindo certas representações cuidadosas do olho humano36 36 Ver sobre essas questões no meu ensaio Le vocatif des textes écrit et visuel (2003). . Num dos primeiros quadros conhecidos de Maes, pintados aproximadamente dois anos antes que começasse sua série de bisbilhoteiros, esse elemento ainda não tem lugar. Especialistas observam que em 1655, por razões não explicadas, transpira na carreira artística de Maes algo quase mágico que resultou em dois anos surpreendentemente produtivos. Em 1755, além dos três bisbilhoteiros, Maes também pinta um de seus primeiros retratos, o de uma menina jovem agachada junto a um berço onde dorme um bebê. Com olhos notavelmente detalhados, essa menina parece estar fitando um espaço vazio, não ainda os olhos do observador37 37 Menininha Balançando um Berço (MAES, ca. 1655). . Nesse mesmo ano laborioso de 1155, Maes também pinta De slapende Keukenmeid [A criada ociosa], uma obra que mostra, ao lado da mulher que dorme em meio a uma pilha bastante grande de potes e panelas sujos, uma segunda mulher de pé (presumivelmente a dona da casa), que gesticula com a mão esquerda em direção à donzela adormecida, enquanto olha os observadores diretamente nos olhos38 38 A criada ociosa [De slapende Keukenmeid] (MAES, 1655. , como se dissesse: "Estão vendo essa criada de cozinha preguiçosa?" Ou então "Sabe a última vez que os vizinhos a chamaram de mocinha dedicada?" Essas são as primeiras necessidades da curiosidade dialógica nas primeiras telas de Nicolaes Maes: tem de haver algum tipo do mecanismo pelo qual uma (ou mais) personagens pintadas faz um apelo direto a alguém situado do lado de fora da moldura.

Em segundo lugar, um elemento vital do apelo lançado por uma personagem pintada tem de incluir uma injunção de não fazer nenhum barulho. São necessárias paz e tranquilidade para permitir que nossas personagens pintadas realizem o que promete ser uma tarefa delicada. Em ainda outra das muitas telas de 1655 no repertório de Maes, essa tarefa delicada assume a forma de uma mulher que mostra ao observador que seu marido tem o hábito horrível de adormecer nos momentos mais inoportunos39 39 Homem adormecido roubado por uma mulher (MAES, ca. 1655). Para uma reprodução desse quadro, cf. Krempel (2000, p.140, fig. 16). . Sua soneca é tão profunda que é possível a qualquer pessoa, enquanto ele dorme, roubar praticamente tudo o que possui. A heroína de Maes decide então nos dar uma demonstração convincente da fraqueza de seu marido: diante de nossos olhos, põe furtivamente a mão esquerda no bolso esquerdo da calça dele e retira todo o dinheiro. E, para nossa surpresa, ele continua a roncar. Mas cabe uma palavra de prudência: para que essa demonstração funcione, o observador terá de permanecer perfeitamente imóvel para não perturbar a esposa ladra durante essa complicada operação, nem o marido adormecido junto a ela. Com a mão esquerda no bolso dele e o dedo indicador direito diante dos lábios sorridentes (esse deve ser um dos melhores sorrisos de Maes), a tarefa de roubar o dinheiro do homem adormecido é realizada com perfeição.

Em terceiro lugar, o fato de haver alguém que observa o bisbilhoteiro a partir de um espaço exterior também é necessário, ainda que, nos primeiros experimentos de Maes, a pessoa do lado de fora ainda não interaja com a pessoa pintada do lado de dentro40 40 Ver, por exemplo, A mulher virtuosa (MAES, ca. 1655). A pintura mostra o que parece ser um menininho, fora, do lado esquerdo da tela, que está olhando por uma janela na direção da mulher virtuosa, a qual, dentro da casa, se dedica a costurar (quando não se dedica à leitura). A mulher parece não ter a mínima ideia da presença do menino lá fora. . Embora a interação entre uma personagem interior e uma exterior seja essencial, nem todo tipo de interação servirá. Nas composições de bisbilhoteiros, a ambiguidade do cronotopo do limiar é explorada de maneiras específicas: todas as figuram bisbilhoteiras são representadas em uma zona de crepúsculo, algo que as primeiras pinturas do gênero não fazem. Se em A mulher virtuosa (também de 1655) essa pessoa exterior está presente, não há, contudo, nenhum contato possível entre a pessoa no exterior e a heroína dentro de casa. E embora o contato ocorra nessa pintura entre heroína e observador, sua comunicação não se refere a nenhuma terceira pessoa ou parte.

Só quando esses (e outros) elementos são colocados no lugar está Maes o pintor pronto para empreender suas obras de bisbilhoteiro em um contexto da curiosidade dialógica. Além dos elementos que acabamos de descrever, a pintura de bisbilhoteiros curiosos precisa adotar certas ambiguidades fundamentais em sua linguagem icônica (Ilustração 8).

Ilustração 8
Nicolaes Maes, A bisbilhoteira, 1657. Óleo sobre tela. Museu de Dordrechts (emprestada pela Rijksdienst Beeldende Kunst de Haia). 92.5 x 122 cm.

Temos aqui uma obra na qual a mulher que espreita desce a escadaria em nossa direção, mais ou menos como o bisbilhoteiro do Palácio de Buckingham. E, como a maioria de outros bisbilhoteiros de Maes, repentinamente ela para seu movimento acima ou abaixo a escada, imaginando se realmente tem bastante coragem para empreender o passo final. Será talvez que dará meia volta e seguirá escada acima sem ter visto o que vemos? O copo de vinho meio vazio que segura pode ser bastante para lhe dar a força de que precisa para se divertir um pouco mais. O dedo da mão direita ainda não percorreu exatamente o caminho até os lábios, o que acentua, da maneira mais clara, a ambiguidade intrínseca de um dedo indicador: é um gesto pedindo-nos que não revelemos sua chegada secreta? Ou é mais um gesto privado, de si para si, como se o próprio gesto fosse parte de seu discurso interior tornado visível, sugerindo mais ou menos a pergunta "O que devo fazer agora?" Pode ele constituir uma interrogação falsamente ingênua dirigida a ela mesma: "O que eu queria fazer aqui em baixo?" O dedo mostrado no ar poderia ser um "como és perverso" ("Achas o que está acontecendo lá embaixo aceitável?"), assim como pode significar "como sou perversa" ("Não posso acreditar que tolero esse tipo de comportamento em minha própria casa"). Essa rica ambiguidade é palpável em todo lugar no espaço ocupado pela dona-de-casa que espreita. Ela se vincula especialmente com os destinatários possíveis de seu dedo indicador. Essa mesma ambiguidade é realçada pelo belo sorriso da bisbilhoteira e por seus olhos radiantes. Não podemos deixar de observar que o dedo na verdade não está em seus lábios, mas antes apontando para cima, na direção de uma escultura que mal podemos ver, pendurada no alto da parede acima da entrada. Com um pouco de concentração, podemos decifrar quatro letras abaixo desta forma: J-U-N-O. Vai a protetora das mulheres casadas agora impedir nossa dona-de-casa embriagada de afastar-se mais, na direção do par flertando visível à direita?

Parte das complexidades que essa tela sugere, com todas as suas configurações espaciais, tem que ver com a intenção da bisbilhoteira de olhar os outros, enquanto espera não ser vista. Ver sem serem vistos, contudo, não explica porque nossos bisbilhoteiros gostam de ser vistos por nós; eles só relutam em ser vistos por aqueles a quem eles mesmos espionam. As telas de Dordrecht exibem toda uma série de figuras (tanto animal como humanas) que continuam ignorando que podemos estar olhando para elas. Quem olha para quem? Devemos ver os múltiplos gatos dessas pinturas simplesmente como ornamentos ou estarão eles nos olhando de volta secretamente?

Notamos especialmente vários espaços diferentes que se unem na complexa voorhuis do bisbilhoteiro de Dordrecht. O espaço representado na tela compõe-se de oito cômodos contíguos, alguns dos quais permitem um vislumbre do que contêm. Deve-se observar, além disso, que um interior tão complexo de nenhuma forma ou maneira corresponde a como era uma verdadeira casa holandesa na Idade de Ouro (FRANITS, 2004FRANITS, W. Dutch Seventeenth-Century Genre Painting. New Haven, CT: Yale University Press, 2004., p.155). Não buscando representar o espaço doméstico de maneira realista, mas abordando antes como o espaço organiza a visão, as pinturas de bisbilhoteiros de Maes também exploram as transgressões da visão. As telas de Dordrecht abordam como espaços menores podem combinar-se para formar uma única zona ambígua. Como escreve Georgina Cole (2006, p.28)COLE, G. 'Wavering Between Two Worlds': The Doorway in Seventeenth-Century Dutch Genre Painting. Philament (Online Journal of Art and Culture), n. 9, pp.18-37, Dec., 2006.:

O espaço deste quadro compõe-se de uma série de camadas arquitetônicas perfuradas sobrepostas entre si, e cada uma relê e fragmenta a outra até que a composição se enquadra inteiramente no arco ou retângulo de uma entrada. A entrada é o motivo central entre uma série de enquadres arquitetônicos que permitem ao olho penetrar profundamente no espaço da casa41 41 No original: "The space of this painting is composed of a series of perforated architectural layers superimposed on one another, each revising and fragmenting the other until the composition is entirely framed within the arch or rectangle of a doorway. The doorway is the central motif among a series of architectural frames that allow the eye to enter deep into the space of the house". .

Cada um desses espaços representados sempre se vincula a algum outro. Trata-se do "discurso bivocal", vindo na forma de discursos pictóricos "duplamente orientados" (BAKHTIN, 2002, p.219, 221). Tudo parece estar entre uma primeira coisa e uma segunda. Richard Helgersen (2000, p.94)HELGERSEN, R. Adulterous Alliances: Home, State and History in Early Modern European Drama and Painting. Chicago: University of Chicago Press, 2000. conta pelo menos quatro lugares nos quais a "interlocalização" [inbetweenness] (como ele a denomina) é sugerida tão enfaticamente no Bisbilhoteiro de Dordrecht que se torna para ele o tema principal de toda a composição: "entre o topo e o pé da escada, entre casaco preto e casaco vermelho, entre marido e soldado, entre domesticidade e mundanidade"42 42 No original: "between upstairs and down, between black coat and red, between husband and soldier, between domesticity and worldliness". . A noção do trabalho inacabado (agarrar-se a uma corda pendente, o aparecimento de agulhas de costura, uma vassoura, um pé suspenso) liga-se estreitamente ao limiar: a tematização visual de escadarias, entradas, janelas, corredores e aberturas ocorre em todo lugar na tela em conformidade com a multiplicação de "outros espaços". Mas há algo mais em ação aqui: esta pintura não se refere tanto a espaços dentro de espaços (MARIN, 1996MARIN, L. The Frame of Representation and some of its Figures. Translated by Wendy Waring. In: DURO, P. (Ed.). The Rhetoric of the Frame: Essays on the Boundaries of the Artwork. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1996, pp.79-95. (Cambridge Studies in New Art History and Criticism), p.19-95) como concerne a uma multiplicação de espaços mais ou menos contíguos. Nenhum deles parece ser o "espaço principal", e nenhum parece abranger os outros. Notamos, ademais, várias donas-de-casa escutadeiras que levam chaves, indicando não só que devem ser as donas de suas respetivas casas, mas, além disso, que essa personagem encarna para o observador a condição de espectadora, dado que tem acesso secreto a todo espaço visível.

Além disso, como dissemos, ainda temos de considerar o elemento do tempo, o fato de que os momentos do tempo se escondem do mesmo modo entre outros momentos. Supusemos até agora que os bisbilhoteiros que vemos estejam nos chamando no início de um intercâmbio. Mas não há razão de acreditar que o que vemos é necessariamente o primeiro momento desse encontro. Imaginar uma sequência de perguntas e respostas fornece um instrumento adicional para apreender as muitas ambiguidades dos sorrisos de nossos bisbilhoteiros. Porque, com efeito, certos sorrisos podem ser uma reação ao que o bisbilhoteiro acaba de saber, de nós, sobre a cena que não pode ver. Seja qual for a verdade dessa sugestão temporal, somos mais uma vez alertados para o fato de os sorrisos e dedos de nossos bisbilhoteiros carregarem os vestígios de palavras invisíveis de outros.

Ainda não falamos do penúltimo bisbilhoteiro que Nicolaes Maes pintou (Ilustração 9), uma composição que comenta, tal como faz o painel de Boston, um ato interrompido de trabalho com um livro. É naturalmente tentador dizer que a pintura de livros abertos simplesmente constitui uma alusão galhofeira aos múltiplos retratos da Idade de Ouro Holandesa, em que alguém, jovem ou velho, é representado no ato da leitura. Mesmo assim, a tela da Apsley House faz mais do que simplesmente aludir a artistas contemporâneos, muito mais do que sugerir uma ligação paródica com as centenas de quadros de Anunciação, que também mostram uma jovem donzela surpreendida no ato de ler.

Ilustração 9
Nicolaes Maes, Bisbilhoteira e dois amantes (Alegoria do sentido de audição), aproximadamente 1656-57. Pintura a óleo. Londres: Casa de Apsley (Quarto de Piccadilly). 57.5 x 66 cm.

O bisbilhoteiro da Apsley House é uma tela sobre negócios inacabados, e os livros abertos nos levam a crer que alguém ou algo importante interrompeu a leitura. Nesse aspecto, isso realça o tempo de um intercâmbio de maneiras complementares ao que acabamos de dizer sobre os efeitos de um sorriso. A pintura de interrupção contém necessariamente, além disso, um elemento de surpresa, um topos bakhtiniano por excelência. Outros bisbilhoteiros também tinham seus modos de conotar um ato interrupto, seja um pé pendente, um copo de vinho ou um lápis atrás da orelha. A bisbilhoteira da Apsley House parece ser uma leitora ávida (há livros atrás dela e um grande livro aberto à sua frente à direita), e ela é a única entre nossos heróis e heroínas pintados que se colocou diretamente atrás de uma porta bem grande. Será a porta suficiente para contê-la?

Naturalmente, a porta pode ser vista como obstáculo ou como oportunidade. Discutindo o cronotopo da entrada, Georgina Cole refere-se a Edward Casey ao dizer que a entrada é um "não-lugar", isto é, "uma zona extraterritorial de experiência espacial sem uma topologia específica"43 43 No original: "an extraterritorial zone of spatial experience without a specific topology". Em 'Wavering Between Two Worlds' (p.19), ela discute ainda a distinção de Casey entre um "não lugar" [nonplace] e "nenhum lugar" [no place at all], "designando este último um vazio total" [the latter designating a sheer void]. Cf. Casey (1998, p.304). . A entrada tanto delineia um espaço, distinto de outros espaços, como reúne espaços diferentes num conjunto. Vista em um momento como uma possível barreira, uma entrada também pode nos incitar a fazer duas novas perguntas: (1) Se a entrada constitui um obstáculo, para quem ela é uma barreira? (2) Se a entrada pode ser vista como obstáculo, a que precisamente se pode dizer que esteja impedindo nosso acesso? Será que ela tende, nas pinturas de bisbilhoteiros, a encarnar um obstáculo que impede os bisbilhoteiros de entrar em nosso espaço invisível, servindo assim para manter ele ou ela em seu lugar? Servirá simplesmente para nos lembrar que é impossível para o bisbilhoteiro ser parte de nosso próprio cronotopo? A entrada funciona nessas pinturas "como uma área liminar, área 'intermediária', por ser uma zona que permanece 'não capturada' por alguma das instituições espaciais - ela não é dentro nem fora, nem privada nem pública, nem comunitária nem doméstica, nem classe alta nem classe baixa" (COLE, 2006, p.23COLE, G. 'Wavering Between Two Worlds': The Doorway in Seventeenth-Century Dutch Genre Painting. Philament (Online Journal of Art and Culture), n. 9, pp.18-37, Dec., 2006.)44 44 No original: "as a liminal, 'in-between' area, as it is a zone that remains 'uncaptured' by either spatial institution-being neither inside nor outside, private nor public, civic nor domestic, upper class nor lower class". . Além disso, destaca um importante conjunto de contrastes: trabalho solitário à esquerda e preliminares sexuais à direita; aprendizagem e cálculos sérios à esquerda e ócio e conversinha trivial à direita; o desejo de ouvir mais à esquerda e o desejo de ser deixado em paz à direita. Em muitos aspectos, a porta serve um objetivo semelhante ao da cortina da bisbilhoteira da Mansion House, mas seus efeitos se aplicam em primeiro lugar à heroína pintada, e apenas secundariamente a nós como observadores.

Se o trabalho intelectual de nosso último bisbilhoteiro foi interrompido, não há dúvida de que cabe a nós seguir com o mesmo tipo de tarefa. Pelo menos dessa vez a passagem ao quarto que os amantes ocupam é inteiramente acessível: não precisamos subir um único degrau. Podemos fingir ler junto com nossa última heroína, dando atenção propositadamente à nossa leitura, quando nosso verdadeiro foco se acha dominado pelas tórridas trocas de carícias que continuam, em segundo plano, diante de uma janela aberta. Serão esses eventos mais interessantes do que aquilo que a dona-de-casa escutadeira, mais uma vez de posse de chaves, estivera lendo? Não são esses livros totalmente inúteis para entender o "verdadeiro mundo social" que se mostra no quarto dos fundos, precisamente diante de uma representação da realidade exterior?

Maes decide permanecer deliciosamente discreto sobre as respostas a quaisquer das perguntas que poderíamos desejar fazer sobre os seus seis bisbilhoteiros. Aqui, podemos tomar a ambiguidade visual como sendo expressa por palavras bilaterais [two-sided] de base icônica. Wolfgang Kemp chega ao ponto de sugerir "que a mulher teria de desistir de bisbilhotar por estar demasiado preocupada conosco" (KEMP, 1998_______. The Work of Art and Its Beholder: The Methodology of the Aesthetic of Reception. In: CHEETHAM, M.; HOLLY, M.; MOXEY, K. (Eds.). The Subjects of Art History. Translated by Astrid Heyer and Michael Ann Holly. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1998., p.189)45 45 No original: "that the woman would have to give up her eavesdropping because she is so preoccupied with us". . Essas zonas duplo-faciais [double-edged] de ambiguidade (Bakhtin e Voloshinov se referem ao deus romano Jano para descrevê-la46 46 Por exemplo, em Bakhtin, 2010, p.142. [BAKHTIN, M. Cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. 7.ed. São Paulo: Hucitec, 2010]. A mesma referência pode ser encontrada duas vezes em Bakhtin/Voloshinov (2006, p.46 e 182), o que revela uma profunda ligação entre as duas obras. Para referência da obra de Bakhtin/Voloshinov ) assumem distintas aparências externas, a depender de estarmos lidando com a linguagem verbal ou com as linguagens pictóricas. Como John Searle certa feita demonstrou, uma frase simples como "o gato está no capacho" requer que toda representação pictórica desse enunciado explicite um grande número de parâmetros (tamanho, raça, cor do gato, posição do gato no capacho etc.) que a linguagem verbal não precisa explicar nos mínimos detalhes (SEARLE, 1986, p. 117-136). Por outro lado, observadores de nossos bisbilhoteiros notaram múltiplas ocorrências de gatos e sentiram-se compelidos a propor interpretações (feitiçaria, luxúria, infidelidade, roubo), nenhuma das quais a imagem artística tinha de explicar nos mínimos detalhes.

Espero que esta discussão de Maes, um pintor a quem Bakhtin nunca se referiu, tenha demonstrado que o fato de ter Bakhtin em mente ao ler uma obra de arte não é nem um pouco menos revelador das possibilidades semânticas da obra do pensador russo do que estudos dedicados à escavação de suas fontes textuais e à verificação de suas referências literárias. Bakhtin, como bem sabemos, não tinha um talento particular para dar respostas diretas a questões diretas, assim como a pintura não tem exatamente talento para dar respostas inequívocas, apesar de ser supremamente boa para provocar questões interessantes.

  • 1
    N.E. Sobre as aplicações teóricas da obra bakhtiniana à música, ver neste número: HUTCHEON, L., A crítica como réplica bakhtiniana: Edward W. Said como crítico musical.
  • 2
    Para uma tradução-adaptação parcial, cf. Duro (1996, p. 11-23)DURO, P. (Ed.) The Rhetoric of the Frame: Essays on the Boundaries of the Artwork. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1996..
  • 3
    Para alcançar esse objetivo, recorro amplamente ao livro em alemão Nicolaes Maes, publicado em 2000 por León Krempel, e a dois outros textos perspicazes, impressos em inglês: (1) Hollander, 2002, em especial as seções The Eavesdroppers e Pictorial Space at Mid-Century, p.103-112 e p. 112-119, respectivamente, assim como (2) Robinson, 1987.
  • 4
    Voorhuis significa literalmente "pré-casa", o lugar da casa que "não é bem" a casa propriamente dita, porque seu objetivo é oferecer uma área de entrada a partir da qual seja possível ir a todas as outras áreas da casa. Cf. Franits (2004, p.156)FRANITS, W. Dutch Seventeenth-Century Genre Painting. New Haven, CT: Yale University Press, 2004..
  • 5
    Para a questão do enfadonho, ver Gardiner (2000)GARDINER, M. Critiques of Everyday Life. London: Routledge, 2000..
  • 6
    O espelho pendente da parede conota duplamente a ausência no espaço do observador. Enquanto o espelho no famoso Retrato Arnolfi de Jan van Eyck (1434)VAN EYCK, J. Arnolfi Portrait. 1434. Oil on oak panel. London: National Gallery. 82.2 x 60 cm. dá ao pintor uma desculpa técnica para pintar duas figuras humanas no espaço normalmente ocupado pelo observador - no caso de Van Eyck são sem dúvida convidados de um casamento que entram no quarto ocupado pelo jovem casal -, o espelho no quadro de Maes só mostra o que parece ser um espaço aberto, no máximo uma porta aberta. Não se vê nenhuma silhueta humana. Podemos assim vislumbrar o espaço que ocupamos, mas não podemos nos ver nesse espaço. Se se puder por um momento unir o observador ao pintor - os dois se acham fora da moldura -, faria sentido pensar, com Bakhtin, que não pode haver no trabalho criado imagem do observador como criador: "Podemos criar a imagem de qualquer falante, perceber objetivamente qualquer palavra, qualquer discurso, mas essa imagem objetiva não entra na intenção e na tarefa do próprio falante nem é criada por ele como autor do enunciado" (BAKHTIN, 2003, p.314). A referência da obra é: BAKHTIN, M. O problema do texto na linguística, na filosofia e em outras ciências humanas. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • 7
    Especialistas em arte holandesa muitas vezes usam os termos holandeses doorzien (entrever) e inzien (ver dentro) para descrever como esses espaços consecutivamente representados permitem aos observadores ver boa parte do interior de uma casa ou pátio e observar coisas simbolicamente significantes acontecendo nesses segundos ou terceiros espaços. Eles comumente consideram Samuel van Hoogstraten o mestre desses espaços geometricamente alinhados. O objetivo do livro de Wolfgang Kemp (Die Rãume der Maler) é estudar como esses corredores e os cômodos dos fundos podem tornar-se um meio eficiente para criar quadros de narratividade, na medida em que deixam implícita a passagem do tempo de um cômodo ao seguinte. Os pintores estavam acostumados a estimular o olho do observador a mover-se de um cômodo ao outro, mostrando por meio disso vários episódios de uma só história organizada de modo mais ou menos cronológico.
  • 8
    "A personagem dostoievskiana não é uma imagem objetiva mas um discurso pleno, uma voz pura..'" (BAKHTIN, 2002, p.53). N. do T. A referência da obra é: BAKHTIN M. Problemas da poética de Dostoiévski. 3.ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
  • 09
    Para referência, ver nota de rodapé 8.
  • 10
    Svetlana Alpers explora vários modos clássicos de tornar palavras visíveis na arte holandesa do século XVII, discutindo dispositivos como (1) expor uma pessoa que lê um livro e pintar as páginas que estão sendo lidas; (2) pintar uma placa ornamental nas paredes de um edifício ou fazer inscrições em um pilar ou chão de uma igreja; (3) expor um quadro-negro cheio de coisas escritas perto de uma mesa; (4) pintar mensagens ao lado da assinatura do artista; (5) adicionar legendas ou pergaminhos no pé da página; ou (6) escrever de modo transparente as palavras que alguém diz, etc. Essa fascinante discussão está em Alpers,1983ALPERS, S. Looking at Words: The Representation of Texts in Dutch Art. In: The Art of Describing: Dutch Art in the Seventeenth Century. Chicago: University of Chicago Press, 1983, pp.169-221., p.169-221.
  • 11
    O papel dos vazios semânticos é central para a abordagem hermenêutica desenvolvida por Wolfgang Iser a fim de entender o processo de leitura. Em The Implied Reader [O leitor implícito], 1978, ele afirma: "O leitor é incitado a preencher os 'espaços vazios' entre os capítulos para organizá-los num todo coerente" (p.226) ["The reader is stimulated into filling the 'empty spaces' between the chapters in order to group them into a coherent whole"]; "Com efeito, é somente mediante omissões inevitáveis que uma história ganha seu dinamismo. Assim, sempre que o fluxo se interrompe e somos impelidos para direções inesperadas, temos a oportunidade de ativar nossa própria faculdade de estabelecer conexões - de preencher as lacunas deixadas pelo próprio texto" ["Indeed, it is only through inevitable omissions that a story gains its dynamism. Thus whenever the flow is interrupted and we are led off in unexpected directions, the opportunity is given to us to bring into play our own faculty for establishing connections - for filling in the gaps left by the text itself"] (p.280). É bem possível que, mediante essa conexão entre texto e leitor, ou mais precisamente entre uma personagem representada e o leitor/observador, seja possível estabelecer uma sólida conexão teórica entre a teoria visual em geral e o dialogismo de Bakhtin em especial. Significativamente, essa conexão já está estabelecida em um dos primeiros textos de Bakhtin, O autor e o herói na atividade estética (2003), presumivelmente escrito em 1929-30, em passagens em que ele discute processos de empatia em ação no autorretrato. Acerca da tendência que têm os autorretratos de criar uma sensação de empatia, Bakhtin escreve: "Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele" (BAKHTIN, 2003, p.23). E prossegue, mencionando autorretratos pintados por Rembrandt e Mikhail Vrubel. Meu agradecimento aos alunos e colegas de Beth Brait (PUC-SP/USP/, Brasil) por terem insistido, durante um estimulante curso (Presença e sentidos da citação em linguagens/discursos: verbal, visual e verbo-visual), ministrado por mim em abril de 2009, sobre a relevância teórica dessas passagens.
  • N. do T. A referência do ensaio é: BAKHTIN, M. O autor e o herói na atividade estética. In: Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.3-192.
  • 12
    Vários historiadores da arte sugeriram que a cortina serve para tirar de nossa visão a pessoa que está sendo repreendida (bem possivelmente o marido da mulher mais velha ou somente uma pessoa não muito apreciada pela doméstica que escuta). Seja qual for a verdade dessas especulações, a cortina é um dispositivo trompe-l'oeil cujo objetivo estético pode muito bem ser indicar que o melhor lugar para o observador se colocar, para melhor apreciar a composição, é precisamente a esquerda do painel de madeira, não, coincidentemente, na mesma área geral em direção à qual os olhos da donzela estão voltados. A menos que vá para esse lugar, o observador ficará tão cego quanto a própria heroína pintada e por isso será incapaz de servir de testemunha ocular para essa heroína que só tem seus ouvidos para ajudá-la. O observador deve mover-se primeiro para a esquerda, emprestar seus olhos à donzela que espreita (que assim pode se aproveitar da invisibilidade do observador) e então estar preparado para informar à heroína o que se consegue ver.
  • 13
    No original: "This structure is even more obvious for us to see [...] to the extent that it not only puts representation into play but it also plays with consciousness of representation".
  • 14
    O artigo contém uma seção intitulada An Analysis: Nicolaes Maes's The Eavesdropper (p.189-194).
  • 15
    Krempel alega que a Bisbilhoteira de Boston é a primeira da série (KREMPEL, 2000KREMPEL, L. Nicolaes Maes. Petersberg [Fulda]: Michael Imhof Verlag, 2000., p.49), enquanto Hollander alega que esse lugar é ocupado por The Listening Housewife [A dona-de- casa escutadeira], que está no Palácio de Buckingham (HOLLANDER, 2002_______. Nicolaes Maes: Space as Domestic Territory. In: An Entrance for the Eyes: Space and Meaning in Seventeenth-Century Dutch Art. Berkeley, CA: University of California Press, 2002, pp.103-142., p.104). Como Maes pintou ao menos três bisbilhoteiros no ano de 1155, talvez seja impossível saber qual ele pintou primeiro.
  • 16
    Krempel dá o exemplo de Sagrada Família com cortina, de Rembrandt, como um trabalho do mestre que se apoia fortemente no trabalho inicial do aluno. Martha Hollander (2002, p.106-1)_______. Nicolaes Maes: Space as Domestic Territory. In: An Entrance for the Eyes: Space and Meaning in Seventeenth-Century Dutch Art. Berkeley, CA: University of California Press, 2002, pp.103-142. também chama atenção para essa conexão, tal como o faz Kemp. Embora não possa haver dúvida de que Maes toma de empréstimo a cortina de seu mestre Rembrandt, também é claro que a usa de modos inteiramente originais. Atrás da cortina pode-se ver uma cadeira, presumivelmente um aceno de cabeça na direção de outras duas pinturas de 1155, que Maes já tinha concluído ou ainda estava trabalhando. Além disso, a cadeira está vazia, possivelmente um comentário sobre o espaço invisível que o observador real ocupa em relação à pintura. À esquerda do painel (a direção para a qual o observador é incitado a mover-se) pode-se ver uma cena de natureza morta, insinuando mais uma vez a "futilidade" da existência do espectador na "vida real". E essa cena inclui, entre outras coisas, o mesmo jarro que vai aparecer na mão esquerda do bisbilhoteiro de Wallace, um ano depois.
  • 17
    A Sagrada Família [desenhada a partir de Rembrandt] (MAES, ca. 1148-1150); cf. Penny (1987, p.57, fig. 59)PENNY, N. Recent Acquisitions-and Some Discoveries Made by the Department of Western Art in the Ashmolean Museum. Burlington Magazine, v.129, n.1006, Jan., 1987. e Sumowski (1979, no. 1790x)SUMOWSKI, W. Drawings of the Rembrandt School. New York: Abaris Books, 1979.. Kemp indica que Maes copiou a pintura não uma, mas muitas vezes (1998, p.192). Como se sabe, o artefato da cortina foi praticado por muitos pintores holandeses, entre os quais Gerrit Dou, Jan Steen, and Johannes Vermeer. Ver, sobre essa questão, Bailey, 2002BAILEY, A. Vermeer: A View of Delft. New York: Holt Publishers, 2002., p.87.
  • 18
    A bisbilhoteira (MAES, ca. 1669-1655); essa colocação "daquilo que é visto" em posição secundária diante do "aparato de ver" pode ser documentada em outros desenhos ou quadros de Maes. William Robinson destaca em particular o esboço que ele denomina Homem descendo a escada (ca. 1655), em que o espaço físico do ato de espionar está claramente delineado em contraste com a cena no pé da escada, que permanece apenas esboçada. Há nessa obra outro elemento relevante: ela contém outro homem bisbilhoteiro. Para uma ilustração, cf. Robinson (1989, p. 149, fig. 7)_______. Nicolaes Maes as a Draftsman. Master Drawing, v.27, n.2, 1989..
  • 19
    No original: "Bakhtin's emphasis is on the act, the determinate deed of a particular person, the artist or creator in great time, which includes a special relationship to the future".
  • 20
    É curioso que Christopher Lloyd (2004, p.92)LLOYD, C. Enchanting the Eye: Dutch Paintings of the Golden Age. London: Royal Collection Publications, 2004., em comentários reproduzidos no site oficial da Royal Collection, se refira a um dos quadros de bisbilhoteiros (que está na Apsley House, em Londres) como Amantes com uma mulher escutando.
  • 21
    Denis Diderot (1995, p.43)DIDEROT, D. The Salon of 1765 in Diderot on Art. Vol. I. Translated by John Goodman. New Haven, CT: Yale University Press, 1995. refere- se, em Salão de 1765, a algumas cenas genéricas que fazem a exigência estética de que as pessoas contempladas não saibam que estão sendo observadas. Em seus comentários, ele objeta nesse sentido à Caridade romana apresentada naquele ano por Louis-Jean-François Lagrenée (esse gênero em geral mostra uma mulher muito bem-dotada alimentando um prisioneiro com seus seios fartos - para alguns autores, seu pai - a fim de evitar que morra de fome). Diderot escreve: "Rejeito categoricamente a ideia de esse homem desafortunado e essa mulher benevolente estarem sendo suspeitosamente observados; essa suspeita impede a ação e destrói o tema". No original: "I absolutely reject the notion of having this unfortunate old man and this benevolent woman suspicious of being observed; this suspicion impedes the action and destroys the subject".
  • 22
    Devemos assinalar ainda que o pé hesitante do bisbilhoteiro de Boston é visto de perfil, ao passo que os pés dos bisbilhoteiros do Palácio de Buckingham (Coleção Wallace, Dordrecht e Apsley House) se inclinam em nossa direção, uma pose tecnicamente bem mais difícil de pintar da parte de Maes. Só a bisbilhoteira da Mansion House está totalmente abaixo (ou acima) da escada, parecendo ter tirado os chinelos para garantir que seus pés não façam ruído.
  • 23
    No original: "Acting as our pictorial ambassador within the work, [the eavesdropper] enters into a teasing and illusory intimacy with us, mediating our perception of the painting".
  • 24
    N. E.: Sobre a “estética visual de Bakhtin” com referência a Goethe, ver neste número: BUBNOVA, Tatiana. Bakhtin e Benjamin: sobre Goethe e outras questões
  • 25
    Hollander baseia sua afirmação sobre o quadro do Palácio de Buckingham como sendo o primeiro da série apontado para uma possível simplicidade da composição.
  • 26
    BAKHTIN, M. M. O discurso no romance. In: Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. Trad. Autora Bernardini et al. 5. ed. São Paulo: Hucitec/Anablume, 2002.
  • 27
    A imagem já é citada em HOLQUIST e CLARK, 1984HOLQUIST, M.; CLARK, K. Mikhail Bakhtin. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1984., p.207, como “ilustração comum”.
  • 28
    Para referência, ver nota de rodapé 8.
  • 29
    Para referência, ver nota de rodapé 8.
  • 30
    No original: "immediate and non-negotiable impact of images".
  • 31
    Hollander acrescenta novos sentidos possíveis a esse gesto completamente "ambíguo": suas alusões intertextuais implícitas a pinturas famosas do passado. Adicionemos ao que ela diz que é desejável remontar a pinturas anteriores ao início do século XVII holandês. É instrutivo lembrar o famoso afresco de Fra Angelico do século XV, que representa São Pedro, o mártir ca. 1440-43), com o dedo proeminentemente representado tocando os lábios, ele mesmo pintado com base no de Giotto (1325)GIOTTO. Fresco. Florence: Church of Santa Croce, 1325., um afresco que representa uma alegoria da obediência. Este, por sua vez, é uma nova versão cristã de estátuas antigas de Harpócrates, o deus grego do silêncio. A ambiguidade do dedo colocado nos lábios vem do fato de que o dedo indicador não só pode indicar uma ordem como também pode realizar as funções de convidar, escolher e especialmente mostrar. Essas questões são objeto de uma leitura fascinante no trabalho de André Chastel (1986CHASTEL, A. Gesture in Painting: Problems of Semiology. Renaissance and Reformation, n. 10, pp.1-22, 1986. e 2001)_______. Le geste dans l'art. Paris: Liana Levi, 2001..
  • 32
    Enquanto uma concepção paranoica da escuta esteja bastante presente em Sur écoute. Esthétique de l'espionnage (2001), de Peter Szendy, uma concepção bem menos cínica da escuta é desenvolvida em seu livro anterior, Écoute. Une histoire de nos oreilles (2001). A expressão "compreensão ativa" vem, é claro, de Marxismo e filosofia da linguagem: "A palavra vai à palavra. É no quadro do discurso interior que se efetua a apreensão da enunciação de outrem, sua compreensão e sua apreciação, isto é, a orientação ativa do falante" (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2006, p.150). A referência da obra é: BAKHTIN, M./VOLOSHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
  • 33
    VOLOCHÍNOV, V. Palavra na vida e a palavra na poesia: introdução ao problema da poética sociológica. In: A construção da enunciação e outros ensaios. Org. e trad. João Wanderley Geraldi. São Carlos, SP: Pedro & João, 2013, p.71-100.
  • 34
    N. do T. Fala de Jesus a Maria pós-Ressurreição: "não me detenhas" (João, 20:17).
  • 35
    N. do T. Episódio bíblico (Daniel, 13).
  • 36
    Ver sobre essas questões no meu ensaio Le vocatif des textes écrit et visuel (2003).
  • 37
    Menininha Balançando um Berço (MAES, ca. 1655_______. A Sleeping Man Robbed by a Woman. Oil on wood panel. Private collection (England). 34.3 x 29.2 cm. ca. 1655.).
  • 38
    A criada ociosa [De slapende Keukenmeid] (MAES, 1655_______. The Idle Servant [De slapende Keukenmeid]. Oil on oak panel. London: National Gallery. 70 x 53 cm. 1655..
  • 39
    Homem adormecido roubado por uma mulher (MAES, ca. 1655_______. The Virtuous Woman. Oil on wood panel. London: Wallace Collection. 74.5 x 60.5 cm. ca. 1655.). Para uma reprodução desse quadro, cf. Krempel (2000, p.140, fig. 16)KREMPEL, L. Nicolaes Maes. Petersberg [Fulda]: Michael Imhof Verlag, 2000..
  • 40
    Ver, por exemplo, A mulher virtuosa (MAES, ca. 1655_______. A Little Girl Rocking a Cradle. Oil on oak panel. London: National Gallery. 40.4 x 32.6 cm. ca. 1655.). A pintura mostra o que parece ser um menininho, fora, do lado esquerdo da tela, que está olhando por uma janela na direção da mulher virtuosa, a qual, dentro da casa, se dedica a costurar (quando não se dedica à leitura). A mulher parece não ter a mínima ideia da presença do menino lá fora.
  • 41
    No original: "The space of this painting is composed of a series of perforated architectural layers superimposed on one another, each revising and fragmenting the other until the composition is entirely framed within the arch or rectangle of a doorway. The doorway is the central motif among a series of architectural frames that allow the eye to enter deep into the space of the house".
  • 42
    No original: "between upstairs and down, between black coat and red, between husband and soldier, between domesticity and worldliness".
  • 43
    No original: "an extraterritorial zone of spatial experience without a specific topology". Em 'Wavering Between Two Worlds' (p.19), ela discute ainda a distinção de Casey entre um "não lugar" [nonplace] e "nenhum lugar" [no place at all], "designando este último um vazio total" [the latter designating a sheer void]. Cf. Casey (1998, p.304)CASEY, E. S. The Fate of Place: A Philosophical History. Berkeley, CA: University of California Press, 1998..
  • 44
    No original: "as a liminal, 'in-between' area, as it is a zone that remains 'uncaptured' by either spatial institution-being neither inside nor outside, private nor public, civic nor domestic, upper class nor lower class".
  • 45
    No original: "that the woman would have to give up her eavesdropping because she is so preoccupied with us".
  • 46
    Por exemplo, em Bakhtin, 2010, p.142. [BAKHTIN, M. Cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. 7.ed. São Paulo: Hucitec, 2010]. A mesma referência pode ser encontrada duas vezes em Bakhtin/Voloshinov (2006, p.46 e 182), o que revela uma profunda ligação entre as duas obras. Para referência da obra de Bakhtin/Voloshinov

ILUSTRAÇÕES

  • Ilustração 1. Nicolaes Maes, A bisbilhoteira (Dona-de-casa escutadeira), 1656. Pintura a óleo. Londres: Wallace Collection. 84.7 x 70.6 cm.
  • Ilustração 2. David Teniers, Alquimista, Meados Século XVII. Óleo em painel de madeira. Brunswick: Ulrich-museu de Herzog Anton. 50.7 x 71.2 cm.
  • Ilustração 3. Nicolaes Maes, Adoração dos pastores, aproximadamente 1658-1660. Pintura a óleo. Los Angeles: Museu J. Paul Getty. 119.2 x 94.8 cm.
  • Ilustração 4. Nicolaes Maes, A bisbilhoteira escutando sua criada repreender 1655. Óleo sobre painel de madeira. Londres: Mansion House (Guildhall Art Gallery). Coleção Harold Samuel. 46.7 x 72.1 cm.
  • Ilustração 5. Nicolaes Maes, Bisbilhoteiro, ca. 1655-56. Óleo em painel de madeira. Boston: Museum of Fine Arts. 72.4 x 52.1 cm.
  • Ilustração 6. Nicolaes Maes, Dona-de-casa escutadeira, 1655. Óleo sobre painel de madeira. Londres: Palácio de Buckingham (Royal Collection). 74.9 x 60.3 cm.
  • Ilustração 7. Rembrandt, detalhe de Lição de anatomia do doutor Nicolaes Tulp, 1632. Pintura a óleo. Haia: Mauritshuis. 169.5 x 216.5
  • Ilustração 8. Nicolaes Maes, A bisbilhoteira, 1657. Óleo sobre tela. Museu de Dordrechts (emprestada pela Rijksdienst Beeldende Kunst de Haia). 92.5 x 122 cm.
  • Ilustração 9. Nicolaes Maes, Bisbilhoteira e dois amantes (Alegoria do sentido de audição), aproximadamente 1656-57. Pintura a óleo. Londres: Casa de Apsley (Quarto de Piccadilly). 57.5 x 66 cm.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2015
  • Aceito
    28 Out 2015
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