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A Cades e os exames de suficiência: um olhar para o Norte de Minas Gerais (1950-1960)

Cades and sufficiency tests: a look at the North of Minas Gerais (1950-1960)

Cades y pruebas de suficiencia: una mirada al Norte de Minas Gerais (1950-1960)

Resumo:

Neste artigo, apresentamos reflexões sobre a implantação e o funcionamento da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (Cades) na cidade de Montes Claros, Minas Gerais. O objetivo consiste em compreender as proposições para o ensino secundário e as ações formativas desenvolvidas pela Cades para equacionar problemas educacionais na região Norte mineira. De natureza historiográfica, o estudo constitui-se de pesquisa bibliográfica e documental. O jornal Gazeta do Norte é a principal fonte documental para acesso ao passado e para a reconstituição da memória, sendo complementado pela legislação educacional e por publicações da revista Escola Secundária. Constatou-se que, em sua missão formativa, o jornal visou à consciência reflexiva de seus leitores e conferiu visibilidade a ações de formação de professores secundaristas desenvolvidas pela Cades.

Palavras-chave:
Cades; ensino secundário; história da educação

Abstract:

This article presents reflections on the implementation and the operation of the Campaign for the Improvement and Dissemination of Secondary Education (Cades) in the city of Montes Claros, Minas Gerais. It aims to understand what has been proposed for the secondary education and the formative actions Cades carried out to solve educational problems in Northern Minas Gerais. This historiographic study consisted of bibliographical and documentary research. The newspaper Gazeta do Norte is the main documentary source to access the past and reconstruct memory, being complemented by the educational legislation and reports from the magazine Escola Secundária. Findings show that, in its mission to inform, the newspaper aimed at the reflexive awareness of readers and shed light into formative actions CADES developed with secondary school teachers.

Keywords:
Cades; secondary education; history of education

Resumen:

En este artículo presentamos reflexiones sobre la implementación y funcionamiento de la Campaña de Perfeccionamiento y Difusión de la Educación Secundaria (Cades) en la ciudad de Montes Claros, Minas Gerais. El artículo tiene como objetivo comprender las propuestas para la Educación Secundaria y las acciones formativas desarrolladas por Cades con el objetivo de resolver problemas educativos en la región norte de Minas Gerais. De carácter historiográfico, el estudio consistió en una investigación bibliográfica y documental. El diario Gazeta do Norte es la principal fuente documental para acceder al pasado y reconstituir la memoria, y se complementa con la legislación educativa y las publicaciones de la revista Escola Secundaria. Se constató que, en su misión formativa, el diario apuntó a la conciencia reflexiva de sus lectores y dio visibilidad a las acciones de formación de profesores de la educación secundaria desarrolladas por Cades.

Palabras clave:
Cades; educación secundaria; historia de la educación

Introdução

O ensino secundário se apresenta como espaço de tensões e lutas travadas em torno do seu significado para a juventude e a sociedade brasileira. Atualmente, vivenciamos disputas relativas ao “novo ensino médio”, que começa a ser implementado a partir de 2022. As mudanças foram aprovadas pela Lei nº 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei nº 9.394/1996 - e estabeleceu nova estrutura para o ensino médio, mas não se mostra consensual entre educadores, pesquisadores e estudantes.

O presente estudo se situa no contexto do ensino médio, problematizando-o nas décadas de 1950 e 1960. É importante destacar que, desde a Reforma Francisco Campos, em 1931, instituída pelo Decreto nº 19.890 do recém-criado Ministério da Educação e da Saúde Pública, o ensino médio foi colocado em evidência. Dallabrida (2009DALLABRIDA, N. A reforma Francisco Campos e a modernização nacionalizada do ensino secundário. Educação, Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 185-191, maio/ago. 2009.) considera que a Reforma Francisco Campos modernizou o ensino secundário, por meio de medidas que promoveram organicidade à cultura escolar secundarista. Entre as mudanças, o autor destaca a seriação do currículo e sua estruturação em dois ciclos, com extinção dos exames preparatórios e estabelecimento de detalhado e regular sistema de avaliação, com frequência obrigatória dos alunos às aulas e rompimento de estruturas seculares dessa escolarização (Dallabrida, 2009DALLABRIDA, N. A reforma Francisco Campos e a modernização nacionalizada do ensino secundário. Educação, Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 185-191, maio/ago. 2009.).

Com essa reforma, o currículo do ensino secundário permaneceu enciclopédico, sendo sua duração elevada para sete anos, divididos em dois ciclos: o primeiro, de cinco anos, denominado curso secundário fundamental; e o segundo, de dois anos, chamado de curso complementar. O segundo ciclo foi estruturado em três especialidades, em correspondência aos três grupos de cursos superiores: 1) Direito; 2) Engenharia e Agronomia; e 3) Medicina, Odontologia, Farmácia e Veterinária. Por essa estruturação curricular, que orienta a destinação dos alunos ao ensino superior, o curso complementar “assumia ares de um enciclopedismo especializado” (Nunes, 2000NUNES, C. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 35-60, maio/ago. 2000. , p. 44).

Ainda segundo Nunes (2000NUNES, C. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 35-60, maio/ago. 2000. ), em 1942 ocorreu nova reestruturação, pela Lei Orgânica do Ensino Secundário e pelas leis orgânicas que regularam os ensinos industrial, comercial, agrícola e normal. O segundo ciclo, que na Reforma Francisco Campos foi subdividido em três especialidades, passou a ser constituído por dois cursos - o clássico e o científico -, que não apresentavam especialização do ponto de vista curricular. O ensino secundário assumiu, portanto, características de curso de cultura geral e de cultura humanística, com o mesmo sistema de provas e exames previsto na legislação anterior, mantendo uma seletividade que seria colocada em xeque pela demanda social, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960 (Nunes, 2000NUNES, C. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 35-60, maio/ago. 2000. ).

A Reforma Francisco Campos definiu o modelo de universidade a ser adotado no Brasil (Brasil, 1931BRASIL. Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931. Dispõe sobre a organização do ensino secundário. Diário Oficial, Rio de Janeiro, 18 abr. 1931. p. 6945.) e a Reforma Capanema trouxe a exigência da formação superior para a atuação no ensino secundário (Brasil, 1942BRASIL. Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942. Lei orgânica do ensino secundário. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 10 abr. 1942. Seção 1, p. 5798.), a despeito de poucos professores atenderem a essa determinação. A exigência legal de formação superior foi registrada na Reforma Capanema, ao dispor que as escolas de ensino secundário deveriam compor seu corpo docente, prioritariamente, com educadores formados em cursos superiores voltados para as disciplinas que pretendessem ministrar.

Nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil vivenciou grande crescimento de matrículas no ensino secundário - expansão iniciada desde os anos 1930. Tal expansão ocorreu em condições muitas vezes improvisadas, em que a qualidade se contrapunha ao crescimento quantitativo dos estabelecimentos de ensino e das matrículas. São muitas as tensões e disputas nesse campo e, entre os pontos em discussão, estava a formação de professores.

O expressivo crescimento do ensino secundário culminou com a carência de professores habilitados e demandou o empreendimento de ações emergenciais. Foram, então, criadas alternativas para o preparo técnico de pessoas leigas para o magistério, por meio dos exames de suficiência para obtenção da habilitação.

Os exames de suficiência foram previstos em 22 de janeiro de 1946, com a aprovação do Decreto-Lei nº 8.777, sendo que a Lei nº 2.430, de 19 de fevereiro de 1955, regulamentou sua realização. Nesse decreto-lei, foi definido que o exercício do magistério nos estabelecimentos de ensino secundário, quer oficiais ou particulares sob regime de inspeção federal, seria permitido somente aos professores registrados no Departamento Nacional de Educação. As exigências de formação requeridas para a obtenção desse registro tinham por referência o diploma de licenciado, expedido pela Faculdade Nacional de Filosofia ou por estabelecimento congênere reconhecido (Brasil, 1946BRASIL. Decreto-lei nº 8.777, de 22 de janeiro de 1946. Dispõe sobre o registro definitivo de professores de ensino secundário no Ministério da Educação e Saúde. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 22 jan. 1946. Seção 1, p. 1207.).

O Decreto-Lei nº 8.777/1946 previa o direito de registro em três outras situações. A primeira condição era a aprovação em concurso para professor catedrático, adjunto ou livre docente de estabelecimento de ensino superior ou professor catedrático de estabelecimento de ensino secundário, mantido pela União, pelos estados ou pelo Distrito Federal. O registro ainda poderia ser concedido ao candidato que apresentasse prova do exercício de magistério na Faculdade Nacional de Filosofia ou em estabelecimento a ela equiparado como condição para se obter o registro para a docência no ensino secundário. Por fim, previa a concessão aos candidatos que se submetessem a provas de suficiência para exercerem o magistério em regiões onde não houvesse disponibilidade de professores diplomados por faculdade de Filosofia (Brasil, 1946BRASIL. Decreto-lei nº 8.777, de 22 de janeiro de 1946. Dispõe sobre o registro definitivo de professores de ensino secundário no Ministério da Educação e Saúde. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 22 jan. 1946. Seção 1, p. 1207.).

Por sua vez, a Lei nº 2.430/1955 regulamentou a realização dos exames de suficiência, estabelecendo critérios para composição de bancas examinadoras nos estados, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Nunes (2000NUNES, C. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 35-60, maio/ago. 2000. ) discute as dificuldades das escolas de ensino médio em recrutar professores, o que muitas vezes ocorreu de forma improvisada e precária. Na linha de improvisos debatida pela autora, encontra-se a possibilidade de, em casos especiais, por solicitação do estabelecimento de ensino e apoiado na comprovação da impossibilidade de obter professor já registrado, ser autorizado, pelo prazo máximo de um ano, o exercício por candidatos não titulados que tivessem requerido a realização das provas de suficiência.

É nesse contexto de ampliação de matrículas e carência de professores titulados que, no governo Getúlio Vargas (1951-1954), pelo Decreto nº 34.638, de 17 de novembro de 1953, o MEC institui a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (Cades), no âmbito da Diretoria do Ensino Secundário. Caberia à Campanha promover medidas necessárias à elevação da qualidade e à difusão do ensino secundário para o maior número de jovens brasileiros.

Embora seja possível encontrar estudos sobre a Cades, ela ainda não foi suficientemente discutida, fato que demonstra a relevância de se retomar a temática. Por esse motivo, este artigo preenche lacunas da historiografia regional, trazendo elementos que permitem esclarecer zonas de sombra relativas ao ensino secundário nas décadas de 1950 e 1960. Como recorte temático de pesquisa, focalizamos o processo de implantação e funcionamento dessa Campanha na cidade de Montes Claros, situada no Norte de Minas Gerais. A região Norte mineira foi selecionada como lócus do estudo, visto que, de modo geral, constitui-se como espaço ainda pouco explorado no contexto da história da educação.

O estudo tem como objetivo compreender as proposições para o ensino secundário e as ações formativas desenvolvidas pela Cades, visando equacionar problemas educacionais na região Norte mineira. A pesquisa tem o jornal Gazeta do Norte como principal fonte documental para a reconstituição da memória. É importante destacar que, como parte da sua missão formativa, o jornal visou à consciência reflexiva de seus leitores, sendo tomado como testemunho de uma época.

O jornal Gazeta do Norte é um periódico da cidade de Montes Claros, que circulou entre os anos de 1918 e 1962. Fundado por José Thomaz de Oliveira, advogado e professor de História na Escola Normal Oficial de Montes Claros, apresentou-se como instância educativa e veículo formador de opinião. Em sua missão:

[...] empreendeu campanhas educativas, disseminou ideias e práticas, denunciou problemas, fez circular conteúdos e chamou a família para o debate, visando mudar padrões de comportamento da população e educar os cidadãos montes-clarenses. (Veloso; Nascimento; Amorim, 2016VELOSO, G. M.; NASCIMENTO, R. B.; AMORIM, M. M. T. Práticas disciplinares nas representações de sujeitos da educação em Montes Claros, MG (1910-1930). Educação em Foco, Belo Horizonte, v. 19, n. 29, p. 341-360, set./dez. 2016., p. 345).

Tendo em vista o objetivo do estudo, foram reunidas publicações que abordam o ensino secundário e as ações da Cades em Montes Claros. Os dados foram complementados pela revista Escola Secundária, publicada pela Diretoria do Ensino Secundário do MEC.

Conforme Rosa e Dallabrida (2016ROSA, F. T.; DALLABRIDA, N. Circulação de ideias sobre a renovação do ensino secundário na Revista Escola Secundária (1957-1961). Revista História da Educação, Porto Alegre, v. 20, n. 50, p. 259-274, set./dez. 2016.), quando a referida revista foi lançada, em 1957, Gildásio Amado era o titular da Diretoria do Ensino Secundário, José Carlos de Melo e Souza coordenava a Cades e Luiz Alves de Mattos atuava como seu redator-chefe. Com periodicidade trimestral, a revista publicou 18 números, durante cinco anos, com uma média de 21 artigos por edição. As autoras destacam que a revista Escola Secundária teve a sua primeira publicação no mês de junho de 1957, sendo o último número preparado em 1963, mas publicado posteriormente, sem indicação do ano (Rosa; Dallabrida, 2016)ROSA, F. T.; DALLABRIDA, N. Circulação de ideias sobre a renovação do ensino secundário na Revista Escola Secundária (1957-1961). Revista História da Educação, Porto Alegre, v. 20, n. 50, p. 259-274, set./dez. 2016..

A escolha da revista Escola Secundária como fonte documental deve-se ao fato de ser um periódico especializado, produzido como parte das ações da Cades, com finalidades específicas e direcionadas ao processo de formação de professores para o ensino secundário. As revistas especializadas em educação, conforme Rosa e Dallabrida (2016ROSA, F. T.; DALLABRIDA, N. Circulação de ideias sobre a renovação do ensino secundário na Revista Escola Secundária (1957-1961). Revista História da Educação, Porto Alegre, v. 20, n. 50, p. 259-274, set./dez. 2016.), produzem e fazem circular ideias, “tornando-as espaços de convergências e disputas de diferentes interesses, legitimando os saberes, as práticas e os atores educacionais, assim como circular e estruturar essas ideias em construção” (Rosa; Dallabrida, 2016ROSA, F. T.; DALLABRIDA, N. Circulação de ideias sobre a renovação do ensino secundário na Revista Escola Secundária (1957-1961). Revista História da Educação, Porto Alegre, v. 20, n. 50, p. 259-274, set./dez. 2016., p. 263).

Como instâncias públicas de debate, jornais e revistas se constituíram como arena em que diferentes educadores se pronunciaram sobre o ensino secundário, entre eles o inspetor José Monteiro Fonseca e os professores João Luiz de Almeida, Abgar Renault e Aloys Loock. Tais sujeitos são tomados como referência para as discussões propostas neste artigo, a partir dos quais procuramos responder aos seguintes questionamentos: Que proposições e formulações sobre o ensino secundário foram produzidas pelos educadores montes-clarenses no jornal Gazeta do Norte? Em que medida esses posicionamentos se encontram ou se distanciam das questões mais amplas? De que forma as ações da Cades foram recebidas e desenvolvidas no contexto da cidade de Montes Claros?

Para apresentação dos achados de pesquisa, o artigo se estrutura em quatro seções. Na primeira, contextualizamos o ensino secundário no Brasil, com foco no crescimento de matrícula e na escassez de professores habilitados. Na segunda, caracterizamos a Cades e sua implementação na preparação técnico-pedagógica de professores. Na terceira, apresentamos o cenário do ensino secundário no Norte de Minas, problematizando as dificuldades relacionadas aos processos de formação de docentes. Na quarta seção, discutimos as ações da Seccional da Cades em Montes Claros e a sua contribuição para a formação de professores.

O contexto do ensino secundário no Brasil

Nas décadas de 1950 e 1960, diferentes educadores, como Anísio Teixeira, Jayme Abreu e Lauro de Oliveira Lima, discutiram o ensino secundário que, segundo Nunes (2000NUNES, C. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 35-60, maio/ago. 2000. ), foi considerado um dos problemas cruciais da educação brasileira, e cada educador, a seu modo, lutou pela sua renovação pedagógica.

O Professor Jayme Abreu discutiu a situação dessa modalidade de ensino no Brasil em estudo apresentado no Seminário Interamericano de Educação Secundária, realizado em Santiago do Chile, em janeiro de 1955. Apoiado em dados emitidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o professor analisou a expansão da escola secundária brasileira e os problemas que precisavam ser enfrentados para se construir a qualidade e a democratização dela. Ao examinar o intervalo entre 1933 e 1953, Jayme Abreu destacou o crescimento de matrículas no período, que girava em torno de 490%, um crescimento que se revela ainda mais expressivo ao ser cotejado com o das escolas elementar e superior que, no mesmo período, ampliou-se em percentual bem menor: 90% e 80%, respectivamente (Abreu, 2005ABREU, J. A educação secundária no Brasil: (ensaio de identificação de suas características principais). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.).

Analisando esse período histórico, Nunes (2000NUNES, C. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 35-60, maio/ago. 2000. ) salienta alguns dos fatores que forçaram a ampliação do ensino secundário, entre eles o crescimento demográfico e as exigências de maior escolarização motivadas pelo desenvolvimento da industrialização no Brasil, particularmente sobre a área urbana. Citando estudo do professor Geraldo Bastos Silva, publicado em 1969, a autora ressalta que essa expansão do ensino secundário se deu por dois processos: de um lado, o crescimento horizontal representado pelo aumento do número de estabelecimentos; de outro lado, o significativo crescimento vertical, com uma considerável ampliação de matrículas por estabelecimentos, acarretando, em algumas situações, a superlotação e a criação de novos turnos (Nunes, 2000NUNES, C. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 35-60, maio/ago. 2000. ).

Nesse contexto, “o crescimento da rede e das matrículas provocou o crescimento do corpo docente, que passou a ser recrutado por uma série de processos emergenciais” (Nunes, 2000NUNES, C. O “velho” e “bom” ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 35-60, maio/ago. 2000. , p. 46). Gaertner e Baraldi (2014GAERTNER, R.; BARALDI, I. M. Formação de professores (de Matemática): textos e contextos de uma Campanha. Revista Dynamis, Blumenau, v. 20, n. 1, p. 28-38, 2014.) afirmam que, nas escolas secundárias brasileiras, durante a década de 1940, poucos professores tinham formação de nível superior em faculdades de Filosofia ou escolas politécnicas ou militares. Isso ocorreu porque a oferta de cursos específicos destinados à formação de professores secundários no Brasil aconteceu de maneira tardia - teve início somente em 1934, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo -, e a expansão dessas faculdades não ocorreu na proporção necessária ao atendimento de todo o País.

O Professor Davi P. Aarão Reis, no âmbito da revista Escola Secundária, também discutiu a expansão não planejada do ensino secundário, afirmando a grande procura por essa modalidade e a proliferação dessas instituições que, muitas vezes, deu-se de forma improvisada, para atender aos anseios de uma população estudantil que já ultrapassava centenas de milhares. O extraordinário crescimento da rede escolar oficial nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul não correspondeu à classe profissional de professores habilitados para ministrar o ensino (Reis, 1960REIS, D. P. A. Os cursos da C.A.D.E.S. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 12-14, jun. 1960. ). Nesse contexto, o professor questiona:

Grandes massas escolares, grande desenvolvimento da rêde escolar para atendê-las, mas, quais os “quadros” docentes, onde buscar, de súbito, o professorado capaz de atender às mais altas finalidades de uma educação de grau médio? (Reis, 1960REIS, D. P. A. Os cursos da C.A.D.E.S. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 12-14, jun. 1960. , p. 12, grifo do autor).

Na avaliação de Reis (1960REIS, D. P. A. Os cursos da C.A.D.E.S. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 12-14, jun. 1960. ), os poucos professores autodidatas existentes não bastariam. Essa insuficiência não era apenas numérica - uma vez que novas concepções de educação estavam em curso e não conviria recrutar professores entre egressos de outras profissões, em nome de uma afinidade. O autor indaga: “um engenheiro, por seu título e por sua preparação profissional específica, estaria apto ao professorado secundário no ensino da Matemática? ” (Reis, 1960REIS, D. P. A. Os cursos da C.A.D.E.S. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 12-14, jun. 1960. , p. 13).

Na revista Escola Secundária, o Professor Davi P. Aarão Reis destacou a relevância da primeira faculdade de Filosofia e a posterior expansão dessas faculdades destinadas à formação de professores. No entanto, o crescimento das faculdades de Filosofia não ocorreu em proporção suficiente para atender a demanda. O professor apontou que os jovens formados por essas instituições, geralmente localizadas nas capitais, não se dispunham a iniciar carreira profissional em pequenas comunidades ou cidades do interior, além do desestímulo gerado pelos baixos salários atribuídos a eles (Reis, 1960REIS, D. P. A. Os cursos da C.A.D.E.S. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 12-14, jun. 1960. ).

Pinto (2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178., p. 3) discutiu a questão e lembrou que “o ensino superior era incipiente: em 1952, havia apenas 514 unidades com 56.049 matrículas”. O número de faculdades de Filosofia não atendia as necessidades e a sua localização nas capitais e grandes cidades dificultava a frequência de professores do interior e das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Assim, profissionais liberais (advogados, farmacêuticos, médicos, engenheiros), padres e normalistas constituíam o corpo docente do ensino secundário.

Gaertner e Baraldi (2014GAERTNER, R.; BARALDI, I. M. Formação de professores (de Matemática): textos e contextos de uma Campanha. Revista Dynamis, Blumenau, v. 20, n. 1, p. 28-38, 2014.) concordam com as análises de Reis (1960REIS, D. P. A. Os cursos da C.A.D.E.S. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 12-14, jun. 1960. ) e Abreu (2005ABREU, J. A educação secundária no Brasil: (ensaio de identificação de suas características principais). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.), destacando que, em relação a esse crescimento de matrículas, faltou o correspondente crescimento qualitativo, sendo o ponto mais crítico a precária formação dos professores. Nesse contexto, nasceu a Cades, que visou contribuir com a formação dos professores para as escolas secundárias, sem atentar contra as faculdades de Filosofia ou tirar as oportunidades dos profissionais nelas licenciados.

Em Montes Claros, não foi diferente. Havia uma tensão e, em certa medida, uma pressão da sociedade para que os professores secundaristas sem certificação ampliassem sua formação. O ensino secundário havia se expandido e as classes médias pressionavam para o ingresso no ensino superior (Almeida; Gomes, 2017ALMEIDA, S. P. N. C.; GOMES, M. L. M. O processo de formação de professores no curso de matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Montes Claros/MG (1968-1978). História da Educação, Santa Maria, RS, v. 21, n. 53, p. 284-306, set./dez. 2017.).

Sobre a implantação e as características da Cades

Como explicitado na seção anterior, o MEC instituiu a Cades pelo Decreto nº 34.638, de 17 de novembro de 1953, em um contexto de escassez de professores habilitados, que não correspondia ao crescimento de matrículas no ensino secundário.

Pelo decreto, a Cades visava tornar a educação secundária mais ajustada aos interesses e às possibilidades dos estudantes, bem como às reais condições e necessidades do meio social, conferindo ao ensino secundário maior eficácia e sentido social. Para a consecução dos ambiciosos objetivos previstos, a Cades se propôs a realizar uma série de ações, como cursos e estágios de especialização e aperfeiçoamento para professores, técnicos e administradores de estabelecimentos de ensino secundário, bem como a executar exames de suficiência, de forma que os professores aprovados pudessem obter o registro para o exercício do magistério, junto ao Departamento Nacional de Educação (Brasil, 1953BRASIL. Decreto nº 34.638, de 17 de novembro de 1953. Institui a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 17 nov. 1953. Seção 1, p. 19912.).

Conforme Pinto (2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178.), a Cades iniciou suas ações em 1953, no governo de Getúlio Vargas, e funcionou até 1970. Concordando parcialmente com Masson (1993MASSON, M. A. C. A Cades e a qualificação do magistério: notas para compreensão sociológica de uma campanha educacional no Brasil dos 50/60. [Rio de Janeiro: UFRJ], 1993. Arquivos Cades, UFRJ/Proedes. ), que identificou quatro momentos da história da Cades, Pinto (2008)PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178. apresenta uma periodização alternativa, que revela sua discordância em relação a alguns pontos. Assim, a autora sugere as seguintes etapas: 1) do anúncio à implantação; 2) consolidação e expansão; 3) renovação administrativo-pedagógica; e 4) declínio e desaparecimento.

Em sua primeira fase - “do anúncio à implantação” (1953-1956) -, a Cades foi instituída pela Diretoria do Ensino Secundário, na gestão de Armando Hildebrand que, já em seu discurso de posse, em 1953, evidenciou sua proposta de modernização do ensino secundário, a fim de adequá-lo às novas exigências do mundo social. Nesse contexto, a Cades se apresentou como campanha que deveria impulsionar o desenvolvimento e a melhoria do ensino secundário. Nessa primeira fase, o presidente Café Filho regulamentou a realização dos exames de suficiência para o exercício do magistério nos cursos secundários, em regiões onde não houvesse professores licenciados por faculdade de Filosofia, também estabelecendo que o Departamento Nacional de Educação e a Diretoria do Ensino Secundário, sempre que possível, realizassem cursos intensivos com a finalidade supletiva de orientação de candidatos (Pinto, 2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178.).

Na segunda fase - “consolidação e expansão” (1956-1963) -, com a mudança da Presidência da República, Juscelino Kubitschek nomeou Gildásio Amado para a Diretoria do Ensino Secundário que, em seu discurso de posse, criticou o desajuste entre a estrutura do ensino e a realidade social, propondo uma linha de ação caracterizada pela descentralização e pela assistência técnico-pedagógica. Para viabilizar a modernização do ensino secundário, Gildásio dispôs de dois instrumentos herdados de seu antecessor: as inspetorias seccionais de ensino e a Cades. Em sua gestão, foram ampliadas e difundidas as ações da Campanha para todas as regiões do País, com oferta de cursos de orientação para exames de suficiência (Pinto, 2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178.).

A terceira fase - “renovação administrativo-pedagógica” (1963-1964) - caracterizou-se pela efervescência ideológica, política, socioeconômica, cultural e educacional, em que emergiu o movimento de difusão da cultura popular. No setor educacional, registraram-se dois fatos importantes: 1) a aprovação da LDB (Lei nº 4.024/1961), em que o pano de fundo foi o embate ideológico entre os defensores da escola pública e os da escola privada; e 2) a divulgação do método Paulo Freire de alfabetização, que recebeu apoio de grupos ideologicamente diversos, como entidades estudantis, governos estaduais e municipais, organizações estatais, entidades religiosas e do governo federal, que o encampou, criando o Plano Nacional de Alfabetização, em 1963 (Pinto, 2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178.).

Nessa época, Lauro de Oliveira Lima foi nomeado diretor do ensino secundário, a quem se deve a introdução da Teoria Psicogenética, de Jean Piaget, no Brasil, bem como a articulação dessa teoria à Didática. O curso da Cades, realizado em janeiro de 1964 em todas as inspetorias seccionais do País, teve como instrumento de trabalho as suas formulações. Com o golpe militar, Lauro de Oliveira Lima, aliado às correntes de esquerda, foi afastado da Diretoria do Ensino Secundário e dos quadros do MEC como inspetor federal de ensino, sendo interrompido o curto período de renovação da Cades (Pinto, 2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178.).

Na quarta fase - “declínio e desaparecimento” (1964-1970) -, com os militares no poder, Gildásio Amado retornou à direção do ensino secundário, em uma gestão que não se compara à anterior.

Das atividades desenvolvidas, apenas os cursos de orientação para exames de suficiência ainda foram oferecidos nos anos de 1965, 1966, 1967 e 1969. Essa desmobilização pode ser interpretada como uma intenção de esvaziar a Cades para, depois, extingui-la. (Pinto, 2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178., p. 163)

Entre as ações da Cades, em sua segunda fase - consolidação e expansão -, está a criação da revista Escola Secundária. Em editorial, em 1959, foi retomada a sua primeira publicação, de junho de 1957, para apontar a situação de marasmo e frustração em que se encontrava a escola secundária brasileira:

Há muito nela que criticar, tanto em sua estrutura jurídica e administrativa, como em sua organização curricular e seu funcionamento prático; exigências bizantinas, formalismo burocrático, currículo rígido, programas excessivamente teóricos e abstratos, carência de equipamentos e de recursos áudio-visuais, métodos antiquados e rotineiros, falta de espaço e de tempo para atividades extraclasse, processos arbitrários de aferição de resultados. (Escola Secundária, 1959ESCOLA SECUNDÁRIA. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, n. 10, set. 1959., p. 3)

O editorial destacou as ações do MEC que promoviam uma nova consciência profissional do professorado e incentivavam melhorias técnicas e administrativas. Para isso, grandes eram as contribuições da Cades, por meio de intensivos cursos de aperfeiçoamento e encontros de mestres em todo o País, classes experimentais, campanha por formação de orientadores educacionais, incentivo de atividades extraclasse e orientações aos professores (Escola Secundária, 1959ESCOLA SECUNDÁRIA. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, n. 10, set. 1959.).

Em 1960, época em que esteve à frente da Diretoria do Ensino Secundário, Lauro de Oliveira Lima se posicionou sobre a Cades, enaltecendo seu valor e sua contribuição para a educação: “A criação da C.A.D.E.S (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário) foi o divisor das águas entre o que existia então e o que é hoje o ensino secundário brasileiro” (Lima, 1960LIMA, L. O. Uma nova forma de atuação regional do Ministério da Educação. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 5-11, jun. 1960. , p. 6). No entanto, segundo Lima (1960)LIMA, L. O. Uma nova forma de atuação regional do Ministério da Educação. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 5-11, jun. 1960. , quando da sua criação, a Cades não tinha uma filosofia ou política administrativa e educacional, dado que havia se originado por inspiração do momento, visando atender as urgências e os problemas prementes do ensino secundário.

O Professor Lauro de Oliveira Lima destacou que os cursos da Cades visavam preparar tecnicamente os professores - eram realizados em formato intensivo, durante um mês, com carga horária de 8 a 10 horas de atividades diárias, que correspondiam ao que era ofertado pelas faculdades de Filosofia, com a vantagem de serem mais concentrados e os objetivos serem claros e imediatos. Pelo sistema de acompanhamento da Cades, o professor se submetia ao exame após ter participado de dois, três ou mais cursos. Ainda segundo o Professor Lauro de Oliveira Lima, o êxito da Cades foi tão grande que os cursos, inicialmente com a finalidade supletiva, passaram a assumir a função de aperfeiçoamento (Lima, 1960LIMA, L. O. Uma nova forma de atuação regional do Ministério da Educação. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 5-11, jun. 1960. ).

O cenário do ensino secundário no Norte de Minas Gerais

Nas décadas de 1950 e 1960, o ensino secundário integrou as discussões realizadas em Montes Claros, no âmbito do jornal Gazeta do Norte. Montes Claros é uma cidade situada no Norte de Minas Gerais, considerada polo regional que atrai pessoas de uma grande região em busca de melhores condições de vida, sendo a educação um bem cultural em pauta nos interesses daqueles que migram para o município. O jornal Gazeta do Norte foi um periódico local, que visou à formação da opinião pública, por meio da publicação de matérias produzidas por professores e profissionais da educação. Tais publicações abordavam problemas que afetavam o ensino médio no âmbito local e regional, trazendo para a cena questões em debate em Minas Gerais e no Brasil.

Em 29 de agosto de 1954, Utheysis Athayde discutiu os problemas educacionais brasileiros, destacando a formação dos professores e as condições de trabalho. “É medida básica e complexa formação e aperfeiçoamento das professoras. É necessário que sejam bem remuneradas para se manterem devidamente. É imprescindível a intervenção incentivadora” (Athayde, 1954ATHAYDE, U. Estudar no Brasil? Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2237, 29 ago. 1954. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Em 1955, Abgar Renault problematizou as exigências legais para a docência, tecendo críticas ao fato de que, há cerca de 20 anos - na década de 1930 -, o exercício do magistério secundário dependia exclusivamente de um registro do Departamento Nacional de Ensino, que não se constituía como prova de capacidade do candidato. Inicialmente, o candidato a professor poderia se inscrever para lecionar todas as disciplinas do curso, mas “essa latitude enciclopédica de conhecimentos foi, depois, reduzida a quatro disciplinas correlatas” (Renault, 1955RENAULT, A. A crise do ensino III. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2264, 17 fev. 1955. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Ao discutir o registro de professores, Abgar Renault, provavelmente, referia-se ao Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do ensino secundário. O decreto instituiu o registro de professores para o ensino secundário, em instituições oficiais, equiparados ou sob inspeção preliminar. O registro era concedido pelo Departamento Nacional do Ensino, a título provisório, mediante os seguintes documentos: a) prova de identidade; b) prova de idoneidade moral; c) certidão de idade; d) certidão de aprovação em instituto oficial de ensino secundário ou superior, do País ou estrangeiro, nas disciplinas em que pretendam inscrição; e) quaisquer títulos ou diplomas científicos que possuam, bem como exemplares de trabalhos publicados; e f) prova de exercício regular no magistério, por pelo menos dois anos. O decreto previa que o documento a que se refere a letra “d” poderia ser substituído por qualquer título idôneo, a juízo de uma comissão nomeada pelo Ministro da Educação e Saúde Pública.

O Professor Abgar Renault lembra que, posteriormente, em 1934, surgiram as faculdades de Filosofia e, em 1946, na gestão do Ministro Gustavo Capanema no MEC, houve a regulamentação da aplicação de exames de suficiência para suprir a demanda de professores em determinadas localidades não atendidas pelos cursos de formação em nível superior (Renault, 1955RENAULT, A. A crise do ensino III. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2264, 17 fev. 1955. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Em 1955, José Monteiro Fonseca também destacou o problema da formação de professores, que, em sua concepção, carecia de métodos de ensino e de conhecimentos, além da falta de habilitação formal prevista.

Na realidade se existe, de um lado, a preocupação de bons métodos, notam-se, por outro lado, graves defeitos na sua exposição e desenvolvimento. O nosso corpo docente, tanto primário como secundário em via de regra não está à altura da grande tarefa que lhe cabe. Há certamente graças a Deus numerosas exceções e por isso esperamos que não advenham os costumeiros pruridos às pessoas susceptíveis e que são justamente as que ajustam as carapuças às suas cabeças, pois falamos em tése. Mas, seria querer encobrir o sol com a peneira se negassemos a realidade presente aqui no interior nas escolas municipais e até em alguns grupos escolares não é muito raro encontrarem professoras apenas com o curso primário... (Fonseca, 1955FONSECA, J. M. Problemas educacionais: reeducação do povo: senso de responsabilidade. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2255, 9 jan. 1955. Acervo do CPDOR/Unimontes.)

Ao discutir a atuação desses professores sem formação escolar e habilitação para o magistério, o inspetor salientou o esforço e o empenho desses profissionais, mas deixou clara a insuficiência dessa abnegação e a improvisação a que estavam sujeitas as escolas secundárias.

Muitas vezes êsses mestres ou mestras são pessoas esforçadíssimas, algumas até abnegadas, mas sem os conhecimentos indispensáveis a uma sofrível desincumbência da missão a êles confiada. Nos ginásios, na falta de professores habilitados pelas Faculdades de Filosofia ou por registros do M.E.C, há uma infinidade de professores improvisados. Alguns satisfazem plenamente, outros, porém, causam um terrível mal ao ensino e ao Estado (Fonseca, 1955FONSECA, J. M. Problemas educacionais: reeducação do povo: senso de responsabilidade. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2255, 9 jan. 1955. Acervo do CPDOR/Unimontes.)

Nesse quadro de dificuldades, a cidade de Montes Claros requeria ações do MEC, dado que não possuía uma faculdade de Filosofia e os cursos preparatórios para os exames de suficiência eram realizados nas capitais dos estados. Em 1955, o Professor João Luiz de Almeida destacou que os estabelecimentos de ensino de Montes Claros haviam recebido convite para encaminhar professores para cursos de férias na capital, Belo Horizonte. O Professor João Luiz de Almeida elogiou a iniciativa, mas teceu críticas à proposta, ao apontar dois problemas que dificultavam a efetiva participação dos interessados. De um lado, os cursos eram destinados, exclusivamente, a profissionais já registrados no Departamento do Ensino ou habilitados nos exames de suficiência. De outro lado, as despesas com transporte e estadia ficavam por conta dos candidatos ou dos estabelecimentos de ensino. Para ele, o convite se constituía como “verdadeira oferta de quem não quer dar coisa alguma, além de ser altamente falha” (Almeida, 1955ALMEIDA, J. L. Pelo ensino [coluna]. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2254, 1 jan. 1955. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

O Professor João Luiz de Almeida ainda questionou: “Como se concebe deslocar o professor em semelhantes condições? Por que excluir, justamente, o professor não possuidor dos títulos referidos, quando logicamente este é o que mais precisa da moderna orientação? ” (Almeida, 1955ALMEIDA, J. L. Pelo ensino [coluna]. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2254, 1 jan. 1955. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Em janeiro de 1956, a temática foi retomada no jornal Gazeta do Norte, mas, nesse momento, os ânimos eram outros, visto que a Cades passou a ofertar cursos de suficiência em Montes Claros, com suporte da Inspetoria Seccional de Belo Horizonte. Nesse contexto, a matéria do Professor Aloys Loock abordou a realização dos cursos preparatórios em Montes Claros e sinalizou para a renovação do ensino como importante componente do progresso e do desenvolvimento do País (Loock, 1956LOOCK, A. O ensino secundário no Brasil: componente dos professores do Curso Preparatório para o Exame de Suficiência realizado nesta cidade. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2345, 15 jan. 1956. Acervo do CPDOR/Unimontes.). Nas palavras dele:

Componente dos professores do curso preparatório para o exame de suficiência realizado nesta cidade estão a exigir uma constante revisão dos métodos e processos, currículos e programas escolares, a fim de adaptar e adequar o sistema educacional ao surto vertiginoso de progresso técnico, científico e industrial que ora enfrentamos, mola propulsora dos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais. (Loock, 1956LOOCK, A. O ensino secundário no Brasil: componente dos professores do Curso Preparatório para o Exame de Suficiência realizado nesta cidade. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 36, n. 2345, 15 jan. 1956. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Vale lembrar que, em 1960, registramos a promessa de instalação de uma seccional em Montes Claros, que ocorreu no período que Pinto (2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178.) caracteriza como a segunda fase da Cades, que compreende a “consolidação e expansão” (1956-1963) da Campanha.

De acordo com Pinto (2003PINTO, D. C. Cades e sua presença em Minas Gerais. In: CONGRESSO DE PESQUISA E ENSINO EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS, 2., 2003, Uberlândia. Anais... Uberlândia: UFU, 2003. p. 752-762.), por meio da Portaria Ministerial nº 134, de 25 de fevereiro de 1954, foram criadas inspetorias seccionais do ensino secundário a serem instaladas em capitais e/ou em cidades, conforme sua posição geográfica estratégica, e que comporiam, em conjunto com outros municípios, a área de atuação e abrangência da inspeção. Em Minas Gerais, foram instaladas seis inspetorias: inicialmente, na capital Belo Horizonte, nas cidades de Juiz de Fora, Guaxupé, Três Corações, Uberaba e, alguns anos depois, em Montes Claros.

Em matéria do Gazeta do Norte, em 1960, foi destacada a promessa de instalação da inspetoria seccional em Montes Claros. Considerada uma notícia “verdadeiramente alvissareira”, o jornal se manifesta nas seguintes palavras: “Confia-se na promessa do Ministro Clovis Salgado da instalação, ainda êste ano, da Inspetoria Seccional de Montes Claros, órgão que virá servir com mais eficiência a vasta região do Norte de Minas” (Gazeta do Norte, 1960aGAZETA DO NORTE. Montes Claros: [s.n.] , ano 42, n. 2764, jul. 1960a. Acervo do CPDOR/Unimontes.). O jornal afirma a importância do inspetor José Monteiro Fonseca para essa conquista e lhe envia “cumprimentos pela brilhante vitória alcançada”. Por fim, declara “[...] que a vinda de uma Seccional para Montes Claros se deve exclusivamente ao esfôrço e dedicação, jamais arrefecidos, do ilustre e culto educador que tôda essa região admira e estima” (Curso..., 1960CURSO de suficiência: instala-se hoje, as 10,30 horas, o curso de orientação para exame de suficiência: magnífico trabalho desenvolvido pelo prof. Jose Monteiro Fonseca, inspetor itinerante e coordenador do curso: seccional para Montes Claros. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 41, n. 2763, 30 jun. 1960. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

A seccional da Cades em Montes Claros e a formação de professores

Na segunda fase da Cades, que Pinto (2008PINTO, D. C. Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário: uma trajetória bem-sucedida? In: MENDONÇA, A. W.; XAVIER, L. N. (Org.). Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960. Brasília, DF: Inep, 2008. (Coleção Inep 70 Anos). p. 145-178.) compreende como momento de “consolidação e expansão” (1956-1963), a cidade de Montes Claros experimentou as consequências da descentralização empreendida pela Diretoria do Ensino Secundário. O jornal Gazeta do Norte, como porta-voz da comunidade local, fez ampla divulgação dos cursos preparatórios realizados no município. Além da participação dos inspetores federais e professores representantes do MEC, os cursos contavam com a colaboração de autoridades políticas locais e da Igreja Católica.

A localização do curso em Montes Claros só foi possível em face dos esforços do ilustre Inspetor Seccional, do Inspetor Itinerante, respectivamente, Dr. Mauro Ferreira da Silva e José Monteiro Fonseca, assim como do nosso iminente bispo diocesano D. Jose Alves Trindade, da veneranda Irmã Canuto, diretora do Colégio Imaculada Conceição, do Deputado Plinio Ribeiro dos Santos. (Curso..., 1957CURSO para exame de suficiência terá início na próxima segunda, às 7,3 horas. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 38, n. 2437, 6 jan. 1957. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Uma chave explicativa para a presença da Igreja na realização dos cursos pode estar relacionada ao fato de a oferta do ensino secundário em Montes Claros se processar, também, em escolas católicas. Entre essas escolas, encontra-se o Colégio Imaculada Conceição, que iniciou suas atividades com o curso primário em 1909, bem como o Colégio Marista São José, que iniciou suas atividades em 1957.

Essa realidade local reflete o contexto mais amplo de oferta e financiamento dessa modalidade de ensino. Estudo realizado pelo Professor Jayme Abreu, publicado em 1955 com base em dados emitidos pela Capes, indicou que o financiamento da escola secundária era majoritariamente privado. Entre as entidades mantenedoras dos estabelecimentos, apenas 435 eram públicas e 1.336 particulares, sendo que 143.465 alunos (26,8% do total) estavam matriculados nas instituições públicas (Abreu, 2005ABREU, J. A educação secundária no Brasil: (ensaio de identificação de suas características principais). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.).

Dallabrida (2009DALLABRIDA, N. A reforma Francisco Campos e a modernização nacionalizada do ensino secundário. Educação, Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 185-191, maio/ago. 2009.) considera que esse predomínio privatista do ensino secundário no Brasil tem suas raízes com a Proclamação da República, em 1890. No início do período republicano, os estados brasileiros reformaram o ensino primário, sendo pequena a intervenção no ensino secundário. Nesse contexto, essa etapa da escolarização passou a ser dominada pelas redes privadas, especialmente a Igreja Católica, sendo que, no início dos anos 1930, elas eram majoritárias no território nacional.

Montes Claros se alinhou a essa realidade nacional e contou com o ensino secundário ofertado por escolas privadas e ligadas à Igreja Católica, que também participava ativamente dos processos de formação de professores. Dada a importância dos cursos da Cades, o jornal Gazeta do Norte conferiu visibilidade à sua realização em períodos de férias escolares.

Assim, no dia 1º de janeiro de 1957, o jornal informou que o curso preparatório seria supervisionado pela Inspetoria Seccional de Belo Horizonte e compreenderia as disciplinas de Português, Matemática, Francês, História Geral e História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil, com aplicação de exames para todas as matérias do primeiro e do segundo ciclos (Curso..., 1957CURSO para exame de suficiência terá início na próxima segunda, às 7,3 horas. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 38, n. 2437, 6 jan. 1957. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

No dia 27 de janeiro de 1957, o jornal esclareceu sobre a abrangência da formação e preparação para os exames, “com a frequência de quase 200 professores e alunos vindos das mais diversas regiões do estado” de Minas Gerais. Ainda nos processos de organização, o jornal comunicou que, paralelamente ao conteúdo das disciplinas, estava sendo ministrada Didática Geral. Por fim, a matéria destacou que os professores poderiam “obter o seu registro definitivo na Diretoria de Ensino Secundário”, além da oportunidade “de levarem aos seus discípulos os mais modernos métodos de Didática e a nova evolução ocorrida nos processos educacionais formadores da juventude brasileira” (Gazeta do Norte, 1957GAZETA DO NORTE. Montes Claros: [s.n.], ano 38, n. 2443, 27 jan. 1957. Acervo do CPDOR/Unimontes. ).

No dia 28 de fevereiro de 1957, o jornal conferiu visibilidade para a ampliação dos professores autorizados a assumir a docência na região Norte mineira. Isso porque, em consequência dos cursos preparatórios, foram autorizados a lecionar os participantes aprovados nos exames de suficiência, além daqueles que assistiram às aulas com boa frequência e aproveitamento. “Assim, os estabelecimentos de ensino secundário entrarão agora com mais professores para o Magistério, atendendo as exigências legais e, com maior soma de conhecimentos pedagógicos” (Mais..., 1957MAIS professores! Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 38, n. 2452, 28 fev. 1957. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Em agosto de 1959, o jornal divulgou o “Encontro de Professores”, destacando o curso de Português, a ser realizado pela Cades nos dias 19 e 20 de agosto, destinado a professores sem registro, com pretensões futuras de lecionar a disciplina e que estivessem inscritos para o exame de suficiência (Encontro..., 1959ENCONTRO de professores. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 41, n. 2681, 16 ago. 1959. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Na oferta dos cursos em Montes Claros, havia a participação de professores e inspetores de outras seccionais - Belo Horizonte, São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. As aulas se organizavam em torno de “Didática Geral, Didática Especial e Conteúdo” (Curso..., 1960CURSO de suficiência: instala-se hoje, as 10,30 horas, o curso de orientação para exame de suficiência: magnífico trabalho desenvolvido pelo prof. Jose Monteiro Fonseca, inspetor itinerante e coordenador do curso: seccional para Montes Claros. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 41, n. 2763, 30 jun. 1960. Acervo do CPDOR/Unimontes.). Para ampliação dos saberes curriculares e pedagógicos, os cursos desenvolviam atividades culturais. “Além das aulas, os participantes do curso também cumprirão um programa social recreativo, denominado ‘Hora da sociabilidade’, além de passeios aos lugares pitorescos da cidade de Montes Claros e das comunidades vizinhas” (Gazeta do Norte, 1960aGAZETA DO NORTE. Montes Claros: [s.n.] , ano 42, n. 2764, jul. 1960a. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Para além da visibilidade às ações da Cades, o jornal avaliou estas realizações: as atividades dos cursos “vem alcançando amplamente os seus objetivos” (Gazeta do Norte, 1957GAZETA DO NORTE. Montes Claros: [s.n.], ano 38, n. 2443, 27 jan. 1957. Acervo do CPDOR/Unimontes. ) e “nota-se que o curso vem correspondendo plenamente a expectativa” (Gazeta do Norte, 1960aGAZETA DO NORTE. Montes Claros: [s.n.] , ano 42, n. 2764, jul. 1960a. Acervo do CPDOR/Unimontes.). Ainda em 1960, o jornal se pronunciou sobre os cursos da Cades, elogiando e avaliando os processos formativos:

Podemos, a esta altura, afirmar com o máximo de segurança, que o Curso de Suficiência em Montes Claros, será coroado de pleno êxito, tendo em vista o entusiasmo contagiante que reina entre todos os que nêle se inscreveram, como a exuberante inteligência e capacidade dos mestres que o ministram. (Gazeta do Norte, 1960bGAZETA DO NORTE. Montes Claros: [s.n.] , ano 42, n. 2768, jul. 1960b. Acervo do CPDOR/Unimontes.)

Em 22 de janeiro de 1960, os processos formativos da Cades foram novamente avaliados no jornal Gazeta do Norte. Dessa vez, quem emitiu a avaliação foi o Cônego Geraldo, que participava das atividades na condição de aluno e teceu comentários positivos sobre o curso, os professores e as aprendizagens. A matéria também trouxe um olhar acerca das tensões iniciais, das mudanças nas percepções e da relevância dos processos para a atuação docente:

A princípio, notava eu um ambiente de terror; agora, porém, já substituído por outro de esperança e segurança. [...] Por certo, pensam alguns, alheios a nosso curso seja ele uma exigência exagerada do Governo; pelo contrário é uma exigência benéfica. O governo propõe-se a formar um corpo de professores exemplar e que esteja sob sua fiscalização. Por isso, promove êsses cursos intensivos, visando principalmente o aperfeiçoamento didático e cultural dos professôres e secundarizando a realização dos exames de suficiência para efeitos de fiscalização e seleção. [...] Os estudos estão sendo feitos com a máxima pontualidade, e é de notar o interêsse geral das classes em aprofundar conhecimentos e ajudar-se nas próprias experiências de magistério dos princípios aprendidos no curso. Já estou a ver eu novas gerações de alunos preparados com o maior esmêro e elevar o nível cultural da nossa região. (Geraldo, Cônego, 1960GERALDO, Cônego. Curso de suficiência. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 37, n. 2347, 22 jan. 1960.).

Por aprovar as ações da Cades em Montes Claros, em 1960, o jornal Gazeta do Norte, novamente, discutiu a temática e explicou as finalidades e a importância da Campanha: “A Cades, sigla da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, pode ser considerado o maior empreendimento do Ministério da Educação, em face de sua objetividade” (Curso..., 1960CURSO de suficiência: instala-se hoje, as 10,30 horas, o curso de orientação para exame de suficiência: magnífico trabalho desenvolvido pelo prof. Jose Monteiro Fonseca, inspetor itinerante e coordenador do curso: seccional para Montes Claros. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 41, n. 2763, 30 jun. 1960. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

O jornal explicitou as mudanças que se operavam no MEC por meio da Cades, que passava a assumir uma função de orientação da educação, não se limitando apenas a estabelecer normas e critérios para seu funcionamento.

Na realidade, a orientação imprimida pelo prof. Mello e Souza [diretor da Cades], possibilita-nos afirmar que o Ministério da Educação e Cultura está dando um sentido mais educacional, através da constante assistência, aos docentes e discentes. Ao mesmo tempo, em tôdas aquelas atividades observa-se uma indubitável preocupação em tornar o ensino mais atualizado, consoante as atuais normas da didática, afastando-se cada vez mais do tradicionalismo que, até há pouco tempo, embaçava o trabalho educacional. (Curso..., 1960CURSO de suficiência: instala-se hoje, as 10,30 horas, o curso de orientação para exame de suficiência: magnífico trabalho desenvolvido pelo prof. Jose Monteiro Fonseca, inspetor itinerante e coordenador do curso: seccional para Montes Claros. Gazeta do Norte, Montes Claros, ano 41, n. 2763, 30 jun. 1960. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Interessante perceber que essa publicação do jornal ocorreu em junho de 1960 e que, nesse mês, no âmbito da revista Escola Secundária, o Professor Lauro de Oliveira Lima se posicionou de forma semelhante, ao dizer que a Cades havia se constituído como uma primeira janela para a atuação do MEC no País (Lima, 1960LIMA, L. O. Uma nova forma de atuação regional do Ministério da Educação. Escola Secundária, Rio de Janeiro, n. 13, p. 5-11, jun. 1960. ).

O jornal Gazeta do Norte ainda destacou a série de ações educacionais que vinham sendo realizadas em Montes Claros e que se alinhavam ao sentido que o MEC assumia:

Hoje confiada à esclarecida orientação do prof. Jose Carlos de Melo e Souza, as atividades da CADES se desenvolvem em todos os setores do ensino secundário, tais como: promovendo a realização de cursos de orientação para exames de suficiência; aproximando pais de alunos e mestres, no interêsse de ambos; realizando jornadas pedagógicas, nas quais os educadores debatem entre si os problemas relacionados com o ensino e educação; realizando cursos de aperfeiçoamento para professores já registrados, etc. (Gazeta do Norte, 1960aGAZETA DO NORTE. Montes Claros: [s.n.] , ano 42, n. 2764, jul. 1960a. Acervo do CPDOR/Unimontes.).

Percebemos nas matérias do jornal Gazeta do Norte o quanto a Cades contribuiu para o desenvolvimento do ensino secundário em Montes Claros, por meio das ações voltadas para a formação de professores e a sua habilitação formal para o magistério.

Considerações finais

Como porta-voz da região Norte mineira, o jornal Gazeta do Norte conferiu visibilidade para os problemas do ensino secundário, denunciando a ausência de ações do MEC. Os educadores demonstravam preocupação com as condições de trabalho, com a formação teórica e prática dos professores do ensino secundário e com a ausência de políticas educacionais específicas para reduzir o problema.

Os posicionamentos do jornal nos permitem afirmar que, a partir da descentralização e expansão da Diretoria do Ensino Secundário, a Cades assumiu papel muito importante na região Norte mineira, desenvolvendo ações de formação de professores, cujos cursos se destinavam aos profissionais que atuavam ou desejavam atuar no primeiro e no segundo ciclos, atendendo as demandas dessa região.

Os cursos preparatórios da Cades eram realizados com o suporte da Inspetoria Seccional de Belo Horizonte e a efetiva participação do inspetor José Monteiro Fonseca. Para ministrar as aulas, os cursos contavam com professores locais, sobretudo, vinculados à Igreja Católica, além de professores de diferentes centros urbanos do Brasil.

Os cursos da Cades aconteciam de forma intensiva no período de férias, nos meses de janeiro e fevereiro, a fim de não entrarem em conflito com o período letivo. De posse do registro de professor, obtido por meio da Cades, os participantes leigos regularizavam sua situação funcional, prestavam concurso e ingressavam, oficialmente, na carreira de magistério.

No período de implantação e desenvolvimento das ações da Cades no Norte de Minas Gerais, o jornal Gazeta do Norte atuou como importante veículo de divulgação e defesa de suas proposições, bem como dos educadores e das autoridades políticas e religiosas que se posicionaram a favor do referido programa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2021
  • Aceito
    18 Ago 2022
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