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Problemas de fronteira: reflexões sobre a relação entre o discursivo e o extradiscursivo na Análise do Discurso Francesa

RESUMO

A Análise do Discurso Francesa (ADF) nasceu como corrente de análise ao propor, para a compreensão do seu objeto, uma intersecção entre linguística e história e uma união com a teoria das ideologias, tal como foi elaborada por Althusser. Esta proposta inaugurou um verdadeiro problema teórico em torno da relação entre o discurso e o seu exterior. Procuraremos desenvolver este problema retomando duas propostas de análise que, com frequência, travaram uma polêmica no interior da ADF: uma centralizada no conceito de "interdiscurso"; outra, nas categorias de prática e acontecimento discursivos. Assim, refletiremos sobre as tensões e desafios que esta relação estabelece em nível conceitual e metodológico.

PALAVRAS- CHAVE:
Análise do Discurso Francesa; Ideologia; Discursivo; Extradiscursivo

ABSTRACT

French Discourse Analysis (FDA) aroused as a line of analysis when positing that both an intersection between linguistics and history and a link to the theory of ideologies as raised by Althusser are necessary to understand discourse. This proposal unveiled a real theoretical problem concerning the relationship between discourse and its exterior. We will develop such problem taking two proposals for analysis into consideration: one centered on the concept of "interdiscourse" and the other, on the categories of discursive practice and event. Thus, we will consider the tensions and challenges posed by this relation in the conceptual and methodological level.

KEYWORDS:
French Discourse Analysis; Ideology; Discursive; Extradiscursive

RESUMEN

El Análisis Francés del Discurso (AFD) nació como corriente de análisis al plantear, para la comprensión de su objeto, una intersección entre lingüística e historia y un anudamiento a la teoría de las ideologías, tal como fuera planteada por Althusser. Esta propuesta inauguró un verdadero problema teórico en torno a la relación entre el discurso y su exterior. Buscaremos desarrollar este problema recogiendo dos propuestas de análisis que, a menudo, entablaron una polémica al interior del AFD: una centrada en el concepto de "interdiscurso"; otra, en las categorías de práctica y acontecimiento discursivos. Así, reflexionaremos sobre las tensiones y desafíos que esta relación plantea a nivel conceptual y metodológico.

PALABRAS CLAVE:
Análisis Francés del Discurso; Ideología; Discursivo; Extradiscursivo

Escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra —a entrelinha— morde a isca, alguma coisa se escreveu.

Clarice Lispector 1 1 LISPECTOR, C. Água viva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p.21.

Introdução

No final da década de 60, começaram a produzir-se elaborações conceituais sobre o discursivo como objeto de análise das ciências sociais a partir de múltiplas disciplinas. Isso trouxe importantes aberturas teóricas, epistemológicas e metodológicas, que ressignificaram certos métodos próprios da história, da sociologia, e mesmo da linguística, e abriu um campo de pesquisa específico2 2 No campo linguístico, essa problematização teve vastos antecedentes, desde as obras de Saussure, Bajtin e Voloshinov (ROBIN, 1986; MONTERO, 2016). .

Encontramos, na Análise do Discurso Francesa (ADF), uma corrente de análise3 3 Poderíamos pensar a ADF como um programa de pesquisa visto que conformou uma aposta teórica, metodológica e investigativa unificada em torno de certos elementos que exporemos nos próximos parágrafos. Também se expressou institucionalmente no ano 1982, com a criação de um projeto interdisciplinar, cujos antecedentes foram o RCP (Recherche Coopérative Programée), e a ADELA (Analyse de Discours et Lecture D' Archive). Finalmente, esta perspectiva contribuiu à constituição de um campo disciplinar com objetos, problemas e métodos próprios (MONTERO, 2014). que surgiu em princípio dos anos 70, uma fértil busca em torno da construção do discurso como objeto de análise, inscrevendo-o na história (GUILHAUMOU, 2006GUILHAUMOU, J. Discours et événement. L'histoire langagière des concepts. Annales littéraires, Besançon, Nº 804, 2006.). Essa aventura teórica (MALDIDIER, 1992MALDIDIER, D. La inquietud del discurso. Un trayecto en la historia del análisis del discurso: el trabajo de Michel Pêcheux. Revista Signo y Seña, Buenos Aires, Nº 1, 1992, p.199-213.) apostava na compreensão do discurso numa intersecção entre a linguística e a história, embasada no materialismo e na psicanálise. De igual modo, foi empreendida a elaboração teórica sobre o discurso com base em um entrecruzamento com a teoria das ideologias, de Althusser. Assim, o discurso foi repensado desde a sua materialidade específica, irredutível a sua dimensão linguística, o que constitui uma das vantagens mais notáveis desses enfoques.

Por conseguinte, as discussões da ADF sobre a relação entre o discursivo e o extradiscursivo não foram acessórias em termos da própria definição e conceitualização do discurso. Afirmamos que, conforme as premissas da ADF têm procurado a inscrição do discursivo na história e sua união aos processos de interpelação ideológica, a problematização do extradiscursivo tornou-se um problema de pesquisa constitutivo do discurso como objeto. Foi assim nos momentos iniciais de elaboração da ADF e continuou sendo um problema de relevância no desenvolvimento de diferentes deslocamentos conceituais que começaram a gestar-se por volta dos anos 80. A continuidade do problema da relação do discurso com o seu exterior deve-se, ao nosso entender, ao fato de que - ao propor esse vínculo constitutivo - os estudos da ADF, mais que resolver um debate perante outras perspectivas, abriram - para si mesmo - um novo objeto de indagação.

O objetivo deste trabalho é contribuir com a reflexão sobre a relação entre o discursivo e o extradiscursivo como problema na ADF. Em primeiro lugar, recuperaremos o que chamamos de "aposta inicial" desta aventura teórica, que deixou uma base comum de categorias que redefiniram a relação do discurso com o seu exterior, tais como as formações discursivas e as condições de produção. Nesse primeiro momento, foi fundamental colocar em relação o discurso com a ideologia (MONTERO, 2014_______. El análisis francés del discurso y el abordaje de las voces ajenas. In: CANALES, M. (Comp.): Escucha de la escucha. Análisis e interpretación en la investigación cualitativa. Santiago de Chile: LOM- FACSO, 2014, p.247-273.), assim como apontar o foco na constituição histórica dos enunciados (GOLDMAN, 1989GOLDMAN, E. El discurso como objeto de la historia. El discurso político de Mariano Moreno. Buenos Aires: Hachette, 1989.). Identificaremos as características do vínculo estabelecido entre o discurso e o seu exterior e os problemas que esta perspectiva inaugurou.

As propostas de abordagens conceituais e metodológicas posteriores foram diversas. Por isso, recuperaremos, em um segundo momento do trabalho, duas formas de abordagem da relação do discurso com o ideológico e, em termos mais abrangentes, com o extradiscursivo, que tem levantado algumas divergências na ADF4 4 Nosso interesse na abordagem de ambas as propostas surgiu da identificação de uma polêmica entre elas em diversos números da revista Langages, recuperados no presente trabalho. . Uma centraliza-se na noção de "interdiscurso"; a outra se orienta pelos conceitos de "conjuntura" e "acontecimento". As produções da década de 70 evidenciam perguntas diferentes sobre a relação do discurso com o seu exterior, exibindo diferentes ênfases na tarefa de conceitualização do discurso. Esse cenário pode vincular-se à passagem para um segundo momento da ADF que, conforme diferentes periodizações, começou a manifestar-se por volta da década de 80 (MONTERO, 2014_______. El análisis francés del discurso y el abordaje de las voces ajenas. In: CANALES, M. (Comp.): Escucha de la escucha. Análisis e interpretación en la investigación cualitativa. Santiago de Chile: LOM- FACSO, 2014, p.247-273.; MALDIDIER, 1992MALDIDIER, D. La inquietud del discurso. Un trayecto en la historia del análisis del discurso: el trabajo de Michel Pêcheux. Revista Signo y Seña, Buenos Aires, Nº 1, 1992, p.199-213.; GOLDMAN, 1989GOLDMAN, E. El discurso como objeto de la historia. El discurso político de Mariano Moreno. Buenos Aires: Hachette, 1989.). "Momento enunciativo" (MONTERO, 2014_______. El análisis francés del discurso y el abordaje de las voces ajenas. In: CANALES, M. (Comp.): Escucha de la escucha. Análisis e interpretación en la investigación cualitativa. Santiago de Chile: LOM- FACSO, 2014, p.247-273.) ou "estudos da enunciação" (GOLDMAN, 1989GOLDMAN, E. El discurso como objeto de la historia. El discurso político de Mariano Moreno. Buenos Aires: Hachette, 1989.) são denominações que sintetizam o deslocamento da indagação para as problemáticas próprias da enunciação e do lugar do sujeito no seu próprio discurso. Assim, é possível estabelecer uma revisão crítica das categorias elaboradas nos anos prévios e na elaboração de reformulações que pretenderam uma maior sensibilidade diante do caráter dos acontecimentos do discurso e do problema da heterogeneidade e do outro5 5 Estas transformações situaram-se no marco de uma reconfiguração do campo acadêmico, a partir do retorno ao sujeito e ao questionamento das positividades globalizadoras (MALDIDIER, 1992). Pêcheux (2013) faz referência a elas como o afundamento do estruturalismo político francês. .

As propostas teóricas e metodológicas que analisaremos situam-se nesta transição, pois surgem na década de 70 e cada uma constitui sua marca específica nos anos seguintes. Podemos pensar, tal como aponta Guilhaumou (2006)GUILHAUMOU, J. Discours et événement. L'histoire langagière des concepts. Annales littéraires, Besançon, Nº 804, 2006., que os deslocamentos conceituais operaram uma mudança na significação dos termos do debate, mas não afetaram os lugares pelos quais ele discorria. Um deles é a relação do discurso com o seu exterior e nele nos adentraremos a continuação.

1 A aposta inicial: a aventura pela materialidade discursiva

Uma das elaborações mais valiosas da ADF é a sua reconceitualização do discurso. Diferentes autores, como R. Robin (1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142., 1986)_______. Postface. L'analyse du discours entre la linguistique et les sciences humaines: l'éternel malentendu. Langages, Paris, 21 année, n.º 81, 1986., M. Pêcheux (1975)PÊCHEUX, M., FUCHS, C. Mises au point et perspectives à propos de l'analyse automatique du discours. Langages, Paris, Nº 37, 1975, p.7-80. ou J. Courtine (1981)COURTINE, J. J. Analyse du discours politique (le discours communiste adressé aux chrétiens). Paris, Langages, Nº 62, jun.1981. http://www.felsemiotica.org/site/wp-content/uploads/2014/10/Langages-62-1981-An%C3%A1lisis-del-discurso-pol%C3%ADtico-el-discurso-comunista-dirigido-a-los-cristianos.pdf
http://www.felsemiotica.org/site/wp-cont...
, discutiram a dupla redução que operava sobre o discurso devido à predominância de enfoques empiristas, formalistas e subjetivistas no contexto acadêmico: do discurso à língua, como objeto ideologicamente neutro; e ao código, na sua função puramente informativa (ROBIN et al., 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142.). Para esses autores, tratava-se de libertar a materialidade específica do discursivo, dada pela inscrição de efeitos de sentido na história.

A colocação em destaque da referida materialidade permitia discutir a noção puramente referencial do discurso, sob a qual a discursividade não era mais do que uma "vidraça embaçada" pelas formas subjetivas da linguagem, por meio da qual poderiam "espiar-se" as coisas reais (PÊCHEUX, 1994PÊCHEUX, M. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI PUCINELLI, E. (org.). Gestos de leitura da história no discurso. Campinas: UNICAMP, 1994.). Por outro lado, também se criticava a concepção do discurso como mera superfície de inscrição de processos que aconteciam fora de si mesmo, derivando seu caráter de uma lógica global ou núcleo central (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. La arqueología del saber. Trad. Aurelio Garzón del Camino. 2. ed. Buenos Aires: Siglo XXI, 2008.). Dessa maneira, afetava-se substancialmente a relação do discurso com "as coisas". "Não se trata de interpretar o discurso para fazer através dele uma história do referente" (FOUCAULT, 1987, p.54)6 6 FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Trad. Luiz Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987. , nem de extrapolar as lógicas de outros processos sociais do discurso, mas de advertir a relação constitutiva e mediada entre ele e o extradiscursivo7 7 Sobre isso, Aguilar et al. (2014) aprofundam estas duas concepções sobre o discurso, que a ADF contribuiu para discutir, denominando-as teorias (ou ideologias) liberais/idealistas e mecanicistas. As primeiras entendem o discursivo como produção dos sujeitos, considerando-os responsáveis da sua enunciação, enquanto a segunda deriva a dinâmica e o sentido do discurso de um princípio homogêneo e unitário que lhe é exterior. . As concepções referenciais ou do discurso como sintoma de outros fenômenos sociais bloqueavam a problematização do discursivo com o seu exterior: a relação de transparência ou de sintomatização implicava uma negação do discursivo como ordem específica. Ao resgatar a materialidade própria do discurso, que consiste em que este forma os objetos dos quais "fala" e, portanto, produz efeitos, a relação com os processos sociais de tipo não discursivo começou a tornar-se problemática.

A tese de que os objetos se formam no interior do discurso levou a afirmar que o sentido não está determinado univocamente pela correlação entre palavras e referentes, mas pela rede tecida entre enunciados. Isso constituiu uma ruptura teórica central. Assim chegamos à noção de formação discursiva (FD), também recuperada de Foucault. Para este autor, o discurso constitui uma ordem regulada: objetos, tipos de enunciação, conceitos e escolhas temáticas seguem regras de formação anônimas, no interior do discurso, a partir das quais podem identificar-se regularidades. Uma FD constitui um conjunto de enunciados que seguem um princípio de repartição determinado (surgimento, sucessão, repetição, transformação). Desse modo, o discurso não seria considerado como sinônimo de tudo o que foi dito/escrito, mas como "um objeto construído, distinto do objeto empírico, do encaixamento de frases" (MALDIDIER, 2011, p.46)8 8 MALDIDIER, D. A inquietude do discurso. Um trajeto na história da análise do discurso: o trabalho de Michel Pêcheux. In: PIOVEZANI, C. e SARGENTINI, V. (orgs). Legados de Michel Pêcheux: inéditos em análise do discurso. Sao Paulo: Contexto, 2011, 39-62. , constituído pelas formas de regulação do dizível/pensável e do não dito. Estabeleceu-se, então, um vínculo íntimo entre "[...] o que é dito aqui (em tal lugar), e dito assim e não de outro jeito, com o que é dito em outro lugar e de outro modo", pois se pretendia "ouvir" a presença do não-dito no interior do que é dito (PÊCHEUX, 2006, p.44)9 9 PÊCHEUX, M. O discurso. Estrutura ou Acontecimento. Trad. Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes Editores, 2006. .

A categoria FD de Foucault foi reelaborada a partir do momento em que a relacionou com o conceito de ideologia, de L. Althusser (ROBIN et al., 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142.; PÊCHEUX y FUCHS, 1975PÊCHEUX, M., FUCHS, C. Mises au point et perspectives à propos de l'analyse automatique du discours. Langages, Paris, Nº 37, 1975, p.7-80.; MALDIDIER, 1986, 1992)MALDIDIER, D. La inquietud del discurso. Un trayecto en la historia del análisis del discurso: el trabajo de Michel Pêcheux. Revista Signo y Seña, Buenos Aires, Nº 1, 1992, p.199-213.. Com isso, buscava-se restituir a relação entre os processos discursivos e o decorrer das formações sociais, no marco de uma perspectiva de totalidade10 10 A referida perspectiva de totalidade esteve influenciada pela noção de "totalidade complexa" formulada por Althusser. Esta constituía um efeito global estruturado pela acumulação de contradições desiguais e pelas relações de sobredeterminação que se gestam numa conjuntura dada. A dominância de uma contradição sobre as outras não pode ser deduzida de antemão, mas a partir da análise empírica da conjuntura em questão. que situava o discursivo no seio da região das superestruturas. Segundo Althusser (1976ALTHUSSER, L. La revolución teórica de Marx. Trad. Martha Harnecker. México: Siglo XXI, 1976., 1988)_______. Ideología y aparatos ideológicos del Estado: Freud y Lacan. Trad. Jose Sazbon y Alberto J. Pla. Buenos Aires: Nueva Visión, 1988., as relações ideológicas encontram-se imediatamente presentes nos processos de produção e circulação e exercem determinações eficazes sobre a determinação, em última instância, do econômico. Nesse sentido, Pêcheux e Fuchs apontavam "a insuficiência de considerar a superestrutura ideológica como a expressão da 'base econômica', como se [...] fosse constituída pela 'esfera das ideias' acima do mundo das coisas, dos fatos econômicos" (1990, p.165; itálicos no original)11 11 PÊCHEUX, M, e FUCHS, C. A propósito da Análise Automática do Discurso: Atualização e Perspectivas. In: GADET e HAK (org). Por uma análise automática do discurso. 3 ed. Campinas, SP: Unicamp, 1990. .

A concepção de ideologia tinha, deste modo, uma aguda preocupação acerca do discursivo e sua materialidade: as ideologias não eram pensadas como expressão de uma falsa consciência, nem como a produção de um sujeito livre, tampouco como um sistema transcendental que emanava da estrutura de classes, mas em seu caráter de forças sociais em luta (ROBIN et al., 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142.). Podemos pensar que a conceitualização sobre o discursivo esteve imbuída dessa série de premissas que modelavam o ideológico. A identificação dessas materialidades alertava sobre o risco de uma análise transitiva e mecanicista das relações entre formação social, ideologia e discurso (ROBIN et al., 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142.).

Seguindo este raciocínio, o discurso não se identificava nem se reduzia à ideologia, mas conformava um dos seus aspectos materiais:

As formações ideológicas12 12 Pêcheux y Fuchs (1975) definem uma formação ideológica como a configuração que adquire, na conjuntura ideológica de uma sociedade dada, uma força capaz de confrontar-se com outras, a partir de um encaixe de atitudes e representações. Esta confrontação está vinculada a posições de classe. [...] comportam necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas que determinam o que pode e deve ser dito [...] a partir de uma posição dada [...], numa certa relação de lugares no interior de um aparelho ideológico e inscrita em uma relação de classes (PÊCHEUX y FUCHS, 1990PÊCHEUX, M. Lecture et mémoire: projet de recherche. En: L´inquietude du discours. 1983. Paris: des Cendres, 1990, p.285-293., p.166-167)13 13 Ver nota de rodapé 11. .

O regime de formação dos objetos discursivos já não teria referência, como em Foucault, às regras anônimas, da própria dinâmica do discurso, e sim ao processo de interpelação ideológica em uma sociedade atravessada pelo conflito de classes. Por esta via, o sujeito da enunciação tornou-se mais complexo, por não fornecer mais qualquer garantia ao sentido do seu próprio discurso e ver-se confrontado pela própria posição de classe, pelos processos de interpelação ideológica e pelo seu próprio inconsciente14 14 A questão do sujeito do discurso é amplamente desenvolvida por: ROBIN et. al, 1972, PÊCHEUX e FUCHS, 1975; COURTINE, 1981; DUCROT, 1990; AUTHIER-REVUZ, 1990. .

A união com a teoria das ideologias permitia reintroduzir o discurso na dinâmica das formações sociais e econômicas, tornando-se evidente o problema da sua articulação com o extradiscursivo (ROBIN et al., 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142.). Surgiu, então, uma ideia fundamental dentro desta aposta inicial: a de "condições de produção". Ao descentralizar-se o sujeito e a situação de enunciação na compreensão do discurso, esta categoria resultou nodal para "desarmar" o discurso em seu caráter evidente e esmiuçar a sua constituição pelas formações discursivas, inscritas em formações ideológicas. As condições de produção compreenderam diferentes níveis de formação dos processos discursivos, integrando desde condições relativas à enunciação até modalidades de formação a partir de redes de enunciados15 15 A esse respeito, é fundamental a referência à Courtine (1981), que sistematiza a conceitualização sobre as condições de produção. Devido à especificidade da sua proposta não foi possível recuperá-la nos limites deste trabalho. .

A inversão das concepções referenciais e mecanicistas do discurso, pela qual se passava a considerar que os objetos formam-se no interior dos processos discursivos, permitiu interrogar a relação que é estabelecida com os elementos exteriores ao discurso. A problematização do discursivo em sua relação com os processos extralinguísticos foi fundamental para sua reconceitualização como objeto teórico. Ao destacar a sua materialidade, permitiu abrir rumos para pensar nos vínculos como o exterior. De fato, trata-se de um "interior" constitutivamente ligado ao seu "exterior", porque os processos de formação discursiva não seguem uma lógica autônoma, nem imanente, pois estão inseridos na totalidade social, inscritos nos processos e lutas ideológicas. Afirmamos aqui que esta relação se torna problemática porque os autores inicialmente negaram-se a considerá-la como imediata ou de forma determinista.

As abordagens que problematizaremos na continuidade propõem diferentes formas de mediação entre essas duas ordens. As mediações analíticas apresentam uma complexidade importante se consideramos os diferentes "exteriores" do discursivo que são postos em jogo na sua própria constituição. Um nível de exterioridade é o da própria língua que, sendo estrutura, apresenta uma relativa autonomia em termos de funcionamento ideológico e molda o discursivo (COURTINE, 1981COURTINE, J. J. Analyse du discours politique (le discours communiste adressé aux chrétiens). Paris, Langages, Nº 62, jun.1981. http://www.felsemiotica.org/site/wp-content/uploads/2014/10/Langages-62-1981-An%C3%A1lisis-del-discurso-pol%C3%ADtico-el-discurso-comunista-dirigido-a-los-cristianos.pdf
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). Também os processos ideológicos, de lutas e relações de força, estão atados às formações discursivas; mas de que maneira? Por quais mecanismos? Finalmente, outra série de processos sociais, tais como os econômicos, políticos e culturais encontram-se em íntima relação com o desenvolvimento das lutas ideológicas: é possível desentranhar uma área de mediação entre eles e os discursos?

Por outro lado, a conceitualização sobre o tipo de relação entre o discurso e esses diversos "exteriores" ficou mais complexa diante de duas questões: as concepções de tempo histórico e de sujeito. A homogeneidade e continuidade do tempo histórico viram-se questionadas por estas primeiras conceitualizações. Elas inscreveram os enunciados em redes de formulações produzidas em condições diferentes e temporalidades heterogêneas. O registro da historicidade resultante propôs um tempo presente habitado por outras temporalidades atuantes. Por outro lado, o sujeito, considerado dividido, "dominado" pela ideologia e pelo inconsciente, resultou descentralizado no seu dizer16 16 Poderíamos considerar o inconsciente como um nível de exterioridade a respeito do discursivo? No que se refere às condições de produção do discurso, Pêcheux se referia às formações imaginárias que intervêm na sua constituição, a qual nos fala de um nível subjetivo e imaginário que opera constitutivamente e de forma exterior. . Essa série de problemas concentraram-se na tensão entre o nível do intradiscurso17 17 Segundo Courtine (1981), "intradiscurso" remete à formulação de uma sequência discursiva concreta, ao estado terminal do discurso, que manifesta uma coerência visível e horizontal entre elementos formados. e o do interdiscurso e o extradiscursivo. Abordaremos, a seguir, duas propostas que constituem diferentes formas de "resolução" ou abordagem destas tensões.

2 O "interdiscurso": entre formulações iniciais e deslocamentos de sentido19 19 Sua constituição remete ao processo análogo de desenvolvimento desigual das contradições que propõe Althusser (1976) para pensar uma totalidade complexa.

A noção de "interdiscurso" é uma peça chave no esquema teórico-metolodógico proposto por Pêcheux para abordar o processo de formação de discursos na sua relação com a ideologia. Ao longo da sua obra operaram-se vários deslocamentos de significação sobre esta categoria, que separa as produções mais sistemáticas da década de 70 daquelas elaboradas a partir dos anos 80 (GLOZMAN e MONTERO, 2010GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96.; MONTERO, 2014_______. El análisis francés del discurso y el abordaje de las voces ajenas. In: CANALES, M. (Comp.): Escucha de la escucha. Análisis e interpretación en la investigación cualitativa. Santiago de Chile: LOM- FACSO, 2014, p.247-273.).

Em uma primeira elaboração, o interdiscurso conformava um domínio existente a partir da articulação de diferentes formações discursivas. Não se trata de uma justaposição nem de um enfrentamento entre discursos, pois estes não se situam em posições simétricas a partir das quais possam referir-se entre si. Em lugar disso, as relações entre diferentes FD estruturam-se a partir das contradições que apresentam entre si, das quais surge a dominância de uma sobre as outras19 19 Sua constituição remete ao processo análogo de desenvolvimento desigual das contradições que propõe Althusser (1976) para pensar uma totalidade complexa. . As formas de "articulação" podem entender-se, então, como relações de antagonismo, aliança, absorção, etc. Assim, nas suas primeiras formulações, o aspecto definitivo do interdiscurso é seu caráter de todo complexo e articulado, contraditório e desigual, das formações discursivas (GLOZMAN y MONTERO, 2010GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96.). Este molda, de forma exterior, os elementos de uma determinada FD.

Visto que uma FD delimita aquilo dizível/pensável daquilo que não é formulável por ela, as "ausências" no seu interior nos falam das relações que mantêm com outras formações discursivas, em termos de confrontação, subsunção, aliança, etc. Desse modo, "uma formação discursiva é constituída-delimitada pelo que lhe é exterior, logo por aquilo que é aí estritamente não-formulável, já que a determina" (PÊCHEUX y FUCHS, 1990PÊCHEUX, M. Lecture et mémoire: projet de recherche. En: L´inquietude du discours. 1983. Paris: des Cendres, 1990, p.285-293., p.177)20 20 Ver nota 11. . O interdiscurso conforma-se por aqueles discursos cujo enunciador foi esquecido, que constituem o exterior específico de um processo discursivo, pois são "a causa real das ausências desse processo discursivo" (GLOZMAN y MONTERO, 2010GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96., p.85)21 21 O artigo foi publicado em espanhol. No texto original: "la causa real de las ausencias de ese proceso discursivo". . O não-formulável constitui aquilo que não se pode dizer porque domina o dito. O caráter exterior e anterior do interdiscurso configura-o como uma evidência e é por isso que é impensável e, inclusive, indistinguível no interior do discurso.

O interdiscurso é um conceito de mediação entre as formações discursivas e ideológicas. As relações de desigualdade, subordinação e contradição existentes entre diferentes formações discursivas dizem respeito às relações que se estabelecem entre as formações ideológicas nas quais aquelas estão inscritas. Como apontam Glozman e Montero (2010)GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96., o interdiscurso estrutura-se como um todo complexo com dominante das formações discursivas, do mesmo modo em que se articula o todo complexo das formações ideológicas, estabelecendo-se um paralelismo entre esses dois níveis. Como expusemos nos parágrafos anteriores, a concepção do ideológico é extremamente próxima da definição do discursivo: ambas as ordens têm uma materialidade própria, produzem efeitos, sujeitos, instituições, práticas, e se articulam com outros processos sociais. Por isso, as autoras argumentam que nessas primeiras elaborações "a noção de interdiscurso está sobredeterminada pelo 'todo complexo' das formações ideológicas" (GLOZMAN y MONTERO, 2010GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96., p.95)22 22 No texto: "La noción de interdiscurso está sobredeterminada por el 'todo complejo' de las formaciones ideológicas" . Os mecanismos de articulação entre um nível e outro não ficam ao todo determinados, mas iluminados a partir desse paralelismo.

Segundo estas formulações, o interdiscurso configura-se como um domínio inapreensível, exceto pelos seus efeitos. Como aponta Montero "o interdiscurso aparece cristalizado linguisticamente na figura do pré-construído, estruturas sintáticas [...] que constituem as "marcas de construções anteriores [...]" (MONTERO, 2014_______. El análisis francés del discurso y el abordaje de las voces ajenas. In: CANALES, M. (Comp.): Escucha de la escucha. Análisis e interpretación en la investigación cualitativa. Santiago de Chile: LOM- FACSO, 2014, p.247-273., p.251)23 23 O artigo foi publicado em espanhol. No texto original: "el interdiscurso aparece cristalizado lingüísticamente en la figura del preconstruido, estructuras sintácticas [...] que constituyen las "huellas de construcciones anteriores (...)". . O interdiscurso conforma o "lugar" no qual se constituem objetos dos quais o enunciador se apropria para fazer deles objetos do seu próprio discurso, assim como também tece o "fio condutor" que encadeia esses objetos e lhe dá coerência e linearidade na sequência enunciada. O interdiscursivo remete às evidencias pelas quais o sujeito organiza o seu discurso e encadeia os objetos, como se eles estivessem ali de antemão (COURTINE, 1981COURTINE, J. J. Analyse du discours politique (le discours communiste adressé aux chrétiens). Paris, Langages, Nº 62, jun.1981. http://www.felsemiotica.org/site/wp-content/uploads/2014/10/Langages-62-1981-An%C3%A1lisis-del-discurso-pol%C3%ADtico-el-discurso-comunista-dirigido-a-los-cristianos.pdf
http://www.felsemiotica.org/site/wp-cont...
).

Por esta via, a enunciação foi redefinida, sendo pensada como "uma série de determinações sucessivas pelas quais o enunciado se constitui pouco a pouco, e que têm por característica colocar o "dito" e em consequência rejeitar o "não- dito" (PÊCHEUX y FUCHS, 1990PÊCHEUX, M. Lecture et mémoire: projet de recherche. En: L´inquietude du discours. 1983. Paris: des Cendres, 1990, p.285-293., p.175-176)24 24 Ver nota 11. . Pêcheux e Fuchs consideravam que a "ilusão" de que o sujeito é a garantia de sentido do seu próprio dizer é um efeito ideológico, que esconde a interpelação ideológica e a união do dito ao interdiscurso. Como consequência, distinguiram duas ordens: a dos processos enunciativos, nos quais o sujeito apropria-se dos objetos presentes no interdiscurso, de maneira não consciente25 25 O acesso dos sujeitos aos processos de formação discursiva é explicado por Pêcheux a partir das categorias de inconsciente e pré-consciente. A este respeito, pode-se ver Pêcheux e Fuchs (1975) e a teoria dos dois esquecimentos. Esta é oportunamente explicada por Glozman e Montero (2010) e Aguilar et al. (2014). ; e a dos processos de formação do discurso, governados pelo interdiscurso, não apreensível linguisticamente e indistinguível no dito, pois organiza e encadeia seus elementos. Assim, o interdiscurso assumiu "um status teórico semelhante ao do inconsciente ou ao da ideologia" (GLOZMAN y MONTERO, 2010GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96., p.81)26 26 No original: "Un estatus teórico semejante al de inconsciente o al de la ideología". .

As obras tardias de Pêcheux, dos anos 80, introduziram deslocamentos na sua elaboração. Maldidier (1992)MALDIDIER, D. La inquietud del discurso. Un trayecto en la historia del análisis del discurso: el trabajo de Michel Pêcheux. Revista Signo y Seña, Buenos Aires, Nº 1, 1992, p.199-213. apontava que o quadro teórico desenhado a partir das conceitualizações de FD e interdiscurso tinha produzido uma ilusão de totalidade fechada, que posteriormente foi revisada. Advertiu-se criticamente que "sob a dominação da ideologia dominante e do interdiscurso, o sentido se forma na formação discursiva, à revelia do sujeito que, ignorando seu assujeitamento à ideologia, se crê dono do seu discurso [...]" (MALDIDIER, 2011, p.52; itálicos no original)27 27 Ver nota 8. . Revisou-se, então, o caráter fechado sobre si do esquema, originado na noção de sentido parafrástico, na dominância do não-formulável sobre a asserção, do já dito sobre o enunciável.

Assim como se revisou a participação do sujeito, produziu-se uma crítica ao registro da historicidade que a noção de discurso forjava, pelo qual o já dito dominava a enunciação. A este respeito, apontava Pêcheux:

Não se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerólito miraculoso, independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe, mas de sublinhar que, só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos: todo discurso é potencialmente o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (2006, p.56; itálicos no original)28 28 Ver nota 9. .

Esta autocrítica alcançou o conceito de FD que, segundo Pêcheux:

Derivou muitas vezes para a ideia de uma máquina discursiva de assujeitamento dotada de uma estrutura semiótica interna e por isso mesmo voltada à repetição: [...] esta concepção estrutural da discursividade desembocaria em um apagamento do acontecimento, através de sua absorção em uma sobre-interpretação antecipadora (2006, p.56; itálicos no original)29 29 Ver nota 9. .

O interdiscurso manteve sua vigência nos trabalhos do autor mas, a partir desta revisão, passaria a estar ligado às redes de memória nas quais os enunciados se inscrevem, que, além de sua repetibilidade, regem a sua transformação e esquecimento. A partir desta reelaboração, o interdiscurso começou a tornar-se acessível mediante "séries de tecidos de indícios legíveis que constituem um corpo sócio-histórico de marcas" (PÊCHEUX, 1990PÊCHEUX, M. Lecture et mémoire: projet de recherche. En: L´inquietude du discours. 1983. Paris: des Cendres, 1990, p.285-293., p.90)30 30 Não foi possível encontrar tradução publicada ao português. No texto original: "[...] séries de tissus d´indices lisibles, constituant un corps sociohistorique des traces". . Assim, produziu-se uma justaposição com a noção de memória discursiva, cujo efeito foi aligeirar a densidade das formações discursivas como conjunto estabilizado e estruturado, ao asseverar-se que o sentido sempre exerce transformações sobre si "no relançar indefinido das interpretações" (PÊCHEUX, 2006, p.51)31 31 Ver nota 9. . Desse modo, desestabilizou-se o sentido das formações discursivas como estruturas fechadas, para abrir maior espaço à agência discursiva (MALDIDIER, 1992MALDIDIER, D. La inquietud del discurso. Un trayecto en la historia del análisis del discurso: el trabajo de Michel Pêcheux. Revista Signo y Seña, Buenos Aires, Nº 1, 1992, p.199-213.), ao acontecimento e à reflexividade da discursividade.

Como assinalam Glozman e Montero (2010)GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96., manteve-se o caráter exterior, anterior e constitutivo do interdiscurso, mas esvaiu-se o sentido de totalidade complexa, articulada pela contradição. As autoras marcam que, ao perder-se este caráter de totalidade, o vínculo com o todo complexo das formações ideológicas ficou diminuído, reafirmando-se a capacidade de um enunciado de transformar o seu sentido. Assim é que concluem que a desestabilização da determinação, em última instância, das formações ideológicas constituiu a condição de possibilidade para a reformulação do interdiscurso.

A partir desse breve percurso, podemos dar conta da relevância do interdiscurso para a conceitualização do discursivo e sua relação com o ideológico nas produções de Pêcheux. Isto se deve a que as formações discursivas se estruturam a partir de um complexo de relações que mantêm entre si, organizadas pelas contradições entre as formações ideológicas de que são parte. Assim, o dizível em um momento histórico é indissociável dos processos e lutas ideológicas que também configuram o pensável. Por outro lado, o interdiscurso ilumina uma formação "vertical" dos discursos: estes se constituem historicamente a partir da sua relação com os enunciados já ditos, repetindo-os, transformando-os, omitindo-os ou esquecendo-os. Desse modo, o discurso presente está inscrito em uma trama histórica de discursos já ditos e em uma posição determinada a respeito dos aparelhos ideológicos de uma sociedade dada. Ao iluminar as relações de contradição entre os discursos, o interdiscurso permite pensar os conflitos ideológicos que os atravessam.

Nas suas primeiras formulações, o interdiscurso ocupou um espaço de "mediação" para pensar a relação entre o discursivo e o ideológico. Não porque este fosse um conceito de escala "intermediária", mas porque permitia demarcar uma área de fronteira em que as duas ordens se relacionavam. Falamos de uma "fronteira", pois os mecanismos de articulação entre o discurso e a ideologia não estavam propriamente identificados, em lugar disso a penetração de ambas as ordens gerava-se devido ao fato de que o discurso se organizava como tal a partir das relações de contradição que distribuíam as posições entre formações ideológicas. Devido a isso o efeito do interdiscurso na constituição dos discursos é silencioso, quase inapreensível no seu correlato linguístico.

A presença contínua e silenciosa do interdiscurso portava dois riscos. O primeiro era que a imersão do sujeito na ideologia e no interdiscurso não se configurava como algo a explicar, mas constituía um suposto dentro do funcionamento do interdiscurso. Em segundo lugar, o discurso presente podia ser interpretado no marco das relações "parafrásicas" com enunciados já ditos e a constituição histórica assimilar-se a modalidades de repetição dos elementos outorgados a uma FD. Assim, a conjuntura podia ser compreendida no marco do historicamente constituído e não do potencialmente emergente. Do mesmo modo, o sujeito individual - mas poderíamos pensar, de igual modo, os sujeitos coletivos - não tinha lugar nestes processos de formação do discurso, apenas nos de "formulação" que, segundo as formas de conceitualização que temos reconstruído, corria o risco de propor-se como contínua "reformulação". Nesse sentido, cabem as críticas que os historiadores da ADF faziam a respeito: esta forma de abordagem do discursivo tinha o risco de dar por suposta a ordem ideológica, tomando como base para os estudos empíricos hipóteses não problematizadas de investigações historiográficas ou sociológicas.

As reformulações posteriores do conceito foram sensíveis a respeito deste ponto problemático, modificando o regime de historicidade e o tipo de participação dos sujeitos individuais e coletivos na configuração da ordem discursiva. A justaposição da categoria de interdiscurso com a de memória discursiva gerou a colocação em foco dos efeitos de memória na constituição do discurso (tanto das modalidades enunciativas como dos enunciados). Sob esta concepção, a ordem interdiscursiva passou a definir-se como um todo complexo e a estar referida às redes de memória apreensíveis mediante pegadas linguísticas. É preciso destacar que a definição do interdiscurso como um todo complexo permitia traçar um funcionamento análogo ao todo complexo das formações ideológicas. Então, o deslocamento na direção de sua definição como "redes" diluiu a intersecção com a ordem ideológica. Ainda que a inscrição do discursivo nos processos ideológicos não tenha sido um eixo de reelaboração, não foram produzidas novas mediações analíticas para abordar esta relação.

Apesar disso, a noção de interdiscurso abriu uma via fértil de indagação sobre a constituição histórica do discurso, identificando as tramas de historicidade diversas que confluem nele e que fazem dele um objeto com densidade própria.

3 A prática discursiva em foco: a escala da conjuntura e do acontecimento32 33 No texto original: "Le statut du discours historique, son rapport à une formation sociale, et en particulier à l'instance idéologique, et son rapport à une synchronie linguistique".

Encontramos outro tipo de problematizações sobre o vínculo entre as ideologias e o discursivo, nas quais adquiriram maior centralidade as categorias de "prática discursiva" e de "conjuntura". Foram produzidas por um conjunto de historiadores no marco da ADF, como R. Robin, J. Guilhaumou e D. Maldidier.

Estes autores destacavam que, no marco da teorização sobre o discursivo a partir da ideologia, a história e a linguística, se desenvolveram problemas que vinham sendo abordados por cada uma dessas disciplinas (ROBIN et al., 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142.). No caso da história, a pergunta vigente se relacionava com "o status do discurso histórico, sua relação com uma formação social, e em particular com a instância ideológica, e sua relação com uma sincronia linguística" (ROBIN et al., 1972, p.117)33 33 No texto original: "Le statut du discours historique, son rapport à une formation sociale, et en particulier à l'instance idéologique, et son rapport à une synchronie linguistique". . Desde a linguística, tratava-se do status do discurso e "dos problemas dados pela exclusão e a necessidade de reintegração de tudo aquilo que foi chamado de 'extralinguístico'" (ROBIN et al., 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142., p.117)34 34 No original: "Les problèmes posés par l'exclusion et la nécessité de réintégration de tout ce qui fut appelé 'extra-linguistique'". . Trata-se, em suma, dos problemas que estamos abordando.

Robin, Normand e Maldidier (1972)ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142. questionaram o lugar da enunciação na conceitualização do discurso. Por um lado, recuperaram o limite apontado pela ADF a respeito das perspectivas puramente enunciativas, que consideravam prioritariamente a situação de enunciação como condicionante dos processos discursivos. Assim, advertiam sobre a relevância das determinações do sujeito no seu dizer pela ideologia, pela classe, pela língua, pelo inconsciente. Não obstante, também discutiram que essas determinações negavam a intervenção constante do sujeito no discurso próprio. O processo de enunciação revelava a agência discursiva dos sujeitos e a relevância do significante nos processos de interpelação ideológica. Por isso era preciso incorporá-lo na conceitualização do discurso.

Daí que advertissem que certas categorias da ADF apresentavam limitações para desenvolver este olhar sobre o discursivo. Isto as levou a realizar uma apreciação crítica das categorias de Foucault que a ADF tinha retomado, com o objetivo de identificar e superar certas reduções conceituais para pensar a relação entre o discursivo e o extradiscursivo, entre a formação histórica do discurso e uma sincronia linguística. Para as autoras, ao fazer referência à história, Foucault tinha assinalado a necessária relação entre práticas discursivas e não discursivas. Mas o fez a partir de conceitos gerais que não permitiram uma tradução analítica que orientasse o trabalho investigativo. Nesse sentido, o risco era considerar que as regras que formam o discursivo são internas a esta ordem e que este adquirisse uma dinâmica autogerada. Por outro lado, Foucault tinha omitido o nível linguístico e a materialidade do significante, ao considerar que a formação dos enunciados dava-se na beira da linguagem. Uma última redução, segundo as autoras, estava dada pela negação tácita ao estabelecimento de causalidades, a partir do predomínio da descrição na proposta arqueológica do autor.

Em virtude desses problemas, as autoras propunham redefinir a noção de prática discursiva nos modos como tinha sido proposta por Foucault, para que esta pudesse incluir a interação com o extralinguístico. Por outro lado, também o conceito de FD devia poder abordar a relação dos eventos discursivos com as determinações extradiscursivas (instituições, relações sociais, econômicas, etc.), a fim de estabelecer formas de explicação dos processos discursivos e não só de descrição. Para as autoras, as formações discursivas se constituíam pelos princípios de articulação entre o discursivo e o extradiscursivo, pois tratava-se de formações que moldam práticas no seio de instituições sociais concretas.

No texto citado, também mantiveram um debate com Pêcheux. Mostravam que, no seu modelo de análise, os processos de produção de sentido tinham o sujeito como um suporte ou efeito (da ideologia), mais do que como agente. Observavam criticamente o domínio do interdiscurso sobre a fronteira entre os elementos dizíveis e não dizíveis. Finalmente, consideravam que esta passagem terminava explicando-se pela identificação do sujeito da enunciação com a posição do sujeito da formação ideológica na qual se inscrevesse a FD de referência. Nesta perspectiva,

A noção de enunciação encontra-se totalmente repensada e reformulada: trata-se de processos pelos quais 'o 'sujeito falante' toma posição pela relação que estabelece com as representações das quais é suporte, essas representações encontram-se plasmadas pelo 'preconstruído' linguisticamente analisável' (Pêcheux, 1978) (ROBIN et al., 1975, p.138; itálicos no original)35 35 No original: "La notion d'énonciation se trouve totalement repensée et reformulée: il s'agit des processus par lesquels '... le 'sujet parlant' prend position par rapport aux représentations dont il est le support, ces représentations se trouvant réalisées par du 'préconstruit' linguistiquement analysable'". .

Criticavam a perda de substância das práticas discursivas do seu esquema conceitual, ao propor sua montagem no complexo conformado pelas práticas de ordem ideológica. "Não é a esse preço que faremos entrar a teoria do discurso no materialismo histórico", concluíam a respeito (ROBIN et al., 1975, p.138)36 36 No original: "Ce n'est qu'à ce prix qu'on fera entrer la théorie du discours dans le matérialisme historique". .

Para as autoras, a noção de "práticas discursivas" ancorava-se na definição do discurso como prática social, resultante das "regras da sua organização interna e das regras da sua articulação com outras práticas discursivas e práticas não discursivas" (ROBIN et al., 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142., p.129)37 37 No original: "Les règles de son organisation interne et les règles de son articulation aux autres pratiques discursives et aux pratiques non discursives". . As autoras recuperavam o produzido no campo da ADF para pensar essas determinações, mantendo a categoria articuladora de totalidade social complexa. Não obstante, advertiam em desafio aberto: "Todo o problema é aqui precisamente o de pensar o status desta necessidade" (ROBIN et al., 1972, p.130)38 38 No original: "Tout le problème est ici précisément de penser le statut de cette nécessité". . Para elas, as determinações das práticas discursivas - socialmente regulamentadas e institucionalizadas - não podiam ser puramente discursivas.

Apesar de o texto citado não expor uma proposta acabada e exaustiva a respeito dos desafios descritos, é possível notar uma gravitação diferente dos processos enunciativos na configuração do discursivo, que a assumida na teorização sobre o interdiscurso. Definitivamente, trocava-se também o vínculo entre o discursivo e o extradiscursivo, a partir das observações críticas das noções de prática e FD. Pesava a necessidade de articular o histórico com o sincrônico, assim como as determinações do sujeito com a sua agência discursiva.

Posteriormente, Robin (1976)ROBIN, R. Discurso político y coyuntura. In: LÉON, P. y MITERRAND, H. (Comp.). L'analyse du discours. Montreal: Centre Educatif et Culturel, 1976. elaborou a noção de "efeito de conjuntura" para pensar as relações entre o discursivo e o extradiscursivo. Em lugar de analisá-las em termos de "covariações", a autora propunha vincular as práticas discursivas às relações de força produzidas no seio dos aparelhos hegemônicos de uma formação social, em uma conjuntura determinada. No entanto, assinalava que a conjuntura não se percebe no discurso senão através de uma série de efeitos: o efeito "do real"; o efeito de "identificação" sobre a base de significantes ligados à conjuntura; e de desconhecimento/reconhecimento. A conjuntura, entendida como a unidade das contradições de uma formação social em um momento dado, impõe uma série de restrições às práticas - ideológicas, de poder, linguísticas, textuais -, da qual surgem estes efeitos. A conjuntura trabalha e se inscreve sobre o discurso - e vice-versa - (HAIDAR, 2000HAIDAR, J. El poder y la magia de la palabra. El campo del análisis del discurso. In: DEL RÍO LUGO, N. (coord.), La producción textual del discurso científico. México: Universidad Autónoma Metropolitana, 2000, p.47-53.). Assim, tal categoria aparece como um nível de intermediação entre os processos de enunciação e as noções de formação discursiva e ideológica, elas também redefinidas.

Por outro lado, Guilhaumou e Maldidier (1986)GUILHAUMOU, J. y MALDIDIER, D. 'Effets de l´archive': l´analyse de discours du coté de l´histoire. Langages, Paris, vol. 21, nº 81, 1986, p.43-56. sistematizaram outra perspectiva de trabalho, que compartilharam com Robin em alguns escritos (1986)_______. Postface. L'analyse du discours entre la linguistique et les sciences humaines: l'éternel malentendu. Langages, Paris, 21 année, n.º 81, 1986.. Apontavam que era necessário destacar que certos fatos históricos se constroem em uma combinação da larga duração e dos acontecimentos, pelo que, para sua apreensão, era necessário confrontar séries arquivísticas e regimes desmultiplicados de produção, circulação e leitura de textos. Propunham uma forma particular de leitura dos arquivos com o fim de dar conta de emergências discursivas em conjunturas determinadas, que consistia na reconstrução de um trajeto temático vinculado a acontecimentos discursivos, o trabalho com o cotexto e o momento de análise em corpus.

A ideia de trajeto temático está sumamente vinculada à ideia de acontecimento. Um acontecimento discursivo emerge como tal em um horizonte de expectativas ou em um conjunto de "possíveis" próprios de cada situação histórica, realizando um desses possíveis e inscrevendo o tema em posição referencial. O acontecimento discursivo não se constitui o "fato notícia" nem as designações que este adquire, pelo contrário, "deve ser apreendido na consistência de enunciados que formam uma rede em um momento dado" (GUILHAUMOU y MALDIDIER, 1986GUILHAUMOU, J. y MALDIDIER, D. 'Effets de l´archive': l´analyse de discours du coté de l´histoire. Langages, Paris, vol. 21, nº 81, 1986, p.43-56., p.44)39 39 Texto em francês: "Il est à saisir dans la consistance d'énoncés qui font réseau à un moment donné". . O estudo do "trajeto temático" consistia em dar conta das configurações textuais que se associam de um acontecimento a outro, baseando-se no conhecimento das tradições retóricas, das formas de escritura e dos usos sociais da linguagem. Sua ênfase estava posta no novo interior da repetição e buscava reconstruir os caminhos do que produz acontecimento na linguagem. Aqui o acontecimento discursivo segue uma lógica configuracional, não estrutural: tanto na sua emergência como em termos de sua qualidade de produtor de argumentos e sentenças.

A reconstrução do trajeto temático era seguida pelo trabalho com o "cotexto", entendido como a disposição de enunciados que remetem ao ponto de vista mais abrangente do tema estudado, a partir do qual é possível identificar recorrências linguísticas. Se a armação do trajeto temático constitui uma operação compreensiva, o momento do cotexto introduz uma perspectiva de apreensão global e a possibilidade de construir o objeto discursivo a partir das recorrências analisadas. Então, se abriria o momento final da análise em corpus, cujo material é a série de descrições textuais e históricas. Momento fundamental de "[...] relação com a materialidade da língua, com a história e com o real [...], centrada na colocação em evidência do vínculo entre as estratégias discursivas e as relações de força em uma conjuntura dada" (GUILHAUMOU y MALDIDIER, 1986GUILHAUMOU, J. y MALDIDIER, D. 'Effets de l´archive': l´analyse de discours du coté de l´histoire. Langages, Paris, vol. 21, nº 81, 1986, p.43-56., p.47)40 40 No original: "[...] rapport à la matérialité de la langue, à l'histoire, au réel, (...) avant tout dans la mise en évidence de stratégies discursives liées à des rapports de force dans une conjoncture donnée". .

Estas produções nos falam que, apesar da continuidade do ideológico como região na qual se inscreve o discursivo, as formas de relação entre ambas as ordens propunha-se de modo diferente ao examinado no que diz respeito ao interdiscurso. Em primeiro lugar, o eixo articulador entre estas ordens é o de "prática discursiva": são os determinantes do discurso como prática os que possibilitam nos aproximar da modalidade em que a ideologia modela o discurso. Trata-se de determinantes que não são puramente discursivos, mas que se inscrevem na conjuntura e nas instituições em cujo seio se produzem os discursos. A fim de apreender esses determinantes atuantes em uma conjuntura dada, emergiram categorias de uma escala intermédia de análise e observação, tais como as instituições e os aparelhos ideológicos do Estado. Na mesma linha, enfatizou-se a necessidade de identificar as forças em confrontação ao redor de acontecimentos discursivos específicos, mediante os quais seria possível construir um mapa da dinâmica do conflito entre classes e frações de classes. A referência ao ideológico não estava dada pelo complexo das formações ideológicas, mas por estas práticas sociais institucionalizadas e pelas relações de força e enfrentamentos no seio dos aparelhos ideológicos.

Também encontramos outro olhar sobre o registro da historicidade e sobre a participação dos sujeitos. Isto se deve a que a formação de enunciados é enfocada a partir da categoria de acontecimento discursivo e sua relação com a conjuntura, delineando um tempo mais curto como medida da análise que, eventualmente, possa conjugar-se com outras séries históricas de tempo longo. A mudança de escala operou uma mudança de terreno, pela qual se procurou introduzir uma maior abertura à agência discursiva. Pretendia-se dar conta da constituição do discurso a partir de processos sociais, políticos, econômicos e ideológicos, de ordem propriamente extradiscursiva.

A incorporação da agência discursiva na análise não foi seguida por um relaxamento da determinação ideológica, mas foi introduzida como caráter de todo processo de submissão. A sequência proposta de trajeto temático/cotexto/momento do corpus examinava relações entre enunciados ainda que não a partir da ótica do conceito de interdiscurso, mas dos efeitos das relações de conflito em uma série de acontecimentos discursivos. Finalmente, o estabelecimento de uma relação mediada entre o discurso e os seus exteriores, possibilitou resguardar uma dimensão propriamente linguística da indagação, motivo pelo qual as modalidades enunciativas e os significantes assumiram relevância nas ferramentas analíticas propostas.

Conclusões e interrogações

A revisão realizada nos permite reafirmar nosso ponto de partida: as conceitualizações produzidas a partir da ADF sobre o discurso têm como "beira" a problematização da relação com o seu exterior. Temos observado que tal "exterior" não é entendido de forma simples. Ao contrário, constatamos "exteriores" de diferente natureza e diversas formas de "articulação" e "mediação" entre eles, em detrimento de uma causalidade linear.

A abordagem dos problemas teóricos inaugurados por estas formas de relação implica uma dimensão teórica e epistemológica. Os debates e reformulações têm girado em torno dos regimes de historicidade e do problema da agência do sujeito. Como conjugar a configuração histórica do discurso e seu momento como prática? Como integrar as determinações da referida prática e a capacidade de agência e reflexividade? Estes problemas clássicos da teoria social surgem especialmente quando tentamos analisar o discurso a partir do ponto de vista das formações sociais nas quais é produzido.

Visto que o problema ao qual estas perguntas remetem refere-se às mediações analíticas, é preciso ressaltar que outra via pela qual discorrem as diferenças entre as duas abordagens analisadas está dada pelas escalas de análise postas em jogo. Enquanto o interdiscurso constitui uma estrutura que se enquadra em processos de "tempo longo", a "conjuntura" pretende estudar um acontecimento como resultado de uma lógica configuracional. A possibilidade de conjugar ambas as propostas não radica na escolha de diferentes escalas de análise, pois estas não constituem uma lente cambiável com a qual apreender os processos sociais. Pelo contrário sua escolha coloca em relevo aspectos conceituais diferentes de um mesmo objeto (REVEL, 2011REVEL, J. Micro versus Macro: escalas de observación y discontinuidad en la historia. Tiempo Histórico, Santiago de Chile, Nº 2, 2011, p.15-26.).

Nesse sentido, a articulação entre ambas as propostas permanece como um eixo aberto à indagação. Primeiramente, implicaria uma necessária reflexão epistemológica e teórica sobre os limites para a sua compatibilização. A reelaboração do interdiscurso sobre a ideia de memória discursiva pode representar possibilidades de aproximação. Por outro lado, estabelecer um jogo de escalas (REVEL, 2011REVEL, J. Micro versus Macro: escalas de observación y discontinuidad en la historia. Tiempo Histórico, Santiago de Chile, Nº 2, 2011, p.15-26.) também poderia ser uma via teórico-metodológica a explorar, combinando séries arquivísticas de diversas temporalidades. Sem a pretensão de exaurir os fenômenos discursivos, a partir de nossas pesquisas podemos comprometer-nos na busca de categorias conceituais de caráter problemático e reflexivo.

  • 1
    LISPECTOR, C. Água viva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p.21.
  • 2
    No campo linguístico, essa problematização teve vastos antecedentes, desde as obras de Saussure, Bajtin e Voloshinov (ROBIN, 1986_______. Postface. L'analyse du discours entre la linguistique et les sciences humaines: l'éternel malentendu. Langages, Paris, 21 année, n.º 81, 1986.; MONTERO, 2016MONTERO, S. Memoria discursiva e identidades políticas. Huellas y relatos del pasado reciente en el discurso político contemporáneo. En: Seminario de Extensión Problemas de investigación interdisciplinaria II: violencias y memorias del pasado reciente, 2013, Mar del Plata. El pasado es hoy. Investigaciones y debates sobre las herencias criminales. Mar del Plata: Eudem, 2016.).
  • 3
    Poderíamos pensar a ADF como um programa de pesquisa visto que conformou uma aposta teórica, metodológica e investigativa unificada em torno de certos elementos que exporemos nos próximos parágrafos. Também se expressou institucionalmente no ano 1982, com a criação de um projeto interdisciplinar, cujos antecedentes foram o RCP (Recherche Coopérative Programée), e a ADELA (Analyse de Discours et Lecture D' Archive). Finalmente, esta perspectiva contribuiu à constituição de um campo disciplinar com objetos, problemas e métodos próprios (MONTERO, 2014_______. El análisis francés del discurso y el abordaje de las voces ajenas. In: CANALES, M. (Comp.): Escucha de la escucha. Análisis e interpretación en la investigación cualitativa. Santiago de Chile: LOM- FACSO, 2014, p.247-273.).
  • 4
    Nosso interesse na abordagem de ambas as propostas surgiu da identificação de uma polêmica entre elas em diversos números da revista Langages, recuperados no presente trabalho.
  • 5
    Estas transformações situaram-se no marco de uma reconfiguração do campo acadêmico, a partir do retorno ao sujeito e ao questionamento das positividades globalizadoras (MALDIDIER, 1992MALDIDIER, D. La inquietud del discurso. Un trayecto en la historia del análisis del discurso: el trabajo de Michel Pêcheux. Revista Signo y Seña, Buenos Aires, Nº 1, 1992, p.199-213.). Pêcheux (2013)_______. El discurso: ¿estructura o acontecimiento? Décalages, Paris, Vol. 1, N° 4, 2013. Disponible en: [http://scholar.oxy.edu/decalages/vol1/iss4/16]. Acceso 04/11/2016.
    http://scholar.oxy.edu/decalages/vol1/is...
    faz referência a elas como o afundamento do estruturalismo político francês.
  • 6
    FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Trad. Luiz Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
  • 7
    Sobre isso, Aguilar et al. (2014)AGUILAR, P., GLOZMAN, M., GRONDONA, A., HAIDAR, V. ¿Qué es un corpus? Revista Entramados y Perspectivas, Buenos Aires, n.º 4, 2014, p.35-64. aprofundam estas duas concepções sobre o discurso, que a ADF contribuiu para discutir, denominando-as teorias (ou ideologias) liberais/idealistas e mecanicistas. As primeiras entendem o discursivo como produção dos sujeitos, considerando-os responsáveis da sua enunciação, enquanto a segunda deriva a dinâmica e o sentido do discurso de um princípio homogêneo e unitário que lhe é exterior.
  • 8
    MALDIDIER, D. A inquietude do discurso. Um trajeto na história da análise do discurso: o trabalho de Michel Pêcheux. In: PIOVEZANI, C. e SARGENTINI, V. (orgs). Legados de Michel Pêcheux: inéditos em análise do discurso. Sao Paulo: Contexto, 2011, 39-62.
  • 9
    PÊCHEUX, M. O discurso. Estrutura ou Acontecimento. Trad. Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes Editores, 2006.
  • 10
    A referida perspectiva de totalidade esteve influenciada pela noção de "totalidade complexa" formulada por Althusser. Esta constituía um efeito global estruturado pela acumulação de contradições desiguais e pelas relações de sobredeterminação que se gestam numa conjuntura dada. A dominância de uma contradição sobre as outras não pode ser deduzida de antemão, mas a partir da análise empírica da conjuntura em questão.
  • 11
    PÊCHEUX, M, e FUCHS, C. A propósito da Análise Automática do Discurso: Atualização e Perspectivas. In: GADET e HAK (org). Por uma análise automática do discurso. 3 ed. Campinas, SP: Unicamp, 1990.
  • 12
    Pêcheux y Fuchs (1975)PÊCHEUX, M., FUCHS, C. Mises au point et perspectives à propos de l'analyse automatique du discours. Langages, Paris, Nº 37, 1975, p.7-80. definem uma formação ideológica como a configuração que adquire, na conjuntura ideológica de uma sociedade dada, uma força capaz de confrontar-se com outras, a partir de um encaixe de atitudes e representações. Esta confrontação está vinculada a posições de classe.
  • 13
    Ver nota de rodapé 11.
  • 14
    A questão do sujeito do discurso é amplamente desenvolvida por: ROBIN et. al, 1972ROBIN R., NORMAND C., MALDIDIER D. Discours et idéologie: quelques bases pour une recherche. Langue française, Paris, Nº 15, 1972, p.116-142., PÊCHEUX e FUCHS, 1975PÊCHEUX, M., FUCHS, C. Mises au point et perspectives à propos de l'analyse automatique du discours. Langages, Paris, Nº 37, 1975, p.7-80.; COURTINE, 1981COURTINE, J. J. Analyse du discours politique (le discours communiste adressé aux chrétiens). Paris, Langages, Nº 62, jun.1981. http://www.felsemiotica.org/site/wp-content/uploads/2014/10/Langages-62-1981-An%C3%A1lisis-del-discurso-pol%C3%ADtico-el-discurso-comunista-dirigido-a-los-cristianos.pdf
    http://www.felsemiotica.org/site/wp-cont...
    ; DUCROT, 1990; AUTHIER-REVUZ, 1990.
  • 15
    A esse respeito, é fundamental a referência à Courtine (1981)COURTINE, J. J. Analyse du discours politique (le discours communiste adressé aux chrétiens). Paris, Langages, Nº 62, jun.1981. http://www.felsemiotica.org/site/wp-content/uploads/2014/10/Langages-62-1981-An%C3%A1lisis-del-discurso-pol%C3%ADtico-el-discurso-comunista-dirigido-a-los-cristianos.pdf
    http://www.felsemiotica.org/site/wp-cont...
    , que sistematiza a conceitualização sobre as condições de produção. Devido à especificidade da sua proposta não foi possível recuperá-la nos limites deste trabalho.
  • 16
    Poderíamos considerar o inconsciente como um nível de exterioridade a respeito do discursivo? No que se refere às condições de produção do discurso, Pêcheux se referia às formações imaginárias que intervêm na sua constituição, a qual nos fala de um nível subjetivo e imaginário que opera constitutivamente e de forma exterior.
  • 17
    Segundo Courtine (1981)COURTINE, J. J. Analyse du discours politique (le discours communiste adressé aux chrétiens). Paris, Langages, Nº 62, jun.1981. http://www.felsemiotica.org/site/wp-content/uploads/2014/10/Langages-62-1981-An%C3%A1lisis-del-discurso-pol%C3%ADtico-el-discurso-comunista-dirigido-a-los-cristianos.pdf
    http://www.felsemiotica.org/site/wp-cont...
    , "intradiscurso" remete à formulação de uma sequência discursiva concreta, ao estado terminal do discurso, que manifesta uma coerência visível e horizontal entre elementos formados.
  • 18
    Não pretendemos fazer uma revisão exaustiva da noção de interdiscurso na obra de Pêcheux, mas limitar-nos a uma exposição breve das suas implicações sobre o problema da relação entre o discurso e o seu exterior. Para uma indagação desse tipo, remetemos ao trabalho de Glozman e Montero (2010)GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96., que propõe uma leitura unida à trama dos seus textos.
  • 19
    Sua constituição remete ao processo análogo de desenvolvimento desigual das contradições que propõe Althusser (1976)ALTHUSSER, L. La revolución teórica de Marx. Trad. Martha Harnecker. México: Siglo XXI, 1976. para pensar uma totalidade complexa.
  • 20
    Ver nota 11.
  • 21
    O artigo foi publicado em espanhol. No texto original: "la causa real de las ausencias de ese proceso discursivo".
  • 22
    No texto: "La noción de interdiscurso está sobredeterminada por el 'todo complejo' de las formaciones ideológicas"
  • 23
    O artigo foi publicado em espanhol. No texto original: "el interdiscurso aparece cristalizado lingüísticamente en la figura del preconstruido, estructuras sintácticas [...] que constituyen las "huellas de construcciones anteriores (...)".
  • 24
    Ver nota 11.
  • 25
    O acesso dos sujeitos aos processos de formação discursiva é explicado por Pêcheux a partir das categorias de inconsciente e pré-consciente. A este respeito, pode-se ver Pêcheux e Fuchs (1975)PÊCHEUX, M., FUCHS, C. Mises au point et perspectives à propos de l'analyse automatique du discours. Langages, Paris, Nº 37, 1975, p.7-80. e a teoria dos dois esquecimentos. Esta é oportunamente explicada por Glozman e Montero (2010)GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96. e Aguilar et al. (2014)AGUILAR, P., GLOZMAN, M., GRONDONA, A., HAIDAR, V. ¿Qué es un corpus? Revista Entramados y Perspectivas, Buenos Aires, n.º 4, 2014, p.35-64..
  • 26
    No original: "Un estatus teórico semejante al de inconsciente o al de la ideología".
  • 27
    Ver nota 8.
  • 28
    Ver nota 9.
  • 29
    Ver nota 9.
  • 30
    Não foi possível encontrar tradução publicada ao português. No texto original: "[...] séries de tissus d´indices lisibles, constituant un corps sociohistorique des traces".
  • 31
    Ver nota 9.
  • 32
    NT: Os principais textos citados neste item foram publicados em português na compilação organizada por E. P. Orlandi, Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 1994. Na ordem de aparecimento: MALDIDIER, D.; NORMAND, C.; ROBIN, R. Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa; GUILHAUMOU, J.; MALDIDIER, D. Efeitos do arquivo. A análise do discurso ao lado da História. No texto em espanhol, o autor utiliza a versão original, em francês.
  • 33
    No texto original: "Le statut du discours historique, son rapport à une formation sociale, et en particulier à l'instance idéologique, et son rapport à une synchronie linguistique".
  • 34
    No original: "Les problèmes posés par l'exclusion et la nécessité de réintégration de tout ce qui fut appelé 'extra-linguistique'".
  • 35
    No original: "La notion d'énonciation se trouve totalement repensée et reformulée: il s'agit des processus par lesquels '... le 'sujet parlant' prend position par rapport aux représentations dont il est le support, ces représentations se trouvant réalisées par du 'préconstruit' linguistiquement analysable'".
  • 36
    No original: "Ce n'est qu'à ce prix qu'on fera entrer la théorie du discours dans le matérialisme historique".
  • 37
    No original: "Les règles de son organisation interne et les règles de son articulation aux autres pratiques discursives et aux pratiques non discursives".
  • 38
    No original: "Tout le problème est ici précisément de penser le statut de cette nécessité".
  • 39
    Texto em francês: "Il est à saisir dans la consistance d'énoncés qui font réseau à un moment donné".
  • 40
    No original: "[...] rapport à la matérialité de la langue, à l'histoire, au réel, (...) avant tout dans la mise en évidence de stratégies discursives liées à des rapports de force dans une conjoncture donnée".
  • Traduzido por Karina Brovelli - kabrovelli@yahoo.com.ar

REFERÊNCIAS

  • AGUILAR, P., GLOZMAN, M., GRONDONA, A., HAIDAR, V. ¿Qué es un corpus? Revista Entramados y Perspectivas, Buenos Aires, n.º 4, 2014, p.35-64.
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  • _______. Ideología y aparatos ideológicos del Estado: Freud y Lacan. Trad. Jose Sazbon y Alberto J. Pla. Buenos Aires: Nueva Visión, 1988.
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    » http://www.felsemiotica.org/site/wp-content/uploads/2014/10/Langages-62-1981-An%C3%A1lisis-del-discurso-pol%C3%ADtico-el-discurso-comunista-dirigido-a-los-cristianos.pdf
  • GLOZMAN M., MONTERO S. Lecturas de nunca acabar: consideraciones sobre la noción de interdiscurso en la obra de Michel Pêcheux. Cadernos de Letras da UFF, Brasil, Nº 40, 1º sem., 2010, p.75-96.
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  • _______. Postface. L'analyse du discours entre la linguistique et les sciences humaines: l'éternel malentendu. Langages, Paris, 21 année, n.º 81, 1986.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2016
  • Aceito
    20 Mar 2017
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