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Os professores no ensino superior brasileiro: transformações do trabalho docente na última década

Teachers in Brazilian higher education: transformations of the teaching work during the last decade

Resumo:

O artigo objetiva analisar a composição e as modificações do trabalho docente na última década, considerando as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho em função dos interesses econômicos e políticos dominantes. Do ponto de vista teórico, apresentam-se algumas definições conceituais sobre a reestruturação produtiva e os processos de regulação (ou reformas educacionais), no propósito de discutir a realidade do trabalho de forma geral e do trabalho docente em especial. Do ponto de vista empírico, levantam-se alguns dados referentes ao quadro de professores do ensino superior no Brasil, observando o ocorrido na última década, mais precisamente entre 2003 e 2013. Constata-se que as condições atuais do trabalho docente no ensino superior continuam fortemente impactadas pelas transformações do mundo do trabalho e que em suas particularidades e singularidades residem contradições próprias de um setor com objetivos e finalidades não necessariamente alinhadas às regras do mercado.

Palavras-chave:
reestruturação produtiva; trabalho docente; ensino superior.

Abstract:

This study aims to analyze the composition and changes in the teaching work during the last decade, considering the changes that have occurred in the labor world due to the dominant economic and political interests. From a theoretical point of view, some conceptual definitions about the productive restructuring and the regulatory processes (or educational reforms) are presented in order to discuss the reality of work in general and the teaching work in particular. From an empirical point of view, some data relating to higher education teaching staff in Brazil are raised, regarding what had happened in the last decade, more precisely between 2003 and 2013. The current conditions of the teaching work in higher education remain strongly impacted by changes in the labor world, and in their particularities and singularities lie contradictions of a sector with objectives and purposes not necessarily aligned with the market rules.

Keywords:
productive restructuring; teaching work; higher education

Introdução

Parte-se da compreensão inicial de que a educação superior no Brasil tem se transformado num gigantesco campo de investimento, foco de expressivas possibilidades de realização de negócios e aferição de lucros. Como afirma Santos (2004SANTOS, B. S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez , 2004. (Questões da nossa época, v. 120).), em todo o mundo, as despesas com educação cresceram significativamente, mais que o dobro do mercado mundial de automóveis. E a receita dos especialistas para esse imenso campo de oportunidades não poderia ser outra: torná-lo cada vez mais produtivo (do ponto de vista de quem quer investir), criando oportunidades de lucro em instituições públicas e privadas.

Muito se tem falado também na crise da universidade. Diversos são os estudos que se debruçam sobre essa temática, constatando tendências e manifestações que a expliquem. Além da crise financeira, que parece se agravar mais recentemente, em grande parte, as discussões são pertinentes à relação da universidade com a sociedade, no tocante a seus objetivos, que saíram de uma perspectiva mais ampla direcionada ao bem comum da sociedade para uma finalidade voltada para o mercado (Chauí, 2003CHAUÍ, M. A universidade pública sob nova perspectiva. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 26., 2003, Poços de Caldas. Anais... Rio de Janeiro: ANPEd, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://reuniufpr.forumativo.com/t46-a-universidade-operacional-marilena-chaui >. Acesso em: 18 ago. 2011.
http://reuniufpr.forumativo.com/t46-a-un...
), e ao abandono de questões da alta cultura, da filosofia e do pensamento crítico, para voltar-se às questões meramente técnicas, buscando resolver problemas práticos e localizados (Santos, 2004SANTOS, B. S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez , 2004. (Questões da nossa época, v. 120).).

No entanto, sem negar a importância do diagnóstico já apresentado, e até em certa medida para complementá-lo ou explicitá-lo com base em outro ângulo, busca-se aqui uma análise que considera as mudanças ocorridas em relação ao trabalho docente do ensino superior brasileiro, mais recentemente, entre 2003 e 2013, no sentido de discutir a continuidade ou não dos processos e mudanças iniciados nas décadas anteriores, pautados num conjunto de orientações que têm origem nas formas atuais de gestão e organização do trabalho, que se constituem pelos interesses do mundo dos negócios.

Como se sabe, pelo balanço histórico de décadas anteriores, sobretudo nos anos 1990, junto com a reforma do Estado brasileiro tivemos a reforma do ensino e, de modo particular, a reforma do ensino superior. Segundo Silva Jr. e Sguissardi (2001SILVA JR, J. R.; SGUISSARDI, V. Novas faces da educação superior no Brasil: reforma do Estado e mudanças na produção. 2. ed. São Paulo: Cortez , USF/IFAN, 2001., p. 193),

[nessa década] o Brasil inicia um processo de ajustamento de seu projeto político nacional à nova ordem mundial. Esse movimento que se acentua sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso expressar-se-á em todas as esferas da atividade humana, em particular na educação superior, mediante tentativa de reconfiguração desse espaço social, segundo a ótica e a racionalidade econômica.

O resultado desse processo descrito pelos autores foi o crescimento vertiginoso do setor privado e o surgimento de um conjunto de normas, avaliações e controles, que por diversos caminhos repercutiu nos acontecimentos da década posterior. De certa forma, foram essas iniciativas que impulsionaram o crescimento desse nível de ensino, mobilizando um grande contingente de professores que passaram a se “enquadrar” nesse novo ambiente de trabalho.

A política de educação superior adotada no Brasil nas últimas décadas do século 20, segundo os autores anteriormente citados, não só representou a possibilidade de expansão desse nível de ensino, como também trouxe consequências importantes para o trabalho docente na universidade. Entre as principais consequências está a constituição de um professor de tempo parcial, que cada vez mais vai perdendo sua capacidade crítica e seu status de intelectual. E, como tendência, observa-se um docente universitário sem autoridade, massacrado por um conjunto de regulações, submetido a um fazer quase repetitivo do ato de dar aulas, com preocupações voltadas para os indicadores de produtividade, que geralmente são insensíveis às condições concretas do fazer pedagógico.

Nesse sentido, as questões cruciais que norteiam o presente estudo deverão direcioná-lo na busca de informações sobre esse universo de trabalhadores da educação. Como tem sido a composição do quadro docente no ensino superior brasileiro nos últimos anos? Até que ponto as tendências descritas anteriormente se confirmaram ou se aprofundaram? E quais as perspectivas para esse segmento diante dos aspectos gerais da reestruturação produtiva em curso, inclusive nas instituições públicas?

A seguir, realiza-se uma breve incursão sobre a chamada reestruturação produtiva, no sentido de buscar compreender alguns aspectos relevantes das transformações do mundo do trabalho que podem ser relacionados ao trabalho docente no ensino superior; trata-se, também, da questão das reformas que podem ser compreendidas com processos de regulação, comportando, portanto, particularidades que não se limitam a este ou aquele aspecto em particular; e, por fim, apresenta-se um conjunto de dados relacionados à composição do quadro de professores do ensino superior no Brasil, com destaque para aqueles referentes ao aumento do contingente de trabalhadores, sua formação, regime de trabalho e controle de produtividade.

Reestruturação produtiva e as reformas do ensino: definições conceituais

Compreende-se que, para uma análise do trabalho docente no ensino superior brasileiro das últimas décadas, não se deve ignorar sua inserção ou determinação pelo conjunto das mudanças trazidas pela chamada reestruturação produtiva. Da mesma forma, considera-se que as medidas políticas e administrativas que regulamentam e reformam o setor guardam importantes relações com o conjunto dos interesses dominantes e/ou em disputa na sociedade. Segundo Santos (2012SANTOS, S. D. M. dos. A precarização do trabalho docente no ensino superior: dos impasses às possibilidades de mudanças. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 46, p. 229-244, out./dez. 2012. ),

[...] o trabalho docente inscreve-se em meio a duas problemáticas centrais: a primeira refere-se às transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho devido à nova configuração que o capitalismo vem assumindo nas últimas décadas, no que diz respeito à sua estrutura produtiva e ao seu universo de ideários e valores; e a segunda refere-se a uma série de medidas que, geralmente denominadas como “reformas”, afirmam-se sob a hegemonia das concepções neoliberais e redefinem o papel do Estado na sua relação com a educação. (Santos, 2012SANTOS, S. D. M. dos. A precarização do trabalho docente no ensino superior: dos impasses às possibilidades de mudanças. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 46, p. 229-244, out./dez. 2012. , p. 234).

Sobre a reestruturação produtiva, de forma breve, pode-se considerar que se refere à continuidade do processo de subordinação do trabalho pelo capital. Uma revisão (continuação) do modelo taylorista-fordista visando recompor taxas de lucro dentro de um cenário de desenvolvimento tecnológico e de crise do próprio sistema de produção capitalista. Em grande medida, pode-se considerar também que a reestruturação produtiva está relacionada a uma contraofensiva do capital aos avanços políticos, sociais e econômicos conquistados pelos trabalhadores com suas lutas sindicais e aos avanços democráticos.

De forma concisa, com base em Dias (2006DIAS, E. F. “Reestruturação produtiva”: forma atual da luta de classes. Revista Outubro, São Paulo, n. 3, p. 45-52, out. 2006.), destacam-se os efeitos da chamada reestruturação produtiva sobre o comportamento do trabalhador, tomando três aspectos em especial: a relação do trabalhador com seu ambiente de trabalho; a perspectiva da qualificação; e as novas formas de gestão.

Observa-se que o ambiente de trabalho, dentro das perspectivas atuais da gestão, sofre mudanças importantes, não é mais um local fixo e totalmente previsível. O tempo de trabalho não se limita mais ao espaço da empresa, mediado pelas tecnologias de comunicação: em qualquer tempo e lugar se pode resolver questões relativas ao trabalho. As delimitações entre o individual e o coletivo se tornaram contraditórias, visto que o outro se transformou em adversário estimulado pela competição que se generalizou como fundamento do “espírito empreendedor”, e ao mesmo tempo as metas, que também são coletivas, exigem uma vigilância constante que agora é feita pelo próprio trabalhador.

Um trabalhador que, por medo de perder o emprego, defende não apenas a produtividade do capital, mas até mesmo a demissão dos seus companheiros. O caso das ilhas de produção é exemplar: faz-se com que um trabalhador vigie o outro, dispensando assim a vigilância do patrão. (Dias, 2006DIAS, E. F. “Reestruturação produtiva”: forma atual da luta de classes. Revista Outubro, São Paulo, n. 3, p. 45-52, out. 2006., p. 50).

A qualificação agora deve ser algo permanente, sempre insuficiente e capaz de gerar no trabalhador uma contínua culpa, pois nesse novo modelo se valoriza a formação polivalente, geral e diversificada. “E, ao mesmo tempo, afirma-se a qualificação como elemento vital: se o trabalhador não é qualificado, capaz, o problema e a culpa é dele e não do mercado” (Dias, 2006DIAS, E. F. “Reestruturação produtiva”: forma atual da luta de classes. Revista Outubro, São Paulo, n. 3, p. 45-52, out. 2006., p. 51).

A nova forma de gestão e organização do trabalho, chamada de pós-fordismo ou toyotismo, buscou maior identidade do trabalhador com a empresa e a absorção de suas forças físicas e mentais. E é “caracterizada cada vez mais pela precariedade, pela flexibilização e desregulamentação, de maneira sem precedente para os assalariados” (Vasapollo, 2006VASAPOLLO, L. Trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico determinante do capital no paradigma pós-fordista. In: ANTUNES, R. (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo , 2006. p. 45-58., p. 45).

Segundo Dias (2006DIAS, E. F. “Reestruturação produtiva”: forma atual da luta de classes. Revista Outubro, São Paulo, n. 3, p. 45-52, out. 2006., p. 51), “as novas formas de gestão - de tipo japonês - são colocadas como as únicas alternativas, exige-se mais e mais a incorporação passiva dos trabalhadores à ordem”. Ou seja, as atuais condições de organização do trabalho e de exploração dos trabalhadores se apresentam de forma a adequar a produtividade ao controle da ordem e à manutenção da concentração da riqueza.

O chamado pós-fordismo tem se caracterizado como um processo em que o sistema produtivo deve buscar se adequar aos ditames do mercado, a uma situação em que a “preferência do cliente” se torna a tônica principal na orientação dos modelos de gestão.

Para o trabalhador, a lógica desse processo produtivo traz a ideia de um novo trabalhador, chamado de polivalente, multifuncional, precarizado, não significando, de forma alguma, o fim do trabalho ou do trabalhador.

Muito diferente da ideia de fim do trabalho ou dos trabalhadores, nas últimas décadas pôde-se presenciar um conjunto de mutações que resultaram numa classe trabalhadora ainda mais heterogênea, mais multiforme e mais fragmentada. (Antunes, 2005ANTUNES, R. A desertificação neoliberal no Brasil: Collor, FHC e Lula. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2005., p. 75).

O trabalhador requerido pelos processos produtivos - empreendedor, motivado para o sucesso e autoconfiante - é também o sujeito ideal para engrossar as filas do desemprego, para o subemprego e para o trabalho informal, pois, além de fazer parte do enorme exército de reserva, atribuirá a “ligeira” dispensa do emprego formal a que está submetido a motivos de ordem pessoal: necessidade de alguma formação a mais, estratégia errada na hora da entrevista ou inadequação para a qualificação específica exigida. Uma realidade que tem demandado uma busca interminável por agregar condições de competitividade, de forma que nada seja satisfatório para garantir ao trabalhador que ele esteja suficientemente seguro quanto à sua permanência no emprego.

A compreensão da natureza mutável do trabalho fornece uma base para a análise das espécies de reformas que as forças que sustentam a dinâmica produtiva podem tentar introduzir nas escolas do futuro. (Carnoy; Levin, 1993CARNOY, M.; LEVIN, H. M. Escola e trabalho no estado capitalista. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993., p. 72).

Para os autores, essa natureza mutável do trabalho vai refletir no papel contraditório da escola, condicionando as relações professores/administradores, alunos/professores e alunos entre si; na quantidade de educação a que as pessoas, com diferentes papéis na divisão do trabalho, têm acesso, ajudando a mitigar os conflitos da distribuição desigual das recompensas; e, ainda, nos conteúdos do ensino que devem atender às qualificações e às atitudes dos empregos oferecidos.

Dentro de tais circunstâncias, o ato de ensinar, o papel do professor e as relações estabelecidas nesse contexto são afetados em processos aparentemente contraditórios, que, segundo Ball (2002BALL, J. S. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 15, n. 2, p. 3-23, 2002. , p. 9), por um lado “representam um afastamento dos métodos de controle dos empregados baseados na ‘pouca confiança’ (low-trust methods). [...] Por outro lado são implementadas novas formas de vigilância imediata e automonitorização”, traduzidas por processos avaliativos, estabelecimento de metas de produtividade, controle de custos etc.

Sobre as reformas educacionais, não apenas como políticas que afetam as instituições públicas, mas principalmente como formas de intervir na economia e na sociedade em geral, compreende-se que o setor educativo tem sido afetado por um processo de regulação que se traduz no conjunto das ações educativas e nas particularidades de cada instituição de ensino ou de cada forma de organização acadêmica e administrativa de escolas e universidades. Uma realidade constituída por alinhamentos e conflitos com uma “reforma educacional de inspiração empresarial” (Carnoy; Levin, 1993CARNOY, M.; LEVIN, H. M. Escola e trabalho no estado capitalista. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993., p. 70).

O processo de regulação, segundo Barroso (2005BARROSO, L. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 725-751, out. 2005. , p. 733),

[...] compreende, não só a produção de regras (normas, injunções, constrangimentos etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re)ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas mesmas regras.

No que se refere aos sistemas educativos, Maroy (2010MAROY, C. Regulação dos sistemas educativos. In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2010. CD-ROM., p. 1) destaca que a regulação “[...] designa os processos múltiplos, por vezes contraditórios, de orientação das condutas dos atores e de definição das ‘regras do jogo’ no sistema social”. Tais processos assumem múltiplas dimensões em que não se pode desprezar a existência de uma grande variedade de fontes, e há interesses dos grupos e sujeitos envolvidos direta ou indiretamente, bem como das racionalidades ou concepções que buscam a hegemonia.

No entanto, para Maroy (2010MAROY, C. Regulação dos sistemas educativos. In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2010. CD-ROM., p. 3), a regulação é “primeiramente, institucional e política”.

Visto estarem compreendidos, diversos arranjos institucionais promovidos pelo Estado (as regras e as leis editadas pelas autoridades públicas, o poder discricionário atribuído a autoridades escolares locais ou às direções dos estabelecimentos escolares, dispositivos de consenso, de avaliação ou de financiamento, exercendo funções de incitação ou de coordenação) contribuem para coordenar e orientar a ação dos estabelecimentos, dos profissionais e das famílias no sistema educativo, pela distribuição dos recursos e limitações (dinheiro, conhecimentos e principalmente regras). (Maroy, 2010MAROY, C. Regulação dos sistemas educativos. In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2010. CD-ROM., p. 3).

Barroso (2005BARROSO, L. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 725-751, out. 2005. ), considerando a diversidade dos processos de regulação, chama atenção para o fato de que o processo normativo e de controle exercido pelo Estado, ou pelas autoridades constituídas, mesmo que continue sendo uma fonte essencial de regulação, não pode ser considerado o único e nem necessariamente o mais efetivo. O autor destaca as possibilidades de efeitos contraditórios e, por vezes, imprevisíveis das normas e orientações oficiais:

A regulação do sistema educativo não é um processo único, automático e previsível, mas sim um processo compósito que resulta mais da regulação das regulações do que do controlo directo da aplicação de uma regra sobre acção dos “regulados”. (Barroso, 2005BARROSO, L. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 725-751, out. 2005. , p. 733-734).

Nessa linha de raciocínio, o autor chega a uma importante relativização dos resultados que se pode ter em função da direção (política, ideológica e ética) adotada pelos sistemas educativos, afirmando que

Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de regulação dão lugar não resultam de um qualquer imperativo (político, ideológico, ético) definido a priori, mas sim dos interesses, estratégias e lógicas de acção de diferentes grupos de actores, por meio de processos de confrontação, negociação e recomposição de objectivos e poderes. (Barroso, 2005BARROSO, L. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 725-751, out. 2005. , p. 734).

Por essa conclusão e pela observação do avanço do “Estado avaliador” e de “quase mercado” como estratégia de governança e regulação dos sistemas de ensino atuais, o autor constata ter havido uma convergência que tende a deslocar de um modelo de regulação burocrático-profissional para outro denominado pós-burocrático.1 1 Embora não seja o foco principal da discussão no momento, ressalta-se que a designação desse modelo de regulação como “pós-burocrático” não parece adequada. A aceitação de tal designação como paradigma resultante da emergência de novas orientações, em parte, significa aceitar que referenciais como o “Estado avaliador” e “quase mercado”, entre outros, levariam à desburocratização dos sistemas de ensino, sejam eles públicos ou privados, algo que não se considera factível quando se acredita que a burocracia, acima de tudo, tem um papel fundamental na manutenção das relações de poder. E que o modo de produção capitalista não pode prescindir da burocracia, tendo em vista a necessidade do cálculo e da previsibilidade, que são seus fundamentos principais.

Assim, compreende-se que a burocracia universitária, enquanto organização político-administrativa, de controle e de relação de poder, precisa ser analisada na sua historicidade, na sua manifestação efetiva, como processo dialético e contraditório, que se situa num tempo e espaço específicos. E que na instituição de um modelo de gestão e organização do trabalho, que passa a ser hegemônico no âmbito do ensino superior, precisa ser estudada como parte de uma estrutura com novas perspectivas de controle e de diversos interesses estabelecidos.

Diante de tais discussões, indaga-se: Como cada uma dessas questões poderia estar afetando ou redefinindo o trabalho do professor? Até que ponto essas questões (burocracia-gerencial e reforma educacional), no contexto da reestruturação produtiva, constituem as possibilidades e os limites atuais para o trabalho do professor no ensino superior?

O trabalho docente no ensino superior brasileiro

Quando se verifica a situação do trabalho docente no ensino superior, não é possível ignorar alguns dos seus principais problemas, sobretudo aqueles relacionados ao efetivo de trabalhadores que atendem às instituições privadas. Não é desconhecida a ação de parte dessas instituições que procuram superlotar salas de aula, reduzir a carga horária presencial e optar por professores menos experientes ou com formação mais baixa como forma de reduzir custos e aumentar os lucros dos investidores.

Um fenômeno bastante observado é o fato de um docente assumir várias disciplinas, às vezes em instituições diferentes, tendo que fazer grandes deslocamentos, reduzindo significativamente o seu tempo para estudos e planejamentos. Pois,

[...] como o valor hora-aula costuma ser baixo, o docente vincula-se a diferentes instituições de ensino, simultaneamente, ministrando várias disciplinas (algumas delas incompatíveis com a sua formação acadêmica) e deslocando-se de um extremo a outro para poder cumprir a sua jornada de trabalho (Santos, 2012SANTOS, S. D. M. dos. A precarização do trabalho docente no ensino superior: dos impasses às possibilidades de mudanças. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 46, p. 229-244, out./dez. 2012. , p. 236).

Em pesquisa realizada com professores de instituições privadas, Santos (2012SANTOS, S. D. M. dos. A precarização do trabalho docente no ensino superior: dos impasses às possibilidades de mudanças. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 46, p. 229-244, out./dez. 2012. , p. 236-237) constata que

[...] os professores vivenciam uma realidade extenuante marcada: pelo medo constante do desemprego; pela ausência de garantia de seus direitos sociais; pela impossibilidade de construção de uma carreira; pela sua desvalorização social; pela perseguição às práticas de organização sindical; pela submissão ao poder do “cliente” (no espaço acadêmico da rede particular também se difunde a máxima empresarial: “o cliente tem sempre razão”); pelas represálias ao exercerem a autonomia e a expressão de suas ideias; e pela estranha exigência de se transformarem em “animadores de auditório” e de ministrarem “aulas-show” que tornam o seu “produto” (ensino) mais atraente, de fácil apreensão e em consonância com as exigências do mercado. Todos esses elementos impactam o trabalho docente, com consequências devastadoras de diversas ordens, tanto para os professores quanto para os alunos e a sociedade de um modo geral.

Uma das consequências dessa realidade, como observa a autora, tem sido a apresentação de uma prática que não condiz com o discurso. A falta de tempo para preparar aulas, para estudos e pesquisas, junto com a pressão por obtenção de títulos, faz com que o professor não atente para o rigor necessário das suas ações, exigindo dos estudantes algo que ele mesmo não pratica. Mas como manter o rigor numa realidade de tempo extremamente escasso e de poucos recursos pessoais? As alternativas têm sido, em muitos casos, procurar cursos de pós-graduação a distância, nos finais de semanas e nas férias, quando não, oferecidos por instituições estrangeiras sem o reconhecimento do órgão competente no Brasil. A autora cita ainda práticas inescrupulosas que vão surgindo entre os professores, como a organização de grupos para elaboração de trabalhos, que serão apresentados em eventos ou publicados em periódicos como se todos tivessem participado da elaboração, devido à pressão por demonstrar produtividade, ou o caso de professores que aceitam encomendas para elaborar trabalhos acadêmicos para outros, como resenhas, artigos e monografias, como forma de aumentar sua renda.

Enfim, como se percebe, do ponto de vista dos princípios da educação ou de um comportamento ético profissional, no caso do professor, levando-se ao extremo esse comportamento requerido pelo trabalhador dos tempos atuais, são encontradas situações extraordinárias que, no médio ou longo prazo, constituirão problemas evidentes para os indivíduos e para a sociedade. Dessa forma, torna-se necessário compreender e reconhecer as especificidades do campo educacional que em grande medida não se coaduna aos princípios do mercado.

Os professores do ensino superior no Brasil: 2003 a 2013

Como última parte deste trabalho, buscando analisar a composição do quadro docente no ensino superior brasileiro, serão destacados alguns dados sobre a movimentação desse segmento num período de dez anos, de 2003 a 2013. Optou-se pelo recorte de uma década por se considerar ser um tempo mínimo necessário para se observar modificações e tendências que estariam ocorrendo nesse campo de trabalho claramente em expansão. Assim como se optou pelos primeiros anos do século 21 (2003 a 2013) em virtude da disposição de informações junto aos órgãos oficiais do governo brasileiro.

Recorre-se aqui especificamente ao banco de dados do Censo do Ensino Superior, levantando informações sobre o quantitativo de funções docentes no ensino superior, sua diferenciação em relação ao regime de trabalho, ao grau de formação e ao sexo, e também sobre a relação matrícula/função docente e sua especificação no tocante à organização acadêmica administrativa.

Um primeiro dado relevante diz respeito ao número total de professores do ensino superior em 2003 e em 2013, revelando que em dez anos houve um crescimento significativo desse número no Brasil, passando de 268.816 para 367.282, um acréscimo de quase 100 mil novos professores. Em termos percentuais, isso significou um aumento de 36,62%.

Quando observado esse quantitativo de professores em relação ao regime de trabalho, considerando tempo integral, tempo parcial e horista, percebe-se que não houve um crescimento linear. O Gráfico 1 mostra que, em 2003, 35,83% tinham contrato de trabalho de tempo integral, 23,23% de tempo parcial e 40,92% eram horistas. Já em 2013, o quadro passa a ser o seguinte: 48,84% com contrato de tempo integral, 25,36% de tempo parcial e 25,78% horistas. Percebe-se que, embora ainda significativo, o número de professores horistas - quase 100 mil (94.699) -, comparado a 2003, apresenta uma leve queda em termos numéricos e uma redução expressiva em termos percentuais. Se antes os professores contratados por hora representavam quase a metade de todos os docentes do ensino superior no Brasil, em 2013 os professores com esse regime não chegam a 26% do total.

Gráfico 1
Função Docente conforme o Regime de Trabalho

Ainda sobre a função docente, conforme o regime de trabalho, faz-se necessário destacar o aumento dos contratos em tempo integral, os quais representavam, em 2003, apenas 23,23% e em 2013 passaram a representar 48,84%, sendo o regime de trabalho que mais cresceu durante essa década. Porém, deve-se considerar que ainda é bastante significativo, mais da metade se forem tomados professores horistas e de tempo parcial, o número daqueles que, supostamente, não se dedicam integralmente às atividades docentes, que trabalham em mais de uma instituição ou que, mesmo atuando em uma única instituição, não são contratados em tempo integral.

Sobre o grau de instrução, o Gráfico 2 mostra que diminuiu o número de professores com apenas a graduação - de mais de 37 mil em 2003 para pouco mais de 9 mil em 2013 -, havendo aumento em todos os demais níveis de formação: especialização, mestrado e doutorado. O número de especialistas, em dez anos, passou de 78.075 para 91.240 (crescimento de 16,86%); o de mestres passou de 96.510 para 145.831 (crescimento de 51,10%); e o de doutores, que era de 56.238, passou para 121.190 (crescimento de 115,49%). Percebe-se, portanto, que, embora em números absolutos a quantidade de mestres ainda seja predominante, foi o número de doutores que teve o crescimento mais expressivo durante o período observado.

Gráfico 2
Função Docente em Exercício por Grau de Formação

Em relação ao sexo, nota-se que, de 2003 a 2013, o quadro não se alterou significativamente. No ensino superior brasileiro, a maioria dos professores continua sendo do sexo masculino. Porém, se considerado o crescimento em termos percentuais, nesse período houve uma alteração nas proporções, visto que, em 2003, 57,77% eram homens e 43,23% eram mulheres e, em 2013, 54,74% eram homens e 45,26% mulheres; observa-se, portanto, uma ligeira mudança em favor da representação feminina na categoria docente do ensino superior brasileiro.

Outra questão importante para compreender a composição e as condições docentes no ensino superior brasileiro está ligada à relação entre matrículas e função docente, uma vez que parte das discussões sobre produtividade, eficiência e desempenho das escolas e redes de ensino, principalmente na ótica dos investidores, traz a quantidade de alunos por professor como um requisito para determinar o bom uso dos recursos e a solidez econômica da instituição. E nesse caso, como se percebe, a preocupação maior está na elevação da proporção, ou seja, quanto mais alunos por professor, melhor, pois isso diminuiria os custos da educação, permitindo a redução de mensalidades e do quadro docente.

Do mesmo modo, considerando a relação entre matrícula e função docente um fator relevante, mas sob ótica oposta, a quantidade de alunos por professor tem sido questionada como um elemento negativo, sobretudo por movimentos docentes, visto que provoca grandes dificuldades para a elevação da qualidade do ensino e deterioração das condições de trabalho.

Tendo em vista que, conforme a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - Lei nº 9.394/96 -, “cabe ao respectivo sistema de ensino [...]” a tarefa de definir o número de alunos por professor,2 2 A LDB, art. 25, determina que: “Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento. Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo”. (Brasil, 1996). continua aberta a discussão sobre um número ideal em cada nível ou modalidade de ensino, principalmente no ensino superior, com suas especificidades referentes a cada uma das áreas do conhecimento e em relação à definição do trabalho acadêmico pelo ensino, pesquisa e extensão.

No presente estudo, constata-se que a relação entre matrícula e função docente no ensino superior brasileiro apresentou uma mudança entre 2003 e 2013, saindo de 15,3 alunos por professor para 16,7, conforme o Gráfico 3.

Gráfico 3
Relação Matrícula/Função Docente

Considerando apenas a relação geral de matrículas por função docente, não ficam perceptíveis as grandes diferenças que essa relação acarreta quando observada com base nas especificidades de cada forma de organização acadêmica. No Gráfico 4, verifica-se que em 2003 os centros universitários já apresentavam a relação mais alta - 19 alunos por professor - e os centros de educação tecnológica a mais baixa - 13,7. Em 2013, essa diferença se acentua ainda mais, visto que os centros universitários passaram a uma relação de 22,7 alunos por professor, enquanto os centros de educação tecnológica a reduziram para 7,6.

Gráfico 4
Relação Matrículas/Função Docente por Organização Acadêmica

De modo geral, com exceção dos centros de educação tecnológica, em todas as outras formas de organização acadêmica a relação matrícula/função docente, nos dez anos em estudo, aumentou, sendo mais acentuada nos centros universitários e nas faculdades integradas. No primeiro, a diferença observada em 2013 foi de 3,7 pontos e, no segundo, de 1,1 em relação a 2003. Já no âmbito das universidades, ocorreu uma modificação bem menor, de 15,5 em 2003 para 15,8 em 2013, uma diferença para maior de 0,3 pontos.

Importante destacar ainda que, em 2003, os professores estavam assim distribuídos: 59% em universidades, 29% em faculdades, 10,15% em centros universitários e 1,75% em centros tecnológicos de educação. Já em 2013, observou-se a seguinte composição: 53% em universidades, 32,70% em faculdades, 10,30% em centros universitários e 4% em centros tecnológicos de educação. Em termos percentuais, durante esses dez anos, houve redução do número de professores em universidades e aumento em faculdades, centros universitários e centros tecnológicos de educação, sendo as faculdades e os centros universitários, em sua grande maioria, pertencentes à iniciativa privada e as universidades e os centros tecnológicos, em sua maioria, ao setor público.

Qual o significado desses dados para a determinação de uma relação adequada de alunos por professor no ensino superior? O que esses números nos dizem sobre as formas de organização acadêmica e as pressões do mercado sobre a educação? Em que medida se pode relacionar qualidade de ensino e condições de trabalho docente com as formas de organização acadêmica, considerando as diferenças na relação matrícula/função docente em cada uma?

Essas e outras questões, referentes às mudanças recentes no ensino superior brasileiro, merecem atenção e podem contribuir de forma significativa para a avaliação dos avanços do processo de reestruturação produtiva ou pós-fordismo no conjunto das determinações do trabalho docente na universidade.

Considerações finais

Sem uma análise mais aprofundada das relações de trabalho que se estabelecem em cada uma das formas de organização administrativas e acadêmicas do ensino superior brasileiro, talvez não seja possível conduzir as conclusões para uma vinculação mais detalhada entre as redefinições mais recentes, relacionadas ao conjunto dos professores do ensino superior no Brasil e os determinantes políticos e ideológicos que se inscrevem na chamada reestruturação produtiva. Porém, os dados extraídos do Censo da Educação Superior, referentes a um recorte temporal de dez anos (2003 a 2013), permitem destacar alguns indicativos de que o trabalho docente nesse segmento tem caminhado, indiscutivelmente, para um processo de massificação e adequação às regras atuais do modo capitalista de produção atual, principalmente se forem tomados os espaços mais diretamente afetados pelos interesses do mercado.

No entanto, dadas as especificidades do campo educacional e do processo educativo em geral, que não se coadunam com os princípios do mercado, bem como a existência e a permanência da atuação de instituições públicas no ensino superior, apresentando condições que são próprias do pessoal do Estado (Poulantzas, 2004POULANTZAS, N. Poder político e classes sociais. São Paulo: Cortez , 2004.), percebe-se, como fator de resistência, a persistência de um conjunto de contradições e redirecionamentos que não seguem, necessariamente, o curso e as determinações relacionadas ao mundo dos negócios.

No período estudado, notou-se que o contingente de professores continuou crescendo; porém, se considerada a divisão por organização acadêmica, verifica-se que as faculdades e os centros universitários aumentaram proporcionalmente em número de professores, enquanto as universidades diminuíram. Isso confirma uma tendência de crescimento mais acentuado nos setores privados, visto que, em sua maioria, centros universitários e faculdades pertencem a esse segmento. O aspecto contraditório a essa tendência foi o crescimento do número de professores nos centros de educação tecnológica, em que predomina o setor público.

Outra questão a ser destacada nos dados é que houve um aumento dos contratos de tempo integral, diminuindo o número de professores horistas. E essa mudança foi significativa, de forma que em dez anos o percentual de professores com contrato de tempo integral passou de pouco mais de 23% para quase 50%; no entanto, é preciso destacar que a maioria dos professores ainda é contratada por tempo parcial ou por hora e que nas universidades e nos centros tecnológicos predominam os contratos de tempo integral, enquanto nas faculdades e nos centros universitários prevalece o contrato por hora ou em tempo parcial.

Observou-se também que professores com mestrado continuam sendo a maioria, mas o número de doutores teve o maior percentual de crescimento no período. E mais uma vez se salienta que nas universidades e nos centros tecnológicos de educação os professores com doutorado são a maioria, enquanto nas faculdades a maior parte é formada por mestres ou especialistas. Segundo o Censo do Ensino Superior, nas faculdades, em 2013, apenas 13,78% dos professores eram doutores e nos centros universitários 18,95%.

A relação matrícula/função docente aumentou de forma geral, porém foi mais acentuada nos centros universitários e nas faculdades. Enquanto a média de alunos por professor nas instituições públicas, em 2013, foi de 11,94, representando uma queda em relação a 2003 (12,8), nas instituições privadas a média, em 2013, foi de 21,22, representando um aumento em relação a 2003 (16,6).

Como se percebe, em se tratando de educação superior, os acontecimentos evidenciados de forma geral refletem o que aconteceu em anos anteriores, sobretudo nos anos 1990. Com isso, pode-se afirmar que, em grande medida, as tendências em relação ao trabalho docente do ensino superior no Brasil, observadas na última década do século 20, tiveram continuidade e, em alguns aspectos, foram aprofundadas. De forma que o processo de reestruturação produtiva, com todas as suas implicações para as relações de trabalho, continua sendo determinante para definição do trabalho docente no ensino superior.

Porém, conforme os dados coletados junto ao Censo do Ensino Superior, nessa última década, alguns elementos com potencial contraditório chamam atenção, entre eles o crescimento do número de professores dos centros tecnológicos de educação, o aumento de contratos de tempo integral, a diminuição de horistas e o aumento do número de doutores, ainda que, em sua maioria, em instituições públicas. As causas e consequências desses fatos são questões importantes para novas pesquisas.

Por fim, em relação ao trabalho docente no ensino superior, para que possam ser discutidas suas condições atuais, de precarização, profissionalização ou realização enquanto atividade humana autorrealizadora (Mészáros, 2008MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2008.), deve-se considerar ainda a urgência de enfrentar outros temas diretamente relacionados com a ação educativa: a) caracterização do público que adentra a universidade atualmente; b) especificidades do processo de ensino e aprendizagem que se impõe pelas formas de relacionamento do presente; e c) características dos novos conteúdos socializados pela mídia (principalmente a mídia digital) que se distanciam em diversos aspectos dos conteúdos tradicionais da universidade. Todas essas são questões que interferem direta ou indiretamente no trabalho docente no ensino superior atualmente.

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  • 1
    Embora não seja o foco principal da discussão no momento, ressalta-se que a designação desse modelo de regulação como “pós-burocrático” não parece adequada. A aceitação de tal designação como paradigma resultante da emergência de novas orientações, em parte, significa aceitar que referenciais como o “Estado avaliador” e “quase mercado”, entre outros, levariam à desburocratização dos sistemas de ensino, sejam eles públicos ou privados, algo que não se considera factível quando se acredita que a burocracia, acima de tudo, tem um papel fundamental na manutenção das relações de poder. E que o modo de produção capitalista não pode prescindir da burocracia, tendo em vista a necessidade do cálculo e da previsibilidade, que são seus fundamentos principais.
  • 2
    A LDB, art. 25, determina que: “Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento. Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo”. (Brasil, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, n. 27833. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm >. Acesso em: 21 mar. 2016.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2016
  • Aceito
    21 Nov 2016
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