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Editorial

Pelo que vivenciei e compreendi na arte, devo responder com a minha vida para que todo o vivenciado e compreendido nela não permaneçam inativos.

Mikhail Bakhtin

É com grande satisfação que publicamos Bakhtiniana 12 (1), primeiro número de 2017, composto de artigos e resenhas de autores de diferentes e variadas instituições de pesquisa, do Brasil e exterior. Por meio dele queremos contribuir, mais uma vez, para a possibilidade de compreensão responsável da ética, da estética e da ciência como unidade da cultura humana, promovendo o diálogo dinâmico e interdependente entre essas esferas de atividade. Destacamos, porém, que, se nosso objetivo é promover e divulgar pesquisas produzidas no campo dos estudos do discurso - não importando qual a perspectiva teórica-, neste número quase todos os autores estabelecem diálogos entre o pensamento bakhtiniano e outros de importância naquele momento e hoje. Vejamos.

Com foco predominantemente teórico, O conceito de fronteira na semiótica de Iúri Lotman, de Ekaterina Vólkova Américo (UFF/RJ), dialoga especialmente com a cultura russa, retomando o conceito de fronteira na obra do semioticista russo Iúri Lotman, bem como o esquema de assimilação de textos alheios que ocorre justamente na zona fronteiriça, propiciando inter-relações culturais, caso da presença da língua francesa no romance Guerra e paz, de Tolstói, e do impacto da calça jeans na cultura soviética. Miriam Puzzo (UNITAU-SP) - Dialogismo bakhtiniano e a estilística vossleriana - discute as relações possíveis entre duas vertentes teóricas do início do século XX: o dialogismo bakhtiniano e a estilística de Vossler, destacando aspectos da prática pedagógica de Bakhtin no que diz respeito à concepção de língua, gramática e estilo.

Arte e vida são compreendidas por meio de conceitos bakhtinianos em outros três artigos. Como entender a tensa relação entre autor e revisor? Marcelo Spalding Perez (UniRitter/RS) e William Moreno Boenavides (UFRGS/RS) - Os limites para a revisão do texto literário a partir dos conceitos de autoria e estilo de Bakhtin - discutem a questão, mostrando como, na contemporaneidade, tal função não pode mais se limitar a aspectos normativos. Buscam em ensaios de Mikhail Bakhtin os conceitos que possam contribuir para o entendimento do limite da intervenção do revisor, concluindo sobre a importância do respeito ao "valor axiológico" expresso pelo objeto estético. Em Fondamenta degli incurabili: (sobre o grande tempo), Tatiana Bubnova (UNAM/México) retoma a noção bakhtiniana de grande tempo, um conceito antropológico relacional, e reúne "estranhas coincidências", que colocam em diálogo autores de diferentes cronotopos - de Francisco Delicado a Cervantes, Sterne, Pushkin e Joseph Brodsky. Segundo a autora, nesse diálogo o olhar do pesquisador pode conduzir a investigação científica no grande tempo bakhtiniano. Formas do grotesco em A amoreira, o artigo de Mary Bricker (Southern Illinois University/USA), trabalha com outros temas bakhtinianos - o grotesco, o ciclo vida-morte-renascimento, a canção carnavalesca (na interpolação prosa e verso) -, demonstrando sua relevância multifacetada no desenvolvimento moral romântico da trama e sua importância na compreensão do conto dos Irmãos Grimm.

Vida e arte também dialogam por meio da obra bakhtiniana em outros três artigos. Renan de Vita Alves de Brito (USJ/SC) e Andréa Vieira Zanella (UFSC/CAPES) compartilham uma experiência de oficinas estéticas em uma escola pública municipal de Florianópolis no artigo Formação ética, estética e política em oficinas com jovens: tensões, transgressões e inquietações na pesquisa-intervenção. Ao problematizar as contribuições para a formação ética, estética e política tanto dos pesquisadores como dos participantes, destacam a responsividade que caracteriza as ações do grupo e pauta a condição alteritária da existência. Kalliane Sibelli de Amorim Oliveira, Maria Eliete de Queiroz e Maria do Socorro M. Fernandes Barbosa (todas da UERN/RN), em Autoria e responsabilidade enunciativa em diários de leitura, estabelecem uma relação entre o conceito de autoria trabalhado por Bakhtin e Possenti e o de responsabilidade enunciativa, proposto por Adam, buscando como diários de leitura de estudantes de Ensino Médio agenciam outras vozes e utilizam recursos de modalidades para constituir um discurso autoral. O artigo "Vamos vencer o tráfico": análise verbo-visual da significação e do tema de uma palavra em uma capa da revista Época, de Madeline Gilbert (Middlebury College/Vermont/USA; UTFPR/PR) e Anselmo Lima (UTFPR/PR) toma a vida tal como a reflete e refrata a mídia impressa, por meio da análise verbo-visual da significação e do tema da palavra tráfico em uma das capas da revista Época, e enfatiza a importância do contexto social e histórico no estudo do tema de signos ideológicos, na medida em que propiciam uma compreensão histórico-crítica de determinado do assunto.

Finalmente, vem do México a contribuição A palavra religiosa como uma variante da 'palavra autoritária' em Bakhtin, assinada por Beatriz Gutiérrez Mueller (BUAP/Puebla/México). A autora busca compreender o discurso religioso a partir da noção bakhtiniana de palavra autoritária, exemplificando a análise com enunciados dogmáticos próprios das religiões, caso do judaísmo e do islã, e, sobretudo, do cristianismo católico.

Duas resenhas completam e enriquecem o número, divulgando para o leitor importantes lançamentos da área. José Luiz Fiorin (USP/SP) nos apresenta a História sociopolítica da língua portuguesa, de Carlos Alberto Faraco, lançamento da Parábola Editorial, em 2016. E Sônia Caldas Pessoa (UFMG/MG) dá-nos a conhecer um pouco de Parodie et analyse du discours, trabalho de Ida Lúcia Machado, publicado em Paris pela editora L'Harmattan, em 2013.

Para não fugirmos de nosso balanço final, este número mobilizou 16 autores de dez diferentes instituições brasileiras (UERN, UFMG, UFF, USP, UNITAU, UTFPR, UFSC, USJ, UNIRITTE, UFRGS) e quatro estrangeiras (Southern Illinois/USA, Middlebury College/USA; UNAM e BUAP, México). Foram textos que, acreditamos, nos permitem uma melhor compreensão da ciência em sua ligação com a vida e a arte, na unidade da cultura humana.

Agradecemos, mais uma vez, o auxílio que temos recebido do MCTI/CNPq/MEC/CAPES e da PUC-SP, por meio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e, muito especialmente, por meio do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq) / Publicação de Periódicos (PubPer-PUCSP) – 2015, na edição do periódico Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, na certeza da produtividade acadêmica e científica da leitura.

Beth Brait*Maria Helena Cruz Pistori**Bruna Lopes-Dugnani ***Orison Marden Bandeira de Melo Júnior ****

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017
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