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Narrativas de vida de instrutores da educação profissional como possibilidade de estudos no campo das representações sociais* * A pesquisa conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e é interinstitucional.

Life narratives of vocational education instructors as a possibility of study in the field of social representations

Resumo:

Apresenta estudo realizado com educadores que atuam em cursos de formação profissional de nível básico oferecidos pela Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) do Rio de Janeiro. Tem como objetivo compreender experiências provenientes de trajetórias de vida, da formação e do trabalho docente e propõe aproximações teóricas entre o campo da abordagem (auto)biográfica e o da Teoria das Representações Sociais (TRS). A pesquisa foi desenvolvida em duas unidades da Faetec, com recorte orientado para as narrativas de quatro instrutoras, duas de cada unidade. O material foi analisado com base na compreensão cênica, com enfoque nas múltiplas cenas do cotidiano de trabalho construídas pelas narradoras ao longo das entrevistas/conversas. Na trajetória das instrutoras entrevistadas, ressalta-se, inicialmente, a centralidade da atuação em área profissional específica - manicure, cabeleireira, costureira e técnica em segurança do trabalho -, apontando para, em um segundo momento, a atuação na docência. As narrativas denotam a construção cotidiana de saberes, processo que envolve aprendizagens formais e informais em suas trajetórias de vida. Os resultados reforçam a possibilidade de aproximação entre as narrativas (auto)biográficas e a TRS para a compreensão da docência na Faetec. Escutar docentes, por meio de narrativas que podem revelar identidades grupais, potencializa avanços em pesquisas tanto na área da TRS quanto nos estudos (auto)biográficos.

Palavras-chave:
narrativas de vida; trabalho docente; representações sociais

Abstract:

The article presents a study conducted with educators who work in vocational training courses of basic level, offered by the Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) of Rio de Janeiro. It aims to understand experiences regarding life trajectories, training and teaching work, and to propose theoretical approaches between the field of (auto)biographical approach and the Theory of Social Representations (TSR). The research was developed in two units of Faetec with oriented narratives of four instructors, two of each unit. The material was analyzed based on the scenic understanding, focusing on multiple scenes of daily work routine described by the narrators throughout the interviews /conversations. In the life trajectories of the interviewed instructors, it can firstly be noted the centrality of performing in their specific professional areas: manicurist, hairdresser, seamstress and safety technician. In a second stage, their performance focuses on teaching. The narratives denote the daily construction of knowledge, a process involving formal and informal learning in their life trajectories. The results reinforce the possibility of approaches between the (auto)biographical narratives and the TSR for the understanding of teaching at Faetec. Listening to teachers, through narratives that may reveal group identities, leverages advances in researches both in the area of TSR as in (auto)biographical studies.

Keywords:
narratives of life; teach work; social representations

Introdução

No âmbito das discussões sobre profissão e trabalho docente que vêm ocorrendo no Brasil, indaga-se quanto à docência de profissionais que atuam em cursos de formação de nível básico: Qual é a especificidade desse trabalho? Que saberes sustentam suas práticas pedagógicas? Como as trajetórias de vida e de formação de instrutores podem influenciar suas práticas? Em um panorama mais amplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece a educação profissional (EP), definida como complementar à educação básica, articulando-se a ela e podendo ser desenvolvida em diferentes níveis, para jovens e adultos com escolaridade diversa (Brasil, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>.
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). Em consonância com a LDB, o Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, afirma que a EP pode ser desenvolvida por meio de cursos e programas em três modalidades: a) qualificação profissional, inclusive formação inicial e continuada de trabalhadores; b) educação profissional técnica de nível médio; e c) educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação. A primeira modalidade, campo do presente estudo, diz respeito a cursos com objetivo de qualificação para o trabalho e elevação do nível de escolaridade do trabalhador (Brasil, 2004).

Ferretti (2015FERRETTI, C. J. Políticas do governo federal para a educação profissional: contradições e desdobramentos. In: SCARELI, G. Educação, culturas, políticas e práticas educacionais e suas relações com a pesquisa. Porto Alegre: Sulina, 2015. p. 13-40., p. 23) chama a atenção para o fato de que, embora sejam observados avanços na legislação, o decreto acima citado não contempla a "formação omnilateral e integrada assentada nos postulados da politecnia e da escola unitária". Ainda segundo Ferretti (2010FERRETTI, C. J. Educação profissional. In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. 1 CD-ROM. ), a EP diz respeito aos processos educativos que têm por finalidade desenvolver formação teórica, técnica e operacional que habilite o indivíduo ao exercício profissional de uma atividade produtiva. Segundo o autor, durante o século 19 e parte do século 20, a terminologia utilizada no Brasil era "formação profissional"; o termo "educação profissional" passou a ser empregado na redação da LDB. De acordo com Fidalgo e Machado (2000FIDALGO, F.; MACHADO, L. Dicionário da Educação Profissional. Belo Horizonte: UFMG/Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação, 2000.), a substituição teve intenção de mostrar a necessidade de deslocar a ênfase do "saber fazer", com concepção subjacente de "modelar indivíduos", para o desenvolvimento integral do profissional, trazendo o desafio de uma educação que favoreça a equalização de oportunidades, a formação do sujeito histórico e a produção de conhecimento.

O trabalho docente que abordamos neste estudo situa-se em cursos de formação inicial ou continuada (FIC), ou qualificação profissional, que, de acordo com o Decreto nº 5.154, podem ser oferecidos livremente, sem carga horária mínima e sem necessidade de regulação. Ouvimos narrativas de instrutoras, sem formação pedagógica, inseridas em cursos de 10 a 20 semanas, com duração de 120 a 240 horas. Estamos cientes dos limites desses cursos, principalmente quando se busca, na EP, a proposta da formação integrada na perspectiva da politecnia e da formação omnilateral. Também defendemos a importância da formação continuada para docentes, incluindo cursos de licenciatura plena. Porém, privilegiaremos os significados que as instrutoras dão ao seu trabalho, que podem demonstrar vínculo específico com a docência e oferecer reflexões no âmbito de sua formação, revelando assim um exercício político e/ou micropolítico.

Consideramos que estudar narrativas de docentes, ouvir suas experiências, pode enriquecer concepções teóricas e subsidiar políticas públicas. É nessa direção que o presente estudo focaliza formadores de alunos que frequentam cursos FIC, ou de qualificação profissional. A docência dos componentes curriculares profissionalizantes, nesse caso, é realizada por instrutores, profissionais experientes em suas áreas de atuação, mas que não apresentam, necessariamente, habilitação para a docência ou formação pedagógica conforme as exigências da LDB, ou seja, formação em cursos normais ou licenciaturas (Brasil, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>.
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). Em uma perspectiva teórica, o estudo tem como objetivo estabelecer aproximações entre o campo da abordagem (auto)biográfica e o da Teoria das Representações Sociais (TRS) para se compreender experiências provenientes de trajetórias de vida, formação e trabalho docente. No presente texto, que enfatiza narrativas de instrutoras, buscaremos indicar essa potencialidade teórica.

Com esse olhar, pretendemos contextualizar o trabalho de instrutores que atuam em duas unidades da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela implantação da política de educação profissional e tecnológica neste estado. O interesse é aprofundar na especificidade do trabalho desses profissionais, nos saberes que sustentam suas práticas pedagógicas e na relação de suas trajetórias profissional e de vida com tais práticas.

A unidade A foi criada em 2001 e oferece cursos como informática, inglês, espanhol e outros no ramo de hotelaria e beleza. A unidade B foi inaugurada em 2007 e também oferece cursos de informática, inglês e espanhol, além de eletricista, encanador e outros na área de moda e beleza. O primeiro momento da pesquisa consistiu em uma aproximação inicial das referidas unidades e de seus instrutores e professores (estes assim designados porque têm formação superior em cursos de licenciatura), em encontros informais para conhecimento dos espaços físicos e levantamento de informações por meio de questionários, tendo participado 25 docentes, 14 da unidade A e 11 da unidade B. Tendo em vista o contexto favorável às narrativas (auto) biográficas dos docentes sobre suas trajetórias de vida, formação e trabalho, o segundo momento foi dedicado a entrevistas/conversas com as diretoras das duas unidades e com seis instrutores. O presente texto consiste na apresentação da análise do referido material, com recorte dirigido às narrativas de quatro instrutoras, duas de cada unidade. Posteriormente são indicadas pistas na direção de que as histórias singulares do grupo de instrutores podem conter elementos similares, denotando a construção de um saber comum da docência passível de se constituir em representação social.

Abordagem (auto)biográfica e Teoria das Representações Sociais (TRS): contribuições para olhar o trabalho docente na Faetec

A narrativa manifesta-se como possibilidade de partilha e compreensão do sentido da vida e da história nas práticas sociais, assim podemos vê-la na filosofia, na literatura e, como abordagem teórico-metodológica, nas ciências humanas e sociais. Essa perspectiva, que conta com longa trajetória, foi trazida, nos anos 80, para a formação de adultos e, posteriormente, incorporada de forma fértil às práticas de investigação e formação de professores.

Na pesquisa educacional, observamos ampla diversidade metodológica, especialmente na produção brasileira, o que pode ser percebido na vasta produção da última década, notadamente marcada pela realização de seis edições do Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica (Cipa). Tal diversidade indica a polifonia e a riqueza de possibilidades de trabalho no campo. Com base nisso, apresentamos a seguir uma discussão conceitual que aponta os caminhos tomados na presente pesquisa.

Autobiografias, biografias e histórias de vida focalizam a história individual; contudo, em uma perspectiva dialética, compreende-se que o individual está posto em um processo coletivo de constituição. Nesse sentido, a narrativa é sempre plural e precisa buscar a intensidade das mediações sociais e contextuais que dão sentido à trajetória estudada.

Bertaux (1997BERTAUX, D. Les récits de vie. Paris: Éditions Nathan, 1997.) destaca a diferença entre autobiografia e narrativa de vida, sendo a primeira um trabalho do sujeito baseado em uma narrativa escrita, priorizando um olhar sobre a globalidade da vida; já a segunda assume a forma oral e é fundada no diálogo entre o investigador e o sujeito, focalizando as experiências por meio de um "filtro". O conceito de "filtro" é importante para indicar que, efetivamente, a narrativa de vida prioriza o trabalho com os fragmentos da vida que se associam ao objeto de estudo e aos movimentos da memória daquele que reconta suas vivências e experiências.

A abordagem (auto)biográfica assume outros múltiplos desdobramentos, constituindo formas metodológicas diferenciadas e tendo como referência aportes conceituais que se diferenciam em possibilidades de investigação e de práticas formativas. Em um esforço de sistematização desses trabalhos, Nóvoa (1992NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992.) identifica linhas de pesquisa considerando os objetivos e as dimensões que cada abordagem privilegia. Quanto aos objetivos, destaca: (a) trabalhos essencialmente teóricos, relacionados com a investigação; (b) trabalhos essencialmente práticos, relacionados com a formação; e (c) trabalhos essencialmente emancipatórios, relacionados com a investigação-formação. Quanto às dimensões, destaca o enfoque sobre a pessoa, as práticas e a profissão.

Situamos esta pesquisa na perspectiva de investigação-formação por entendermos que ao mesmo tempo pesquisamos e nos formamos, assim como, potencialmente, desejamos contribuir para o processo formador dos participantes, considerando tanto o tempo reflexivo da entrevista/conversa quanto os encontros coletivos realizados ao longo do processo para partilha da pesquisa nas duas unidades da Faetec. No que diz respeito às dimensões, buscamos, no trabalho com as narrativas dos instrutores, o entrelaçamento de dimensões pessoais, práticas e profissionais. O enfoque metodológico delineia-se pelas narrativas de vida em que os aspectos da vida dos instrutores entrevistados se relacionam à prática social da docência na Faetec. Por meio de entrevistas/conversas biográficas, visamos estabelecer uma relação de escuta sensível entre pesquisador e narrador referente à sua trajetória de vida, com uma perspectiva temática sobre a docência na Faetec.

A aproximação da TRS provocou reflexões que nos desafiaram a compreender, na subjetividade das narrativas dos docentes, aspectos que permitissem visualizar processos psicossociais que caracterizassem a identidade do grupo de instrutores da Faetec. Como afirma Jodelet (2001JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2001. p. 17-44.), as representações sociais são sistemas de interpretação que orientam a relação do sujeito com os outros e com o mundo, organizando as condutas, sempre apoiadas em contextos socioculturais mais amplos e vinculadas às experiências individuais dos sujeitos em interação. Quando docentes elaboram representações sociais sobre seu próprio trabalho, trata-se de uma construção mental do sujeito singular, porém imerso em interações sociais que incluem seu grupo de pertença, os outros grupos e o contexto social. A representação, desse modo, é sempre elaborada e compartilhada no grupo.

Jodelet (2005JODELET, D. Experiência e representações sociais. In: MENIN, M. S. S.; SHIMIZU, A. M. Questões teóricas e metodológicas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. p. 23-56., p. 48) afirma que "a noção de experiência e de vivido nos permite passar do coletivo ao singular, do social ao individual, sem perder de vista o lugar que cabe às representações sociais". A autora chama a atenção para elementos de representações compartilhadas por um grupo, mobilizados para construir o sentido da experiência vivida.

Concordando com Alves-Mazzotti, percebemos grande potência nesse diálogo entre a abordagem (auto)biográfica e a TRS, já que

[...] tal procedimento permitiria verificar em que medida significados, sentimentos e condutas veiculados pelo sujeito podem ser explicados por padrões identificados no seu grupo de pertença ou, ao contrário, por que se afastam deles, levantando hipóteses sobre que aspectos subjetivos, vinculados à história individual, às experiências do sujeito, ou às condições concretas nas quais suas práticas se desenvolvem, poderiam estar relacionados a esse afastamento. (Alves-Mazzotti, 2015, p. 84).

Nesse sentido, a narrativa das trajetórias pessoais pode ser analisada no contexto dos simbolismos e das representações construídas coletivamente. Ainda segundo a autora, a articulação das referidas abordagens consiste em uma via de mão dupla que enriquece a análise das narrativas biográficas, mostrando que muitos dos significados, dos sentimentos e das condutas observados ou narrados pelo sujeito são partilhados por seu grupo profissional e também assinalando que "as histórias de vida podem contribuir para o estudo dos processos de produção das representações sociais, resgatando a historicidade dos significados presentes nas representações" (Alves-Mazzotti, 2015, p. 97).

Caminhos trilhados na pesquisa-formação

A primeira etapa foi realizada por meio de questionários aplicados a 25 docentes, o que permitiu a aproximação do campo e dos pesquisadores. As observações e conversas informais com os gestores pedagógicos da Faetec e com os instrutores indicaram cenários de experiências significativas na construção cotidiana do trabalho pedagógico, reforçando a possibilidade de estudos de representação social. A Faetec possui em seus quadros professores com formação acadêmica que atuam, especialmente, nos cursos de línguas e instrutores com nível médio, para os demais cursos. Mas, de fato, todos são chamados de professores pelos alunos e estabelecem efetiva relação de ensino-aprendizagem, caracterizando a prática do trabalho docente.

A análise dos questionários mostrou, em questões relativas ao trabalho docente na Faetec, expressões escritas que explicitaram uma relação ensino-aprendizagem bem- sucedida em contexto social desfavorecido: "gostei muito dessa experiência e acho que posso contribuir de maneira satisfatória, não só para o meu crescimento como também para o dos meus alunos"; "sou feliz em trabalhar como instrutor/professor, me realizo transmitindo o conhecimento que tenho, transformando meus alunos"; "gosto muito de trabalhar aqui, pois contribuo para que os alunos sejam absorvidos no mercado de trabalho"; "vontade de passar meus conhecimentos para pessoas que não tiveram oportunidade de pagar para fazer algum curso profissionalizante".

Os questionários demonstram que, embora as condições materiais da docência sejam precárias, prevalece nas respostas o prazer em exercê-la. Os instrutores valorizam sua profissão, principalmente porque oferecem possibilidades de aprendizagem aos alunos, contribuindo para sua inserção no mundo do trabalho.

A segunda etapa da pesquisa foi realizada por meio de entrevistas/conversas com as diretoras e os instrutores que atuam nas unidades A e B. Para mediação do processo narrativo, utilizamos roteiro construído coletivamente pelo grupo de pesquisa, destacando-se os seguintes temas: experiências de vida significativas e formadoras na infância, juventude e vida adulta; lembranças significativas da escolarização; seu processo de escolha profissional; significados atribuídos à docência na Faetec; e experiência significativa vivida na prática como professor da Faetec. Para o presente artigo, trazemos a análise da trajetória de quatro instrutoras, duas de cada unidade.

O material foi analisado com base na compreensão cênica, dirigindo o olhar às múltiplas cenas construídas pelas narradoras ao longo das entrevistas/conversas. Segundo Marinas (2007MARINAS, J. M. La escucha en la historia oral: palabra dada. Madrid: Editorial Síntesis, 2007. ), a compreensão cênica implica entender o relato não como uma história linear, cumulativa, mas como um repertório de cenas. A primeira é a que reúne na escuta o narrador e o entrevistador, a segunda traz "a vida cotidiana de quem narra, suas posições como emissor e receptor atravessam de volta a cena 1 na medida em que ela se atualiza. Nesse jogo entre as cenas 1 e 2 se dá a possibilidade de passar a emergência das cenas reprimidas ou esquecidas" (Marinas, 2007MARINAS, J. M. La escucha en la historia oral: palabra dada. Madrid: Editorial Síntesis, 2007. , p. 119, tradução nossa).

As quatro entrevistas/conversas foram analisadas dando destaque à cena da própria conversa e às múltiplas cenas do cotidiano do trabalho docente narrado.

Cena 1: as conversas

Na unidade A, a marca do encontro foi o acolhimento. Entre momentos informais de troca, três pesquisadoras do grupo se apresentaram e conduziram o espaço-tempo intenso de enunciação das narrativas, em meio à emoção mútua que envolveu narradoras e pesquisadoras instigadas pelas tramas da vida e da docência.

Na unidade B, a primeira etapa foi feita por todos os participantes da equipe de pesquisadores que tiveram oportunidade de conhecer o lócus do estudo, por meio de várias visitas realizadas. Nesse primeiro momento, as experiências de aproximação foram diversas, verificando-se disponibilidade, mas também inquietação de alguns docentes quanto aos objetivos do trabalho. Procuramos, assim, partilhar com cada um os sentidos da pesquisa e nos comprometemos com a posterior socialização dos resultados. A segunda etapa se deu em um clima ameno e de interação entre os instrutores e os pesquisadores.

Cena 2: docência na Faetec no tríplice presente

Marinas (2007MARINAS, J. M. La escucha en la historia oral: palabra dada. Madrid: Editorial Síntesis, 2007. ) nos convida a olhar as narrativas não como a apresentação sucessiva de fatos que se desenvolvem de forma linear, mas como múltiplas cenas do cotidiano que são entretecidas. No mesmo sentido, Ricoeur (1994RICOEUR, P. Tempo e narrativa. Campinas: Papirus, 1994. ) apresenta a tessitura de intrigas que envolve o processo de constituição da trama narrativa, imersa na dialética do tríplice presente, já que é o narrador, no momento da enunciação,2 1 Cena 1 proposta por Marinas (2007). que retoma o passado pela memória, tem a visão do presente e projeta o futuro. Assim, é o presente em sentido tríplice que mediatiza a relação do sujeito com a intensidade do passado e do futuro.

Partindo dessa referência, apresentamos a seguir o entrelaçamento de cenas tecidas pelas participantes da pesquisa em suas narrativas de vida. Conforme anteriormente discutido, consideramos, por um lado, que a narrativa de vida não consiste em trazer a globalidade da trajetória, mas tramas que envolvem a relação dos sujeitos com as questões de estudo propostas na pesquisa-formação. Por outro lado, destacamos que esse olhar temático não deve nos afastar dos entrelaçamentos entre dimensões pessoais, acadêmicas e profissionais partilhadas pelas narradoras e que dão sentido à produção da docência na Faetec.

A docência na Faetec: narrativas de vida, formação e trabalho docente

As narradoras

Iniciamos com cenas que apresentam lampejos das trajetórias de vida e formação das narradoras. Por ocasião da entrevista/conversa, Renata3 2 Os nomes das professoras participantes foram substituídos por pseudônimos atribuídos no contexto da investigação. informa que já atua há dois anos como instrutora de cabeleireiro, na unidade A. Ela sempre desejou ser professora, fez o curso normal, mas se afastou da docência e trabalhou em outras áreas. Ao fazer um curso de cabeleireiro na Faetec, descobriu-se profissionalmente. Posteriormente recebeu vários incentivos para entregar seu currículo na Faetec para a vaga de instrutora; sentiu-se temerosa, mas aceitou o desafio de aliar o sonho da docência à atuação profissional como cabeleireira.

Rosi tem formação no ensino médio e atua como instrutora do curso de manicure, também na unidade A. Da escola, lembra de professores especiais, mas dificuldades a levaram a interromper a escolarização, só concluída na idade adulta. Viveu as primeiras experiências docentes aos 14 anos, dando aulas para crianças da vizinhança. Foi também com essa idade que aprendeu com uma cunhada a fazer unhas, atuando há 30 anos nessa profissão. Após o convite para entregar o currículo a fim de trabalhar como instrutora de manicure na Faetec, sua aprovação foi um grande susto: "Meu coração foi pela boca, eu falei: e agora? Agora deu certo, o que eu vou fazer?". Foi, então, que o irmão pedagogo deu grande apoio e ela resolveu enfrentar a insegurança.

Angel trabalha como instrutora de corte e modelagem na unidade B, tem formação no ensino médio e fez vários cursos de costura. Sua narrativa aponta para o sentido existencial da costura em sua trajetória: "minha vida é envolvida em modelagem e corte e costura". Iniciou aos 13 anos: "eu gostava de moda e a minha mãe não tinha condições de fazer o que eu queria, então eu entrei pra costura pra fazer as minhas roupas". Fez um curso no Curtume Carioca e lembra a experiência que viveu com uma professora que lhe disse: "Você é muito boa em desenho e modelagem, mas acabamento você é horrível". Angel considera que o efeito da crítica da professora foi positivo em sua formação, pois passou a olhar as roupas sempre pelo lado avesso. Não traz lembranças da escola na infância, pois concluiu os estudos depois de adulta. Afirma que sempre quis ensinar o que aprendeu; está começando na Faetec, mas já tem experiência de muitos anos como professora de costura.

Valquíria é instrutora de segurança, saúde e meio ambiente há dois anos na unidade B e é estudante de geografia. Como experiência marcante, lembra-se da mudança do Maranhão para o Rio de Janeiro, implicando a mudança de escola e a necessidade de cuidar dos irmãos, já que seu pai era professor e trabalhava intensamente. No ensino médio, fez curso técnico em segurança do trabalho na Faetec e sofreu positiva influência de um professor de geografia na decisão de cursar licenciatura nessa área: "não era uma aula chata [...], ele pegava jornal, pegava sites e pedia pra gente pesquisar". Depois que se formou técnica em segurança do trabalho, atuou na construção civil, mas ao iniciar a graduação isso ficou difícil. Em sua avaliação, a atuação como professora na Faetec foi a oportunidade de conciliar estudo e trabalho, já que o horário é mais flexível.

As narrativas de vida nos confrontam sempre com caminhos singulares, mas podemos a partir delas levantar pistas e reflexões. Na trajetória das quatro instrutoras entrevistadas, ressalta-se, inicialmente, a centralidade da atuação na área profissional específica - manicure, cabeleireira, costureira e técnica em segurança do trabalho -, apontando para, em um segundo momento, a atuação como professoras. Observamos, assim, que foi a atuação profissional que as levou à docência. Quanto à formação, duas apresentam habilitação profissional para lecionar: Renata em nível médio normal, já concluído, e Valquíria, licenciatura, em andamento. Já Rosi e Angel concluíram a escolarização na idade adulta, incluindo o ensino médio e a realização de cursos profissionalizantes nas áreas em que atuam. A seguir apresentaremos algumas cenas da docência que se entrelaçam a lampejos das trajetórias de vida das narradoras.

Imagens da docência na Faetec

Para organização das aulas, observamos que três narradoras recorrem às suas formações anteriores. Renata considera que o curso normal a ajudou muito, e Rosi se preparou para o primeiro dia de aula usando, além da apostila fornecida pela coordenação, conteúdos do curso de podologia que realizou. Valquíria, ao desenvolver suas aulas, toma como referência seu curso técnico, mas faz adaptação para o cotidiano de trabalho: "Quando eu dou aula na segurança do trabalho pros alunos, eu tento pegar coisa do cotidiano deles, por exemplo, uma pessoa trabalha, é pedreiro, por exemplo, eu tento pegar coisas que ele usa pra poder usar na segurança do trabalho". Quando se veem em sala de aula como docentes, a formação, no curso normal ou nos profissionalizantes, é a base de conteúdos a que recorrem.

Nas experiências significativas narradas sobre a docência, é possível perceber relações com formas de ser e estar no mundo, com as aprendizagens pessoais que cada uma construiu ao longo da vida. Rosi, que em sua narrativa partilhou o fato de se sentir insegura - inclusive precisou de grande incentivo do irmão para aceitar ser instrutora na Faetec -, sempre motiva os alunos a vencerem seus desafios. Ao longo do desenvolvimento de sua prática docente, partilha dúvidas com seu irmão professor, que lhe sugeriu fazer dinâmicas com a turma. Foi assim que pesquisou na internet e realizou o "enterro do não posso": cada aluno escreveu em uma folha de papel o que não consegue fazer, depois todos a colocaram em uma caixa de sapato encapada de preto e fizeram o "enterro". Mas Rosi afirma que não foi com a primeira turma que realizou a dinâmica: "... porque até então eu não sabia nada, isso eu fui adquirindo ao longo do curso". Em sua trajetória, vemos o saber docente construído como mediação entre saberes trazidos da formação - do curso de podologia -, dos diálogos com o irmão pedagogo e da relação ensino-aprendizagem com os alunos.

As reflexões de Angel nos levam a Freire (2000FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a práticas educativas. São Paulo: Paz e Terra, 2000.), quando afirma que a docência traz a dialética entre ensinar e aprender que envolve tanto alunos como educadores. Ela afirma: "Ainda tenho muito que aprender, porque a gente nunca sabe tudo. Às vezes um aluno te ensina: 'Ah, mas dessa maneira não fica melhor?' Aí você vai olhar, fica melhor. A gente tá sempre aprendendo". A narrativa de Angel expressa alegria de ensinar e de observar a aprendizagem daqueles que têm dificuldade: "Pois é, minha filha, tem que ter paciência, não pode fazer nada correndo".

A formação técnica em construção civil que trilhou na Faetec e sua atuação como profissional da área levam Valquíria a ter um especial cuidado com as aprendizagens práticas que serão úteis no dia a dia do trabalho:

A gente pode escolher as coisas mais importantes que o aluno tem que saber. Então a gente tá preparando ele realmente pro local de trabalho, não tá preparando pra fazer um concurso, não tá preparando pra passar no vestibular, é pra ele usar no ambiente de trabalho.

As narradoras partilharam também os desafios enfrentados. Para Renata, os maiores desafios a vencer foram a timidez de falar em público e a insegurança diante do conhecimento e de sua transmissão: "Porque a gente sabe, saber pra gente é fácil, mas passar pro outro, fazer o outro entender... o meu medo era esse, não conseguir passar pros meus alunos o conteúdo!". Expressando a mesma preocupação com a transmissão do conteúdo e a aprendizagem dos alunos, Angel afirma: "Esse é o desafio, eu tenho que dar um bom curso, eu gosto e quero que as pessoas saiam daqui dizendo assim: 'Eu aprendi com a dona fulana de tal'". E Valquíria deseja mostrar para os alunos que o conteúdo da disciplina que ministra - segurança do trabalho -, apesar de complementar, é importante para a formação deles. Como professoras que de fato são, as instrutoras tomam como maior desafio o que consiste no cerne do processo educativo: elas desejam ensinar e que seus alunos aprendam.

Nas narrativas sobre o ser-estar docente na Faetec, encontramos na fala de Renata, que fez curso normal, sentimentos de valorização pessoal e de felicidade por ser chamada de professora; já Rosi e Angel afirmam que não se sentem professoras:

Ah, eu me sinto importante. Eu me sinto assim, valorizada! Acho legal fazer parte disso [...]. (Renata).

Eu não me acho professora da Faetec! Porque eu não tenho faculdade, eu não estudei pra isso! A professora! (risos). Aí, eu tava me sentindo o máximo! Nossa, professora! Ai Jesus! (Rosi).

Eu me classifico como instrutora de corte e costura porque professora é muita coisa, então eu prefiro instrutora. (Angel).

Apesar da intensidade dos processos de construção de saberes e da centralidade do ensino-aprendizagem em suas práticas, para Rosi e Angel, elas não estudaram para isso, ser considerada professora "é muita coisa". Para ambas, a habilitação profissional para a docência é definidora do ser ou não ser professor. Discussões sobre profissão e trabalho docente que vêm ocorrendo no Brasil nos incitam a pensar em diferenças e aproximações entre o trabalho de professores da educação básica e o dos que atuam em cursos de formação profissional de nível básico. Entre vários autores que vêm se interessando pelo trabalho docente, destacamos Tardif e Raymond (2000TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação e Sociedade, Campinas, v. 21, n. 73, p. 209-244, dez. 2000) e Tardif e Lessard (2005TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis: Vozes, 2005.), com suas contribuições para a compreensão da prática dos professores. Eles privilegiam os saberes adquiridos antes da formação profissional, situados nas trajetórias de vida pré-profissionais e profissionais dos docentes. Tais estudos valorizam os sentimentos relativos a experiências escolares prévias, à percepção das interações sociais vivenciadas e à rede de significados construída por meio das relações estabelecidas no ambiente escolar. Os autores ressaltam especialmente a prática enquanto geradora de saber, tal como observamos nas quatro narrativas.

Percebemos nos fragmentos das cenas apresentadas múltiplas dimensões de construção do saber docente. As instrutoras recorrem, em um primeiro momento, aos conteúdos formais aprendidos em cursos que realizaram ao longo da vida. No caminhar da docência, os modos de cada uma ser e estar no mundo influenciam as escolhas tomadas, as práticas desenvolvidas, e novos saberes vão sendo tecidos na constituição de uma profissionalidade docente (Contreras, 2002CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.). Se a profissionalização pressupõe como requisito fundamental a formação, articulada a crescentes ganhos de autonomia intelectual e de execução, podemos afirmar que ela não se apresenta como um conjunto de competências estabelecidas previamente, mas a partir de um intenso movimento individual e coletivo de viver e dizer o trabalho docente cotidiano, de narrá-lo na densidade de suas contradições.

Nas narrativas das instrutoras das unidades A e B, vislumbramos a mobilização e a construção cotidiana de saberes necessários à docência (Freire, 2000FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a práticas educativas. São Paulo: Paz e Terra, 2000.), os quais incluem o conteúdo a ensinar, as reflexões teóricas e o modo de ensinar. Essa construção mobiliza um processo que envolve aprendizagens formais e informais de suas trajetórias de vida, construção de teorias-práticas - o que aqui denominamos de profissionalidade docente (Contreras, 2002CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.), presente em instrutoras que atuam como professoras, apesar de não terem, necessariamente, habilitação profissional para a docência, ou seja, curso normal ou licenciatura plena.

Perrenoud afirma a complexidade como característica do ofício dos mestres e analisa seu sentido de "ofício impossível". Já que a formação acadêmica não constitui garantia de acerto, mas pressupõe a construção cotidiana, "a formação dos mestres é, então, necessariamente, a formação global da pessoa" (Perrenoud, 1994PERRENOUD, P. La formation des enseignants: entre théorie et pratique. Paris: Éditions L´Harmattan, 1994., p. 200, tradução nossa). Entendendo a educação como prática social que envolve o ensinar e o aprender, encontramos nas unidades da Faetec pesquisadas contextos intensamente educativos e nas narradoras, a atuação como educadoras, que, conforme assinala Perrenoud, formam e se formam globalmente.

Algumas reflexões

A pesquisa realizada permite tecer reflexões sobre as questões propostas. Percebemos que as experiências e aprendizagens nas trajetórias de vida das quatro narradoras se apresentam de forma significativa no modo como concebem e vivem a docência, variando entre sentimentos de insegurança e confiança, valorização e não reconhecimento de si como professoras. A especificidade do trabalho docente na Faetec vai sendo construída com o apoio e a orientação didática recebida da coordenação, mas é reinventada pelas instrutoras no transcorrer da docência. Nesse movimento de vida e prática, os saberes são mobilizados em uma tessitura que articula os conteúdos e as aprendizagens que trazem dos cursos formais que fizeram e da prática profissional em cada área específica, além da formação pessoal construída ao longo da vida.

As entrevistas/conversas com as instrutoras - cena do encontro - vieram imersas na "subjetividade explosiva" (Ferrarotti, 1990FERRAROTTI, F. Histoire et histoires de vie: la méthode biographique dans les sciences sociales. Paris: Méridiens Klincksieck, 1990. , p. 82) que envolve narrador e ouvinte no momento da enunciação. Ferraroti (1990FERRAROTTI, F. Histoire et histoires de vie: la méthode biographique dans les sciences sociales. Paris: Méridiens Klincksieck, 1990. ) afirma que o círculo narrativo, mesmo que conte com duas pessoas, consiste em uma significativa interação social, pois favorece a emergência da "subjetividade explosiva" pela potência da escuta de vozes tradicionalmente marginalizadas na história oficial. Segundo o referido autor, o trabalho com as histórias de vida, respeitando seu valor heurístico, traz, assim, o desafio epistemológico de atribuir à subjetividade um valor de conhecimento, situando-o no quadro de relação interpessoal e simbólica. Em diálogo com Marinas (2007MARINAS, J. M. La escucha en la historia oral: palabra dada. Madrid: Editorial Síntesis, 2007. ), podemos também afirmar que a potência dessa subjetividade se dá pelo círculo virtuoso entre palavra e escuta. Retomando os encontros, identificamos essa potência na interação com as instrutoras, ou seja, o momento da enunciação como parte constitutiva da pesquisa narrativa e fértil de representações sobre a docência na Faetec.

As cenas do cotidiano narrado trazem a força das experiências formadoras ao longo da vida na constituição de representações da docência na Faetec, como desafio, encantamento, reconhecimento pessoal/social e aprendizagem permanente. Nessas imagens, articulamos as experiências narradas (especialmente as trajetórias de formação vividas) ao encaminhamento para a atuação na docência nas unidades A e B e aos sentidos atribuídos à docência nesse espaço de EP.

Os dados aqui apresentados indicam possibilidades para estudos de representações sociais na medida em que as expressões simbólicas das narradoras permitem pensar na existência de grupo(s) constituído(s) por instrutores que elaboram significados comuns sobre a docência na Faetec. Pensando, assim, tanto em possíveis desdobramentos da pesquisa aqui apresentada como no levantamento de pistas que contribuam para estudos que busquem articular esses dois campos teórico-metodológicos, consideramos que o estabelecimento de um diálogo horizontal entre as narrativas favorece maior aproximação entre a TRS e a abordagem (auto) biográfica. Nesse diálogo, aspectos comuns nas histórias de vida e formação dos sujeitos podem contribuir para a compreensão de sua representação social da docência.

Nesse sentido, refletindo sobre pesquisas que articulem as referidas abordagens, seria possível propor alternativas a serem consideradas: a) estudos com aprofundamento das histórias de vida contidas em cada entrevista/conversa para, posteriormente, encontrar saberes comuns que possam caracterizar a identidade do grupo; b) investigar representações sociais da docência em subgrupos, abrangendo áreas profissionais específicas.

Quanto aos resultados que apresentamos, um indício da representação social da docência elaborada pelas narradoras é que a relação com o aluno se estabelece como um vínculo de ajuda, principalmente a fim de contribuir para melhorar suas condições sociais, o que permitiria propor a analogia "trabalho docente na Faetec = trabalho social". Esta seria uma hipótese a ser confirmada, com ampliação dos dados aqui expostos. A possibilidade, em si, reafirma a potencialidade da aproximação entre TRS e narrativas (auto)biográficas para a compreensão da docência na Faetec, que envolve trajetórias de vida, formação e trabalho docente. Escutar os professores, por meio de narrativas que podem revelar identidades grupais, reforça esse potencial para avançar em pesquisas, tanto na área da TRS quanto dos estudos (auto)biográficos

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  • *
    A pesquisa conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e é interinstitucional.
  • 1
    Cena 1 proposta por Marinas (2007).
  • 2
    Os nomes das professoras participantes foram substituídos por pseudônimos atribuídos no contexto da investigação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2016
  • Aceito
    20 Abr 2016
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