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A prática do bom professor de Educação Física na perspectiva dos alunos do ensino médio

The practice of good Physical Education teachers from the perspective of high school students

Resumos

Analisa a prática pedagógica do docente de Educação Física considerado bom professor na perspectiva dos alunos do ensino médio. A partir de uma investigação de campo descritiva e de cunho qualitativo com um grupo amostral composto por professores considerados bons pelos seus alunos, percebeu-se um padrão tradicional nas aulas quanto à abordagem pedagógica adotada, bem como a hegemonia do conteúdo esporte. No entanto, esses professores buscam articular a Educação Física às demais disciplinas em trabalhos interdisciplinares e, ainda, lançam mão da proximidade com seus alunos para discutir temas relacionados a comportamento, valores éticos e conduta tanto na escola como fora dela. Em suma, o conceito valorativo de bom professor decorre de fatores percebidos na prática pedagógica do professor ao longo de sua trajetória profissional

prática pedagógica; professor; Educação Física


The study examined the pedagogical practice of Physical Education teachers, considered good teachers from the perspective of high school students. It was conducted an analysis, based on a field investigation of descriptive and qualitative nature, with a sample group of teachers. It was observed a traditional pattern of teaching in relation to the pedagogical approach adopted, as well as the hegemony of sport content. However, these teachers seek to articulate Physical Education to other subjects in an interdisciplinary work, and also seize the proximity to their students in order to discuss topics related to behavior, ethical values and conduct both in and outside school. Briefly, the evaluative concept of good teacher stems from factors perceived in the teacher's pedagogic practice throughout his/her professional career

pedagogical practice; teacher; Physical Education


Introdução

Podem inventar tecnologias, serviços, programas, máquinas diversas, umas a distância outras menos, mas nada substitui o bom professor. Nada substitui o bom senso, a capacidade de incentivo e de motivação que só os bons professores conseguem despertar.

António Nóvoa1 1 Trecho extraído da palestra "Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo" (Sindicato..., 2007).

Ao longo dos tempos, percebe-se, no âmbito das diferentes sociedades, uma mobilidade na qual se tem o surgimento e o declínio de ocupações profissionais que abrangem as diversas áreas de intervenções do homem. Ainda que a ocupação docente se encontre, frente a uma série de dificuldades e desafios, marcada pelo desprestígio social e pela consequente desvalorização salarial, trata-se de uma profissão que parece resistir ao tempo e às intempéries das políticas educacionais em nosso País.

Uma abordagem sobre esse profissional demanda, previamente, uma revisita, ainda que parcial, às diferentes formulações teóricas e às conceituações advindas de estudos na área educacional. Consoante Giovanni (2005GIOVANNI, L. M. Indagação e reflexão como marcas da profissão docente. In: GUARNIERI, M. R. Aprendendo a ensinar: o caminho nada suave da docência. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 45-59.), o professor é aquele que deve, acima de tudo, assumir um compromisso social com o ensino, com a aprendizagem dos conhecimentos e dos valores básicos que se fazem necessários a todos os cidadãos. Para isso, em sua trajetória profissional, esse ator constrói e reconstrói os seus conhecimentos de acordo com a necessidade de utilização destes, as suas experiências e todos os seus percursos formativos e profissionais (Nunes, 2001NUNES, C. M. F. Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da pesquisa brasileira. Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 22, n. 74, p. 27-42, abr. 2001.). Em outras palavras, significa dizer que se trata de um ser que é constituinte e constituído pelo meio social em que vive, numa íntima e contínua relação mediatizada pelas interações sociais, culturais e de saberes construídos historicamente (Silva, 2005SILVA, R. C. O Professor, seus saberes e suas crenças. In: GUARNIERI, M. R. Aprendendo a ensinar: o caminho nada suave da docência. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 25-44.).

No trato com o conhecimento, cabe ao professor a responsabilidade de conectar a ambiência interna - a escola - com a externa - a sociedade -, tornando os conteúdos trabalhados na escola elementos significativos na e para a formação do aluno enquanto cidadão que influencia e é influenciado pela realidade concreta na vida em sociedade (Galvão, 2002GALVÃO, Z. Educação física escolar: a prática do bom professor. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 65-72, mar. 2002.). No entanto, é sabido que tal efetivação encontra-se dependente de fatores como a metodologia adotada e o estímulo aos alunos sobre a relevância de um dado conteúdo para a sua formação, dentre outros aspectos. Em muitos casos, decorrem daí intervenções docentes baseadas em modelos vivenciados pelo professor em suas experiências enquanto discente da educação básica e de curso de formação inicial e continuada.

Considerando diferentes contextos em que se dá a formação de professores, Hiebert, Gallimore e Stigler (2002HIEBERT, J.; GALLIMORE, R.; STIGLER, J. W. A knowledge base for the teaching profession: what would it look like and how can we get one? Educational Researcher, Washington, v. 31, n. 5, p. 3-15, June 2002.) identificaram uma interdependência marcada pela falta de comunicação, integração e congruência conceitual entre os cursos de formação inicial, as práticas de ensino, os estágios e a escola. Essa situação, segundo os autores, dificulta o entendimento comum, entre os agentes que intervêm na formação de docentes, do significado de bom ensino e bom docente e de como formá-lo.

Nessa perspectiva, em uma investigação sobre a prática docente, Cunha (2012CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática. 24. ed. Campinas: Papirus, 2012. 159 p.) define como bons professores aqueles sujeitos que apresentam, na ambiência em que se efetiva o processo ensino-aprendizagem, a capacidade de explicitar para os alunos o objetivo do que será estudado, a localização histórica do conteúdo, o estabelecimento de relações do conteúdo em pauta com outras áreas do saber; a capacidade de formular questionamentos, de esclarecer conceitos e de explicar claramente. Além disso, esses sujeitos mostram que sofrem influências significativas da família com relação a valores, à condição de classe social, e ainda, ao participarem do processo de encaminhamento profissional de seus alunos. Oliveira e Alves (2005OLIVEIRA, C. B. E.; ALVES, P. B. Ensino fundamental: papel do professor, motivação e estimulação no contexto escolar. Paidéia, São Paulo, v. 15, n. 31, p. 227-238, ago. 2005.) acrescem que o bom professor é aquele que tem sua interação com os alunos marcada pela afetividade, pela valorização de sua individualidade e pela dedicação ao trabalho; é aquele que busca se atualizar, tem gosto e compromisso pelo que faz e o faz com dedicação e responsabilidade.

Ao analisar a prática pedagógica como eficiente e, ainda, o profissional como bom professor, há que se considerar contrapontos, por exemplo, fatores que depreciam a profissão docente: o salário que confere certa desvalorização profissional, especialmente nas escolas da rede pública de ensino; as condições de trabalho que dificultam, efetivamente, a execução das tarefas dos docentes; a falta de formação pedagógica; a pouca vivência do aluno no trato da ciência (Cunha, 2012CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática. 24. ed. Campinas: Papirus, 2012. 159 p.).

Se comparada com os demais componentes curriculares da educação básica, a Educação Física se configura na escola de maneira diferenciada, haja vista sua especificidade como área do saber que tem como objeto de estudo o movimento humano mediatizado pelas diferentes práticas corporais e culturais, e, por isso, a alegria, a descontração e, acima de tudo, o prazer sentido pela maioria dos alunos no decurso dela. Por outro lado, essa mesma especificidade, por vezes, leva a interpretações equivocadas sobre a Educação Física, tanto por alunos quanto pelos próprios professores da área. Em alguns casos, chega a ser percebida e mesmo trabalhada como uma disciplina eminentemente prática (Darido; Rangel, 2005DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.) e, em outros, como meros momentos de lazer em que o aluno se encontra totalmente livre para fazer o que desejar (Barbosa, 2001BARBOSA, C. L. A. Educação Física escolar: as representações sociais. Rio de Janeiro: Shape, 2001. p. 21-39, 81-90.). Soma-se a isso a falta de incentivos para o trabalho na escola, como a carência de estrutura física e materiais pedagógicos adequados, e, em algumas ocasiões, a não legitimidade junto à própria comunidade escolar (Vago, 1996VAGO, T. M. O "esporte na escola" e o "esporte da escola": da negação radical para uma relação de tensão permanente: um diálogo com Valter Bracht. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 3, n. 5, p. 4-17, abr. 1996.).

Em 1993, Taffarel apud Borges (2005BORGES, C. A formação dos docentes de educação física. In:; BORGES, C. DESBIENS, J. F. (Org.). Saber, formar e intervir para uma educação física em mudança. Campinas: Autores Associados, 2005.) evidenciou em seu trabalho que as dicotomias e a fragmentação nos cursos de formação de professores de Educação Física tornaram-se ainda mais expressivas desde a publicação da Resolução CFE nº 03/87.2 2 A Resolução CFE nº 03/87 normatizava a estruturação dos cursos de graduação plena em Educação Física, os quais deveriam organizar-se em termos de currículos mínimos e oferecer uma segunda alternativa de habilitação - o bacharelado -, já que, até então, era oferecida apenas a licenciatura plena. A autora acrescenta ainda a dificuldade de articular o conhecimento teórico ao ensino no quadro da formação do professor de Educação Física. Tardif e Reymond (2002), ao analisarem sob a ótica dos professores os saberes que subsidiam as suas práticas docentes, perceberam que os conhecimentos teóricos (científicos e pedagógicos) obtidos nas universidades não mantêm correspondência completa e satisfatória com os saberes da prática (experienciais).

Em geral, a formação inicial nos cursos de licenciatura em Educação Física se dá de maneira acrítica, a qual privilegia o "saber fazer para ensinar", com destaque para a dimensão esportiva, ainda atrelada ao paradigma do rendimento máximo e da seleção dos mais habilidosos (Darido, 2008DARIDO, S. C. Educação Física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p. 25-31, 47-82.). A autora alerta também para o desinteresse de parte dos professores responsáveis, que se nega, muitas vezes, a se atualizar quanto ao conhecimento produzido pela universidade, por aliar a teoria aos problemas enfrentados na prática pedagógica. Dentre as consequências diretas dessa situação, Shor apud Barbosa (2001BARBOSA, C. L. A. Educação Física escolar: as representações sociais. Rio de Janeiro: Shape, 2001. p. 21-39, 81-90.) menciona a não participação do aluno nas aulas de Educação Física e argumenta que esse descaso, muitas vezes, acontece não porque a aula é chata, nem pelo espaço físico em que ocorre, mas sim pela postura do professor que, talvez, não saiba abordar o conteúdo de forma criativa, não estimule o aluno a valorizar a disciplina e a reconhecer a relevância das finalidades dela na escola.

A partir das asseverações que envolvem o cenário educacional, a escola, o professor e as implicações na busca por uma prática pedagógica eficiente e coerente com o processo de formação educacional, envereda-se por uma proposta de estudo que tem como eixo norteador os procedimentos adotados pelo bom professor - denominação atribuída neste texto, fundamentada em Cunha (2012CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática. 24. ed. Campinas: Papirus, 2012. 159 p.) - em sua prática docente. Nessa perspectiva, o presente estudo analisou a prática pedagógica do professor de Educação Física considerado "o bom professor" na perspectiva dos alunos do ensino médio.

Metodologia

Com o objetivo de revelar aspectos relacionados à prática do bom professor de Educação Física na perspectiva do aluno do ensino médio, realizou-se um trabalho, no qual foram adotadas as diretrizes da abordagem qualitativa de pesquisa (Triviños, 1995TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1995.).

Os resultados obtidos procederam de dois grupos amostrais que foram nomeados como primeiro grupo amostral - composto por alunos que estavam regularmente matriculados no ensino médio - e segundo grupo amostral - composto por professores de Educação Física atuantes na educação básica. A escolha por alunos que cursavam o 3º ano do ensino médio partiu do princípio de que se tratava de estudantes que tinham um período maior de convívio com os professores e, com isso, maior capacidade de discernimento quanto às questões a eles indagadas. Como critérios de inclusão, foram considerados: alunos que se encontravam regularmente matriculados no 3º ano do ensino médio, aceitação em participar da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como critério de exclusão, foi considerado o não enquadramento nas situações descritas acima.

Após esclarecimentos sobre a pesquisa e seus objetivos aos dirigentes e aos professores de duas escolas da rede pública de ensino localizadas nas cidades de Ouro Preto e Mariana, no Estado de Minas Gerais, foi realizado um levantamento junto aos alunos sobre os professores de Educação Física que tiveram ao longo da educação básica. Esses professores seriam possíveis candidatos a participar da pesquisa na condição de sujeitos. Dessa forma, tendo por base os procedimentos adotados em estudo realizado por Cunha (2012CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática. 24. ed. Campinas: Papirus, 2012. 159 p.), foi aplicado aos alunos um questionário com as seguintes questões: "Qual o melhor professor de Educação Física que você teve ao longo da educação básica?"; e "Por que razão você escolheu este professor?". Cada aluno deveria indicar apenas um nome.

Na definição do segundo grupo amostral, considerou-se, num primeiro momento, a maior incidência na indicação dos nomes de professores pelos alunos, a partir da questão apresentada: "Qual o melhor professor de Educação Física que você teve ao longo da educação básica?". Foram indicados 14 nomes de professores. Buscando assegurar a obtenção de uma amostra representativa para o presente estudo, o número de sujeitos referente ao segundo grupo amostral foi determinado pelo pesquisador com base no viés de amostragem por conveniência. Nesse sentido, foram assegurados os cinco nomes que obtiveram o maior percentual de indicação (1o lugar com 16,39% e 5º lugar com 8,37%), os quais somaram um total de 63,16% dos alunos consultados. No decorrer da fase de coleta de dados, um dos professores selecionados encontrava-se afastado das atividades acadêmicas na escola, fato que inviabilizou a sua participação na pesquisa. Em decorrência da diferença percentual nas indicações presentes a partir do sexto nome de professor, optou-se por definir o grupo amostral final com os quatro professores mais apontados. Em conformidade com a questão "Por que razão você escolheu este professor?", os motivos que levaram os alunos a indicarem o nome do professor tido por eles como o "melhor" são apresentados na Tabela 1, na discussão dos resultados.

Como critérios de inclusão dos sujeitos no segundo grupo amostral, foram considerados: estar entre os professores licenciados em Educação Física que atuavam na educação básica e que tiveram as maiores frequências na indicação pelos alunos, sua aceitação em participar do estudo e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Uma vez definida a amostra - quatro professores de Educação Física, todos do sexo masculino -, os participantes foram informados acerca dos aspectos relativos à pesquisa e foram solicitadas a sua participação e autorização para o desenvolvimento dos procedimentos inerentes à coleta de dados.

Para o segundo grupo amostral, utilizou-se como instrumento de coleta de dados uma entrevista semiestruturada, conduzida e fundamentada nos estudos de Spradley (1979SPRADLEY, J. P. The ethnographic interview. [Orlando]: Harcourt Brace Jovanovich, 1979. ), que assinala a entrevista com características etnográficas como sendo um evento discursivo, o qual, por sua vez, pode ser descrito pelo modo de conduzir alguns diálogos em ocasiões ou encontros sociais. Nessa perspectiva, o autor entende as entrevistas como uma série de conversações entre amigos, dentro das quais o pesquisador suavemente introduz novos elementos para ajudar os informantes a responderem como tal. A coleta de dados aconteceu nas escolas em que estavam os professores no período de outubro a dezembro de 2013.

No exame dos dados, após a transcrição das informações contidas nas entrevistas, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo que, de acordo com Bardin (2006BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. 4. ed. Lisboa: Edições 70, 2006.), refere-se a um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores quantitativos ou não que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens. Após análise interpretativa dos dados, estes foram categorizados e quantificados considerando a frequência de ocorrência. Para resguardar a identidade dos sujeitos da pesquisa, optou-se por utilizar na sessão Resultados e discussão nomes fictícios: Carlos, Joaquim, Saulo e João.

Na execução deste estudo, foram consideradas as diretrizes regulamentadas pela Resolução nº 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), sendo o projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Ouro Preto em 22 de outubro de 2013, conforme o Ofício CEP nº 123/2013.

Resultados e discussão

A discussão dos resultados obtidos desenvolveu-se por meio da triangulação entre os dados das entrevistas realizadas com os professores de Educação Física participantes, a bibliografia utilizada que vinha ao encontro da temática abordada e, também, as posições assumidas pelos autores da investigação em relação ao tema. Dessa forma, foi possível a compreensão e a discussão aprofundadas das categorias de análise que se encontram organizadas em três partes: a primeira busca caracterizar os professores participantes; a segunda aborda o trato com os conteúdos da Educação Física na escola; e, por fim, a terceira analisa as relações interpessoais entre professor e aluno.

Caracterização dos professores participantes

Os professores participantes integraram um grupo amostral constituído por profissionais que se encontram em diferentes momentos da trajetória docente. Um professor conta com quatro anos de docência, outro há nove anos exerce a profissão, e os demais têm ampla experiência de magistério - entre 20 e 32 anos de exercício profissional na educação básica. Todos eles têm atuação na área curricular de Educação Física nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e do ensino médio. Um deles possuía experiência de direção escolar.

No que diz respeito à formação acadêmica, todos são licenciados em Educação Física, dois deles com pós-graduação lato sensu relacionada diretamente com a área da licenciatura. Foram mencionados ainda cursos de aperfeiçoamento e extensão oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação e pela Superintendência Regional de Ensino, atividades de planejamento da disciplina desenvolvidas entre os pares nas próprias escolas, minicursos e palestras, dos quais participaram por meio de congressos, seminários e eventos científicos na área da Educação Física.

Todos têm experiência em escolas públicas das redes estadual e municipal vinculadas à Secretaria de Educação de Minas Gerais, situação essa que se aplica também a um professor que se encontrava, no momento da coleta de dados, lotado no Instituto Federal de Minas Gerais, mas que atuou por um período considerável de sua trajetória profissional em escolas públicas da rede estadual de ensino. Além da vinculação no quadro efetivo das referidas escolas, dois professores desempenhavam, de forma paralela, a função de instrutor em academias de ginástica.

O conjunto desses dados, nos quais estão presentes tempo do exercício do magistério, formação inicial e continuada, bem como experiências diversas em atividades de natureza docente e administrativa, pode ter influenciado na indicação desses professores por seus alunos e ex-alunos. Nota-se que, dentre os professores participantes do grupo amostral deste estudo, o docente que possui menor tempo de magistério está no final do período considerado início da carreira docente. Gonçalves (1995GONÇALVES, J. A. M. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA, Antônio (Org.). Vida de professores. Porto: Porto Editora, 1995, p.141-169.), ao considerar as fases que compreendem a trajetória profissional docente, define o professor iniciante como aquele que se encontra entre o primeiro e o quarto anos de atuação. Já Huberman (1995HUBERMAN, M. Ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vida de professores. Porto: Porto Editora, 1995. p. 31-61.) expõe que o professor está em início de carreira entre o primeiro e o terceiro anos de exercício docente. Nessa perspectiva, parte-se do entendimento que os participantes já tenham superado fases da trajetória docente em que a busca de identidade profissional ou ainda o "choque com a realidade" sejam destaques, sobrepondo-se à implementação do fazer pedagógico (Huberman, 1995HUBERMAN, M. Ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vida de professores. Porto: Porto Editora, 1995. p. 31-61.; Guarnieri, 2005GUARNIERI, M. R. Aprendendo a ensinar: o caminho nada suave da docência. 2. ed. São Paulo: Autores Associados, 2005.).

A análise desses dados leva a considerar que os saberes adquiridos em cursos de formação inicial e continuada, somados àqueles advindos de vivências de natureza docente e administrativa que estabelecem relação com o magistério, são cruciais; nessa ambiência, tornam-se possíveis a produção e a articulação de saberes essenciais à prática de intervenção do professor no decorrer de sua trajetória profissional (Tardif, 2011TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.).

Trato com os conteúdos da Educação Física no processo ensino- aprendizagem

Tomando-se por base estudos que buscam analisar aspectos que permeiam a Educação Física e a efetivação de sua prática pedagógica nos segmentos que compõem a educação básica (Neira; Nunes, 2009; Neira, 2007NEIRA, M. G.; NUNES, M. L. F. Educação física, currículo e cultura. São Paulo: Phorte, 2009.; Kunz; Trebels, 2006KUNZ, E.; TREBELS, A. H. Educação Física crítico-emancipatória: com uma perspectiva da pedagogia alemã do esporte. Ijuí: Unijuí, 2006.), é possível afirmar que se vive um momento no qual se converteu em lugar-comum a insatisfação por parte dos professores relacionada às condições de trabalho oferecidas pelas instituições de ensino público. Dentre as principais queixas dos professores encontram-se a falta de espaços físicos e materiais pedagógicos destinados às aulas práticas e o não engajamento dos pais na vida escolar dos filhos, o que, por sua vez, repercute diretamente no alarmante índice de indisciplina e desinteresse por parte dos alunos. Isso se pode notar no depoimento a seguir: "[...] dar aula em escolas públicas é muito complicado, [em] algumas turmas você consegue trabalhar os conteúdos, [em] outras não" (Carlos).

Esses e outros fatores, somados à política educacional vigente ou à sua ausência, comprometem de forma inequívoca a qualidade do processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos que compõem temas da Cultura Corporal de Movimento e que deveriam ter lugar na escola. Nessa perspectiva, os depoimentos dos professores sinalizam estratégias educativas visando não somente minimizar os efeitos negativos provenientes das dificuldades encontradas na escola, mas também formas de inserção dos alunos no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos trabalhados nas aulas:

[...] primeiro eu busco conhecer muito bem a turma, [...] dou uma olhada, converso com os alunos, observo muito e vou selecionando pelo nível de aptidão física também. Um exemplo foi numa escola em que eu trabalhei. As crianças não sabiam correr. Então montei brincadeiras, estafetas e outras atividades. Entendeu? E, se a turma avança, daí trabalho outros conteúdos. (Joaquim).

Na seleção dos conteúdos, leva-se em consideração o ambiente disponível para as aulas práticas. No discurso dos professores, a falta de espaços destinados às aulas de Educação Física, como salas amplas, pátios, quadras e ginásios poliesportivos, demanda constantes adaptações no oferecimento de determinados conteúdos junto às turmas. Um exemplo muito comum são as alterações nas regras das modalidades esportivas trabalhadas, como evidenciam alguns depoimentos, entre os quais o do professor Saulo:

[...] muitas vezes nas aulas, sou obrigado a fazer adaptações nas regras e materiais, pois o espaço não é adequado. Por exemplo, uma das escolas que eu trabalho não tem quadra, então eu sou obrigado a adequar o local para as aulas.

Subvertendo a lógica preconizada pelos pressupostos teóricos das abordagens pedagógicas críticas, que denunciam o esporte como conteúdo hegemônico e propõem formas diferenciadas para o trato dos demais temas da Cultura Corporal de Movimento na escola (Gonzalez; Fensterseifer, 2008GONZALEZ, F. J.; FENSTERSEIFER, P. E. Dicionário crítico de Educação Física. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2008.), na seleção de conteúdos por parte da maioria dos professores entrevistados há predominância do esporte em modalidades consideradas clássicas, como futsal, vôlei, handebol e basquete:

[...] eu seleciono por bimestre, aí eu trabalho o conteúdo esporte [...]. Geralmente, as modalidades abordadas são vôlei, futsal, handebol, basquete e, de forma muito sucinta, a ginástica (João).

[...] a gente dedica um semestre ao handebol, outro ao vôlei, basquete e futsal, inclusive com a história dessas modalidades. É o que eles mais gostam (Saulo).

[...] eu costumo gravar jogos de ex-alunos e projetar pra eles verem que podem [...]. Depois eu canalizo para os esportes de competição, que é o sonho de muitos meninos. Nós temos aqui três ou quatro alunos em times profissionais (Joaquim).

Nas palavras dos professores, dentre as razões para a ênfase dada ao conteúdo esporte, encontra-se o fato de se tratar de um tema mais solicitado, com o qual, por sua vez, os alunos demonstram maior afinidade e prazer em praticar na ambiência escolar. Em seus comentários sobre o conteúdo esporte, foram comuns menções feitas pelos professores a aspectos relacionados ao lúdico e ao prazer vivenciado pelos alunos por meio dessa manifestação corporal: "[...] ludicidade é o carro forte das aulas de Educação Física. Se o aluno tem prazer, ele faz qualquer uma atividade" (Saulo).

Sem considerar a vertente niilista, tem-se uma situação paradoxal presente nas falas dos professores. O esporte não somente configura-se como um conteúdo hegemônico, como também vem sendo trabalhado na escola numa perspectiva de esporte de rendimento, que privilegia os movimentos estereotipados, os quais visam, acima de tudo, gestos técnicos perfeitos especificados de acordo com a modalidade em questão (Kunz; Trebels, 2006KUNZ, E.; TREBELS, A. H. Educação Física crítico-emancipatória: com uma perspectiva da pedagogia alemã do esporte. Ijuí: Unijuí, 2006.). Nessas condições, ao se considerar a ludicidade e o prazer nas aulas, corre-se o risco de tais sensações se apresentarem como privilégio de um grupo seleto de alunos com um nível notável de afinidade, vivências e habilidades motoras específicas que demanda a prática de certa modalidade esportiva. Por outro lado, entre os demais alunos que não dispõem de determinados pré-requisitos, aumentarão os índices de exclusão, segregação e, em alguns casos, trauma das aulas de Educação Física.

Sobre o trato do conteúdo esporte na escola, Cagigal já preconizava no final da década de 1960 princípios norteadores da prática esportiva que, enquanto produto historicamente produzido pelo homem ao longo dos tempos, deverá, na ambiência escolar, desempenhar papel coadjuvante no processo de formação educacional do aluno. Em sua proposta que ficou conhecida como esporte-prática, o autor recomenda aos professores que, ao trabalharem o esporte na escola, considerar o desenvolvimento dos princípios cinestésico, lúdico, ético e agonístico (Cagigal, 1966CAGIGAL, J. M. Deporte, pedagogia y humanismo. Madrid: Ramos Artes Gráficas, 1966.). Trata-se de uma proposta que apresenta possibilidades para um trabalho integrado e que, por sua vez, se opõe ao trabalho do esporte na perspectiva de rendimento.

Em algumas ocasiões, esses docentes buscam associar os conteúdos a temas transversais como saúde e meio ambiente nas aulas de Educação Física (Brasil, 1998). O grupo de professores mencionou ainda a participação em projetos interdisciplinares propostos pelas escolas, evidenciando a importância do envolvimento da disciplina Educação Física em projetos dessa magnitude no processo de formação dos alunos. Tomando por base pontos que definem a trajetória da Educação Física na escola, como sua especificidade enquanto área de saber, a busca por legitimidade e a atitude de muitos professores que, durante muito tempo, se colocaram alheios às discussões e tentativas de articulações de cunho pedagógico na escola, é possível vislumbrar um movimento de avanço rumo às finalidades da Educação Física como componente curricular presente na educação básica.

Nos relatos dos pesquisados não foram feitas menções a nenhum tipo de abordagem pedagógica no trato com os conteúdos nas aulas, seja ela pertencente ao grupo das acríticas ou das críticas. Dentre as razões para a resistência, por parte dos professores de Educação Física, às mudanças na prática pedagógica, encontra-se a formação inicial, que em grande parte ocorreu a partir de currículos ancorados na perspectiva biológica (Bracht, 1999BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos CEDES, Campinas, v. 19, n. 48, ago. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010132621999000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 02 jan. 2015.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). O autor acrescenta que se soma a isso o imaginário social construído ao longo dos tempos sobre a Educação Física e reforçado pelos condicionantes culturais, pelos meios de comunicação de massa e pelos próprios professores nos diferentes segmentos que compõem a educação básica.

Tal situação, analisada com base nos estudos produzidos nessa área, evidencia uma Educação Física que ainda não se livrou da influência do esporte institucionalizado e de rendimento e dos saberes das ciências biológicas. Nessa perspectiva, Kunz e Trebels (2006KUNZ, E.; TREBELS, A. H. Educação Física crítico-emancipatória: com uma perspectiva da pedagogia alemã do esporte. Ijuí: Unijuí, 2006.) afirmam que as mudanças propostas a partir do movimento crítico renovador, iniciado na segunda metade da década de 1980, nunca chegaram a acontecer de forma efetiva no chão da escola.

Isso não significa dizer que as abordagens pedagógicas que compõem o grupo das acríticas tenham perdido sua vigência social. Ainda hoje, elas se fazem presentes na escola. O que se pretende afirmar é que esse modelo já não se sustenta teoricamente e que sua aplicação indica um estágio pouco desenvolvido das ciências da educação, as quais há tempo aprenderam a reconhecer uma dinâmica existente entre as demandas de uma sociedade em seu tempo vigente e o sistema educativo dessa sociedade. Por outro lado, as abordagens pedagógicas que compõem o grupo das perspectivas críticas da Educação Física propõem o ensino dos temas sugeridos pela Cultura Corporal de Movimento, clarificando o sentido e a finalidade da intervenção educativa, e que tais temas possam levar à formação de um sujeito dotado de postura crítica e autônoma na escolha de um estilo de vida ativo.

Relação interpessoal estabelecida com os alunos

Ao analisar o papel da didática na formação dos educadores, a partir de uma perspectiva crítica de educação, Candau (2011CANDAU, V. M. A didática e a formação de educadores: da exaltação à negação: a busca da relevância. In: CANDAU, V. M.A didática em questão. 32. ed. São Paulo: Fontoura, 2011. p. 13-24.) identifica diferentes dimensões que mediatizam o processo ensino-aprendizagem. Essa multidimensionalidade se efetiva com base nas dimensões técnica, político-social e humanista. A dimensão técnica se refere ao processo de ensino-aprendizagem como ação intencional, sistemática, em que o educador busca considerar as condições objetivas presentes e necessárias à aprendizagem de um dado conteúdo. Já a dimensão político-social configura-se de forma inerente ao processo ensino-aprendizagem, numa dada ambiência sociocultural específica à localização da instituição de ensino e dos sujeitos, a partir de uma posição de classe definida na organização social em que vivem, impregnando toda a prática pedagógica. E por fim, a dimensão humanista consiste nas relações interpessoais. Trata-se de uma dimensão eminentemente subjetiva, individualista e afetiva do processo de ensino-aprendizagem. Para além do aspecto técnico, a partir da dimensão humanista, a didática deve centrar-se no processo de aquisição de atitudes como calor, empatia, consideração positiva incondicional, que certamente influenciarão no processo de ensino e aprendizagem.

No que se refere às relações interpessoais estabelecidas entre professores e alunos no decorrer das aulas de Educação Física, na maioria dos relatos dos entrevistados há presença de aspectos da dimensão humanista como consideração positiva, empatia e amizade pelos seus alunos:

[...] se você trata o aluno mal, por pior conduta que ele venha demonstrando na escola, ele vai ficar pior. [...] você deve trazer mais pra perto de você aquele que tá afugentado, [...] mostrar amizade. Mostrar que eu sou seu professor, não sou o seu colega, mas isso não quer dizer que eu não possa brincar com esse aluno. A ideia é inserir esse aluno na escola, no esporte. Não existe o melhor, existe o aluno (Saulo).

[...] eu tenho como referência um professor que eu tive. Ele era muito amigo dos alunos, porém ele era rígido quando precisava. [...] eu sempre fiquei muito próximo dos alunos porque eu acho que nós aprendemos mais com o aluno do que eles aprendem com a gente. A experiência que eles nos passam é muito grande (João).

Nessa mesma direção, dentre as razões que levaram os alunos a indicarem o nome do professor considerado por eles como o "melhor", evidencia-se a dimensão humanista, como pode ser observado nos resultados apresentados na Tabela 1.

Tabela 1:
Razões da Indicação do Nome do Professor Considerado pelos Alunos como o "Melhor"

Essa situação pode ser explicada, nomeadamente, pela especificidade da Educação Física, que se configura como uma prática social e de intervenção e que se efetiva em ambientes que distam da sala de aula, como quadras, ginásios e espaços ao ar livre. Alguns professores afirmaram ter uma grande proximidade com os alunos, o que, por vezes, abre espaço para discutir temas relacionados a comportamento, valores éticos e conduta respeitosa, colaborativa e solidária dentro e fora do ambiente escolar. Em outras palavras, as relações interpessoais presentes no processo ensino-aprendizagem, sob as matizes de uma dimensão humanista, podem se configurar como tempo e lugar para o desenvolvimento de qualidades humanas básicas para a vida contemporânea. Ainda que essa especificidade possa, por um lado, representar um aspecto positivo no processo de ensino-aprendizagem, por outro, precisa ser bem conduzida pelo professor, para que as aulas de Educação Física não sejam entendidas como mero momento de descontração e possibilidade de ócio. Os relatos a seguir expressam essa preocupação por parte dos professores entrevistados.

[...] sou bem próximo, não acho que sou um amigo, mas acho que sim, tenho uma relação muito boa. Agora em relação a trabalhos, provas, eu sou um pouco rigoroso e também em relação às aulas práticas, mas na relação vínculo direto com o aluno eu sou, eu tenho muita facilidade (Joaquim).

[...] penso que a maneira [com] que eu lido com meus alunos, eu me dou super bem. Mas não permito que confundam liberdade com libertinagem. Na hora que precisa, eu chego junto e digo: "Ôpa, o professor aqui sou eu, calma". [...] Mas a relação com meus alunos é muito tranquila. A gente brinca, né? Brinca muito, tudo dentro daquela questão, né? Não confundir liberdade com libertinagem. Entendeu? (Carlos).

É salutar a postura do professor para que os alunos possam usufruir dos momentos da Educação Física, sem perder a noção de que eles estão em um espaço de aprendizagem de temas que compõem a Cultura Corporal de Movimento. No ambiente em que se efetiva o trabalho de intervenção docente, o processo ensino-aprendizagem supõe provocar, promover e orientar momentos em que o aluno reconstrói seus sistemas de interpretação e ação que incluem de forma interativa conhecimentos, procedimentos, atitudes e valores.

Considerações finais

Diante das constatações e dos resultados obtidos nesta investigação e considerando as suas limitações metodológicas, é possível afirmar que a análise realizada a partir da prática pedagógica do professor de Educação Física, balizada pelo conceito de "bom professor" na perspectiva dos alunos do ensino médio, apresentou informações que, ainda que desprovidas de ineditismo e comumente apontadas e discutidas nos estudos sobre formação de professores, despertam para uma reflexão sistemática sobre a referida temática no campo da Educação Física.

Os resultados apontaram para práticas pedagógicas que seguem um padrão, presente na maioria das escolas. Como evidenciado pela pesquisa pedagógica, parece existir uma resistência por parte dos professores a aplicar teorias metodológicas, métodos e estratégias deparadas no curso de formação inicial em prol daquelas que com eles foram aplicadas, nomeadamente, ao longo da educação básica. Com isso, conserva-se uma situação que mostra a dificuldade de se manter o equilíbrio entre inovação e tradição. Cita-se, como exemplo, a manutenção da hegemonia do conteúdo esporte, se comparado com os demais propostos pela Cultura Corporal de Movimento, como as danças, as lutas, as ginásticas e os jogos. Nessa direção, é importante assinalar que a participação dos professores em cursos de formação continuada poderá contribuir na aquisição e/ou na operacionalização das diferentes visões metodológicas existentes, que podem se adequar aos diferentes contextos e cenários sociais passíveis de intervenção.

Por outro lado, merece destaque o trabalho interdisciplinar que busca articular a Educação Física às demais disciplinas na ambiência escolar. Os professores entrevistados, a partir dos temas transversais, procuram compartilhar reponsabilidades no desenvolvimento de atividades com docentes das diferentes áreas do conhecimento. Uma constatação dessa postura relatada é o empenho constante para integrar o conteúdo esporte a temas como saúde e meio ambiente. Tem-se, com isso, uma produção coletiva que certamente proporciona a integralização dos conteúdos trabalhados. Trata-se de uma mudança qualitativa requerida no âmbito educacional, na qual se destaca a figura de um professor capaz de compreender as demandas que impõe a era contemporânea em termos de formação educacional.

Quanto às relações interpessoais estabelecidas entre o grupo de professores e seus alunos, estas fundamentam-se na dimensão humanista. A Educação Física se efetiva a partir de determinadas características - como o ambiente em que decorrem as aulas, o movimento humano como eixo norteador das aulas, dentre outras - que lhe conferem uma especificidade que não somente a diferencia das demais disciplinas, como também justificam uma maior proximidade entre professor e aluno. Em sua maioria, os professores analisados confirmaram, em seus relatos acerca da relação de proximidade, que tiram proveito dessa situação para discutir com seus alunos temas relacionados a comportamento, valores éticos, violência e conduta tanto na escola como fora dela. Nessa perspectiva, essas relações interpessoais constituem o substrato valorativo, afetivo e comportamental do sujeito. No processo de formação do cidadão, as aulas de Educação Física não devem se restringir à mera aquisição e reprodução de conteúdos, informações e técnicas corretas do movimento motor, mas também desenvolver sistemas complexos e completos de atuação na sociedade.

Ao se considerar que a formação do professor se dá ao longo de sua trajetória profissional, a ambiência de trabalho configura-se como essencial para a produção constante de boas práticas educativas. Nesse aspecto, o professor se reveste da figura de agente, e a escola, de campo de intervenção social, transformação e crescimento. Tendo a escola pública como locus privilegiado, nesta pesquisa evidenciaram-se determinadas insatisfações por parte dos professores, como as condições de trabalho, materiais pedagógicos insuficientes, falta de espaços físicos e desinteresse por parte de uma parcela considerável de alunos pelas aulas de Educação Física. Vistas como fragilidades do sistema público de ensino no País, essas instituições acabam por limitar o trabalho desses professores e a qualidade do processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos que compõem temas propostos pela Cultura Corporal de Movimento. Por outro lado, distas de se apresentarem unicamente pelo viés limitante, essas mesmas fragilidades são percebidas por esses atores como ponto de partida e de superação. Isso foi retratado nas falas dos professores sobre sua preocupação em minimizar os efeitos negativos que, muitas vezes, se fazem presentes na escola, como a busca constante na inserção dos alunos no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos trabalhados nas aulas.

Diante dos inúmeros desafios que impõe o trabalho de intervenção docente em escolas da rede pública e da especificidade da Educação Física como componente curricular, conclui-se que há um conjunto de fatores que se integralizam ao longo da trajetória docente e que o conceito valorativo de bom professor será socialmente e vivencialmente construído pelos alunos.

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  • 3
    Artigo resultante de pesquisa desenvolvida no Laboratório de Estudos Pedagógicos em Educação Física (Lepef), Centro Desportivo da Universidade Federal de Ouro Preto, Minas Gerais, no período de março de 2013 a julho de 2014
  • 1
    Trecho extraído da palestra "Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo" (Sindicato..., 2007).
  • 2
    A Resolução CFE nº 03/87 normatizava a estruturação dos cursos de graduação plena em Educação Física, os quais deveriam organizar-se em termos de currículos mínimos e oferecer uma segunda alternativa de habilitação - o bacharelado -, já que, até então, era oferecida apenas a licenciatura plena.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2014
  • Revisado
    15 Dez 2014
  • Aceito
    26 Jan 2015
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