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Projeto político-pedagógico na perspectiva da educação em direitos humanos: um ensaio teórico

Political-pedagogical project in the perspective of a human rights education: a theoretical essay

Resumo:

Este artigo examina a relação entre projeto político-pedagógico (PPP) e discussões sobre os direitos humanos na instituição escolar, considerando o posicionamento político quanto ao referencial de educação que a comunidade pretende construir. O objetivo é analisar a elaboração desse projeto na perspectiva da educação em direitos humanos. Trata de ensaio em que se realiza pesquisa teórica e utiliza como procedimentos revisão de literatura e análise documental. A promoção de formação em direitos humanos requer a construção coletiva de proposta pedagógica que atenda às exigências da comunidade, tendo em vista o desenvolvimento de cidadãos capazes de compreender e modificar a própria realidade, desde que todos sejam respeitados e tenham seus direitos garantidos.

Palavras-chave:
projeto político-pedagógico; direitos humanos; construção coletiva

Abstract:

This paper discusses the relation between the political-pedagogical project (PPP) and the debates on human rights in school, considering the political positioning on the education referential that the community intends to develop. It also analyzes the elaboration of this project through the perspective of a human rights education. This is an essay in which a theoretical research is performed using literature review and documentary analysis as procedures. The promotion of human rights education requires the collective construction of a pedagogical proposal that meets the demands of the school community, aiming to shape citizens capable to understand and alter their own reality, provided that all are respected and warranted their rights.

Keywords:
political-pedagogical project; human rights; collective construction

Introdução

A sociedade contemporânea é marcada por uma série de conflitos resultantes das mais diversas formas de intolerância: étnico-racial, religiosa, territorial, relacionadas a gênero, orientação sexual ou opção política, entre outras. Além disso, os atuais processos de globalização da economia e de hegemonia da ideologia neoliberal têm propiciado mudanças no papel do Estado, acirramento das desigualdades sociais, concentração da riqueza e exclusão social, comprometendo o desenvolvimento de políticas sociais, a garantia de direitos e a redistribuição de riquezas. Tudo isso tem levado à violação de direitos básicos como a educação de qualidade para todos, a segurança, a sobrevivência, o emprego, o bem-estar, entre outros.

Nesse contexto, é necessário discutir o papel da educação na sociedade, em especial aquele desempenhado pela escola, visto que essa instituição se constitui em espaço no qual se deve formar o sujeito consciente de seus direitos e deveres, em que se afirmam valores e atitudes sociais, bem como se constroem aprendizagens acerca da participação social. Em se tratando do assunto, tanto a Constituição Federal de 1988, no seu art. 205 (Brasil, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.), quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996 (Brasil, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27833.), em seu art. 2º, definem como uma de suas finalidades o exercício da cidadania. Ademais, a LDB, em seu art. 3º, incisos III e IV, determina que o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e o “respeito à liberdade e apreço à tolerância” sejam princípios obedecidos nas escolas do País.

Esses princípios estão em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948. Disponível em: <Disponível em: https://nacoesunidas.org/conheca/ >. Acesso em: 03 nov. 2016.
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), que, historicamente, desencadeou a luta em defesa da dignidade da pessoa humana e propôs diretrizes para formulação de planos nacionais em 2005, por meio do Programa Mundial para Educação em Direitos Humanos (PMEDH 2005/2014), da Organização das Nações Unidas (ONU). Em resposta a esse movimento mundial, no Brasil foram aprovados o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Brasil. CNEDH, 2007BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH). Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-pdf&Itemid=30192 >. Acesso em: 11 de out. 2016.
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), que propõe princípios e ações visando à consolidação de uma educação em direitos humanos em todos os níveis; e as Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos (Brasil. CNE, 2012BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer CNE/CP nº 8/2012. Diretrizes nacionais para a educação em Direitos Humanos. Diário Oficial da União , Brasília, 30 maio 2012. Seção 1, p. 33.), que orientam o trabalho desenvolvido nos sistemas de ensino para efetivar a educação em direitos humanos e cujas propostas foram incorporadas no Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, 26 jun. 2014. Seção 1, p. 1.). Isso demonstra a importância de se discutir direitos humanos nas escolas brasileiras, criando as condições necessárias para que relações interpessoais e institucionais reafirmem esses princípios.

A gestão democrática no ensino público, prevista no inciso VIII do art. 3º da Lei nº 9.394/96, possibilita que a comunidade escolar discuta a educação que deseja construir, adotando estratégias que promovam sua participação na administração da escola. Isso implica o desenvolvimento de processos que favoreçam a atuação igualitária dos sujeitos nas decisões e em sua formação, no que se refere não só aos conteúdos, mas também à vivência de valores democráticos que envolvam o respeito às diferenças e a aceitação do outro. Portanto, é necessário discutir os direitos e os deveres desses sujeitos e o respeito à dignidade humana e dialogar sobre o papel do cidadão na sociedade, atributos necessários para que a escola cumpra seu papel humanizador (Freire, 1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 16. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.).

É importante que as relações interpessoais e a atuação dos profissionais se pautem em uma educação em e para os direitos humanos (DH), levando em consideração a escola enquanto instituição social onde o processo educativo acontece de forma sistemática, em que as relações deveriam se modelar pelo princípio da igualdade e da construção da cidadania, visando à atuação do aluno na sociedade. Nesse sentido, o projeto político-pedagógico (PPP) é o caminho democrático para fortalecer a inserção da temática dos DH nas instituições.

Dessa forma, falar em PPP e DH é expressar um ensino para todos, é situar a escola num universo de identidades, de conflitos, de saberes diversos e de problematização das questões sociais. Num processo de construção participativa, todos os sujeitos devem auxiliar na elaboração, implementação e avaliação do projeto, objetivando uma formação para a cidadania.

No contexto escolar, discussões que relacionem o PPP com os DH ainda são incipientes. Nesse sentido, este ensaio analisa a construção desse projeto na perspectiva de uma educação em direitos humanos. Para tanto, realiza-se pesquisa teórica, utilizando como procedimentos revisão de literatura e análise documental. Este trabalho se encontra dividido em quatro tópicos: no primeiro, apresentam-se de forma sucinta a temática e a pesquisa; no segundo, discutem-se o PPP como instrumento norteador do trabalho da escola e a relação desse projeto com os DH; no terceiro, examinam-se as fases de construção do PPP; e, no último, apresentam-se as considerações finais.

A escola como espaço de promoção de direitos humanos

A instituição escolar constitui-se “no espaço específico que a sociedade reservou para veicular o conhecimento que se julga importante transmitir às novas gerações” (Vieira, 2001VIEIRA, S. L. Escola: função social, gestão e política educacional. In: FERREIRA, N. S. C.; AGUIAR, M. A. S. (Orgs.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2001, p. 129). Para cumprir esse propósito, os profissionais que atuam nas escolas (funcionários, professores e gestores) devem se articular com os pais e estudantes para estabelecer a definição de educação almejada. Segundo Vieira (2001VIEIRA, S. L. Escola: função social, gestão e política educacional. In: FERREIRA, N. S. C.; AGUIAR, M. A. S. (Orgs.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2001, p. 129), discussões desse tipo, historicamente, não tiveram a devida atenção no contexto das políticas educacionais brasileiras; no entanto, os anos 1990 foram marcados por intensa reflexão sobre a educação e “sua função política e social na formação da cidadania”.

A escola atual se encontra num cenário no qual sua função social é ampliada. É importante que essa instituição tenha bem definido entre seus profissionais que ela cumpre ao mesmo tempo um papel educacional e social. Compreender esse papel é entender o processo em sua complexidade, o que provoca a mudança de uma educação bancária (Freire, 1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 16. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.), em que o aluno é visto como depósito de informações, para uma na qual ele faça parte do processo ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, a maior função da escola é humanizar o processo educacional e promover uma formação problematizadora, completa, que perpassa todos os aspectos da vida humana. Então, o papel que essa instituição desempenha na sociedade e a definição do tipo de sociedade que ela deseja construir devem fazer parte do projeto coletivo que ela desenvolve.

Em sua gênese, a educação no Brasil já se caracteriza como movimento social, pois a busca por qualidade ao longo da história estabeleceu um movimento social de conflitos de classe e de embates políticos, econômicos e sociais, que dão ao tema um caráter essencialmente de luta por um direito fundamental do cidadão. A relação entre movimento social e ensino é, nesse sentido, mais prática que teórica, pois é a ação dos movimentos emergentes da sociedade que provoca mudanças significativas para a coletividade, contribuindo, assim, para o processo de reeducação social.

Uma importante bandeira dos movimentos sociais consiste na luta pelos direitos humanos e por reconhecimento destes. É nesse contexto que se insere a pedagogia dos movimentos sociais. A busca pelo exercício pleno da democracia é o que torna a participação no ambiente da escola uma atividade essencialmente pedagógica, uma vez que o estudante é considerado sujeito de sua própria história, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da coletividade.

Pode-se dizer que os aspectos pedagógicos dos movimentos sociais se definem, em grande medida, pela participação efetiva do cidadão na sociedade. Dessa forma, sua ação não é desvinculada da realidade, mas centrada no princípio educativo. A busca pela igualdade de direitos emancipa o sujeito e fortalece a democracia em sua plenitude. A luta não é apenas por melhorias individuais, como se percebe em muitos atos que são apresentados no dia a dia, mas por diversos direitos, conforme Arroyo (2003ARROYO, M. G. Pedagogias em movimento: o que temos a aprender dos movimentos sociais? Currículo sem Fronteiras, v. 3, n. 1, p. 28-49, jan./jun. 2003., p. 30):

O aprendizado dos direitos humanos pode ser destacado como uma dimensão educativa. Os movimentos sociais colocam a luta pela escola no campo dos direitos humanos. Na fronteira de uma pluralidade de direitos: a saúde, a moradia, a terra, o teto, a segurança, a proteção da infância, a cidade.

Formar para a cidadania é a missão da escola como espaço de promoção do ser humano, da convivência e do desenvolvimento, como também espaço para ampliar as potencialidades dos indivíduos, garantindo o aprendizado ao longo da vida e a construção de sujeitos que vivam e compreendam o caráter social da educação. Isso só é possível com uma escola aberta e uma sociedade que valorize o estudo, sendo as duas compostas por cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, responsáveis e que valorizem o próximo e sejam capazes de viver em constante aprendizado, o que demanda reflexão - é refletindo que se mudam as ações. Na concepção de Canivez (1998CANIVEZ, P. Educar o cidadão. 2. ed. Campinas: Papirus, 1998., p. 33), “a educação é um bem que deve estar acessível a todos os indivíduos de modo a tornar possíveis as condições para o exercício da cidadania”.

Discussões como essas devem ser travadas na elaboração do PPP, instrumento norteador do processo educativo que retrata “[...] crenças, convicções, conhecimentos da comunidade escolar, do contexto social e científico, constituindo-se em compromisso político e pedagógico coletivo [...]” (Veiga, 2006VEIGA, I. P. A. Perspectivas para reflexão em torno do projeto político-pedagógico. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Escola: espaço do projeto político-pedagógico. 10. ed. Campinas: Papirus , 2006. p. 8-32. , p. 8). Esse projeto desempenha papel fundamental na construção de um espaço de diálogo e de promoção do direito à igualdade. Deve ser, portanto, o ponto de referência do trabalho escolar, pois é a partir dele que os sujeitos conduzem, reestruturam e avaliam seu funcionamento.

Esse projeto não deve ser concebido por uma pessoa ou um pequeno grupo, sua elaboração deve ser produto do engajamento coletivo e da participação democrática, porque, segundo Carbonell (2002CARBONELL, J. A aventura de inovar: a mudança da escola. Porto Alegre: Artmed, 2002. ), a concepção de PPP como norte da organização do trabalho está fundamentada nos princípios da escola democrática, pública e gratuita. Ademais, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Brasil. CNEDH, 2007BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH). Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-pdf&Itemid=30192 >. Acesso em: 11 de out. 2016.
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) ressalta a importância da inserção dos DH no PPP, traduzindo assim relações democráticas que devem ser construídas nas instituições. A ampla discussão dessas propostas é condição para sua compreensão e vivência.

A construção do PPP é bastante complexa, porque pressupõe articulação entre ideais e culturas diversas, mas também conflitos e contradições (Veiga, 2010VEIGA, I. P. A. Projeto político-pedagógico da escola de ensino médio e suas articulações com as ações da secretaria de educação. In: SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO: PERSPECTIVAS ATUAIS, 1., 2010, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: UFMG, 2010.). Portanto, é necessário “[...] eliminar relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo as relações horizontais no interior da escola” (Veiga, 2010VEIGA, I. P. A. Projeto político-pedagógico da escola de ensino médio e suas articulações com as ações da secretaria de educação. In: SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO: PERSPECTIVAS ATUAIS, 1., 2010, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: UFMG, 2010., p. 1). Ao congregar visões da realidade a partir de diversas perspectivas, é possível atender às necessidades dos diversos segmentos e alcançar legitimidade para a implementação das ações previstas.

Para Gadotti (2000GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.), não se constrói um projeto sem uma direção política. Por isso, todo projeto pedagógico é também político e sempre um processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade que permanece como horizonte. Alcançar esse horizonte requer processo contínuo de planejamento, implementação e avaliação do trabalho escolar, de forma que o PPP não deve ser visto como algo fechado, mas aberto e inacabado, visando a alcançar o norte definido coletivamente.

Uma educação em direitos humanos requer que os sujeitos assumam essa perspectiva em seu projeto pedagógico. Sua elaboração é uma oportunidade ímpar para discutir os conflitos existentes no interior da escola e promover ações que concorram para o respeito e a valorização desses direitos, conforme defende o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Brasil. CNEDH, 2007BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH). Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-pdf&Itemid=30192 >. Acesso em: 11 de out. 2016.
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).

Isso porque as condições de democratização de acesso e permanência em todas as etapas da educação básica colocaram no mesmo espaço uma diversidade de sujeitos que precisam ser reconhecidos em suas diferenças e conviver entre si com respeito, preparando-se para o exercício de cidadania que extrapola os muros da escola. Nesse contexto, as discussões atuais acerca dos direitos humanos abarcam também as de cidadania e ética.

Escola: um ambiente de exercício da ética e da cidadania

Compreender os processos educacionais na atualidade é valorizar a diversidade cultural existente no seio da sociedade como instrumento de promoção de uma formação que preza pelo respeito aos valores humanos. Quando se trata do assunto, há que se considerar a diversidade, os saberes e as características de cada povo, cultura ou raça. Conforme defende Saviani (2001SAVIANI, D. Ética, educação e cidadania. PhiloS: Revista Brasileira de Filosofia de 1° Grau, Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 19-37, 2001. , p. 28),

os valores éticos ou morais se constituem, em suma, num processo de caráter educativo. A educação emerge, pois, como uma mediação através da qual os indivíduos tomam consciência da moralidade de suas ações elevando-a ao nível ético, isto é, à compreensão teórica de seus fundamentos, critérios, regras e princípios gerais.

Como ambiente de concentração da diversidade, a escola deve proporcionar uma educação que promova a paz e a liberdade de expressão, por meio da participação coletiva nas decisões e nos processos. Ela deve promover uma cultura ética, aqui entendida como regras de comportamento do ser humano, como valores que orientam o convívio, o respeito e a valorização do outro. O respeito ao outro e o diálogo entre os semelhantes podem fazer com que se construa um trabalho solidário. A esse respeito, Dallari (2013DALLARI, D. A. Ética. 2003. Palestra em dezembro de 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.dnit.gov.br/institucional/comissao-de-etica/artigos-e publicacoes/publicacoes/Etica-Dalmo%20de%20Abreu%20Dallari.pdf .> Acesso em: 10 jan. 2015.
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, paginação irregular) afirma:

[...] temos uma responsabilidade ética muito grande, a responsabilidade de fazer com que todas as pessoas humanas sejam reconhecidas como o primeiro dos valores éticos, e a responsabilidade de fazer com que todas as pessoas possam efetivamente viver segundo a ética. E, na medida em que conseguirmos isto, trabalhar pela solidariedade, pelo crescimento das pessoas, pela preservação dos valores éticos de todos, estaremos contribuindo para a formação de uma nova sociedade em que haja o respeito recíproco, a solidariedade, a eliminação das injustiças e assim a conquista da paz.

Nesse mesmo sentido, Saviani (2001SAVIANI, D. Ética, educação e cidadania. PhiloS: Revista Brasileira de Filosofia de 1° Grau, Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 19-37, 2001. , p. 21) afirma que existe uma relação entre a ética, a educação e a cidadania:

[...] a educação fará a mediação entre o homem e a ética permitindo ao homem assumir consciência da dimensão ética de sua existência com todas as implicações desse fato para a sua vida em sociedade. Fará, também, a mediação entre o homem e a cidadania, permitindo-lhe adquirir consciência de seus direitos e deveres diante dos outros e de toda a sociedade.

Discutir a função da educação na formação do sujeito ético é falar sobre o papel humanizador e formador da escola na construção de um mundo mais justo e igualitário. Afinal, é apenas com pessoas responsáveis, ativas e éticas que a sociedade poderá caminhar para um futuro mais humano e menos violento. A escola desempenha papel fundamental na formação e conscientização de cidadãos verdadeiramente éticos e participativos, pois, a partir da

[...] valoração é possível definir objetivos para a educação. Considerando-se que a educação visa à promoção do homem, são as necessidades humanas que irão determinar os objetivos educacionais. E essas necessidades devem ser consideradas em concreto, pois a ação educativa será sempre desenvolvida num contexto existencial concreto. (Saviani, 2001SAVIANI, D. Ética, educação e cidadania. PhiloS: Revista Brasileira de Filosofia de 1° Grau, Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 19-37, 2001. , p. 28).

Saviani (2001SAVIANI, D. Ética, educação e cidadania. PhiloS: Revista Brasileira de Filosofia de 1° Grau, Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 19-37, 2001. , p. 33) conclui:

[...] a educação escolar resulta ser um instrumento básico para o exercício da cidadania. Ela, entretanto, não constitui a cidadania, mas sim uma condição indispensável para que a cidadania se constitua. O exercício da cidadania nos mais diferentes organismos (sindicatos, partidos, etc.) não se dá de modo cabal sem o preenchimento do requisito de acesso à cultura letrada e domínio do saber sistematizado que constituem a razão de ser da escola.

A escola, portanto, constitui-se em espaço de construção de valores e de cidadania, que deve possibilitar a apropriação de conhecimentos e a elaboração de um regime democrático, o qual “[...] oferece melhor condição para o respeito e a fruição dos direitos humanos, bem como para a formação da cidadania” (Silva, 2003SILVA, A. M. M. Práticas de cidadania na escola e na sala de aula. In: LISITA, V. M. S. S.; SOUSA, L. F. E. C. P. (Orgs.). Políticas educacionais, práticas escolares e alternativas de inclusão escolar. São Paulo: DP&A, 2003. p. 173-193. , p. 177). Uma educação em direitos humanos só se torna possível em ambientes que reconheçam a diversidade e valorizem o diálogo, produzindo espaços de discussão a fim de sensibilizar todos os envolvidos. Logo, construir um PPP de forma coletiva é implantar uma educação que se fundamenta nos princípios da democracia, da diversidade, da inclusão e da cidadania.

Para ter uma educação que reconheça o direito do próximo, faz-se necessário repensar a maneira como se enxerga o outro, como se age em relação ao outro. Essa reforma deve começar em cada indivíduo e de modo interno e se exterioriza em atos a partir da reflexão feita por meio de tudo que o cerca (Morin, 2003MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.). A formação para a vida está relacionada à mudança de pensamento que possibilita ao aluno ampla visão de mundo, na qual ele se vê como agente ativo e modificador da realidade. Isso requer uma educação emancipatória, que priorize os DH e valorize a diversidade dos sujeitos.

Uma educação voltada para os direitos humanos é uma premissa a ser alcançada durante as fases do PPP que são discutidas no próximo tópico deste artigo. Para entender a amplitude e a complexidade do ambiente escolar, é necessário partir da realidade sociocultural em que a instituição está inserida. Esse olhar para o entorno é fundamental na (re)estruturação do projeto educacional.

As fases do projeto político-pedagógico: elaboração, implementação e avaliação

Por ser instrumento de efetivação de ações educativas, o PPP pode estar a serviço da construção de uma formação em DH que corrobora com a finalidade de “[...] produzir transformações socioeducacionais” (Garcia; Queiroz, 2009GARCIA, L. T. S.; QUEIROZ, M. A. Embates pedagógicos e organizacionais nas políticas de educação. Natal: Ed. da UFRN, 2009., p. 113). Gandin (1994GANDIN, D. A prática do planejamento participativo: na educação e em outras instituições, grupos e movimentos dos campos cultural, social, político, religioso e governamental. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1994., p. 28) define o PPP como “[...] parte de uma leitura do nosso mundo na qual é fundamental a ideia de que nossa realidade é injusta e de que essa injustiça se deve à falta de participação em todos os níveis e aspectos da atividade humana”. Ou seja, a construção ou a transformação de determinada realidade ou sociedade passa pela participação coletiva.

No caso da instituição escolar, as mudanças devem ocorrer com o envolvimento da comunidade para superar desafios. Nesse sentido, o “[...] planejamento participativo ensaia processos, técnicas, instrumentos, metodologias e modelos - já plenamente comprovados para grupos, movimentos e instituições [...]” (Gandin, 1994GANDIN, D. A prática do planejamento participativo: na educação e em outras instituições, grupos e movimentos dos campos cultural, social, político, religioso e governamental. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1994., p. 31), que colaboram para a construção da realidade almejada. Esse deve, portanto, ser o referencial de planejamento utilizado, visando à promoção dos DH “[...] tanto na elaboração do projeto político-pedagógico, na organização curricular, no modelo de gestão e avaliação, na produção de materiais didático-pedagógicos, quanto na formação inicial e continuada dos/as profissionais da educação” (Brasil. CNE, 2012BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer CNE/CP nº 8/2012. Diretrizes nacionais para a educação em Direitos Humanos. Diário Oficial da União , Brasília, 30 maio 2012. Seção 1, p. 33., p. 7-8).

Logo, as fases de elaboração, implementação e avaliação do PPP na perspectiva dos DH devem ter como base a mobilização da comunidade e a tomada de decisões conjunta. É necessário envolver todos para realizar o diagnóstico e definir os rumos da instituição, tomando como referência a realidade escolar. A definição do norte coletivo não é apenas institucional, mas precisa ser assumida pelos sujeitos que devem, para tanto, participar de todas as fases.

A elaboração do projeto político-pedagógico

A primeira etapa do PPP é a elaboração, que deve propiciar uma reflexão crítica sobre a sociedade, as relações entre os sujeitos, a realidade escolar e as ações desenvolvidas pela instituição educativa. Nessa fase, é necessário sensibilizar os sujeitos sobre a importância da participação de profissionais, alunos, pais e comunidade. Nesse particular, Garcia e Queiroz (2009GARCIA, L. T. S.; QUEIROZ, M. A. Embates pedagógicos e organizacionais nas políticas de educação. Natal: Ed. da UFRN, 2009., p. 119) afirmam que

[...] ao construir o seu projeto, os sujeitos não só definem as regras que regem o coletivo e a sua identidade, como também reconstroem suas relações e práticas escolares, o que lhes confere consciência das possibilidades e da capacidade do grupo de levar adiante um projeto coletivo de educação.

O PPP, apesar de ser desenvolvido para implementação em médio prazo, precisa ser atualizado anualmente, a fim de que possa nortear as mudanças necessárias, visando a promover um ideal de educação coletivo. Por isso, Veiga (2006VEIGA, I. P. A. Perspectivas para reflexão em torno do projeto político-pedagógico. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Escola: espaço do projeto político-pedagógico. 10. ed. Campinas: Papirus , 2006. p. 8-32. , p. 8) afirma que sua elaboração

[...] exige profunda reflexão sobre as finalidades da escola, assim como a explicitação de seu papel social e a clara definição de caminhos, formas operacionais e ações a serem empreendidas por todos os envolvidos no processo educativo. Seu processo de construção aglutinará crenças, convicções, conhecimentos da comunidade escolar, do contexto social e científico constituindo-se em compromisso político e pedagógico coletivo. Ele precisa ser concebido com base nas diferenças existentes entre seus autores, sejam eles professores, equipe técnico-administrativa, pais, alunos e representantes da comunidade local. É, portanto, fruto de reflexão e investigação.

A esse respeito, Veiga (1996VEIGA, I. P. A. Ensino e avaliação: uma relação intrínseca à organização do trabalho pedagógico. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Didática: o ensino e suas relações. 2. ed. Campinas: Papirus , 1996. , p. 157) destaca ainda que a elaboração do PPP é a primeira etapa a ser desenvolvida, devendo se assentar na definição de uma

[...] concepção de sociedade, educação e escola que vise à emancipação humana. Ao ser claramente delineado, discutido e assumido coletivamente ele se constitui como processo. E, ao se constituir como processo, o projeto político-pedagógico reforça o trabalho integrado e organizado da equipe escolar, enaltecendo a sua função primordial de coordenar a ação educativa da escola para que ela atinja o seu objetivo político-pedagógico.

A elaboração do PPP é um momento decisivo para os futuros passos que efetivarão o projeto de escola, de sociedade e de cidadania definido coletivamente. Um instrumento dessa natureza não pode ser elaborado apenas por um pequeno grupo ou por profissionais alheios à cultura e ao dia a dia da instituição, mas precisa ser fruto de diálogo, debates e participação plural, para que práticas desse tipo possam constituir a cultura da organização escolar. Esse processo é educativo, visto que essa interação possibilita aprendizagens diversas, pois, como defende Arroyo (2003ARROYO, M. G. Pedagogias em movimento: o que temos a aprender dos movimentos sociais? Currículo sem Fronteiras, v. 3, n. 1, p. 28-49, jan./jun. 2003., p. 31), “[...] as mobilizações agiram como pedagogos no aprendizado dos direitos sociais especificamente no direito à educação”.

É na discussão plural que os sujeitos se conhecem, estreitam relações interpessoais e constroem uma identidade coletiva. Além disso, é nesse momento que firmam a referência definida coletivamente para nortear o trabalho. Adotar uma concepção de educacional embasada no referencial de direitos humanos implica construir coletivamente um posicionamento acerca das desigualdades e exclusões existentes na sociedade, que, em grande medida, se reproduzem no contexto escolar. Afirmar o respeito à dignidade humana requer não só discuti-la coletivamente, mas firmar parâmetros sobre os quais certas práticas serão efetivadas.

A elaboração de um PPP é atividade complexa formada de várias etapas. No seu marco referencial, todos precisam responder às seguintes perguntas: que sujeitos queremos formar e para qual sociedade? Essas discussões são importantes para que a comunidade defina a educação que pretende construir. Deve-se debater, ainda, a concepção de ensino-aprendizagem que se aproxima do objetivo acordado. Em seguida, é necessário analisar a realidade escolar, definindo a distância entre a situação atual e o que se quer alcançar. Com base nessas análises, é possível delimitar princípios norteadores, objetivos e ações.

Desenvolver esse tipo de educação, portanto, requer discussão acerca de como e por que a luta pelos DH se efetivou na sociedade, qual o papel da escola em sua promoção e como as relações humanas construídas nesse espaço refletem, ou não, o horizonte político que se almeja. Por fim, assumir esse referencial como princípio faz pensar em como a temática será abordada por todos os profissionais em seus planos de trabalho, desenvolvendo ações comuns dentro de prazos estabelecidos.

A equipe gestora, como responsável por mobilizar os sujeitos para essas discussões e coordenar o trabalho escolar, em conjunto com o conselho, não pode perder de vista, em todas as fases do PPP, o compromisso com a diversidade de opiniões. Pois é na construção de consensos, levando os sujeitos a refletirem, posicionarem-se e definirem ações, que estes são capazes de incorporar as concepções de DH e cidadania na cultura da organização escolar.

Implementação da proposta pedagógica da escola

A fase de implementação do PPP, assim como as demais, requer contínuo cuidado com o princípio da participação e constante retomada do diálogo. Garcia e Queiroz (2009GARCIA, L. T. S.; QUEIROZ, M. A. Embates pedagógicos e organizacionais nas políticas de educação. Natal: Ed. da UFRN, 2009., p. 123) consideram que “[...] implementar o projeto político-pedagógico, tendo a gestão democrática como princípio, requer que os profissionais construam espaços de diálogo, de investigação da realidade, de trabalho coletivo e de formação continuada”.

Colocar o planejado em prática requer a delegação de responsabilidades e o acompanhamento de como as ações estão sendo vivenciadas. Sem a devida atenção, é possível que o plano não se efetive do modo e dentro do tempo desejado, de forma que, como analisam Libâneo, Oliveira e Toschi (2012LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. O sistema de organização e de gestão da escola: teoria e prática. In: LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2012. (Coleção Docência em Formação: Saberes Pedagógicos).), seja necessário gerir a participação para que não se percam os frutos das ações estabelecidas. Nesse sentido, os autores consideram que “[...] a participação implica os processos de gestão, os modos de fazer, a coordenação e a cobrança dos trabalhos e, decididamente, o cumprimento de responsabilidades compartilhadas, conforme uma mínima divisão de tarefas e alto grau de profissionalismo de todos” (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2012LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. O sistema de organização e de gestão da escola: teoria e prática. In: LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2012. (Coleção Docência em Formação: Saberes Pedagógicos)., p. 458).

A construção do PPP é complexa, pois a instituição escolar está inserida em um contexto social e cultural diverso e rico em identidades. O desafio está em administrar essa diversidade e construir identidade e cultura próprias que unam e orientem as relações dos sujeitos. A multiplicidade, tanto de identidades quanto de ideias, fortalece a proposta de uma educação que respeite os DH. Logo, valorizar as diferenças é, sem dúvida, fundamental para que o PPP se torne aprendizado do exercício de cidadania.

A implementação coletiva do PPP requer a continuidade das ações definidas pelos sujeitos. Nesse sentido, a gestão da escola desempenha papel essencial, visto que o tempo de execução do projeto ultrapassa o mandato de gestor que, geralmente, ocupa o cargo por apenas dois anos. Isso permite a continuidade de propósito para além da permanência da equipe diretiva, que é responsável por mobilizar e congregar os sujeitos. Construir ações na perspectiva de valorizar a educação como direito requer práticas contínuas, não restritas a uma administração, para que os valores e as concepções sejam compartilhados e incorporados pelos sujeitos na vivência das diversas fases do projeto. Bussmann (1995, p. 43 apudVeiga, 1996VEIGA, I. P. A. Ensino e avaliação: uma relação intrínseca à organização do trabalho pedagógico. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Didática: o ensino e suas relações. 2. ed. Campinas: Papirus , 1996. , p. 14) afirma que,

[...] na organização escolar, que se quer democrática, em que a participação é elemento inerente à consecução dos fins, em que se buscam e se desejam práticas coletivas e individuais baseadas em decisões tomadas e assumidas pelo coletivo escolar, exige-se da equipe diretiva, que é parte desse coletivo, liderança e vontade firme para coordenar, dirigir e comandar o processo decisório como tal e seus desdobramentos de execução.

Os gestores, portanto, desempenham papel fundamental na vivência do projeto, que deve tomar como base dados da realidade escolar, obtidos por meio da avaliação contínua das ações desenvolvidas. A característica democrática da escola requer que esse processo seja feito coletivamente. Nesse sentido, conforme Vasconcellos (2002VASCONCELLOS, C. S. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-pedagógico: elementos metodológicos para elaboração e realização. 10. ed. São Paulo: Libertad, 2002. (Cadernos Pedagógicos do Libertad, v. 1)., p. 62),

a gestão envolve estratégias, onde a comunicação exerce papel fundamental, como ponto de partida para que todos se entendam. Assim é importante ao gestor discutir soluções possíveis e promover negociações, assumir responsabilidades e deixar que os outros também assumam; ser ouvido, mas também ouvir, valorizar os aspectos positivos do grupo, deixando claras as suas intenções para com a escola e zelar pela total transparência de todas as ações.

Assim, não se pode conceber processo de avaliação institucional com modelos de gestão centrados no autoritarismo e em ações descontinuadas e pouco comprometidas com a coletividade. Ao contrário, a implementação do PPP deve ser ação contínua que requer planejamento, execução e avaliação das ações integradas e pautadas em dados da realidade escolar. A avaliação é uma etapa primordial para o conhecimento dessa realidade e para que não se perca o horizonte da educação em DH.

Avaliação do projeto pedagógico

A avaliação do processo e do produto do trabalho permite que os sujeitos identifiquem e superem problemas existentes e que (re)direcionem ações para que não se fuja do planejado. A análise das informações obtidas possibilita a aprendizagem, de modo a evitar a repetição de equívocos.

Nessa perspectiva, a avaliação da instituição tem cunho formativo, apesar de estar para além do controle das ações e da reprodução da realidade, respalda a melhoria desse trabalho. Dessa forma, “[...] avaliar o projeto político-pedagógico da escola possibilita o incremento da qualidade do trabalho escolar, assim como o reforço da participação e da autonomia dos sujeitos [...]” (Garcia; Queiroz, 2009GARCIA, L. T. S.; QUEIROZ, M. A. Embates pedagógicos e organizacionais nas políticas de educação. Natal: Ed. da UFRN, 2009., p. 126). A avaliação se constitui, portanto, em instrumento importante para a gestão escolar, pois proporciona informações fundamentais para a melhoria da qualidade do ensino, buscando, com isso, superar dificuldades e encontrar novos caminhos. Conforme Garcia e Queiroz (2009, p. 126), a

[...] avaliação apoia o desenvolvimento escolar em todas as suas dimensões e abrange todos os sujeitos escolares, contribuindo para o desenvolvimento tanto do educando quanto do educador. Está pautada em um processo de reflexão sobre a aprendizagem, seja dos profissionais da escola na implementação do projeto educativo, seja do professor e do aluno na sala de aula, considerando os objetivos definidos, a situação atual e o progresso grupal ou individual em várias circunstâncias.

Avaliar, dessa forma, é estar aberto aos desafios da realidade e priorizar o envolvimento de toda a comunidade escolar, não tendo como propósito punir culpados nem hierarquizar os sujeitos conforme desempenhos. Esse seria o tipo de avaliação somativa, que prioriza resultados, comparações, medições, classificações e hierarquização das pessoas e de suas ações. Nessa perspectiva, “[...] avaliar reduz-se, então, a verificar se as ações programadas foram realizadas conforme as orientações, constituindo-se em um exercício autoritário de poder” (Garcia; Queiroz, 2009GARCIA, L. T. S.; QUEIROZ, M. A. Embates pedagógicos e organizacionais nas políticas de educação. Natal: Ed. da UFRN, 2009., p. 125).

O PPP deve ser a referência para a avaliação institucional. É ele que proporciona os dados para a atualização das ações, posto que os dados obtidos orientem seu replanejamento. Nesse sentido, Fernandes (2002FERNANDES, M. E. A. Avaliação institucional da escola: base teórica e construção do projeto. 2. ed. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002., p. 58) destaca que

[...] o projeto pedagógico e a avaliação institucional estão intimamente relacionados. A não existência de um desses processos ou a separação deles trará danos para a própria escola. Sem um projeto pedagógico que delimite a intencionalidade da ação educativa e ofereça horizontes para que a escola possa projetar seu futuro, faltará sempre a referência de todo o trabalho e suas concepções básicas. Já a avaliação se coloca como processo balizador, para se perceber e redirecionar o Projeto Pedagógico. Sem ela, esse projeto se perde, pois não sabe até que ponto suas ações surtiram efeito desejado e a que está levando [...].

Sendo assim, há estreita relação entre PPP e avaliação institucional. A não existência de um repercute negativamente na qualidade do trabalho. É necessário acompanhar se a proposta de uma educação em direitos humanos está se consolidando conforme previsto. Isso implica analisar se os valores, atitudes e práticas que expressam essa formação são também os que pautam a relação dos sujeitos no interior das escolas e avaliar quais ações precisam ser reforçadas e quais problemas precisam ser solucionados. Assim, a coleta de dados dessa natureza requer ampla consulta dos sujeitos, visando a melhorar o próprio processo de concretização do projeto. Na medida em que são elaboradas, realizadas e avaliadas as ações, é possível se aproximar do ideal de educação proposto coletivamente, em particular, garantir o direito a uma formação de qualidade para todos. Por isso, é importante

[...] alicerçar o projeto político pedagógico nos princípios, valores e objetivos da educação em direitos humanos que deverão transversalizar o conjunto das ações em que o currículo se materializa. Propõe-se assim que, no currículo escolar, sejam incluídos conteúdos sobre a realidade social, ambiental, política e cultural, dialogando com as problemáticas que estão próximas da realidade desses estudantes. (Brasil. CNE, 2012, p. 14).

O trabalho escolar precisa ser pensado de forma planejada e articulada e isso só é possível com um trabalho norteado por um instrumento construído coletivamente. O PPP é esse instrumento que possibilita a construção de uma formação alicerçada nos princípios da convivência, dos conflitos e da busca por soluções. Assim como uma educação em direitos humanos permite a construção de um PPP participativo e vivenciado, um projeto político-pedagógico que retrate a realidade também pode ser avaliado como um plano pautado pela efetivação dos direitos humanos na escola.

Considerações finais

Efetivar uma educação em direitos humanos no contexto escolar implica assumir essa perspectiva na construção de seu PPP, visto que é pela participação ativa dos sujeitos em sua elaboração, implementação e avaliação que será possível por essa proposta em prática. Nesse projeto, estão definidas as bases do trabalho pedagógico, resultado da participação da comunidade por meio de processos de reflexão acerca da realidade da instituição.

Ao assumir a perspectiva da educação em direitos humanos, a comunidade escolar afirma seu papel. Para tanto, precisa ter claro o referencial de sociedade que pretende construir e o tipo de ensino que deve promover para alcançar esse objetivo. Em função do referencial político orientador da ação comum, é possível definir princípios, objetivos e ações a serem implementados e avaliados para que a comunidade se aproxime do que almeja. A participação plural dos sujeitos nesse processo é condição para a promoção de reflexões e discussões. Além disso, é primordial para que sejam criadas as condições de legitimidade necessárias para que se promova uma educação que articule diversidade, cidadania e direitos humanos.

Isso requer a construção coletiva de uma proposta pedagógica que atenda às exigências da comunidade e que tenha em vista o desenvolvimento de cidadãos capazes de compreender sua realidade e buscar modificá-la. Educar na perspectiva dos direitos humanos, tendo o projeto pedagógico como instrumento fundamental, fortalece as relações pessoais no contexto escolar e favorece a consolidação de uma educação mais humana. Além disso, enriquece o papel da escola enquanto instituição que congrega, ao mesmo tempo, cultura, diversidade, política e direitos humanos

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2016
  • Revisado
    11 Abr 2017
  • Aceito
    19 Jun 2017
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