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“Bakhtin foi quase meu colega...”: sobre a especificidade da última onda da primeira recepção russa do livro Problemas da criação de Dostoiévski

RESUMO

O primeiro livro de M.M. Bakhtin sobre Dostoiévski é alvo de atenção dos pesquisadores há mais de 90 anos. No artigo é analisada a última onda da recepção russa de Problemas da criação de Dostoiévski. Provamos que a questão do estudo da recepção das ideias bakhtinianas, contidas no livro, não perde a sua atualidade tanto no que diz respeito à construção do quadro geral da história intelectual, quanto à análise dos componentes isolados.

PALAVRAS-CHAVE:
M. Bakhtin; Problemas da criação de Dostoiévski ; Recepção; Discurso crítico

ABSTRACT

The first book of M. M. Bakhtin on Dostoevsky has been the focus of researchers for over 90 years now. In this article, an analysis is carried out of the last wave of the Russian reception of Problems of Dostoevsky’s Art. We show that the study of the reception of Bakhtinian ideas, contained in the work, remains relevant with respect to the development of the general framework of the intellectual history, and to the analysis of isolated components.

KEYWORDS:
M. Bakhtin; Problems of Dostoevsky’s Art ; Reception; Сritical discourse

АННОТАЦИЯ

Первая книга М.М. Бахтина о Достоевском более 90 лет привлекает внимание исследователей. В статье рассматривается последняя волна русской рецепции Проблем творчества Достоевского. Доказывается, что вопрос изучения рецепции бахтинских идей, заложенных в книге, не теряет актуальности как при создании общей картины интеллектуальной истории, так и при рассмотрении отдельных ее составляющих.

КЛЮЧЕВЫЕ СЛОВА:
М.М. Бахтин; Проблемы творчества Достоевского ; Рецепция; Критический дискурс

Introdução

O livro Problemas da criação de Dostoiévski desempenha um papel especial na bibliografia científica sobre M. Bakhtin: por mais de três decênios ele foi quase o único testemunho, junto com dois artigos sobre Liev Tolstói (BAKHTIN, 2000, p.176-184 e 185-205БАХТИН, М. М. Собрание сочинений: В 7 т. Т.2. [BAKHTIN, M. M. Collected Works in 7 volumes – vol. 2] М.: Русские словари, 2000.), da existência do cientista no espaço da crítica literária entre os anos 1930-1960.

Até o presente momento, foi publicada uma quantidade bastante significativa de trabalhos dedicados ao longo e contraditório processo da recepção - por parte das ciências humanas do mundo todo - das ideias contidas no livro. No entanto, a questão do estudo da recepção das ideias bakhtinianas não perde a sua atualidade tanto no que diz respeito à criação do quadro geral da história intelectual, quanto à análise dos seus componentes isolados.

Como se sabe, o livro sobre Dostoiévski, publicado quando o autor já se encontrava sob julgamento e aguardava sentença pelo caso de Voskressiénie, causou uma reação viva não só na URSS, mas também fora de seus limites, entre os representantes da emigração russa. Às questões da recepção de Problemas da criação de Dostoiévski e principalmente da sua primeira onda – anos 1929-1930 – são dedicados artigos e comentários especiais (BOTCHAROV, 2000, p.432-543; OSSÓVSKI, 1990, p.47-60ОСОВСКИЙ, О. Е. М. М. Бахтин: от “Проблем творчества” к “Проблемам поэтики Достоевского” [OSSÓVSKI, O. M. M. Bakhtin: from Problems of creation to Problems of Dostoevsky’s poetics] В: Бахтинский сборник [Coletânea de Bakhtin]. Вып. 1. М.: Прометей, 1990. c.47-60.; OSSÓVSKI, 1992, p.379-391ОСОВСКИЙ, О. Е. Книга М. М. Бахтина о Достоевском в оценках литературоведения русского зарубежья [OSSÓVSKI, O. M. M. Bakhtin’s Book about Dostoevsky in the Critics of Russian Literary Theory Abroad] В: Бахтинский сборник [Bakhtin’s Collection]. М.: Б. и., 1992. Вып. 2. c.379–391.; OSSÓVSKI, 1997, p.86-110ОСОВСКИЙ, О. Е. Книга М. М. Бахтина о Достоевском в восприятии советской критики 1929-1930 годов [OSSÓVSKI, O. Bakhtin about Dostoevsky in the perspective of the sovietic critics of 1929-1930s] В: Бахтинский сборник [Bakhtin’s Collection]. Вып.3. М.: Лабиринт, 1997. c.86-110.; GRILLO, 2019, p.176-196GRILLO, S. V. de C. Problemas da Obra de Dostoiévski: no Espelho da Crítica Soviética e Estrangeira. Revista da Anpoll v. 1, n. 50, pp.176-196, 2019. https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/1345/1064
https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/...
), bem como capítulos de livros (KÓNKIN; KÓNKINA, 1993, p.275-299КОНКИН, С.С.; КОНКИНА, Л.С. М.М. Бахтин: Страницы жизни и творчества [KÓNKIN, S.; KÓNKINA, L. M. M. Bakhtin: pages of life and creation]. Саранск: Мордовское книжное издательство, 1993.; EMERSON, 1997, p.75-92EMERSON, C. The First Hundred Years of Mikhail Bakhtin. Princeton: Princeton University Press, 1997.). O quadro geral da primeira discussão na pátria do pensador se formou a partir de algumas resenhas de volume maior (I. Grossman-Róschin, A. Lunatchárski e M. Stárenkov) e menor (N. Berkóvski, Arkádi Glagólev e outros), bem como menções do livro em relação à análise de questões e problemas científicos isolados. Assim, já em Artigos sobre Turguêniev (1929-1930), L. Pumpiánski, em resposta ao livro Problemas da criação de Dostoiévski, expressou a sua solidariedade com o autor acerca da compreensão de skaz como tal e, em particular, da palavra alheia em Turguêniev:

Na compreensão de skaz como discurso alheio nós, antes de tudo, discordamos dos formalistas e concordamos com M. Bakhtin: “skaz é, antes de tudo, uma orientação para o discurso alheio e depois, como consequência, para o discurso oral... O skaz é introduzido justamente pela voz alheia (cf. o seu estudo Problemas da criação de Dostoiévski, Leningrado, 1929, p.115)” (PUMPIÁNSKI, 2000, p.457ПУМПЯНСКИЙ, Л. В. Статьи о Тургеневе [PUMPIÁNSKI, L. Articles about Turguêniev] В: ПУМПЯНСКИЙ Л.В. Классическая традиция: Собрание трудов по истории русской литературы [PUMPIÁNSKI, L. Classical Tradition: Collected Works in Russian Literature History]. Москва: Языки русской культуры, 2000, с.381-505.).

A segunda referência ao livro Problemas da criação de Dostoiévski está relacionada à teoria do romance russo de Pumpiánski, desenvolvida por ele nos artigos sobre Turguêniev (BOTCHAROV, 2000, p.482-483):

Havia necessidade de um romance sobre as contradições da própria tática de ir ao povo, semelhante ao romance de Dostoiévski sobre as contradições da tática de conspiração, mas para isso eram necessários os métodos polifônicos de Dostoiévski (PUMPIÁNSKI, 2000, p.488ПУМПЯНСКИЙ, Л. В. Статьи о Тургеневе [PUMPIÁNSKI, L. Articles about Turguêniev] В: ПУМПЯНСКИЙ Л.В. Классическая традиция: Собрание трудов по истории русской литературы [PUMPIÁNSKI, L. Classical Tradition: Collected Works in Russian Literature History]. Москва: Языки русской культуры, 2000, с.381-505.).

No artigo O erro principal do romance A inveja” [Основная ошибка романа Зависть], proferido em forma de uma palestra no gabinete do escritor no Clube dos literatos de Leningrado [Доклад в кабинете писателя в Ленклублите] em 17 de março de 1931, Pumpiánski cita a tese mais importante do livro de 1929 sem citar o autor:

Não há aquela liberdade das vozes das personagens que em Dostoiévski colidem como mundo com mundo, cometa com cometa, como órbitas imprevistas dos horizontes incompatíveis (PUMPIÁNSKI, 2000а, p.557ПУМПЯНСКИЙ, Л. В. Основная ошибка романа Зависть (1931) [Fondamental Mistake of the Roman Envy (1931)] В: ПУМПЯНСКИЙ Л.В. Классическая традиция: Собрание трудов по истории русской литературы [PUMPIÁNSKI, L. Classical Tradition: Collected Works in Russian Literature History]. Москва: Языки русской культуры, 2000а. c.551-557.).

A primeira onda da recepção soviética de Problemas da criação de Dostoiévski encaixou-se, como observou S. Botcharov, “bem na época em que o caso estava sendo julgado: de julho de 1929, quando foi dada a sentença, até março de 1930, quando M. Bakhtin já estava de partida para Kustanai” (BOTCHAROV, 2000, p.473).

Nas Conversas com V. Duvákin (Quinta conversa, 22 de março de 1973), em resposta à pergunta sobre o seu primeiro livro sobre Dostoiévski, Bakhtin disse: “O livro foi notado, sim, notado” (BAKHTIN, 2002, p.245).

Vale observar que a segunda onda da recepção russa abarca um período temporal muito maior: os seus limites (com certo grau de convenção) encontram-se entre os anos 1940-2010. É preciso ainda sublinhar o seu caráter específico que em muito pode ser explicado pelas condições da vida de Bakhtin. Destacaremos na recepção do livro dois enredos principais que refletem posições de diferentes gerações de pesquisadores. O fato de que a monografia do estudioso russo, publicada em 1929, permaneceu por muitos decênios apenas na memória de um círculo restrito de especialistas na URSS e da emigração russa foi abordado por V. Kójinov, na conversa com N. Pankov, nas páginas da revista Diálogo. Carnaval. Cronotopo:

O primeiro dos seus livros, dedicado a Dostoiévski, e, provavelmente, a obra principal da sua vida, ele finalizou na idade do Cristo e publicou em 1929, ao chegar aos 34 anos. Mas ao invés da comunicação criativa com os irmãos de ofício ele foi obrigado a permanecer calado por alguns decênios, como se não existisse mais para os leitores, e esperou pela reedição do seu primeiro livro por mais de 30 anos (KÓJINOV, 1992, p.112КОЖИНОВ, В. В. Как пишут труды, или Происхождение несозданного авантюрного романа (Вадим Кожинов рассказывает о судьбе и личности М.М. Бахтина) [KÓJINOV, V. How the Writings Are Written, or the Origin of an Uncreated Adventure Novel. Vadim Kójinov narrates the M. M. Bakhtin`s destiny and personality] Диалог. Карнавал. Хронотоп [Dialog. Carnival. Chronotope], №1, с.109—122, 1992.).

O mesmo foi retratado no artigo de V. Zdólnikov - O livro de Bakhtin sobre Dostoiévski no contexto dos embates literários dos anos 1920. O pesquisador, ao avaliar o nível da inovação teórica de Problemas da criação de Dostoiévski, afirmou que os representantes das escolas conflitantes, isto é, os autores das primeiras resenhas, não só não tentaram alinhar Bakhtin ao seu pensamento, como logo “‘esqueceram’ completamente a [...] existência do livro” (ZDÓLNIKOV, 2003, p.7ЗДОЛЬНИКОВ, В. В. Книга М. Бахтина о Ф. Достоевском в контексте литературной борьбы 20-х годов [ZDÓLNIKOV, V. The Bakhtin’s Book about F. Dostoevsky in the Context of the Literary Struggles in the 1920s] Диалог. Карнавал. Хронотоп [Dialog. Carnival. Chronotope], №1-2. c.5-21, 2003.). No entanto, é necessário frisar que tanto Kójinov, quanto Zdólnikov falam em nome da sua geração, mas esquecem a geração dos contemporâneos de Bakhtin, aqueles que tinham quase a sua mesma idade, que leram o livro ainda na juventude e, é claro, se lembravam dele. Alguns, inclusive, continuaram o diálogo com o seu autor. O fato de que entre os anos 1930 e início dos anos 1960, o livro Problemas da criação de Dostoiévski não tenha sido esquecido pode ser comprovado por uma série de fatores: a começar pela menção oficial (em primeiro lugar, nas reedições do artigo de A. Lunatchárski, Sobre a “Multivocalidade” de Dostoiévski: a respeito do Livro de M. Bakhtin Problemas da criação de Dostoiévski” [О “многоголосности“ Достоевского: по поводу книги М. М. Бахтина Проблемы творчества Достоевского] em 1937, 1956 e 1957; além dos testemunhos da preservação da memória sobre o livro na comunidade filológica, tanto na memória oral e na correspondência particular (resposta de E. Tarle, cartas de G. Gukóvski e N. Berkóvski), quanto nos livros, artigos e palestras (V. Vinográdov, V. Chklóvski, G. Fridlender e outros).

A análise da última onda da recepção russa de Problemas da criação de Dostoiévski permite aprofundar enredos específicos do processo de recepção do livro bakhtiniano e precisar a imagem já existente sobre a atualidade da herança de Bakhtin.

“Ao mestre-vencedor...”: observações iniciais

Das reações ao primeiro livro de Bakhtin merece uma atenção especial a resenha de A. Lunatchárski que causou, segundo a definição precisa de S. Botcharov, “certa polifonia” de vozes na imprensa soviética. Na ampla resposta à leitura bakhtiniana dos romances de Dostoiévski como polifônicos, Lunatcharski, partilhando da opinião do pesquisador, destacou:

Bakhtin não só conseguiu estabelecer, com mais clareza que anteriormente, a enorme importância da multivocalidade no romance de Dostoiévski e o papel dessa multivocalidade como um traço mais essencial e característico do seu romance, mas também definiu com precisão aquela extrema autonomia e valorização plena de cada “voz”, totalmente impensáveis na obra da maioria dos demais escritores, e que é desenvolvida de modo esplêndido em Dostoiévski (LUNATCHÁRSKI, 2001, p.163ЛУНАЧАРСКИЙ, А. В. О “многоголосности” Достоевского: По поводу книги М. М. Бахтина Проблемы творчества Достоевского [LUNATCHÁTSKI, A. On Dostoevsky's “Polyphony”: Concerning the Book of M. M. Bakhtin Problems of Dostoevsky's Creativity] В: М. М. Бахтин: pro et contra. [M. M. Bakhtin: pro et contra]. Личность и творчество М.М. Бахтина в оценке русской и мировой гуманитарной мысли. [LUNATCHÁTSKI, A. M. Bakhtin: pro et contra. Personality and Creation in the Russian and World Humanities Critics] Т.I. СПб.: РХГИ, 2001. с.161-184.).

Como se sabe, nas margens do exemplar pessoal do livro, Lunatchárski abençoou Bakhtin por pesquisar a gênese da polifonia, ou seja, por buscar uma fundamentação histórica para a principal tese teórica do livro (BOTCHAROV, 2000, p.477), o que justamente aconteceu na segunda edição da monografia sobre Dostoiévski.

O nome de A. Lunatchárski está relacionado a um dos “enredos” biográficos e científicos mais duradouros, no sentido temporal, e mais intensos, no que diz respeito à sua manifestação. Em primeiro lugar, a resenha teve um papel importante na mudança da sentença dada ao estudioso (BOTCHAROV, 2000, p.479); em segundo lugar, justamente com a ajuda da resenha de Lunatchárski, Bakhtin “reforçou” as posições necessárias para a defesa da sua tese (carta para B. Zaliésski de 19 de outubro de 1946); em terceiro lugar, o artigo de Lunatchárski por muitos anos serviu, aos olhos das estruturas do Estado, como uma garantia da qualidade de Problemas da criação de Dostoiévski. Graças à publicação do artigo-resenha em várias edições, o livro de Bakhtin não saiu do campo de visão dos críticos literários soviéticos, servindo-lhes como uma espécie de orientação na avaliação do livro sobre Dostoiévski. Basta lembrarmos que, em 1937, a tiragem da coletânea dos artigos de A. Lunatchárski Os clássicos da literatura russa [Классики русской литературы] era de 10.000 exemplares. Já Dostoiévski na crítica russa [Достоевский в русской критике,1956] e a coletânea de A. Lunatchárski Artigos sobre a literatura [Статьи о литературе, 1957] foram publicados com a tiragem de 75.000 exemplares. Como escreveu um dos primeiros revisores de Problemas da poética de Dostoiévski, Liev Chúbin,

[…] por muitos, muitos anos (quando o próprio M. Bakhtin foi “excomungado” da literatura e o seu livro se tornou uma raridade bibliográfica), o artigo de Lunatchárski foi quase a única fonte de informação sobre o livro (CHÚBIN, 1965, p.80ШУБИН, Л.А. Гуманизм Достоевского и “достоевщина” [CHÚBIN, L. Dostoevsky's Humanism and “Dostoevshyn”] Вопросы литературы [CHÚBIN, L. Questions of Literature]. №1, с.78-95, 1965.).

É característica a referência a Bakhtin (por meio da citação de Lunatchárski) feita no ensaio introdutório de A. Biélkin ao livro F. M. Dostoiévski na crítica russa [Ф. М. Достоевский в русской критике]:

Lunatchárski observa traços típicos da estética de Dostoiévski, o seu “lirismo”, a subjetividade, a forma de “confissões”, tão comuns nos romances de Dostoiévski, a sua “multivocalidade”. À “multivocalidade” do artista Lunatchárski dedicou um artigo especial em forma de resenha do livro de Bakhtin, Problemas da criação de Dostoiévski. A multivocalidade, ou polifonia, manifesta-se no modo como “as personagens de Dostoiévski vivem, lutam e, principalmente, discutem, fazem confissões mútuas etc., sem serem em absoluto forçados pelo autor”. É por isso que “os romances de Dostoiévski são, na verdade, diálogos muito bem decorados (BIÉLKIN, 1956, p.XXXIV-XXXVБЕЛКИН, А.А. Вступительная стать. [BIÉLKIN, A. Introductory Article] В: Ф. М. Достоевский в русской критике: Сборник статей [F. M. Dostoiévski na crítica russa: coletânea de artigos]. М.: Гослитиздат, 1956, с.I-XXXVI.).

Não é menos notável o papel do artigo de Lunatchárski na polêmica que se deu em 1964 nas páginas de Literatúrnaia gazieta1 1 NT: Jornal cultural e político publicado na Rússia e União Soviética. sobre o livro Problemas da poética de Dostoiévski. Assim, o crítico literário soviético A. Dýmchits inicia a sua resenha crítica Monólogos e diálogos com as seguintes palavras:

O livro foi lido... Eu o li pela primeira vez há trinta e cinco anos. É o livro de M. Bakhtin Problemas da poética de Dostoiévski, que há pouco tempo foi reeditado com acréscimos e correções. No livro de M. Bakhtin há muitas ideias, reflexões e observações verdadeiras. Trata-se de uma obra de um cientista. Muito daquilo que ele descobriu permanecerá como riqueza da ciência. A própria definição do romance de Dostoiévski como um romance polifônico já faz parte da ciência. Ela foi reconhecida com justeza ainda por A. Lunatchárski. A ciência literária sempre estará grata a M. Bakhtin pela riqueza de observações mais refinadas sobre a poética e a linguagem de Dostoiévski (DÝMCHITS, 1964a, p.4-5ДЫМШИЦ, А. Л. Монологи и диалоги [DÝMSCHITS, A. Monologue and Dialogue] Литературная газета [Literary Magazine]. № 82. 11 июля 1964а.).

No entanto, todo o conteúdo seguinte do artigo contradiz aquilo que foi dito nos primeiros parágrafos e objetiva destronar Bakhtin (inclusive, no que se refere à tipologia do gênero do romance). I. Vassiliévskaia e A. Miasnikov, oponentes de Dýmchits, no artigo Analisaremos a essência [Разберемся по существу], também escolhem, como um dos argumentos em defesa da teoria de Bakhtin, a manifestação de Lunatchárski:

A primeira edição do livro de M. Bakhtin sobre Dostoiévski obteve uma recepção positiva de A. Lunatchárski, que publicou um artigo grande Sobre a “multivocalidade” em Dostoiévski. Bem no auge da luta contra o formalismo Lunatchárski separou Bakhtin dos formalistas. Mais do que isso, ele adivinhou, enxergou o caráter antiformalista do livro (VASSILIÉVSKAIA, MIASNIKOV, 1964, p.4-5).

Em resposta às observações dos oponentes no artigo Elogio ou crítica? [Восхваление или критика?], Dýmchits volta novamente à resenha de Lunatchárski ao se apoiar nas teses que reforçam as observações anteriores e a posição do autor.

O livro Problemas da criação de Dostoiévski tem, na biografia científica sobre M. Bakhtin, um papel especial: por mais de três décadas ele, de fato, serviu como uma única prova (junto com dois artigos sobre Liev Tolstói) da participação do cientista no espaço literário entre os anos 1930 até o início dos anos 1960. É curioso que L. Dýmchits deu de presente a M. Bakhtin o seu livro Quatro histórias sobre escritores (Четыре рассказа о писателях) (DÝMCHITZ, 1964bДЫМШИЦ, А. Л. Четыре рассказа о писателях [DÝMSCHITS, A. Four Narratives about writers]. М.: Правда, 1964в.), em cuja capa, no verso, podemos ler a seguinte inscrição: “Ao mestre-vencedor do aluno vencido; para M. Bakhtin de A. Dýmchits”. A cópia fotográfica da inscrição permite visualizar a frase escrita inicialmente e as correções feitas pelo doador (ZEMKÓVA, 2018, p.65).

V. Vinográdov: “...proponho atribuir a M. Bakhtin o título científico de livre-docente”

A onda da recepção, definida por nós como “última”, começou a ganhar força alguns anos antes das reações “sintomáticas” e explícitas ao primeiro livro bakhtiniano sobre Dostoiévski, isto é, muito antes da segunda metade dos anos 1950 – início dos anos 1960. Relacionamos o início da última onda com a época em que Bakhtin estava se preparando para a defesa da sua tese Rabelais na história do realismo [Рабле в истории реализма) e para a sua discussão posterior no VAK [Высшая Аттестационная Комиссия]2 2 TN: Comitê Superior de Atestação. , em 1949. Lembraremos dos principais momentos.

No verão de 1945, Bakhtin estava planejando a apresentação do seu manuscrito sobre Rabelais para a defesa (no início, tratava-se de doutorado, mas depois, na carta para A. Smirnov, Bakhtin já mencionou livre-docência). Na mesma época era discutida a questão dos possíveis oponentes (membros da banca). Em 14 de julho de 1946, a tese de Bakhtin, a pedido de M. Iúdina, foi entregue para o acadêmico E. Tarle. E. Bojnó, que entregou o trabalho de Bakhtin, em sua carta a M. Iúdina, descreveu da seguinte forma a opinião do acadêmico sobre o livro Problemas da criação de Dostoiévski:

T. [arle] [...] fez várias perguntas sobre M. B., disse que estava entusiasmado com o livro sobre Dostoiévski, o qual havia lido duas vezes, que era uma pena M. B. não trabalhar mais com Dostoiévski e que seria muito bom se ele voltasse a abordar esses temas (BAKHTIN, 2000, p.908БАХТИН, М. М. Собрание сочинений: В 7 т. Т.2. [BAKHTIN, M. M. Collected Works in 7 volumes – vol. 2] М.: Русские словари, 2000.).

A opinião entusiasmada sobre o grande cientista e seu livro foi expressa também na carta para Bakhtin do próprio Tarle, em 19 de agosto de 1946:

Fiquei muito contente em saber, por meio da sua carta, que o Senhor pretende com o tempo retomar a obra sobre Fiódor Mikháilovitch. Se não for seguir a ordem cronológica, analise Bobók [...]. Para um historiador e crítico da literatura há ali uma grande vastidão. Meus melhores votos. Defenda a tese logo e venha para Moscou, para a Biblioteca de Lenin! (BAKHTIN, 2008, p.970-971БАХТИН, М.М. Собрание сочинений: В 7 т. Т.4 (1). [BAKHTIN, M. M. Collected Works in 7 vol. – vol. 4 (1)]. М.: Языки славянских культур, 2008.).

A defesa da tese ocorreu em 15 de novembro de 1946 no Instituto da Literatura Mundial A. M. Górki. A discussão que se deu durante a defesa em relação à sugestão, por parte dos oponentes, de atribuir a Bakhtin o título de livre-docente, fez com que quase todos os presentes se manifestassem (BAKHTIN, 2008, p.1017-1068БАХТИН, М.М. Собрание сочинений: В 7 т. Т.4 (1). [BAKHTIN, M. M. Collected Works in 7 vol. – vol. 4 (1)]. М.: Языки славянских культур, 2008.). Assim, o historiador da literatura N. Piksánov, ao explicar porque não tinha lido a tese de Bakhtin, disse: “A tese de doutorado não é um assunto de tanta responsabilidade assim para se preocupar em demasia com ele, principalmente quando se trata de Bakhtin, o qual nós já conhecemos há muito tempo devido à imprensa” (BAKHTIN, 2008, p.1035; grifos meusБАХТИН, М.М. Собрание сочинений: В 7 т. Т.4 (1). [BAKHTIN, M. M. Collected Works in 7 vol. – vol. 4 (1)]. М.: Языки славянских культур, 2008.). O mais provável é que, ao se referir à fama dos trabalhos publicados por Bakhtin, Piksánov tivesse em mente a popularidade do livro sobre Dostoiévski.

Quase três anos depois, em 21 de maio de 1949, entoando as palavras de Piksánov, V. Vinográdov fez um pronunciamento na reunião da Comissão Superior de Atestação. Foi justamente naquele momento que Vinográdov, contemporâneo de M. Bakhtin, linguista-eslavista e estudioso da literatura, cujo diálogo científico com Bakhtin perdurou por mais de uma década, ao se referir ao nível da erudição de Bakhtin como pesquisador, lembrou aos participantes da discussão que se deu em torno do livro de 1929. Uma frase desse discurso integrou o título da nossa palestra. Eis a citação completa:

Bakhtin foi quase meu colega na Universidade de Leningrado, uma pessoa de enorme erudição, de grandes conhecimentos, em suma, uma pessoa de um talento extraordinário, mas, como podem ver, muito doente. Um dos seus trabalhos – Problemas da poética de Dostoiévski – resultou, em sua época, em um artigo entusiasmado de Lunatchárski. Obviamente, se ele se apresentasse agora, não seria possível lhe atribuir o título de doutor. É por isso que os oponentes mais sérios – Smirnov, Aleksiéev – propõem a atribuição do título de livre-docente. No entanto, atribuir agora o título de livre-docente por aquilo que foi feito há dez anos não é possível, por isso proponho atribuir-lhe o título de professor titular: ele o merece (BAKHTIN, 2008, p.1100БАХТИН, М.М. Собрание сочинений: В 7 т. Т.4 (1). [BAKHTIN, M. M. Collected Works in 7 vol. – vol. 4 (1)]. М.: Языки славянских культур, 2008.).

O livro sobre Dostoiévski foi – não só para Vinográdov, mas para todos os presentes – o argumento mais poderoso a favor de Bakhtin.

“Ao autor do melhor livro sobre Dostoiévski...”

A nova onda de interesse pelo livro Problemas da criação de Dostoiévski em meados dos anos 1950 em muito foi preparada pela “‘ressurreição’, na nossa vida social e literária, do próprio Dostoiévski” (BOTCHAROV, 2000, p.501). Assim, na coletânea de estudos e artigos sobre a obra de Fiódor Dostoiévski, resultante de uma sessão comemorativa organizada pelo Instituto da Literatura Mundial A. Górki em memória a 75 anos da morte do escritor, o interesse pelo livro de Bakhtin de 1929 foi manifesto em vários trabalhos. O epicentro da polêmica foi a questão da natureza da palavra polifônica nos romances de Dostoiévski e, em decorrência disso, o problema do autor. G. Abramóvitch, no artigo Sobre a questão da natureza e do caráter do realismo de Dostoiévski [К вопросу о природе и характере реализма Достоевского], ao apontar o “lirismo interior da representação”, próprio do autor, destacou que foi justamente a “subjetividade” do escritor que “determinou, em grande parte, a direção e a força dos quadros e das imagens realistas criados por ele”. Em seguida, o pesquisador afirma:

É impossível concordar que cada personagem das obras de Dostoiévski viva uma vida autônoma, como afirmou M. Bakhtin ao desenvolver a concepção da polifonia dos romances do grande escritor; tampouco é possível reconhecer que Dostoiévski, como tentava mostrar O. Kaus, é apenas o “dono da casa” que sabe tratar bem os seus mais variados convidados e que não precisa pronunciar a última palavra [ABRAMÓVITCH, 1959, p.60АБРАМОВИЧ, Г. К. К вопросу о природе и характере реализма Достоевского [ABRAMOVITCH, G. About the Question of the Nature and the Character of Dostoevsky’s Realism]. В: Творчество Достоевского. [Dostoevsky’s Creativity]. Москва: Издательство Академии Наук, 1959. c.55-64.].

A. Tchitchiérin, no artigo A ordem poética da linguagem nos romances de Dostoiévski [Поэтический строй языка в романах Достоевского], concentra-se primeiramente no isolamento da peculiaridade estilística, na descrição da linguagem e, de modo geral, no quadro discursivo dos romances. A polêmica com as ideias bakhtinianas ocorre nesse campo de problematização:

M. M. Bakhtin, em seu livro Problemas da сriação de Dostoiévski, sugeriu, à época, uma concepção bastante original dos seus romances como polifônicos, que realizam um tipo específico de multivocalidade linguística e ideológica. Na linguagem dos romances Bakhtin via, antes de tudo, “palavras duplamente orientadas que incluem, como um elemento necessário, a relação com um enunciado alheio” [...] Devido a isso, surgem em Bakhtin as seguintes definições características: “palavra bivocal de múltiplas direções”, “palavra internamente dialógica”, “discussão de duas vozes em uma única palavra pelo domínio sobre ela” [...] Ao longo do nosso artigo, polemizamos constantemente com afirmações desse gênero. Evidenciamos o papel do autor no monólogo, no diálogo, na multivocalidade, defendemos a ideia da importância decisiva da “consciência do autor” (TCHITCHIÉRIN, 1959, p.443).

G. Fridlender, um estudioso da literatura soviética e um dos principais pesquisadores da obra de F. Dostoiévski, no artigo Romance O idiota [Роман Идиот] observou:

No seu famoso livro sobre Dostoiévski, M. Bakhtin descreveu Dostoiévski como uma espécie de criador de um novo tipo “polifônico” do romance em que não há um ponto de vista “monológico” do autor e cada uma das personagens possui sua própria “voz”, bastante independente da do autor.

Apesar da abundância das observações valiosas no livro de Bakhtin, a análise de O idiota com toda evidência revela a inconsistência fatual da sua visão geral dos romances de Dostoiévski. A “voz” do autor, o ponto de vista autoral sobre os acontecimentos descritos, não estão de forma alguma ocultos, mas, pelo contrário, expressos com bastante nitidez e definição, embora de modo bastante peculiar (FRIDLENDER, 1959, p.211).

G. Fridlender retornou mais de uma vez às questões que o preocupavam. É notável que, em sua monografia O realismo de Dostoiévski [Реализм Достоевского, 1964], o pesquisador voltou a criticar a ideia bakhtiniana do caráter polifônico dos romances de Dostoiévski, desenvolvendo uma crítica de algumas de suas teses (FRIDLENDER, 1964, p.188-198ФРИДЛЕНДЕР, Г. М. Реализм Достоевского [FRIDLENDER, G. The Dostoevsky’s Realism]. М. : Л.: Наука, 1964.). Apesar disso, não podemos deixar de notar com que delicadeza Fridlender introduz essa crítica em suas reflexões: “...como o autor do presente livro já teve oportunidade de escrever, a interpretação da natureza artística da polifonia em Dostoiévski, proposta por Bakhtin, não lhe parece de tudo convincente” (FRIDLENDER, 1964, p.188-189ФРИДЛЕНДЕР, Г. М. Реализм Достоевского [FRIDLENDER, G. The Dostoevsky’s Realism]. М. : Л.: Наука, 1964.).

Observemos que Fridlender não se limitou ao gênero monografia ou a um artigo de coletânea. Ele foi autor de capítulos sobre a obra de F. Dostoiévski em duas edições acadêmicas: História da literatura russa [История русской литературы], de 1956, e História da literatura mundial [История мировой литературы], de 1991. Em 1956, o crítico literário, ao discutir as peculiaridades da obra de Dostoiévski, citou diretamente o livro de Bakhtin e chamou de equivocada a sua visão do romance de Dostoiévski “como se ele fosse do tipo ‘polifônico’ no qual não existe uma união ideológica e artística e o papel do autor se reduz à condução harmoniosa das ‘vozes’ independentes dos personagens isolados” (FRIDLENDER, 1956, p.104ФРИДЛЕНДЕР, Г.М. Достоевский [FRIDLENDER, G. Dostoiévski] В: История русской литературы: В 10 т. Т. IX. Литература 70-80-х годов. Ч. 2. [FRIDLENDER, G. History of the Russian Literature in 10 vol. Vol. 9. Literature of 70-80s]. М.; Л.: Издательство АН СССР, 1956. c.7-118.). Ao discordar de Bakhtin e explicar o seu ponto de vista, Fridlender escreveu:

a independência das “vozes” das personagens isolados é apenas relativa e não resulta na perda da integridade ideológica e artística da obra. Dostoiévski de forma alguma renuncia a uma avaliação autoral das suas personagens e das ideias por elas expressas, não olha para o mundo interior de cada um deles como para algo fechado, separado da realidade exterior e da psicologia das outras personagens. A individualidade humana em seus romances e novelas está inserida no mundo exterior com suas contradições e conflitos objetivos, ela é portadora das vivências, ideias e opiniões cujo conteúdo não é somente pessoal e estrito, subjetivo, mas também objetivo e de importância geral. Nas discussões entre as personagens em Dostoiévski são revelados diversos pontos de vista presentes (ou possíveis) na sociedade acerca dos problemas objetivos que a própria vida apresenta (FRIDLENDER, 1956, p.104ФРИДЛЕНДЕР, Г.М. Достоевский [FRIDLENDER, G. Dostoiévski] В: История русской литературы: В 10 т. Т. IX. Литература 70-80-х годов. Ч. 2. [FRIDLENDER, G. History of the Russian Literature in 10 vol. Vol. 9. Literature of 70-80s]. М.; Л.: Издательство АН СССР, 1956. c.7-118.).

Apesar dessa opinião sobre a interpretação bakhtiniana da poética de Dostoiévski, Fridlender o valorizava como um cientista de nível internacional. Junto com V. Jirmúnski e B. Meilakh, ele escreveu o artigo Questões de poética e teoria do romance nos trabalhos de M. Bakhtin [Вопросы поэтики и теории романа в работах М. М. Бахтина] e resenhou a coletânea de artigos de Bakhtin que, na versão final, saiu com o título Questões da literatura e estética [Вопросы литературы и эстетики] já depois da morte do autor. O texto dessa resenha em parte integrou o artigo de Fridlender O conteúdo real da busca [Реальное содержание поиска], publicado em 1976 na revista Panorama literário [Литературное обозрение].

Em 1991, Fridlender escolhe a entonação de constatação, ainda que evite o uso do conceito de polifonia:

[...] apesar de toda a “multivocalidade” aparente dos romances de Dostoiévski (termo de Bakhtin), eles tendem sempre a um determinado núcleo que é percebido pelo leitor, a um conjunto de questões morais, sociais, filosófico-históricas que une o tecido ideológico e artístico do romance (FRIDLENDER, 1991, p.122ФРИДЛЕНДЕР, Г. М. Достоевский [FRIDLENDER, G. Dostoiévski]. В: История всемирной литературы: в 8 томах Т. 7. Vol 7 [FRIDLENDER, G. History of the World Literature in 8 vol.] М.: Наука, 1991. c.105-124.).

Desse modo, os artigos da coletânea repetem as objeções contra a teoria do romance polifônico expressas ainda na resenha de N. Berkóvski, que inaugurou a campanha crítica em 1929. Comparemos.

O mais nocivo para o livro de Bakhtin são suas afirmações totalmente insubstanciais e errôneas sobre esse suposto caráter “polifônico” do romance de Dostoiévski. (…) Na realidade, o romance de Dostoiévski é extremamente unificado e justamente pela ideia do autor, pelo senso do autor; o autor julga as “vozes” das personagens por meio da revelação demonstrativa da fábula; no final da fábula que põe em teste (e “provoca”, segundo a feliz expressão de Bakhtin) o mundo da personagem e a sua visão sobre ele, o autor dá o seu veredito em primeira instância (BERKÓVSKI, 1989, p.186-187БЕРКОВСКИЙ, Н. Я. М. М. Бахтин. Проблемы творчества Достоевского [BERKÓVSKI, N. M. M. Bakhtin. Problems of Dostoevsky's creativity] В: БЕРКОВСКИЙ, Н. Я. Мир, создаваемый литературой [BERKÓVSKI, N. The world created by literature]. М.: Советский писатель, 1989. c.119-121.).

O diálogo entre os dois estudiosos da literatura continuou passados quinze anos: em meados da década de 1950, N. Berkóvski enviou para M. Bakhtin a coletânea Notas científicas da Universidade Estatal Pedagógica de Leningrado [Ученые записки Ленинградского государственного педагогического института], volume IX, edição 3, 1954, com a seguinte inscrição na primeira página do seu artigo: “Para Mikhail Mikháilovitch Bakhtin, com o mais profundo respeito. 4 de abril de 1955. Autor. Leningrado, rua Kolómenskaia, 35, apto 62” (ZEMKÓVA, 2018, p.29). Ao receber a resposta de Bakhtin, Berkóvski lhe dirigiu uma carta, em 18 de janeiro de 1956, em que registrou uma mudança de opinião sobre o livro Problemas da criação de Dostoiévski e sobre o seu autor:

Obviamente, você é bem conhecido e lembrado – por todos aqueles que buscam livros bons e verdadeiros [...] a linguagem, aquela presente no livro sobre Dostoiévski, é uma linguagem muito memorável, filosófica e impressionista. Sobre o seu Rabelais apenas ouvi falar, não tive oportunidade de tê-lo em mãos, mas aqui em Moscou ele foi também elogiado. [...] Será que o aniversário de Dostoiévski não poderia lhe servir como motivo para manifestar-se na imprensa? (BAKHTIN, 2000, p.514БАХТИН, М. М. Собрание сочинений: В 7 т. Т.2. [BAKHTIN, M. M. Collected Works in 7 volumes – vol. 2] М.: Русские словари, 2000.).

É impossível ignorar a pergunta que soou na carta, bem como o comentário a seguir: “Quando organizava a coletânea do Instituto Militar de Moscou, publicada em 1946, quis muito que você participasse, mas em Moscou ninguém podia me passar o seu contato” (BAKHTIN, 2000, p.515БАХТИН, М. М. Собрание сочинений: В 7 т. Т.2. [BAKHTIN, M. M. Collected Works in 7 volumes – vol. 2] М.: Русские словари, 2000.).

Em nome da justiça é preciso dizer que os clássicos dos estudos dostoievskianos soviéticos não só aceitaram as ideias de Bakhtin como lhe expressaram sua gratidão (KLIÚEVA, LISSUNOVA, 2010КЛЮЕВА, И. В., ЛИСУНОВА, Л. М. М. М. Бахтин – мыслитель, педагог, человек [KLIÚEVA, I.; LISUNÓVA, L. M. M. Bakhtin –Thinker, Educator, Man]. Саранск, 2010.; ZEMKÓVA, 2018). É característica a inscrição que Leonid Grossman fez em 8 de outubro de 1963 na sua biografia de Fiódor Dostoiévski, publicada na série Vida das pessoas notáveis [Жизнь замечательных людей]: “Para Mikhail Bakhtin, autor do melhor livro sobre Dostoiévski, como manifestação do profundo amor pela sua obra” (ZEMKÓVA, 2018, p.57).

Chama a atenção a avaliação de Problemas da poética de Dostoiévski no artigo-resenha de 1965. L. Chúbin, ao apresentar o livro novo para o público, dispensa atenção especial ao caráter polêmico e ao valor acadêmico da edição de 1929:

M. Bakhtin, por meio do seu livro, que se opõe abertamente ao formalismo e sociologismo vulgares, ao mover-se da análise da palavra multivocal em Dostoiévski para uma concepção do mundo, integra e revela a profunda ligação dos elementos estruturais da poética com o pensamento artístico do escritor. O conteúdo do livro resultou, dessa forma, mais importante de que a polêmica metodológica. Foi evidenciada a relação da poética de Dostoiévski com o pathos humanista e questões levantadas em sua obra (CHÚBIN, 1965, p.94ШУБИН, Л.А. Гуманизм Достоевского и “достоевщина” [CHÚBIN, L. Dostoevsky's Humanism and “Dostoevshyn”] Вопросы литературы [CHÚBIN, L. Questions of Literature]. №1, с.78-95, 1965.).

“O livro de Bakhtin é de grande interesse...”

Provavelmente um dos propagandistas mais ativos da obra de Bakhtin foi V. Kójinov. Como se sabe, ele fez todo o possível e o impossível para que o livro sobre Dostoiévski fosse reeditado (KÓJINOV, 1992) e redigiu, para a Breve enciclopédia literária [Краткая литературная энциклопедия], um artigo sobre Bakhtin depois do qual, no outono de 1962, teve início uma “verdadeira peregrinação” para Saransk (KÓJINOV, 1993, p.122КОЖИНОВ, В. В. Бахтин и его читатели. Размышления и отчасти воспоминания [KÓJINOV, V. Bakhtin and His Readers. Reflections and Partly Memories] Диалог. Карнавал. Хронотоп [Dialog. Carnival. Chronotope], №2-3, c.120-134, 1993.). Mais do que isso, no prefácio do livro Fundamentos da teoria literária. Breve esboço [Основы теории литературы. Краткий очерк], publicado em 1962, V. Kójinov anunciou o livro de Bakhtin e o incluiu em uma seção especial de trabalhos que analisam “a arte do escritor na união da forma e do conteúdo”:

Neles, são abordados de forma íntegra a linguagem, o enredo, o sistema das imagens e o próprio pensamento artístico dos escritores. Esses trabalhos apoiam-se nas ideias teóricas bem elaboradas sobre a essência da literatura e, ao mesmo tempo, enriquecem e aprofundam essas ideias (KÓJINOV, 1962в, p.45КОЖИНОВ, В. В. Основы теории литературы (Краткий очерк) [KÓJINOV, V. Foundations of Literary Theory (Brief Essay)]. М.: Знание, 1962в.).

Kójinov contou a Bakhtin sobre um anúncio seu em uma carta de 25 de maio de 1962:

Envio um pequeno folheto que publiquei por acaso. Ele é muito popular e, é provável, que por isso seja especialmente ruim. É melhor o Senhor não lê-lo, a não ser a página 47 em que o seu livro aparece como já publicado (a realidade precisa ser criada com todos os meios!) (PANKOV, 2009, p.541ПАНЬКОВ, Н. А. Вопросы биографии и научного творчества М.М. Бахтина [PANKOV, N. Questions of Biography and Scientific Creation in M. M. Bakhtin]. М.: Издательство Московского университета, 2009.).

A apresentação do livro Problemas da poética de Dostoiévski, como publicado em 1962, vai ao encontro de uma tática elaborada por Kójinov de apresentar os textos bakhtinianos à comunidade científica: por meio da publicação de artigos, principalmente na revista Questões da literatura [Вопросы литературы], em que ele declarava a existência dos trabalhos inovadores de Bakhtin e a importância evidente das ideias neles manifestadas para os estudos literários modernos da URSS (por exemplo, no artigo A cientificidade é a ligação com a vida [Научность - это связь с жизнью] (KÓJINOV, 1962а).

A antiga polêmica com a ideia do romance polifônico foi retomada em 1957 por V. Chklóvski, que sugeriu a sua versão de “multivocalidade” no livro Pro et contra: Notas sobre Dostoiévski [За и против: заметки о Достоевском]. No livro, como destacava Chklóvski, ele tentou explicar

qual foi a causa aquela discussão que deixou como rastro a forma literária de Dostoiévski e, ao mesmo tempo, no que consiste o caráter universal dos romances de Dostoiévski, ou seja, quem está interessado nessa discussão no momento (CHKLÓVSKI, 1960, p.98ШКЛОВСКИЙ, В.Б. Против [Contra] Вопросы литературы [CHKLÓVSKI, V. Questions of Literature], № 4, с.98-101,1960.).

No início dos anos 1960, durante a preparação da segunda edição do livro sobre Dostoiévski, Bakhtin lê atentamente a coletânea Pro et contra de Chklóvski. Nas páginas do seu exemplar do livro, ele marca nas margens os fragmentos importantes (a quantidade de linhas verticais, típica para o trabalho de Bakhtin-leitor, varia de uma a três ou quatro). Os fragmentos a serem citados são destacados ainda por pequenos traços horizontais. Com o mesmo asseio Bakhtin estuda a publicação polêmica de Chklóvski, Contra [Против], em resposta à crítica de R. Jakobson do livro sobre Dostoiévski. Acrescentaremos que esse tipo de marginalia é característica para a etapa preparatória do trabalho de Bakhtin (OSSÓVSKI, 2002, p.24-35ОСОВСКИЙ, О. Е. M. М. Бахтин читает Ольгу Фрейденберг: о характере и смысле маргиналий на страницах “Поэтики сюжета и жанра” [OSSÓVSKI, O. M. M. Bakhtin reads Olga Freindenberg: about the Character and the Meanings of the Marginals in the Pages of “Poetics of Plot and Genre”] В: Бахтин в Саранске. Материалы. Документы. Исследования [Bakhtin in Saránsk. Materials. Documents. Researches]. Вып. 1. Саранск. 2002. c.24-35.).

Na revisão bibliográfica do livro Problemas da poética de Dostoiévski, Bakhtin apresenta uma breve análise da coletânea Pro et contra, destacando a importância dela para compreender as particularidades da poética do escritor e da ideia da forma polifônica do romance. Esse diálogo à distância é importante para Bakhtin como uma possibilidade de formular com mais precisão a tese da dialogicidade absoluta do romance polifônico e do seu caráter principal não finalizado (BAKHTIN, 2002, p.48–51).

V. Chklóvski continua a discussão insistente com Bakhtin não só acerca do romance polifônico de Dostoiévski, mas também em relação à compreensão bakhtiniana da obra de Rabelais. A análise crítica das opiniões de Chklóvski é apresentada nos trabalhos de S. Botcharov (BOTCHAROVВ, 2000) e L. Chúbin (CHÚBIN,1987ШУБИН, Л.А. Поиски смысла отдельного и общего существования: Об Андрее Платонове. Работы разных лет [CHÚBIN, L. The search for the meaning of separate and common existence: about Andrei Platónov. Works of Different Years]. М.: Советский писатель, 1987.).

Apesar das discordâncias científicas, Chklóvski assinou, no início dos anos 1960, uma carta em apoio à reedição do livro sobre Dostoiévski. A carta, composta por Kójinov, foi endereçada ao chefe da diretoria da editora Escritor soviético [Советский писатель], N. V. Lesiutchévski (PANKOV, 2009, p.510ПАНЬКОВ, Н. А. Вопросы биографии и научного творчества М.М. Бахтина [PANKOV, N. Questions of Biography and Scientific Creation in M. M. Bakhtin]. М.: Издательство Московского университета, 2009.). Essa história foi preservada na narração de V. Kójinov (KÓJINOV, 1992).

Também é curiosa uma das últimas manifestações de Chklóvski sobre o estudo bakhtiniano da palavra romanesca em Dostoiévski. No início dos anos 1980, ele escreveu:

Não acho que eu consiga escrever de repente um livro grande sobre Dostoiévski e que eu o entenda de repente.

Tenho consideração por Bakhtin, que disse que é um grande escritor, com muitas vozes que parecem discutir uma com outra, entender tudo do seu jeito (CHKLÓVSKI, 1983, p.567ШКЛОВСКИЙ, В. Б. “Вдруг” Достоевского [CHKLÓVSKI, V. B. The “suddenly” in Dostoevsky] В: ШКЛОВСКИЙ В.Б. Избранное: в 2 т. Т. 2. [CHKLÓVSKI V. B. Sellected Works in 2 vol. Vol. 2] М.: Художественная литература, 1983. c.567–574.).

Portanto, a história da assimilação e apropriação das ideias bakhtinianas expressas em Problemas da criação de Dostoiévski é composta por episódios relativamente independentes no campo da história dos estudos literários nos anos 1930-1960: da discussão e dos debates até o reconhecimento e o diálogo produtivo.

É impossível não mencionar ainda a atualização relativamente recente do livro de Bakhtin de 1929. Uma série de trabalhos de N. Boniétskaia é dedicada ao estudo do caráter histórico e filosófico específico do primeiro livro de Bakhtin sobre Dostoiévski (BONIÉTSKAIA, 1994БОНЕЦКАЯ, Н. К. Бахтин в 1920-е годы [BONIÉTSKAIA, N. Bakhtin in the 1920s years] Диалог. Карнавал. Хронотоп [Diálog, Carnival, Chronotope], № 1, c.16-62, 1994.; BONIÉTSKAIA, 1996БОНЕЦКАЯ, Н. К. К сопоставлению двух редакций книги М. Бахтина о Достоевском [BONIÉTSKAIA, N. Toward a Comparison of Two Editions of M. Bakhtin's Book about Dostoevsky] Бахтинские чтения [Bakhtinian Readings]– I. Витебск, 1996. c.26-32.; BONIÉTSKAIA, 2017). No prefácio ao segundo volume dos trabalhos selecionados de M. Bakhtin, Boniétskaia, ao recriar o contexto filosófico russo do surgimento de Problemas da criação de Dostoiévski, observa:

Bakhtin conseguiu revelar do interior aquilo que os seus antecessores, os filósofos religiosos, já sabiam: ao discutir Dostoiévski é possível ao mesmo tempo refletir sobre a existência ética. É possível que essa descoberta tenha inspirado o livro, publicado em 1929 (BONIÉTSKAIA, 2017, p.11).

A teoria do romance polifônico pelo viés de Problemas da criação de Dostoiévski é analisada pelo crítico literário atual Anatóli Kortchinski como um “modelo explicativo que permite estudar a nova forma de romance criada por Dostoiévski à luz da imaginação social do escritor e das suas implicações políticas” (KORTCHINSKI, 2019КОРЧИНСКИЙ, А. Политика полифонии: опасная современность и структура романа у Достоевского и Бахтина. [KORTCHINSKI, A. The Politics of Polyphony: Dangerous Modernity and the Structure of the Novel in Dostoevsky and Bakhtin] Новое литературное обозрение [New literary journal]. Москва. 2019. №1(155). URL: https://www.nlobooks.ru/magazines/novoe_literaturnoe_obozrenie/155_nlo_1_2019/article/20634/ ) (Дата обращения: 28 апреля 2020 года)
https://www.nlobooks.ru/magazines/novoe_...
).

Desse modo, analisadas em sua totalidade, as respostas ao livro Problemas da criação de Dostoiévski permitem elucidar e esclarecer os detalhes, completar e detalhar os episódios do diálogo entre o pensador e os seus oponentes.

Agradecimentos

A autora expressa sua gratidão à professora Sheila Grillo pela possibilidade de participar do Colóquio Internacional dedicado aos 90 anos do livro de M. M. Bakhtin “Problemas da criação de Dostoiévski” (Universidade de São Paulo, 26-28 de novembro de 2019).

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2020
  • Aceito
    31 Jan 2021
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