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Lotman e o procedimento modelizador: a formulação sobre “invariante intelectual” da cultura

RESUMO

Tendo em vista a importância que o conceito de modelização, advindo da Cibernética, possui para o pensamento de Iuri Lotman, este artigo visa discutir a maneira pela qual o raciocínio inerente ao procedimento modelizador se encontra presente numa das suas principais formulações, relativa à “invariante intelectual”, que elucida a ação exercida pelo mecanismo inteligente da cultura, capaz de assegurar a sua perenidade e, ao mesmo tempo, incitar a criação de novos textos. Para proceder a essa discussão, primeiramente serão retomados os fundamentos do processo de modelização e sua relação com o fazer científico, com o intuito de indicar o que vem a ser o “modelo” e o tipo de inteligibilidade que ele é capaz de produzir. Ao explorar a centralidade que o procedimento modelizador possui nas formulações de Lotman, espera-se igualmente elucidar de que modo, para o autor, é possível construir uma compreensão semiótica muito singular acerca da linguagem e da cultura.

PALAVRAS-CHAVE:
Procedimento modelizador; Modelos; Invariante intelectual; Linguagem

ABSTRACT

Considering the importance of the modelling concept from Cybernetics to Yuri Lotman’s thinking, this article aims to discuss how the inherent reasoning for the modeling procedure is found in one of its main formulations, related to “intellectual invariant,” which elucidates the action on the intelligent mechanism of the culture, capable of ensuring its perenniality while inciting the creation of new texts. In order to continue this discussion, the fundamentals of the modelling process and its relationship with the scientific doing will be firstly resumed to indicate the “model” and the type of intelligibility they are capable of producing. When exploring the centrality that the modeler procedure has in Lotman’s formulation, the author is equally expected to elucidate how it is possible to build a very singular semiotic understanding of language and culture.

KEYWORDS:
Modeling procedure; Models; Intellectual invariant; Language

Introdução

As formulações acerca do funcionamento semiótico da cultura propostas pelo semioticista Iuri Mikhailovich Lotman não podem ser pensadas fora do ambiente intelectual que envolveu os teóricos da Escola de Tártu-Moscou (ETM), da qual ele fez parte e cujos pesquisadores pertenceram a diferentes áreas do conhecimento, como a Linguística, a Teoria Literária, a Semiótica, a Cibernética, a Teoria da Informação e da Comunicação, dentre muitas outras.

Aludir a esse cenário é fundamental para situarmos a centralidade que o conceito de modelização, oriundo da Cibernética, possui para o pensamento lotmaniano. Isso pode ser percebido, principalmente, por meio de dois aspectos. O primeiro é o fato de o semioticista ter se baseado no conceito de modelização para definir a linguagem e indicar as diferentes funções que ela exerce na cultura. O segundo concerne à questão de que, ao longo dos seus escritos, é possível apreender de que maneira ele se utiliza do raciocínio inerente ao procedimento modelizador para desenvolver muitas das suas concepções.

Essa característica, tão marcante na obra de Lotman, oferece um importante indicativo da “atitude teórica” que ele adotou, a qual, como indicam Greimas e Courtés (2008, p.290)GREIMAS, A. J.; COURTES, J. Dicionário de semiótica. Trad. Alceu Dias Lima et al. São Paulo: Contexto, 2008., está em qualquer tentativa de definição da linguagem como objeto do saber, da mesma forma que permite entrever os procedimentos que servem de base para sua discriminação e análise.

Tal perspectiva oportuniza discutir de que modo o raciocínio relacionado ao procedimento modelizador, também entendido como uma “atitude teórica” de Lotman, se encontra presente numa das suas principais formulações, relativa à “invariante intelectual” (LOTMAN, 1998aLOTMAN, I. Cerebro-texto-cultura-inteligencia artificial. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998a, p.11-24., p.19), pela qual se pode apreender tanto a ação modelizante exercida pela linguagem quanto de que maneira a cultura pode ser entendida como um grande organismo inteligente dotado de memória, voltado para a produção de novos textos.

Porém, para proceder a essa discussão, primeiro situaremos as principais características da modelização segundo a Cibernética, o que necessariamente nos levará a abordar a relação delas com o fazer científico e, sobretudo, com o tipo de conhecimento passível de ser edificado por meio do procedimento modelizador. Ao se elucidar a linha de raciocínio de Lotman no desenvolvimento de suas formulações, espera-se indicar, mais detalhadamente, como sua “atitude teórica” oferece um importante indicativo sobre os mecanismos analíticos e epistemológicos que permitem construir uma inteligibilidade semiótica muito específica sobre o funcionamento das linguagens e da cultura.

1 O procedimento modelizador

A concepção de cultura formulada por Lotman encontra-se diluída em toda a sua obra. À medida que se avança no estudo do autor, novos aportes somam-se para compor um grande constructo que nos permite entender as relações que caracterizam a compreensão da cultura como linguagem, texto e memória. Porém, dentre todas essas formulações, uma delas nos parece fundante.

Para o autor, apenas por meio de um exercício de intelecção ou especulação científica a linguagem poderia ser concebida isoladamente, uma vez que ela está diretamente relacionada ao funcionamento mais amplo da cultura. Isso ocorre porque, “O ‘trabalho’ fundamental da cultura, como trataremos de mostrar, consiste em organizar estruturalmente o mundo que rodeia o homem”1 1 Na tradução espanhola: “El ‘trabajo’ fundamental de la cultura, como trataremos de mostrar, consiste en organizar estructuralmente el mundo que rodea al hombre”. (LOTMAN; USPENSKI, 2000LOTMAN, I.; USPENSKI, B.A. Sobre el mecanismo semiótico de la cultura. In: La semiosfera III. Semiótica de las artes y de la cultura. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 2000, p.168-193. , p.171), o que é feito por meio dos mais variados sistemas de linguagem existentes.

Ainda segundo Lotman, o homem está envolto por uma “vaga de informações, a vida envia-lhe seus sinais” (1978, p.29)LOTMAN, I. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Editorial Estampa, 1978., que somente são capazes de serem apreendidos quando transformados “em signos que permitem a comunicação na sociedade humana” (1978, p.29)LOTMAN, I. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Editorial Estampa, 1978., sem os quais as informações se perderiam e os homens desperdiçariam oportunidades vitais para produzir conhecimento e assegurar a própria sobrevivência. Ao mesmo tempo, a informação somente é capaz de ser produzida quando se consideram as complexas modalidades de interação que qualquer organismo estabelece com o entorno, pelas quais ocorre o “deciframento” de algo externo, ainda desconhecido.

Dessa forma, antes mesmo de nos reportarmos a elas por meio dos processos de significação e produção de sentidos, as linguagens seriam as responsáveis por assegurar a coexistência de diferentes formas de organização sígnica, que conferem materialidade às informações edificadas por meio de intrincados processos de intercâmbio. Sem isso, nem sequer seria possível falar de cultura, tampouco de vida social, sobretudo se considerarmos a função mediadora exercida pelas linguagens nas relações entre os homens, das quais decorrem formas específicas de vínculo e interação. Inclusive, Lotman indica a impossibilidade de pensar a dinâmica da vida em sociedade dissociada do movimento dos “componentes semióticos da cultura” (LOTMAN; USPENSKI, 2000LOTMAN, I.; USPENSKI, B.A. Sobre el mecanismo semiótico de la cultura. In: La semiosfera III. Semiótica de las artes y de la cultura. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 2000, p.168-193. , p.186)2 2 No espanhol: “componentes semióticos de la cultura”. , uma vez que a mobilidade constitui um traço comum de ambos.

Como decorrência dessa compreensão, para que a cultura exerça, de fato, essa função, seu “dispositivo codificante central” deve possuir, necessariamente, duas características centrais. São elas:

  1. [...] uma alta capacidade modelizante, ou seja: ou descrever o mais amplo círculo de objetos, incluindo o número mais amplo possível de objetos ainda desconhecidos - essa é a exigência ótima dos modelos cognoscitivos - ou possuir a força e a capacidade de declarar inexistentes os objetos que não se podem descrever com sua ajuda.

  2. Sua sistematicidade deve ser percebida pela coletividade que a utiliza como uu instrumento para dar sistema ao amorfo. Por isso, a tendência dos sistemas sígnicos para automatizar-se é uma constante inimiga interna da cultura com a qual ela mantém uma luta incessante. 5 (LOTMAN; USPENSKI, 2000LOTMAN, I.; USPENSKI, B.A. Sobre el mecanismo semiótico de la cultura. In: La semiosfera III. Semiótica de las artes y de la cultura. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 2000, p.168-193. , p.185).

Nota-se que o autor situa a modelização como um mecanismo central da cultura, do qual decorre a capacidade que uma coletividade possui para construir inteligibilidade e discriminar a organização dos mais variados tipos de manifestação de linguagem e, por consequência, de cultura.

Conforme apontamos anteriormente, a modelização é um conceito advindo da Cibernética e encontra-se diretamente relacionada ao processo de elaboração de modelos abstratos, edificados com base na observação de determinados fenômenos. Segundo Dupuy, a ideia de modelo, para a ciência, possui um sentido completamente distinto daquele que o senso comum lhe confere. Se, para o segundo, um modelo é aquilo que deve ser imitado, para a primeira, qualquer “modelo científico é, inicialmente, uma imitação” (DUPUY, 1996DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. Unesp, 1996., p.22) que permite construir uma inteligibilidade a respeito daquilo que se objetiva conhecer.

Nesse contexto, é importante situar de que maneira a ideia de imitação deve ser entendida, uma vez que o modelo não diz respeito a uma “cópia fiel” ou a uma mera reprodução do fenômeno observado, edificada com base no estado em que ele se mostra num certo momento. Cumpre lembrar que a Cibernética se voltou para o estudo dos organismos vivos e para as máquinas artificiais como sistemas de controle que transformam mensagens de entrada (input) em mensagens de saída (output). Como Simondon (2007)SIMONDON, G. El modo de existencia de los objetos técnicos. Buenos Aires: Editorial Struhart &Cia, 2007. aponta, nenhuma máquina possui uma autorregulação completamente independente do ambiente externo com o qual troca informações, uma vez que os resultados da ação que realiza também são fruto do intercâmbio que estabelece com o meio exterior.

Ainda segundo Dupuy (1996, p.22)DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. Unesp, 1996., modelizar é um procedimento diretamente ligado à experimentação científica, cujo foco está na discriminação do “como” ou do “modo” de funcionamento daquilo que é observado, em detrimento da compreensão do “ser das coisas”. O modelo objetiva apontar as relações mais elementares que asseguram a ação e o desempenho dos fenômenos observados, uma vez que eles são vistos no seu movimento, considerando-se, inclusive, aquilo que nem sempre pode ser programado em virtude dos intercâmbios estabelecidos com o entorno.

Como afirma o autor, “o fato de abstrair a forma dos fenômenos e, com isso mesmo, de se tornar capaz de balizar isomorfismos entre domínios diferentes é o procedimento modelizador por excelência, é o próprio procedimento científico” (DUPUY, 1996DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. Unesp, 1996., p.49). Com isso, torna-se possível apreender todo um conjunto de peculiaridades que dificilmente seriam detectadas fora do modelo e cujo conhecimento é de fundamental importância para intervir sobre um determinado objeto, seja para controlá-lo, reproduzi-lo ou reinventá-lo.

Isso é possível porque a edificação de modelos implica, necessariamente, a formulação de uma “classe de equivalência correspondente” (DUPUY, 1996DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. Unesp, 1996., p.23) que se sobrepõe ao fenômeno observado, estabelecendo com ele uma relação de similaridade, e não de igualdade ou de identidade. É dessa relação de equivalência que decorre a capacidade intelectiva do procedimento modelizador para discriminar o dinamismo de um fenômeno específico, já que o modelo consiste num diagrama que busca, essencialmente, representar relações. Aqui é necessário considerar, ainda que brevemente, a concepção proposta por Charles Sanders Peirce acerca do diagrama para, então, situarmos a capacidade da estrutura diagramática para funcionar como um modelo e incitar a produção de um tipo muito específico de conhecimento.

De acordo com o autor, os hipoícones3 3 Hipoícone é uma outra denominação dada pelo autor ao signo icônico e representa o objeto por meio de uma similaridade, por menor que seja. Em termos gerais, a concepção triádica do signo proposta por Peirce pressupõe uma relação lógica entre três correlatos: o representamen, o objeto que o determina e o interpretante, que consiste num signo mais desenvolvido, gerado pelo representamen. O objeto do signo divide-se em dois: o objeto dinâmico, que é o objeto “em si”, e o objeto imediato, que é o modo como o primeiro se encontra representado no signo. Em virtude da relação que estabelece com seu objeto dinâmico, o signo divide-se em ícone, índice e símbolo. são divididos em três, delimitados em virtude da maneira pela qual cada um deles se relaciona com a categoria de primeiridade (PEIRCE, 1990PEIRCE, C. S. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1990.). São eles: imagem, diagrama e metáfora. Em especial, os diagramas são edificados por meio de uma correspondência estabelecida entre as relações presentes no interior do signo e as relações que caracterizam as partes compositivas do objeto dinâmico, criando assim um vínculo de similaridade entre o signo e o objeto.

Ainda que o diagrama seja classificado como um hipoícone, ele perpassa a categoria da secundidade (que implica relação e confronto)4 4 Em conformidade com a fenomenologia desenvolvida por Peirce, os modos de ser da experiência podem ser apreendidos por meio de três categorias universais. A primeiridade refere-se à apreensão imediata de um objeto tal como ele se apresenta à mente; envolve uma qualidade de sentimento sem relação com qualquer outra coisa. A secundidade implica resistência e confronto; é a consciência exercendo reação em relação aos “fatos” presentes no mundo. A terceiridade é a categoria da inteligibilidade e do pensamento, é por ela que representamos e atribuímos significados às coisas. De acordo com esse arcabouço teórico, a classificação de alguma coisa em primeiro, segundo e terceiro não constitui uma simples ordenação aleatória destituída de um substrato, mas implica a compreensão do funcionamento lógico de algo em virtude do modo como ele se apresenta. , pois, na classificação dos hipoícones proposta por Peirce, o diagrama é um segundo. Por isso, não há como deixar de levar em conta a ação que o objeto dinâmico exerce sobre a constituição do diagrama, a ponto de se edificar uma proximidade estrutural entre eles. Nesse sentido, são as relações existentes entre as “partes” constitutivas do objeto que determinarão o representamen, e essa correlação é materializada por uma analogia estabelecida entre as conexões que formam um e outro considerando, inclusive, suas hierarquias internas, e não por uma correspondência identitária entre eles.

Se considerarmos que o objeto dinâmico exerce um papel determinante na configuração do diagrama que, por sua vez, caracteriza o modelo, pode-se dizer que qualquer fenômeno de linguagem, que possua um mínimo de organização, é capaz de incitar a formulação de modelos. Isso é possível porque, conforme Santaella (1995, p.145)SANTAELLA, L. A teoria geral dos signos. Semiose e autogeração. São Paulo: Ed. Ática, 1995. aponta, o signo icônico ou hipoícone (ao qual o diagrama está relacionado) é “intrinsecamente triádico”, ainda que seja uma “tríade não genuína”, uma vez que representa algo por meio de relações de semelhança. Isso significa que, nele, é possível discriminar algum traço do objeto que o determina, por mais tênue que seja.

O processo de determinação lógica que se estabelece entre signo e objeto e sua especificidade na configuração do diagrama que, por sua vez, caracteriza o modelo, nos possibilita entender porque o procedimento modelizador permite conhecer um existente, por mais frágil ou incipiente que seja sua configuração, o que tende a ser recorrente quando se lida com processos de irrupção de novas modalidades expressivas. Segundo essa perspectiva, e retomando o entendimento de Lotman, é em razão de organizar e construir um “mundo” próprio que a linguagem é passível de incitar a elaboração de modelos, pelos quais se pode discriminar a existência de uma determinada forma da cultura que nem sempre se mostra com clareza.

Essa mesma linha de raciocínio nos permite entender por que, para Lotman, toda linguagem é também um sistema modelizante, o qual pressupõe uma forma específica de ordenação entre conjuntos de invariáveis e variáveis. As primeiras reportam-se aos vínculos internos mais elementares que caracterizam a especificidade do modo de organização de uma linguagem, delegando a ela uma individualidade semiótica própria. As segundas são fruto das trocas estabelecidas com o entorno. Na relação entre variáveis e invariáveis, cada linguagem edifica uma hierarquia própria. É por meio dessas combinatórias que os sistemas modelizantes da cultura são capazes de materializar, por diferentes modos, a “vaga de informações” a que se refere Lotman.

Tal diversidade também diz respeito à própria natureza da informação a ser traduzida, que, igualmente, pode requerer arranjos sígnicos muito específicos, de modo que, quanto maior for a heterogeneidade dos sistemas modelizantes existentes, maior a capacidade da cultura para produzir e diversificar as informações. Quanto a isso, Lotman indica que “[...] parece necessário aumentar não só a quantidade das diversas comunicações nas línguas já existentes [...], como também a quantidade de linguagens nas quais se podem traduzir as vagas de informação envolvente, fazendo disso um bem próprio dos homens” (LOTMAN, 1978LOTMAN, I. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Editorial Estampa, 1978., p.29). Nesse sentido, qualquer esfera de linguagem capaz de edificar uma organização mínima por meio da correlação entre invariáveis e variáveis pode suscitar a formulação de um modelo.

A ação exercida pela modelização, porém, não se limita à elaboração primeira de um modelo que visa dar a conhecer o funcionamento de um determinado objeto. Por ser um signo, não se pode desconsiderar a semiose que todo modelo gera na cultura. Como Dupuy (1996)DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. Unesp, 1996. afirma, uma vez elaborado, o modelo se afasta da realidade fenomênica que o suscitou e adquire vida autônoma, passando a se constituir como um objeto de estudo independente, capaz de suscitar inferências que tanto podem produzir novos modelos quanto viabilizar antever a configuração de um certo fenômeno que, eventualmente, ainda nem exista.

Peirce (1990)PEIRCE, C. S. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1990. também aponta que uma das características centrais do diagrama é que, por meio do seu exame, pode-se descobrir outras questões relativas ao seu objeto que nem sempre são claramente perceptíveis. Isso é possível graças às semelhanças pelas quais se dá o processo de constituição do modelo, que gera um processo associativo calcado, essencialmente, na produção de novas analogias e inferências acerca de outros aspectos ainda não conhecidos sobre um determinado fenômeno. Essa forma de raciocínio, definida por Peirce como abdução (1975)PEIRCE, C. S. Semiótica e filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, Edusp, 1975., conduz ao levantamento de suposições a respeito de outras equivalências passíveis de serem estabelecidas entre esferas que, em princípio, parecem não possuir relação alguma, o que leva a conferir novos sentidos a outros objetos. Nesse caso, não se pode perder de vista que a possível semelhança não decorre da similaridade edificada com base naquilo que se mostra de forma mais aparente entre diferentes fenômenos, mas procede das relações estabelecidas entre suas partes, tal como são explicitadas pelo modelo/diagrama.

Com isso, um mesmo modelo pode indicar que, se diferentes fenômenos de linguagem se parecem em algum aspecto, eles também podem se assemelhar a outros, o que pode levar a discriminar traços ainda desconhecidos de um sistema. Por consequência, esse procedimento pode contribuir significativamente para a discriminação do funcionamento de linguagens ainda destituídas de uma ordenação clara. O diagrama também pode indicar a dessemelhança existente entre fenômenos distintos, o que, ainda assim, leva à elaboração de inferências que permitem construir a inteligibilidade de uma determinada forma de linguagem.

É justamente por meio desse processo que se pode compreender o caráter preditivo do processo modelizador, capaz de suscitar o levantamento de suposições sobre a possibilidade de irrupção de certos fenômenos de linguagem. Há outra faceta relativa ao diagrama que nos possibilita ter um entendimento mais claro sobre isso. Ainda segundo Peirce (1990)PEIRCE, C. S. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1990., um ícone não torna possível a elaboração de afirmações precisas a respeito de algo, mas, por outro lado, conduz ao levantamento de conjunturas ou hipóteses capazes de levar à realização de experimentos futuros. Nesse sentido, o diagrama edificado pelo procedimento modelizador abre caminho para levantar suposições sobre formas possíveis de constituição de linguagem e, por consequência, de organização cultural, tendo em vista eventuais correlações a serem estabelecidas entre contextos distintos que apresentem um mínimo de semelhança entre si.

Pode-se entender, assim, que a atitude teórica de Lotman se assemelha à dos cibernéticos, tendo em vista a tentativa de construir modelos passíveis de explicitar as relações mais elementares que caracterizam o funcionamento de diferentes formas de linguagem. Inclusive, tal perspectiva permite entender por que, segundo o constructo teórico formulado por Lotman, a linguagem jamais poderia ser vista unicamente pela sua capacidade de representar algo distinto dela própria e, com isso, gerar sentidos na cultura. Pelo viés da modelização, é preciso considerar que a própria existência de uma forma de linguagem e seu modo de organização são passíveis de produzir inferências a respeito de uma cultura ou de transformações socioculturais mais amplas. Dessa forma, a explicitação de uma linguagem e sua semiose por meio de um modelo, por si só, já diz algo a respeito de um determinado fenômeno cultural.

Essa atitude teórica, que indica uma perspectiva epistemológica de estudo da linguagem e, por consequência, da cultura, encontra-se igualmente presente na obra de Lotman. A nosso ver, a formulação proposta por ele acerca do funcionamento da “invariante intelectual” (LOTMAN, 1998aLOTMAN, I. Cerebro-texto-cultura-inteligencia artificial. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998a, p.11-24., p.19) elucida, com muita clareza, a ação do mecanismo modelizante no modo de estruturação do seu raciocínio5 5 Cumpre ressaltar que essa não é a única formulação realizada por Lotman em que se nota a presença do procedimento modelizador. O mesmo ocorre com o conceito, criado por ele, de semiosfera, que toma por base a definição de biosfera elaborada pelo cientista russo Vladimir Ivanovich Vernadsky. Tendo em vista, porém, o propósito deste artigo, abordaremos apenas a questão relativa à “invariante intelectual” da cultura. . Ao mesmo tempo, compreender o funcionamento desse mecanismo inteligente da cultura permite-nos ampliar, ainda mais, o entendimento de Lotman a respeito da modelização. São essas relações que discutiremos a seguir.

2 A mente da cultura e o procedimento modelizador

Em toda a sua obra, é notável a preocupação de Lotman em discutir os processos que levam à irrupção de novos arranjos textuais capazes de produzir sentidos não previsíveis na cultura. Entretanto, estudar o novo requer, igualmente, entender de que maneira os diferentes sistemas modelizantes mantêm uma individualidade semiótica própria, apesar dos constantes intercâmbios que estabelecem com o entorno. A ação desses dois movimentos contrários, que asseguram a perenidade da cultura, é possível graças à atuação de um dispositivo inteligente e subjacente à própria dinâmica das linguagens, definido por Lotman como consciência criadora ou “mente da cultura”.

Para explicitar esse processo, Lotman faz uso da mesma atitude teórica incitada pela cibernética, tal como ele próprio afirma: “Para a finalidade que nos propomos, é suficiente limitar-se a certa modelização cibernética da situação que nos interessa” (1996d, p.65)LOTMAN, I. Para la construcción de una teoría de la interacción de las culturas (el aspecto semiótico). In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996d, p.61-76. 6 6 No espanhol: “Para los fines que nos hemos planteado, es del todo suficiente limitarse a cierta modelización cibernética general de la situación que nos interesa”. . Tal situação toma por base o funcionamento dos dois hemisférios constitutivos do cérebro humano.

Um dos aspectos centrais da consciência individual diz respeito à presença de duas tendências completamente opostas, que subsistem em constante tensionamento. Entender cada uma delas implica, antes de tudo, considerá-las como responsáveis pela produção de signos distintos, dos quais decorrem diferentes formas de raciocínio e ação.

Como indica Machado em alusão ao importante estudo realizado por Roman Jakobson (1971)JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1971. sobre os dois tipos de afasia, não se pode desconsiderar que “a linguagem é manifestação de uma capacidade biológica cuja localização está no cérebro” (2007, p.180), de maneira que qualquer lesão ocasionada em um dos hemisférios resulta, impreterivelmente, em alguma deficiência no uso da linguagem.

Em síntese, o lado esquerdo seria o responsável pela produção de signos discretos, ao passo que o direito se vincula à geração de signos não discretos. Os signos discretos encontram-se relacionados aos dígitos, ou seja, unidades que se apresentam separadamente, tal como ocorre com a escrita alfabética. Em virtude da estrutura linear, sequencial e predicativa que caracteriza o processo de concatenação das letras e das palavras no sintagma, cria-se uma sequencialidade que estabelece uma ordem prévia a ser seguida pelo fluxo do pensamento. Com isso, o lado esquerdo tende a funcionar de modo que se desconecte da experiência fenomênica em proveito de “[...] a tendência a uma refinada invenção no domínio de novas denominações e categorias classificatórias” (LOTMAN, 1996bLOTMAN, I. Asimetría y diálogo. In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996b, p.43-60., p.45)7 7 No espanhol: “[...] la tendencia a una refinada inventiva en el dominio de las nuevas denominaciones y categorías clasificacionales”. , edificadas com base numa sintaxe específica.

Por outro lado, os não discretos são signos contínuos, que não se deixam separar em unidades ou dígitos. Mantêm maior proximidade com o mundo fenomênico, estabelecendo com ele uma relação de similaridade ou analogia, fomentando modalidades de raciocínio menos abstratas e mais situacionais. Por consequência, o hemisfério direito contrapõe-se à linearidade temporal do raciocínio vinculado aos signos discretos, incitando o desenvolvimento de um pensamento mais analógico capaz de justapor, sincronicamente, objetos distintos.

A disparidade entre cada uma dessas tendências será de grande importância para o modelo elaborado por Lotman. Segundo ele, o funcionamento da mente individual caracteriza-se, fundamentalmente, por dois movimentos distintos. No primeiro caso, a atividade simultânea e simétrica de cada esfera gera uma inibição recíproca, produzindo uma “certa regularidade da consciência” (LOTMAN, 1996bLOTMAN, I. Asimetría y diálogo. In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996b, p.43-60., p.48)8 8 No espanhol: “cierta regularidad de la consciencia”. ou um estado de estabilização. Há momentos, porém, em que um dos hemisférios tende a intensificar sua atuação, enquanto há a inibição momentânea do seu oposto. Concomitantemente, é por meio dessa assimetria que uma tendência pode vir a impulsionar a ação da sua oposta, uma vez que a esfera que se manteve momentaneamente atrofiada se vê diante de novas informações a serem traduzidas por meio dos seus próprios códigos internos. Lotman ilustra esse movimento ao afirmar que:

No entanto, esta atividade do hemisfério esquerdo, pelo visto, não é inútil; tendo-se liberado do controle imobilizante da objetualidade, elabora uma linguagem de distinções. Depois, essas distinções, já como um feito do código linguístico, se transmitem ao hemisfério direito, e então a consciência ‘normal’ começa a ver os matizes da gama cromática que antes eram indistinguíveis para ela (LOTMAN, 1996bLOTMAN, I. Asimetría y diálogo. In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996b, p.43-60., p.45)9 9 No espanhol: “Sin embargo, esta actividad del hemisferio izquierdo, por lo visto, no es inútil; habiéndose liberado del control inmovilizante de la objetualidad, elabora un lenguaje de distinciones. Después, esas distinciones, ya como un hecho del código lingüístico, se transmiten al hemisferio derecho, y entonces la consciencia ‘normal’ comienza a ver los matices de la gama cromática que antes eran indistinguibles para ella”. .

É com base nesse raciocínio que Lotman propõe a “modelização da invariante intelectual como tal” (1998a, p.19)LOTMAN, I. Cerebro-texto-cultura-inteligencia artificial. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998a, p.11-24. 10 10 No espanhol: “modelización de la invariante intelectual como tal”. a qual, por sua vez, se caracteriza por uma relação essencialmente assimétrica edificada entre esferas absolutamente díspares, uma vez que apenas pelo desequilíbrio e pela desigualdade entre elas é possível haver intercâmbio e tensionamento. Ao contrário, relações simétricas estabelecem vínculos de correspondência e paralelismo, o que impede qualquer possibilidade de troca. É esse mecanismo que leva ao processamento e à produção de informações pela consciência, visto que “as faculdades da mente são sempre apenas as propriedades de sistemas de processamento de informação” (DUPUY, 1996DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. Unesp, 1996., p.27). O pensamento é, então, entendido como um ato de intercâmbio entre diferentes singularidades, em que um hemisfério é sempre tensionado pelo seu oposto a “decifrar” algo que lhe é externo e, com isso, produzir informação.

Para o semioticista, um processo “extraordinariamente análogo” (LOTMAN, 1996bLOTMAN, I. Asimetría y diálogo. In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996b, p.43-60., p.46) ao funcionamento do cérebro ocorre na cultura. Nela nota-se a existência de momentos de intenso intercâmbio entre sistemas completamente díspares e, ao mesmo tempo, períodos de estabilização, em que uma esfera se volta para a sua própria reordenação interna, uma vez que seus vínculos internos são diretamente afetados após o intercâmbio com o outro. Com isso, Lotman (1996d)LOTMAN, I. Para la construcción de una teoría de la interacción de las culturas (el aspecto semiótico). In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996d, p.61-76. indica a coexistência de dois movimentos absolutamente contrários no devir da cultura, caracterizados ora pela tendência à heterogeneidade, ora pela propensão à homogeneidade, também definidos por ele como paradoxo estrutural. O primeiro reporta-se aos momentos de dinamização, frutos do embate estabelecido entre sistemas de orientação oposta, ao passo que o segundo elucida a capacidade de auto-organização da linguagem, o que assegura a sua individualidade semiótica.

Mas é na materialidade do texto cultural que se torna possível discriminar essa ação intelectiva. Não é à toa que Lotman (1998a)LOTMAN, I. Cerebro-texto-cultura-inteligencia artificial. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998a, p.11-24. o situa como a terceira classe de objeto inteligente, ao lado da consciência individual humana e da inteligência coletiva da cultura.

Todo texto (LOTMAN, 1998aLOTMAN, I. Cerebro-texto-cultura-inteligencia artificial. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998a, p.11-24.) se define essencialmente pela heterogeneidade semiótica, uma vez que ele é resultado da relação edificada entre, no mínimo, duas linguagens. Sua formação caracteriza-se por processos tradutórios dotados de alta complexidade, denominados por Lotman por “intraduzibilidade” (1996d)LOTMAN, I. Para la construcción de una teoría de la interacción de las culturas (el aspecto semiótico). In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996d, p.61-76., na medida em que eles não ocorrem mediante um algoritmo que estabeleça, previamente, um parâmetro para a tradução. Por consequência, são estabelecidas equivalências tradutórias entre diferentes esferas, das quais resulta a irrupção de arranjos textuais não previsíveis. É por meio dessa característica que o texto é capaz de desempenhar sua principal função na cultura, ou seja: incitar a produção de novos sentidos.

Ainda segundo Lotman, esse processo apenas se faz possível pela ação do dispositivo pensante da cultura. Em virtude da ausência de uma orientação predeterminada, constrói-se um “certo repertório de traduções ‘corretas’ (possíveis)” (LOTMAN, 1998aLOTMAN, I. Cerebro-texto-cultura-inteligencia artificial. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998a, p.11-24., p.20)11 11 No espanhol: “cierto repertorio de traducciones ‘corretas’ (posibles)”. , em que se faz atuante um “mecanismo de corrección”, pelo qual ocorre a seleção de um arranjo sígnico em detrimento de outros. Tal mecanismo não pode ser visto pela perspectiva de uma seleção a ser realizada entre opções “corretas” ou “incorretas”, mas, sim, pela capacidade intelectiva da cultura que, por intermédio do embate entre diferentes esferas, realiza “escolhas” capazes de produzir textos semioticamente heterogêneos.

Como todo texto é fruto de uma ação intelectiva da cultura cujas marcas estão presentes na própria materialidade do seu arranjo sígnico, por meio dele é igualmente possível discriminar traços do seu processo construtivo mediante a memória nele inscrita. Em consonância com a linha de raciocínio encontrada em toda a obra de Lotman, a memória não se reporta a uma faculdade humana, mas diz respeito a um dispositivo da própria cultura, presente nos seus mais variados sistemas sígnicos. E, da mesma forma que a inteligência, a memória da cultura possui um duplo movimento, dividindo-se em informativa e criadora.

A primeira reporta-se à autorregulação, marcada pelo processo de codificação e recodificação de um sistema quando em contato com outro, o que o mantém como um todo ordenado. A segunda concerne à capacidade intelectiva da cultura para gerar arranjos textuais que não são produzidos por meio de um algoritmo dado de antemão e que, tampouco, produzem sentidos unívocos, mesmo porque, nesses casos, o texto antecede a própria configuração do código, de maneira que prenuncia a emersão de novas formas de configuração sígnica. Além disso, em conformidade com a dimensão intelectiva da cultura, apenas na relação com outro um texto é capaz de incitar a produção de sentidos, uma vez que, isoladamente, nada é capaz de dizer. Disso decorre a capacidade de um texto fomentar a irrupção de sentidos não previsíveis que não se esgotam no instante em que foram produzidos, uma vez que eles sempre estão em relação com outros arranjos textuais.

Retomando a questão relativa à atitude teórica, nota-se que Lotman toma por objeto a mente individual humana e, por intermédio do procedimento modelizador, elabora um modelo que permite situar o funcionamento intelectivo e semiótico da cultura, pelo qual se observa o movimento contínuo dos sistemas, voltado tanto para a produção de novos textos culturais quanto para a conservação de diferentes individualidades semióticas, das quais decorre a atuação dos dois tipos distintos de memórias. Paralelamente, Lotman (1998a)LOTMAN, I. Cerebro-texto-cultura-inteligencia artificial. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998a, p.11-24. também elucida de que maneira o estudo do mecanismo intelectivo da cultura pode suscitar o levantamento de suposições capazes de ampliar a compreensão sobre o funcionamento da própria atividade cerebral, sobretudo no que tange à assimetria.

A presença da “invariante intelectual” em ambas as esferas possibilitaria discriminar outras similaridades existentes entre uma e outra e, mediante a observação do movimento da cultura, inferir a existência de mecanismos relacionados ao funcionamento da inteligência individual que ainda não são conhecidos. Dessa forma, elabora-se um diagrama relativo ao funcionamento do cérebro que é contraposto ao diagrama referente ao funcionamento da cultura e, pela observação de um e outro, reconhecem-se outras possíveis invariáveis que lhes seriam comuns, como também suas dessemelhanças. Com isso, indica Lotman, “a importância científico-geral dos conhecimentos humanísticos aumenta bruscamente” (1998a, p.19)LOTMAN, I. Cerebro-texto-cultura-inteligencia artificial. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998a, p.11-24. 12 12 No espanhol: “la importancia científico-general de los conocimientos humanísticos aumenta bruscamente”. , tendo em vista a possibilidade de diálogo a ser estabelecida entre diferentes campos do conhecimento científico por meio do procedimento modelizador.

É igualmente essa atitude teórica de Lotman, calcada essencialmente no procedimento modelizador, que nos leva a apontar a importância que o espaço possui em suas formulações. Antes de situá-lo, é importante ressaltar que todo modelo consiste numa metalinguagem que se reporta a uma determinada linguagem-objeto. Conforme apontamos anteriormente, no caso em questão, o procedimento modelizador pressupõe a elaboração de diagramas cujas relações internas visam explicitar as interações constitutivas de um fenômeno. Apesar da diferença entre esses dois níveis, Lotman aponta a existência de uma invariável existente entre eles: o espaço. Segundo o autor:

No entanto, entre esses dois planos - muito diferentes - existe uma determinada correlação: uma das particularidades universais da cultura humana, possivelmente ligada a propriedades antropológicas da consciência do homem, é que o quadro do mundo recebe inevitavelmente traços de uma caracterização espacial. A construção mesma da ordem do mundo é concebida inevitavelmente sobre a base de uma estrutura espacial que organiza todos os seus outros níveis. Assim, pois, entre as estruturas metalinguísticas e a estrutura do objeto surge uma relação de homeomorfismo 19 (LOTMAN, 1998bLOTMAN, I. Sobre el metalenguaje de las descripciones tipológicas de la cultura. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998b, p.93-123., p.98)13 13 No espanhol: “Sin embargo, entre esos dos planos - muy diferentes - existe una determinada correlación: una de las particularidades universales de la cultura humana, posiblemente ligada a propiedades antropológicas de la consciencia del hombre, es que el cuadro del mundo recibe inevitablemente rasgos de una caracterización espacial. La construcción misma del orden del mundo es concebida inevitablemente sobre la base de una estructura espacial que organiza todos los otros niveles de ella. Así, pues, entre las estructuras metalinguísticas y la estructura del objeto surge una relación de homeomorfismo”. .

Aqui a relação de homeomorfismo deve ser vista por meio de dois aspectos. O primeiro diz respeito ao próprio movimento do objeto observado, no caso, os sistemas modelizantes da cultura. Conforme Lotman, para que um sistema seja capaz de cumprir suas funções semióticas na cultura, ele deve possuir um mecanismo de duplicação ou “multiplicación reiterada” (LOTMAN, 1996cLOTMAN, I. El texto y el poliglotismo de la cultura. In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996c, p.83-90., p.84)14 14 No espanhol: “multiplicación reiterada”. do modelo espacial de si. Para o autor, esse processo pode ser entendido por meio da topologia, disciplina matemática voltada ao estudo de determinadas propriedades de conjuntos que se mantêm inalteradas mesmo quando deformadas, o que permitiria delinear relações homeomórficas entre diferentes espaços que são passíveis de serem invertidos um no outro com base nas suas próprias trajetórias e propriedades. Para tal, conceitos como vizinhança, interioridade, exterioridade e continuidade se tornam indispensáveis.

Como o autor aponta, desde os seus primórdios (LOTMAN, 1996cLOTMAN, I. El texto y el poliglotismo de la cultura. In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996c, p.83-90.) a atividade do homo sapiens esteve relacionada à criação de modelos de classificação do espaço por meio da delimitação entre o “meu espaço” e o “alheio”, a exemplo do que ocorre com a constituição das cidades que, para uma dada coletividade, são consideradas a parte “dotada de cultura” para si, ao mesmo tempo em que delimitam o espaço externo que lhe é alheio. Um processo equivalente verifica-se quando da relação de um templo com a cidade, que passa a ser seu espaço externo, ou, ainda, na configuração de qualquer ritual que delimita aquilo que lhe é interno e próprio e, por consequência, o que lhe é extrínseco. É por meio dessas formas de organização do espaço que Lotman indica de que maneira acontece a delimitação de uma “não-cultura”, ou seja, outra forma de organização que se coloca fora do espaço delimitado como próprio de uma cultura.

Pelo procedimento modelizador de cada um desses espaços, é possível discriminar as variáveis constitutivas de cada um, bem como as suas invariáveis, pelas quais se pode reconhecer a recorrência de um mesmo modo de duplicação espacial por meio de propriedades topológicas comuns que, fora do modelo, não seriam perceptíveis. Inclusive, Lotman indica que a topologia consiste num recurso indispensável para o estudo da tipologia, que se reporta à “concepção do desenvolvimento cultural” (1998b, p.93)LOTMAN, I. Sobre el metalenguaje de las descripciones tipológicas de la cultura. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998b, p.93-123. 15 15 No espanhol: “concepción del desarrollo cultural”. característica de cada cultura, e que igualmente permitiria reconhecer suas individualidades semióticas. Porém, pelo estudo dos modelos espaciais ou da topologia, seria possível detectar similaridades entre culturas dotadas de diferentes formas de desenvolvimento ou separadas no tempo e que, em princípio, nada parecem manter em comum.

Assim, pelo reconhecimento de algumas propriedades topológicas comuns entre diferentes esferas, podem-se reconstituir culturas inteiras que, a despeito do que muitas vezes se acredita, não desapareceram, mas continuam a subsistir em estado de latência em outras. Isso nos permite entender por que a topologia também deve ser entendida como um importante mecanismo relativo à memória informacional dos sistemas, capaz de, por meio do procedimento modelizador, indicar a existência ou a persistência de uma determinada forma de cultura.

O segundo aspecto reporta-se à metalinguagem, ou seja, à elaboração do modelo em si que, como Lotman aponta, deve manter uma relação de homeomorfismo com o objeto. Isso pode ser detectado pela própria estrutura diagramática resultante do procedimento modelizador, que espacializa as relações constitutivas mais elementares do fenômeno de linguagem observado, de modo que estabelece com ele uma relação de equivalência, o que permitiria reconstituí-lo por meio da continuidade passível de ser delineada com base em algumas propriedades presentes no diagrama. Aliado a esse aspecto, há ainda um dispositivo indispensável presente no modelo, pelo qual é possível discriminar a complexidade dos intercâmbios continuamente edificados entre diferentes sistemas. Trata-se da fronteira semiótica. Segundo Lotman:

Um elemento essencial da metalinguagem espacial de descrição da cultura é a fronteira. O caráter da fronteira está condicionado pela dimensionalidade do espaço que é delimitado por ela (e vice-versa). Uma vez que, nos modelos da cultura, se viola nos pontos fronteiriços o caráter ininterrupto do espaço, a fronteira sempre pertence exclusivamente a um - ao interno ou ao externo - e nunca a ambos de uma vez (LOTMAN, 1998bLOTMAN, I. Sobre el metalenguaje de las descripciones tipológicas de la cultura. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998b, p.93-123., p.109)16 16 No espanhol: “Un elemento esencial del metalenguaje espacial de descripción de la cultura es la frontera. El carácter de la frontera está condicionado por la dimensionalidad del espacio que es delimitado por ella (y viceversa). Puesto que en los modelos de la cultura se viola en los puntos fronterizos el carácter ininterrumpido del espacio, la frontera siempre pertenece exclusivamente a uno - al interno o al externo - y nunca a ambos a la vez”. .

A fronteira remonta à “soma dos tradutores ‘filtros’ bilíngues” (LOTMAN, 1996aLOTMAN, I. Acerca de la semiosfera. In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996a, p.21-42., p.24)17 17 No espanhol: “suma de los traductores ‘filtros’ bilingues”. pelos quais ocorre o processo tradutório entre uma esfera e outra e a recodificação dos sistemas. Um dos traços centrais da fronteira é a sua ambivalência, pois ela tanto permite discriminar as equivalências tradutórias edificadas entre diferentes sistemas quanto delimita a individualidade semiótica de cada um.

Ao situar que a fronteira pertence ao espaço interno ou ao externo, e nunca aos dois simultaneamente, Lotman reporta-se ao ponto de vista do observador quando da elaboração do modelo, uma vez que ele obrigatoriamente assume a perspectiva de um sistema específico para, então, delinear a fronteira. Como o intercâmbio entre diferentes esferas implica uma relação assimétrica, tal qual acontece nas trocas edificadas entre os dois hemisférios cerebrais, Lotman (1998b)LOTMAN, I. Sobre el metalenguaje de las descripciones tipológicas de la cultura. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998b, p.93-123. afirma que a tendência por parte do espaço interno é defender-se, ao passo que do externo é romper a fronteira, com o objetivo de suscitar transformações no seu oposto. Isso elucida por que os intercâmbios entre os sistemas não se dão harmônica e equilibradamente e tampouco podem ser previstos.

A fronteira consiste numa propriedade do espaço absolutamente indispensável do modelo que, inclusive, nos permite entender por que ele é capaz de representar o dinamismo do sistema observado e, com isso, manter um vínculo de homeomorfismo com ele a fim de a abarcar o extra-sistêmico. É por isso que Lotman afirma que “todo modelo da cultura pode ser descrito em termos espaciais” (1998b, p.123)LOTMAN, I. Sobre el metalenguaje de las descripciones tipológicas de la cultura. In: La semiosfera II. Semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998b, p.93-123. 18 18 No espanhol: “todo modelo de la cultura puede ser descrito em términos espaciales”. , pelos quais se busca discriminar um conjunto de relações que apenas podem irromper em virtude da divisão do espaço em diferentes sistemas que, por sua vez, possuem formas de organização absolutamente distintas. Sem isso, nenhum modelo seria capaz de representar a dimensão intelectiva da cultura e, sobretudo, sua capacidade de expandir-se continuamente.

Considerações finais

A coerência do pensamento de Lotman que, conforme buscamos apontar, se utiliza do raciocínio subjacente ao procedimento modelizador para elaborar sua formulação sobre a “invariante intelectual” da cultura, nos permite entender de que maneira os próprios escritos do autor funcionam como importantes metatextos que nos levam não só a entender sua atitude teórica, como também a perspectiva epistemológica de estudo da cultura quando vista pela semiótica e pelos processos de modelização.

A exemplo do que ocorre com o cérebro, Lotman parece indicar que a função central dos sistemas sígnicos que compõem a cultura é produzir e processar informações, o que somente é possível pelos intercâmbios estabelecidos entre diferentes sistemas. Isso nos permite entender que qualquer tentativa de compreensão de uma linguagem jamais poderia se limitar à mera descrição daquilo que se mostra de forma mais evidente na visualidade de um determinado arranjo textual, dada a necessidade de apreender a fronteira que é edificada entre ela e outros sistemas sígnicos o que, impreterivelmente, leva à discussão sobre os processos que resultaram na configuração do texto cultural observado. Mesmo porque, conforme apontamos, como também se constitui como um objeto inteligente da cultura, todo texto cultural traz na sua materialidade as marcas dos intercâmbios que resultaram na sua composição. É, inclusive, essa dimensão intelectiva do texto que o torna apto a incitar a produção de sentidos pois, como Lotman afirma, “a formação de sentido não tem lugar em um sistema estático19 19 No espanhol: “La formación de sentido no tiene lugar en un sistema estático”. ” (LOTMAN, 1996dLOTMAN, I. Para la construcción de una teoría de la interacción de las culturas (el aspecto semiótico). In: La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1996d, p.61-76., p.71).

Dessa forma, nota-se que a própria perspectiva de estudo da linguagem, tal como indicado por Lotman, já oferece um importante indicativo da compreensão semiótica da cultura proposta por ele. É por isso que, para o autor, conhecer implica produzir modelos e/ou diagramas que visam explicitar processos dinâmicos que caracterizam a própria ação intelectiva da cultura, cuja inteligibilidade não pode prescindir da delimitação da fronteira que se coloca entre, no mínimo, dois sistemas.

Pode-se dizer que o mecanismo modelizador consiste em um “exercício do pensamento” (DUPUY, 1996DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. Unesp, 1996., p.23), sem o qual “o conhecimento não é explicitado” (MACHADO, 2003MACHADO, I. Escola de semiótica. A experiência de Tártu-Moscou para o Estudo da Cultura. Cotia: Ateliê Editorial, 2003., p.152) que, no caso em questão, envolve um duplo movimento. Primeiro, a formulação de modelos e/ou diagramas edificados com base na observação acerca do funcionamento de determinados fenômenos, na tentativa de apreender a relação entre variáveis e invariáveis. Segundo, a confrontação entre diferentes diagramas, que conduziria ao levantamento de inferências sobre modos possíveis de organização de linguagem e, por consequência, de cultura, tendo em vista suas especificidades e eventuais modelos topológicos comuns. Isso elucida porque a atitude teórica e científica presente nas formulações de Lotman pressupõe um procedimento analítico em que qualquer tentativa de compreensão da linguagem deve, antes de tudo, voltar-se para a discriminação do seu processo construtivo, dada a necessidade de apreender como uma forma expressiva, de fato, organiza a cultura. Desconsiderar esse aspecto é, justamente, ir de encontro à função intelectiva que Lotman delega à cultura.

  • 1
    Na tradução espanhola: “El ‘trabajo’ fundamental de la cultura, como trataremos de mostrar, consiste en organizar estructuralmente el mundo que rodea al hombre”.
  • 2
    No espanhol: “componentes semióticos de la cultura”.
  • 3
    Hipoícone é uma outra denominação dada pelo autor ao signo icônico e representa o objeto por meio de uma similaridade, por menor que seja. Em termos gerais, a concepção triádica do signo proposta por Peirce pressupõe uma relação lógica entre três correlatos: o representamen, o objeto que o determina e o interpretante, que consiste num signo mais desenvolvido, gerado pelo representamen. O objeto do signo divide-se em dois: o objeto dinâmico, que é o objeto “em si”, e o objeto imediato, que é o modo como o primeiro se encontra representado no signo. Em virtude da relação que estabelece com seu objeto dinâmico, o signo divide-se em ícone, índice e símbolo.
  • 4
    Em conformidade com a fenomenologia desenvolvida por Peirce, os modos de ser da experiência podem ser apreendidos por meio de três categorias universais. A primeiridade refere-se à apreensão imediata de um objeto tal como ele se apresenta à mente; envolve uma qualidade de sentimento sem relação com qualquer outra coisa. A secundidade implica resistência e confronto; é a consciência exercendo reação em relação aos “fatos” presentes no mundo. A terceiridade é a categoria da inteligibilidade e do pensamento, é por ela que representamos e atribuímos significados às coisas. De acordo com esse arcabouço teórico, a classificação de alguma coisa em primeiro, segundo e terceiro não constitui uma simples ordenação aleatória destituída de um substrato, mas implica a compreensão do funcionamento lógico de algo em virtude do modo como ele se apresenta.
  • 5
    Cumpre ressaltar que essa não é a única formulação realizada por Lotman em que se nota a presença do procedimento modelizador. O mesmo ocorre com o conceito, criado por ele, de semiosfera, que toma por base a definição de biosfera elaborada pelo cientista russo Vladimir Ivanovich Vernadsky. Tendo em vista, porém, o propósito deste artigo, abordaremos apenas a questão relativa à “invariante intelectual” da cultura.
  • 6
    No espanhol: “Para los fines que nos hemos planteado, es del todo suficiente limitarse a cierta modelización cibernética general de la situación que nos interesa”.
  • 7
    No espanhol: “[...] la tendencia a una refinada inventiva en el dominio de las nuevas denominaciones y categorías clasificacionales”.
  • 8
    No espanhol: “cierta regularidad de la consciencia”.
  • 9
    No espanhol: “Sin embargo, esta actividad del hemisferio izquierdo, por lo visto, no es inútil; habiéndose liberado del control inmovilizante de la objetualidad, elabora un lenguaje de distinciones. Después, esas distinciones, ya como un hecho del código lingüístico, se transmiten al hemisferio derecho, y entonces la consciencia ‘normal’ comienza a ver los matices de la gama cromática que antes eran indistinguibles para ella”.
  • 10
    No espanhol: “modelización de la invariante intelectual como tal”.
  • 11
    No espanhol: “cierto repertorio de traducciones ‘corretas’ (posibles)”.
  • 12
    No espanhol: “la importancia científico-general de los conocimientos humanísticos aumenta bruscamente”.
  • 13
    No espanhol: “Sin embargo, entre esos dos planos - muy diferentes - existe una determinada correlación: una de las particularidades universales de la cultura humana, posiblemente ligada a propiedades antropológicas de la consciencia del hombre, es que el cuadro del mundo recibe inevitablemente rasgos de una caracterización espacial. La construcción misma del orden del mundo es concebida inevitablemente sobre la base de una estructura espacial que organiza todos los otros niveles de ella. Así, pues, entre las estructuras metalinguísticas y la estructura del objeto surge una relación de homeomorfismo”.
  • 14
    No espanhol: “multiplicación reiterada”.
  • 15
    No espanhol: “concepción del desarrollo cultural”.
  • 16
    No espanhol: “Un elemento esencial del metalenguaje espacial de descripción de la cultura es la frontera. El carácter de la frontera está condicionado por la dimensionalidad del espacio que es delimitado por ella (y viceversa). Puesto que en los modelos de la cultura se viola en los puntos fronterizos el carácter ininterrumpido del espacio, la frontera siempre pertenece exclusivamente a uno - al interno o al externo - y nunca a ambos a la vez”.
  • 17
    No espanhol: “suma de los traductores ‘filtros’ bilingues”.
  • 18
    No espanhol: “todo modelo de la cultura puede ser descrito em términos espaciales”.
  • 19
    No espanhol: “La formación de sentido no tiene lugar en un sistema estático”.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2018
  • Aceito
    31 Ago 2019
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