Acessibilidade / Reportar erro

Editorial

"Viver significa ocupar uma posição axiológica em cada momento da vida, significa firmar-se axiologicamente" (p.174), afirma Mikhail Bakhtin em O autor e a personagem na atividade estética (2006, p.03-192), ensaio escrito entre 1924-1927 e constante da coletânea Estética da criação verbal (São Paulo: Martins Fontes, 2006). Sabemos que ele e os demais membros do Círculo voltam muitas vezes a essa tese, em diferentes momentos de sua obra. E é importante lembrar como nosso posicionamento diante dos diferentes valores é ao mesmo tempo uma atitude corriqueira, de "cada momento", e simultaneamente essencial, na medida em que nos define em relação ao outro, define o outro, e ainda a nós mesmos.

Isso ocorre também em relação a um periódico acadêmico, como Bakhtiniana, que, de forma semelhante, se define e se posiciona valorativamente a cada número, dialogando de forma ampla e responsável com seu tempo, e respondendo às investigações em curso na área dos estudos do discurso por meio de diferentes linhas teóricas.

E é nesse movimento definidor e valorativo que vamos iniciar a apresentação dos artigos deste volume 12 (2), no qual há uma particularidade: nesses textos, coincidentemente, temos a reunião de três bakhtinianos brasileiros históricos: Beth Brait, Carlos Alberto Faraco e Irene Machado, todos eles envolvidos com a perspectiva dialógica ao menos desde a década de 1980. Lembremos que o mestrado de Machado, de 1985, tinha como título: Analogia do dissimilar. O legado dialógico do Formalismo Russo diante de algumas categorias do Círculo de Bakhtin; e Brait e Faraco, junto com Cristóvão Tezza e outros, organizam, em 1988, um evento e, como consequência, a coletânea Uma introdução a Bakhtin (Curitiba: Hatier), em que também inserem seus textos. Como sabemos, são todos responsáveis pela formação e disseminação do pensamento bakhtiniano entre inúmeros pesquisadores no Brasil, orientando pesquisas, escrevendo livros e artigos, dando aulas e organizando conferências, sempre numa relação interessada e afetiva.

O artigo de Brait (PUC-SP/USP), A emergência, nas fronteiras entre língua e literatura, de uma perspectiva dialógica de linguagem, trata de um tema bastante caro à pesquisadora, a relação existente entre língua e literatura, estudos linguísticos e estudos literários, ao longo do pensamento bakhtiniano, articulando-se diretamente às questões do diálogo e do dialogismo. Faraco (UFPR), em Bakhtin e filosofia, propõe uma discussão das relações do pensamento de Bakhtin com correntes da filosofia moderna, partindo de seus primeiros textos, que têm a axiologia e não a ontologia como fundamento: destaca neles as elaborações éticas e estéticas, as propostas para uma filosofia da cultura e a defesa do primado da intersubjetividade. E Machado (USP), em Forma espacial da personagem como acontecimento estético cronotopicamente configurado, apresenta-nos um profundo estudo acerca do lugar do espaço na construção conceitual do dialogismo bakhtiniano, fundamentada nos conceitos de cronotopo e na forma espacial da personagem tal como construídos na criação verbal de Dostoiévski, segundo Mikhail Bakhtin.

A perspectiva bakhtiniana fundamenta teórica e metodologicamente ainda dois outros textos neste número. O primeiro é redigido por Adriana Delmira Mendes Polato e Renilson José Menegassi (UEM), O estilo verbal como o lugar dialógico e pluridiscursivo das relações sociais: um estatuto dialógico para a análise linguística, e defende um estatuto dialógico para a leitura de textos, tomando o conto A causa secreta, de Machado de Assis, como exemplo. O segundo, de Ana Paula Santana e Karoline Pimentel dos Santos (UFSC), A perspectiva sócio-histórica como método de análise da linguagem na clínica fonoaudiológica, mais uma vez nos mostra as ricas possibilidades de aplicação do pensamento bakhtiniano à clínica de Fonoaudiologia. Mais uma vez, afirmamos, porque é com satisfação que observamos que Bakhtiniana tem se constituído um veículo privilegiado na divulgação de trabalhos discursivos nessa área da saúde.

Mas diferentes linhas teóricas dos estudos do discurso também se encontram no número. Entre elas, destaca-se fortemente a análise de discurso francesa, com artigos baseados nas reflexões teóricas de Foucault, Althusser, Pêcheux e outros. Eliana Lijterman, da Universidad de Buenos Aires - UBA, trata das tensões e desafios da ADF no exame do discurso e seu exterior, em Problemas de fronteira: reflexões sobre a relação entre o discursivo e o extradiscursivo na Análise do Discurso Francesa; Leslie Alejandra Colima (Universidad de Santiago de Chile) e Diego Alejandro Cabezas Bravo (Universidad Metropolitana de las Ciencias de la Educación, Chile) trazem uma análise do discurso político do rap no contexto chileno, em Análise do rap social como discurso político de resistência. No Brasil, Marco Antonio Calil Machado (USP) examina a personagem literária Gregório de Matos em textos de livros didáticos, histórias da literatura brasileira e ensaios recentes, no artigo Gregório(s) de Matos: padrões de representá-lo(s) e ordens do discurso; e, finalmente, Sírio Possenti (UNICAMP) trata de sua especialidade - o humor, apresentando-nos discursos que funcionam como fonte de preconceito em Discurso transverso em piadas de corintiano. Francisco Aquinei Timóteo Queirós e Francielle Maria Modesto Mendes (UFAC), em outra vertente teórica, publicam Construção cena a cena: a narrativa jornalística como mosaico lítero-factual em Chico Mendes: crime e castigo, de Zuenir Ventura.

Ao final, Bakhtiniana traz a resenha da nova tradução de Os gêneros do discurso, de Mikhail Bakhtin, apresentando e justificando a nova organização de textos proposta por Paulo Bezerra, com posfácio e notas da edição russa.

O balanço final do número contabiliza a contribuição de 14 autores de 9 diferentes instituições brasileiras (UFAC, UEM, Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, UFSC, USP, UFPA, UNICAMP, PUCSP, UFPR) e 3 universidades estrangeiras (Universidad de Santiago de Chile - USACH, Universidad Metropolitana de las Ciencias de la Educación, Chile - UMCE, e Universidad de Buenos Aires - UBA). Foram textos que dialogaram responsavelmente com nosso tempo, divulgando e respondendo questões na área dos estudos do discurso por meio de diferentes linhas teóricas.

Agradecemos, mais uma vez, o auxílio que temos recebido do MCTI/CNPq/MEC/CAPES e da PUC-SP, por meio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e, muito especialmente, por meio do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq) / Publicação de Periódicos (PubPer-PUCSP), na edição do periódico Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, na certeza da produtividade acadêmica e científica da leitura.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com