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ESPIRITUALIDADE INACIANA E VOCAÇÃO LAICAL: TESTEMUNHOS FEMININOS * * Estudo de caso realizado pelas autoras e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP – PUC/PR). O número do Parecer Consubstanciado do CEP é 4.667.671.

Ignatian Spirituality and Lay Vocation: Female Testimonies

RESUMO

Esta pesquisa pretende ser uma reflexão sobre a centralidade do discernimento para a vocação cristã laical, a qual busca a santidade no envolvimento com o mundo, tendo como base os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, a partir do acompanhamento realizado por mulheres durante os Exercícios Espirituais inacianos. Destacam-se, aqui, testemunhos femininos sobre a prática do discernimento inaciano, palavras de mulheres que, além da experiência de fazer os Exercícios, atuam como orientadoras e acompanhantes. O método utilizado foi o das narrativas orais, testemunhos femininos sobre a prática do acompanhamento espiritual, e a metodologia para o recrutamento das mulheres foi o snowball. Considerando que o discernimento é fundamental para o crescimento espiritual do(a) leigo(a), pode-se afirmar que, pelo lugar central que o discernimento ocupa, a espiritualidade inaciana tem uma grande contribuição para o aprofundamento de uma espiritualidade laical, através do acompanhamento espiritual das mulheres, dando, assim, visibilidade a essa experiência.

PALAVRAS-CHAVE
Espiritualidade cristã; Exercícios Espirituais Inacianos; Testemunho feminino

ABSTRACT

This study intends to be a reflection on the centrality of discernment for the lay Christian vocation, which seeks holiness in its involvement with the world. It is based on the Spiritual Exercises of Saint Ignatius of Loyola, from the accompaniment conducted by women during the Ignatian Spiritual Exercises. Here, we focus on female testimonies about the practice of Ignatian discernment,. These women, in addition to the experience of doing the Exercises, guide and accompany those doing the exercises. The method used in this study was oral narratives and female testimonies about the practice of spiritual accompaniment, and the snowball was the methodology for recruiting women. Considering that discernment is fundamental for the spiritual growth of the lay person, it can be said that, due to the central place that discernment occupies, Ignatian spirituality makes a great contribution to the deepening of a lay spirituality through the spiritual accompaniment of women, thus emphasizing this experience.

KEYWORDS
Christian Spirituality; Ignatian Spiritual Exercises; Female testimony

Introdução

Em verdade, em verdade, vos digo: quem não entra pela porta do redil das ovelhas, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante; o que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este, o porteiro abre: as ovelhas ouvem a sua voz e ele chama cada uma de suas ovelhas pelo próprio nome e as conduz para fora. Tendo feito sair todas as que são suas, caminha à frente delas e estas o seguem, porque conhecem a sua voz

(Jo 10,1-6).

Inspirando-se em Jo 10, 1-6, pode-se dizer que Jesus, o Bom Pastor, entra pela porta da frente na vida humana, imerge nesse mundo, participa das dificuldades humanas, sofre as restrições dessa condição, experimenta a tensão entre a liberdade e a necessidade do cuidado, de proteção. Jesus entra na vida humana, realiza a Kenosis, para, como Bom Pastor, conduzir suas ovelhas para fora do curral. O Bom Pastor, que entra nessa vida, conhece o nome, o lugar, a sede, as debilidades, as inseguranças de cada um, cada uma. Entra nesse mundo de religiosidades tradicionais, escrupulosas, cheio de falsas motivações e chama para fora. Quer conduzir a uma fé madura, livre, apoiada na escuta da Palavra de Deus e na comunidade de discernimento. A espiritualidade inaciana, com sua proposta de um modo de orar em vista da descoberta da vontade de Deus na vida, representa para o leigo, para a leiga, um importante recurso para o aprofundamento espiritual em vista da aquisição de liberdade e maturidade.

Este artigo tem como objetivo refletir sobre as contribuições da espiritualidade inaciana para o aprofundamento da espiritualidade laical a partir de testemunhos de mulheres que atuam como acompanhantes de retiro inaciano. Como afirma Pe. Paulo Lisboa, S.J., com base em sua longa prática de pregador de retiros e orientador espiritual, o acesso de leigos e leigas à espiritualidade inaciana, é uma novidade que fez parte da renovação operada pelo Concílio Vaticano II.

O fato é que, após 1966 os até então especialistas em EE iniciaram a expandir, primeiro entre os próprios Jesuítas e pouco a pouco aos leigos que já eram admitidos aos Retiros de 3 dias na linha dos EE, como alunos dos Colégios, Congregados marianos e outros, o novo modo de encarar uma renovação necessária deles.

(LISBOA, 2018LISBOA, P. O cristão leigo e os Exercícios Espirituais. Disponível em: https://www.jesuitasbrasil.org.br/2018/07/18/artigo-o-cristao-leigo-e-os-exercicios-espirituais/. Acesso em: 31 maio 2021.
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).

Na verdade, continua Lisboa (2018), a oferta dos Exercícios Espirituais a leigos e leigas significou uma volta às fontes, já que Santo Inácio “jamais deixará de exercer com amor o serviço de acompanhar fiéis leigos, em especial aos que intuía e sentia o chamado de Deus para grandes missões na Igreja”.

Além de constatar que atualmente muitos leigos fazem os Exercícios Espirituais em oito dias e também em trinta dias, Lisboa ainda afirma que entre as novidades mais recentes, está a atuação leiga como acompanhantes de pessoas que fazem Exercícios Espirituais e o fato de mulheres leigas terem dado Exercícios Espirituais inclusive para grupos de jesuítas, algo que era, para ele, impensável vinte anos atrás.

A relação de mulheres com a espiritualidade inaciana não é nova. Isso atestam os dois volumes de cartas de Santo Inácio às mulheres compiladas por Hugo Rahner (1963)RAHNER, H. Ignace de Loyola et les femmes de son temps. Paris: Desclée de Brouwer, 1963., entre elas encontram-se as cartas a Isabel Roser, a quem o santo conheceu em Barcelona e foi uma de suas benfeitoras. Pertencente a uma influente família, Isabel conta que estava assistindo a um sermão acompanhada de seu marido quando viu Inácio pela primeira vez. Estava sentado nos degraus do altar entre as crianças e pareceu a ela haver um halo de luz em volta de seu rosto. Sentiu nesse momento que uma voz em seu coração pedia: “Convide-o, convide-o!”. Saiu da Igreja perturbada. Chegando em casa, relatou ao marido a experiência. Imediatamente saíram à procura do peregrino e o convidaram para uma refeição em sua casa. Ali, Inácio dirigiu a eles uma alocução espiritual que causou neles grande impressão (RAHNER, 1963RAHNER, H. Ignace de Loyola et les femmes de son temps. Paris: Desclée de Brouwer, 1963., p. 26). Esta mulher foi uma presença importante na vida do peregrino. Viúva e sem filhos, Isabel Roser chegou a fazer a sua profissão solene na Companhia de Jesus. Quatro meses depois foi, entretanto, dispensada dos votos por Santo Inácio que não quis o encargo de mulheres sujeitas à sua obediência. Mesmo que a presença laical feminina esteja documentada nas cartas, e que muitas tenham sido, como Isabel, tocadas por conversações espirituais (DOMINGUEZ, 2010DOMÍNGUEZ, L.M.G. La entrevista en los Ejercicios Espirituales. Bilbao: Mensajero; Maliaño: Sal Terrae, 2010.) com Santo Inácio, a atuação ativa de mulheres leigas na espiritualidade inaciana é uma prática nova.

Perseguindo o objetivo apresentado acima, buscamos escutar testemunhos femininos para captar os processos de subjetivação na narrativa das mulheres que fazem e acompanham as pessoas nos Exercícios Espirituais Inacianos. No intuito de melhor identificar os processos de subjetivação, foi utilizado o método da história oral, que possibilita captar os mecanismos de memória individual e coletiva no interior das relações sociais entre os indivíduos pertencentes ao mesmo grupo e que podem despertar para reinventar o cotidiano. A história oral nos brinda com elementos para compreender as maneiras como as pessoas recordam e constroem sua memória.

O método de história oral ganhou bastante relevância com a premiação do Nobel de Literatura à escritora ucraniana Svetlana Aleksiévitch (1948 – )ALEKSIÉVITCH, A. Vozes de Tchernóbil: a história do desastre nuclear. São Paulo: Schwarcz, 2016., pela obra Vozes de Tchernóbil: a história oral do desastre nuclear, de 2015, a qual dá força a vozes doloridas, conformadas e revoltadas com uma catástrofe nuclear sem precedentes. Em alguns casos, apresentaram-se apenas narrativas da situação que se passava; contudo, muito provavelmente essas vozes não seriam ouvidas, e uma parte da história seria sepultada.

Para tal desenvolvimento da pesquisa, será apresentada, inicialmente, a interpelação do Concílio Vaticano II aos cristãos leigos e leigas – no que se refere ao tema da santidade, todos e todas “somos chamados à santidade”. Em seguida, se fará uma breve apresentação da Espiritualidade Inaciana, destacando a centralidade do discernimento, elemento fundamental para a vivência espiritual de leigos e leigas. Finalmente, serão analisados os testemunhos femininos, o que deve resultar em uma primeira sistematização sobre a atuação e contribuição de mulheres de espiritualidade inaciana que participam de retiros inacianos como acompanhantes dos Exercícios Espirituais em qualquer modalidade. Para isso, realizamos entrevistas com dez mulheres de vários lugares do Brasil, compondo, assim, uma amostragem que já possibilita uma primeira sistematização da contribuição dessas mulheres para o aprofundamento da espiritualidade laical.

1 A interpelação do Concílio Vaticano II aos cristãos leigos

O Concílio Vaticano II explicitou para os leigos e leigas, algo importante e fundamental: “somos todos chamados à santidade”. A partir de uma concepção de Igreja renovada, compreendida como Corpo Místico de Cristo e como Povo de Deus, a Constituição Dogmática “Lumen Gentium” sobre a Igreja (PAULO VI, 1964PAULO VI, Papa. Constituição dogmática lumen gentium sobre a Igreja. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1964. Disponível em: https://bit.ly/3anLTQ3. Acesso em: 18 abr. 2021.
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) vai afirmar que a santidade é vocação universal dos fiéis. Todos os que pelo batismo se tornaram filhos de Deus e participantes da natureza divina são chamados a ser santos:

Cremos que a Igreja, cujo mistério é proposto pelo Sagrado Sínodo, é indefectivelmente santa. Pois, Cristo, Filho de Deus, que com o Pai e o Espírito Santo é proclamado “único Santo”, amou a Igreja como sua esposa. Por ela se entregou com o fim de santificá-la (cf. Ef 5, 25-26). Uniu-a a Si como Seu corpo e acumulou-a com o dom do Espírito Santo, para a glória de Deus

(LG, n. 39).

Todos são santos, não por mérito próprio, ou por obras que realizam, mas por serem chamados à santidade por Deus, segundo Seu desígnio e Sua graça (LG, n. 40). Somos santos pelo amor da Trindade Santa: pelo amor do Pai que enviou a nós o Filho; pelo amor do Filho que, como esposo, assumiu a Igreja a si como seu corpo e deu a ela o dom do Espírito Santo, Deus que, em nós, anima, vivifica, instrui, conduz, impele à missão. Falando dessa maneira, a Igreja em Concílio supera uma visão de que uma vida de fé mais intensa, uma espiritualidade forte só é possível àqueles que, renunciando à “vida do mundo”, entram para a vida religiosa1 1 A palavra “espiritualidade” estava marcada até meados do século XX pela visão de que a santidade era para sacerdotes, religiosos e religiosas, aqueles que por seu estilo de vida “afastado do mundo” teriam melhores condições para desenvolver uma vida de oração. .

A santidade a que nos conduz o Espírito Santo, lembra-nos a Lumen Gentium, manifesta-se nos frutos que dão ao mundo a vivência da perfeita caridade, isto é, a vivência do amor ágape, o amor incondicional, vivido e anunciado a nós por Jesus. A santidade, afirma também o documento, exprime-se de várias formas nos indivíduos que, em sua vida, tendem à perfeição da caridade, edificando, assim, os outros. O testemunho da santidade é dado ao mundo por todos os cristãos que acolhem em suas vidas os conselhos evangélicos, não apenas pelos que estejam em condição ou estado sancionados na Igreja (LG, n. 39). Essa maneira de entender a santidade implica o compromisso com o mundo, a luta pela transformação da sociedade: “É assim evidente que todos os fiéis cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Por esta santidade se promove também na sociedade terrestre um modo mais humano de viver.” (LG, n. 40).

O exercício da santidade se dá “segundo os próprios dons e cargos pelo caminho da fé viva”, afirma a Lumen Gentium, ressaltando a importância de se considerarem as múltiplas formas de viver o seguimento de Jesus. Ao se dirigir aos leigos, a constituição dogmática procura deixar claro que a santidade se vive no envolvimento com o mundo. Considera, em primeiro lugar, as famílias, orienta aos esposos e pais cristãos que sigam o próprio caminho e, em amor fiel, impregnem a prole com doutrinas cristãs e virtudes evangélicas; que sejam testemunhas e cooperadores da fecundidade da Mãe Igreja, “em sinal e participação daquele amor com que Cristo amou sua Esposa e por ela Se entregou” (LG, n. 41). Aos leigos trabalhadores, recomenda que “promovam toda a sociedade e a criação a um estado melhor” (LG, n. 41). Aos marginalizados – os pobres, os fracos, os doentes e atribulados, os que sofrem perseguição pela justiça –, pede que saibam unir-se a Cristo pela salvação do mundo.

Fundamentalmente, podemos dizer que a santidade, segundo a perspectiva conciliar, se alcança nas “condições, ofícios ou circunstâncias” da vida, na medida em que se acolhe a vontade de Deus e se coopera com ela, “manifestando a todos, no próprio serviço temporal, a caridade com que Deus amou o mundo” (LG, n. 41). O verdadeiro discípulo de Cristo se distingue pelo amor a Deus e amor ao próximo. Todas as obras que a tradição cristã reconheceu como meios de santidade devem ser vividas sob o signo desse amor que, podemos dizer, não é apenas eros – isto é, desejo de retorno à condição de seres eternos como pensavam os gregos, ou sentimento romântico, afeto, como é, muitas vezes, para os modernos –, mas caridade do Espírito Santo2 2 Lembramos aqui a Encíclica do Papa Bento XVI (2005), Deus Caritas Est, e sua reflexão sobre eros e ágape. . “Deus é caridade, e quem permanece na caridade, em Deus permanece e Deus nele”, afirma a LG no número 42, citando 1 Jo 4,16. O discípulo em busca da santidade é aquele que vive o amor como Jesus viveu, amor de entrega total, ágape. “Entrar na espiritualidade concreta de Jesus de Nazaré, que é o fundamento do cristianismo, dá à pessoa um acesso novo à metanarrativa cristã da história da salvação, independente do confinamento doutrinário.” (HAIGHT, 2012HAIGHT, R. Espiritualidade cristã para buscadores: reflexões sobre os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola. Petrópolis: Vozes, 2012., p. 15). Viver o cristianismo torna-se, pois, um modo de vida.

O amor deve se manifestar mais em atos que em palavras. Assim, a gratidão se transforma numa resposta de amor num contexto interpessoal, e o amor realiza. “A ação faz o amor transformar de ‘meramente’ intencional para a realidade intencional, esta gratidão que a tudo permeia constitui, portanto, uma mística da vida cotidiana, pela qual as ações cotidianas põem em prática a gratidão interior, que governa a vida da pessoa.” (HAIGHT, 2012HAIGHT, R. Espiritualidade cristã para buscadores: reflexões sobre os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola. Petrópolis: Vozes, 2012., p. 129).

Enfim, o Concílio Vaticano II vai pensar a santidade em termos de um seguimento a Jesus que caminha para o Pai, cada um em seu próprio estado de vida, discernindo os desafios que o mundo coloca e buscando uma perfeita vivência da caridade. Seguindo esse Concílio, recordam-se, aqui, duas exortações apostólicas importantes no que tange ao tema do laicato: Christifideles Laici, de São João Paulo II, sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo; e a Gaudete et Exsultate, do Papa Francisco, sobre o chamado à santidade no mundo atual.

A exortação Christifideles Laici (JOÃO PAULO II, 1988JOÃO PAULO II, Santo. Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1988. Disponível em: https://bit.ly/3gkw8gL. Acesso em: 18 abr. 2021.
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) apresenta alguns pressupostos para aprofundar o específico da vocação laical de índole secular (CtL, n. 29), compreendida como inserção nas realidades temporais, participação nas atividades terrenas (CtL, n. 17), evitando qualquer reducionismo ao intra-eclesial. O número 15 recorda-nos, ainda, do fundamento de igualdade dos cristãos:

A novidade cristã é o fundamento e o título da igualdade de todos os batizados em Cristo, de todos os membros do Povo de Deus: “Comum é a dignidade dos membros, pela regeneração em Cristo, comum a graça dos filhos, comum a vocação à perfeição; uma só salvação, uma só esperança e indivisa caridade”. Em virtude da comum dignidade baptismal, o fiel leigo é corresponsável, juntamente com os ministros ordenados e com os religiosos e as religiosas, da missão da Igreja

(CtL, n. 15).

Contemporaneamente, destaca-se a exortação Gaudete et Exsultate, do Papa Francisco, em que o pontífice apresenta os santos ao pé da porta e afirma: “gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e nas mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir” (GE, n. 7). Continua convidando todos e todas a se deixarem estimular “pelos sinais de santidade que o Senhor nos apresenta através dos membros mais humildes deste povo que ‘participam também da função profética de Cristo, difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade” (GE, n. 8), citando a Lumen Gentium.

2 Contribuições da Espiritualidade Inaciana para a vivência da santidade no mundo

A santidade, para a qual todos são chamados, é um caminho de transformação de si pela realização da vocação de seres criados para cuidar do mundo e conduzir a criação a uma vida de convivência amorosa. No centro da espiritualidade cristã está o discernimento. A santidade tem a ver com a descoberta do sentido da vida como participante do projeto de Deus. Esse caminho, como bem afirma o Papa Francisco, no documento Gaudete et Exsultate, não descarta os erros nem os momentos negativos (n. 22). Em vista disso, ele orienta: “Pede sempre, ao Espírito Santo, o que espera Jesus de ti em cada momento da tua vida e em cada opção que tenhas de tomar, para discernir o lugar que isso ocupa na tua missão” (n. 23). Mais à frente, aconselha:

Deixa-te transformar, deixa-te renovar pelo Espírito para que isso seja possível, e assim a tua preciosa missão não fracassará. O Senhor levá-la-á a cumprimento mesmo no meio dos teus erros e momentos negativos, desde que não abandones o caminho do amor e permaneças sempre aberto à sua ação sobrenatural que purifica e ilumina (n. 24).

O discernimento possibilita a contemplação na ação, dado que não se pode conceber Cristo sem o Reino que ele veio trazer, afirma Francisco (GE, n. 25)FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos membros da comissão teológica internacional. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3amaRzk. Acesso em: 18 abr. 2021.
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. “Somos chamados a viver a contemplação mesmo no meio da ação, santificando-nos no exercício responsável e generoso da nossa missão” (n. 26), e procurar e encontrar Deus em todas as coisas. Em uma entrevista do Pontífice ao Pe. Spadaro, lemos estas palavras:

Deus manifesta-Se no tempo e está presente nos processos da História. Isso faz privilegiar as ações que geram dinâmicas novas. E exige paciência, espera […]. É necessária uma atitude contemplativa: é o sentir que se vai pelo bom caminho da compreensão e do afeto no que diz respeito às coisas e às situações. O sinal de que se está nesse bom caminho é o sinal da paz profunda, consolação espiritual, do amor a Deus e de todas as coisas em Deus

(SPADARO, 2013SPADARO, A. Web 2.0: redes sociais. São Paulo: Paulinas, 2013., p. 27).

Considerando que o discernimento é fundamental para o crescimento espiritual do leigo, atualmente considerado adulto da fé, podemos afirmar que, pelo lugar central que ele ocupa, a espiritualidade inaciana tem uma grande contribuição para o aprofundamento de uma espiritualidade laical. A espiritualidade inaciana é uma proposta mistagógica oferecida em forma de método; não se apresenta como uma proposta de itinerário ascético rumo à perfeição, como vários escritos espirituais encontrados na tradição cristã, mas como um método para fortalecer espiritualmente o sujeito no enfrentamento dos desafios da realidade, tendo diante de si o projeto criador e salvador da Trindade Santa.

O discernimento inaciano3 3 Muito se produziu sobre o discernimento inaciano. Na impossibilidade de trazer a este artigo o grande número de referências e não sendo nosso objetivo elaborar um estudo sobre o discernimento inaciano, optamos por usar como referência para este ponto, a excelente reflexão teológico-espiritual de João Batista Libanio que situa o discernimento inaciano na tradição da Igreja. não está isolado, insere-se num itinerário espiritual que começa com a meditação sobre o princípio e fundamento, passa pelo conhecimento interno de Jesus, o Verbo de Deus, e culmina na contemplação para alcançar o amor. A experiência de discernimento está no centro dos Exercícios Espirituais (EE), depois de uma adesão a Jesus e de uma decisão fundamental pelo seguimento. Não se identifica com o percurso monástico que exalta o afastamento do mundo, mas com a sensibilidade mendicante que leva ao encontro com o mundo e todas as suas contradições.

De acordo com Hugo Rahner (1953 apud HAIGHTT, 1953, p. 63), o “ideal inaciano dos Exercícios Espirituais, portanto, está contido em quatro palavras: señalarse más en servicio, ‘distinguir-se mais ao servir a Ele’” (apud HAIGHT, 2012HAIGHT, R. Espiritualidade cristã para buscadores: reflexões sobre os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola. Petrópolis: Vozes, 2012., p. 63, grifo do autor). Os dois ideais, então, eram servir sempre mais e mais; a ideia básica era distinguir-se pela ação comprometida.

O discernimento é uma prática espiritual associada à busca da verdadeira mola da história e das decisões dos indivíduos diante do conflito entre o desígnio salvífico de Deus e as resistências do pecado, afirma Libanio (1977, p. 25)LIBANIO, J. B. Discernimento espiritual: reflexões teológico-espirituais. São Paulo: Loyola, 1977.. É um dom e também uma arte aprendida a partir da experiência dos outros (1977, p. 76).

Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio se constituem justamente nesse contexto: são propostos para ajudar a criar, no exercitante, na exercitante, abertura para perceber o desígnio de Deus em meio aos desafios da realidade marcada pelo pecado e a sua missão no propósito divino. Os EE 2 visam a “preparar e dispor a alma para tirar de si todas as afeições desordenadas, e, afastando-as, procurar e encontrar a vontade divina, na disposição da vida para a salvação da alma” (LOYOLA, 2000INÁCIO LOYOLA, Santo. Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. São Paulo: Loyola, 2000., p. 11).

Tendo como referência simbólica sua experiência de cavaleiro medieval, Inácio não compreenderá a salvação da alma como um trabalho de aperfeiçoamento de si ao estilo monástico, mas como engajamento numa causa, isto é, como serviço àquele que está no “princípio e fundamento” de todas as coisas, lutando para vencer o mal. A finalidade dos Exercícios é, portanto, procurar e encontrar a vontade divina, que é conhecer a própria missão, o próprio lugar no projeto salvífico de Deus. Buscar a vontade de Deus é um termo fundamental no discernimento inaciano, afirma Libanio (1977)LIBANIO, J. B. Discernimento espiritual: reflexões teológico-espirituais. São Paulo: Loyola, 1977.. Não é apenas perceber em si um movimento para algo bom, mas “é procurar perceber qual é o verdadeiro chamamento que Deus nos dirige, no momento presente, no contexto concreto de nossa vida” (p. 129). É perguntar: “o que estou fazendo aqui? O que Deus quer de mim?”

A eleição, que tem lugar nos EE, compõe-se de discrição e amor, isto é, da percepção da vontade de Deus na dialética do impulso amoroso que impele a viver de e para Deus em Cristo e dentro da Igreja (do magis), na particularidade do caminho concreto e limitado (discrição). “Eleição é escolher a maneira concreta de viver o amor cristão na Igreja, seja nas suas grandes linhas (eleição de vocação), seja em pequenas decisões.” (LIBANIO, 1977LIBANIO, J. B. Discernimento espiritual: reflexões teológico-espirituais. São Paulo: Loyola, 1977., p. 131).

Discreta caridade é a prática prudente de discernir os caminhos concretos do grande amor divino que impulsiona ao amor sem limite (magis), na pequenez da situação histórica de cada um. A discreta caritas, expressão que Santo Inácio usa nas Constituições da Companhia de Jesus, serve muito a uma espiritualidade para o leigo e a leiga que se encontram no mundo diante de constante exigência de discernimento. O artigo intitulado “Discreta Caritas”, de Peter-Hans Kolvenbach (2006)KOLVENBACH, P. H. “Discreta Caritas”. Review of Ignatian Spirituality, [S.l.], n. 113, p. 9-21, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3gfOSOm. Acesso em: 18 abr. 2021.
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, Superior Geral da Companhia de Jesus, mesmo dirigido aos jesuítas, esclarece esse sentido do discernimento inaciano que é tão adequado à experiência laical:

[…] la “discreción” busca entre deseos y temores, posibilidades e imposibilidades, capacidades y límites, espíritus buenos y malos tendo en contas personas y circunstancias, tempos y lugares, para llegar a ese punto en que, como la aguja de una balanza, todo está dispuesto para la intervención de la “caridad” para seguir por la “discreta caritas” lo que percibe como dirigido más a la gloria y alabanza de Dios nuestro Señor. Vuelve “indiferente” en sentido ignaciano en un discernimiento que supone una verdadera libertad y una auténtica familiaridad con Dios, para que Él pueda hacer la diferencia, cuando se trata de optar en casos concretos que la realidad de la vida presenta (p. 17).

Esta prática da discreta caridade para o caminho do discernimento leva todo ser humano à liberdade. É elemento importante para a espiritualidade inaciana o acompanhamento espiritual.

A direção espiritual é uma prática tradicional, remonta aos padres e madres do deserto. Na Igreja Católica, afirma Quevedo (2017)QUEVEDO, L. González-. Itaici, Revista de Espiritualidade Inaciana Indaiatuba, n. 109, ano 23, setembro, 2017, p. 05-16, essa prática entrou em crise após o Concílio Vaticano II, em função do desejo de liberdade e autonomia espiritual. Atualmente, entretanto, nota-se uma revalorização da direção espiritual, ou do acompanhamento espiritual. Quevedo nos apresenta, por meio do estudo das Anotações do livro dos Exercícios Espirituais (1-20), pontos que nos ajudam a conferir a importância dessa prática para a espiritualidade inaciana, elemento que toca diretamente o nosso estudo, pois, como veremos mais adiante, a escuta dos testemunhos femininos nos levou a verificar que a contribuição das mulheres para a espiritualidade inaciana se dá justamente no âmbito do acompanhamento espiritual.

As Anotações, esclarece Quevedo, têm como finalidade ajudar tanto o que dá os Exercícios Espirituais, o orientador, quanto quem os recebe, o exercitante. Importante notar que, para Inácio, “o que dá os Exercícios” é a mesma pessoa que acompanha o exercitante. Atualmente, como vemos nos testemunhos, o acompanhante ou a acompanhante não é necessariamente quem dá os exercícios, mas é alguém que compõe uma equipe e atua em conjunto com o orientador, “aquele que dá os exercícios”.

O fim dos Exercícios Espirituais, conforme a primeira anotação, é “encontrar a vontade divina, na disposição da vida para a salvação da alma” (EE, 1,4). Certamente, inspirado na própria experiência, Inácio orienta que se respeite a comunicação direta de Deus com o exercitante. No entanto, “seguindo a tradição espiritual cristã, considera indispensável a mediação do acompanhante” (QUEVEDO, 2017QUEVEDO, L. González-. Itaici, Revista de Espiritualidade Inaciana Indaiatuba, n. 109, ano 23, setembro, 2017, p. 05-16, p. 8).

O papel do acompanhante, no entanto, é o daquele que ajuda na percepção dos movimentos internos que acompanham o processo de discernimento da vontade de Deus. Sem interferir e nem querer conduzir (daí o termo “acompanhante” se adequa melhor que “diretor”), ele ou ela deve estar atento, atenta, às moções e ser informado das agitações e pensamentos que os diversos espíritos causam no exercitante (EE, 17). Contudo, o acompanhante não deve ser observador frio e distante, comenta Quevedo (2017, p. 9), mas deve se mostrar brando e suave nos momentos de desolação, dando ao exercitante força e coragem para descobrir as astúcias do “inimigo da natureza humana” e preparar-se para a consolação que virá.

O que se pode inferir do estudo das Anotações por Quevedo, é que a atuação do ou da acompanhante é discreta, mas ao mesmo tempo imprescindível ao bom andamento do discernimento. Ponto central dos Exercícios, é contribuição fundamental para o aprofundamento de uma espiritualidade laical.

Na configuração atual dos modos de oferecer exercícios inacianos para grupos maiores, que necessita contar com uma equipe maior para o acompanhamento dos exercitantes, leigos e leigas passam a se encarregar de um momento importante da conversação espiritual, que é aquele em que se dá a interação com o ou a exercitante. Segundo Domínguez (2017)DOMÍNGUEZ, L.M.G. O diálogo na entrevista de Exercícios. Itaici, Revista de Espiritualidade Inaciana, Indaiatuba, n. 109, p. 17-28, 2017., a conversação espiritual ou entrevista de Exercícios consiste em oferecer ao exercitante o modo e ordem para a oração, a instrução necessária para o bom andamento da oração e ajuda para discernir as moções espirituais e o modo de proceder nelas:

Em sua entrevista de Exercícios, tudo adquire importância: a disposição daquele que os dá, a atenção à personalidade daquele que os recebe, os modos de interação, as múltiplas indicações de métodos, a liberdade que se deixa à experiência espiritual pessoal, o respeito ativo no diálogo. A entrevista orienta sempre a possibilitar uma experiência que acontece somente entre o exercitante e seu Deus, de modo que o acompanhante é apenas uma testemunha da experiência (2017, p. 17).

Como se pode notar, é justamente no momento do discernimento que se abre um espaço para a atuação laical nos retiros inacianos. Um momento muito delicado, pois exige uma escuta orante e despojada de orientações doutrinais e morais padronizadas. Uma atenção plena à partilha do ou da exercitante e profunda confiança na presença atuante na vida das pessoas. O itinerário espiritual na percepção de Inácio não é padronizado. Apesar do que dá os exercícios oferecer ordem e modo, o acompanhante ou a acompanhante deve ter clareza de que é apenas uma testemunha e que sua tarefa é facilitar a experiência. É a conversação espiritual que possibilita a análise das moções experimentadas na oração e fora dela, e consequentemente, é também momento fundamental para a realização do discernimento.

3 A contribuição feminina para o aprofundamento da espiritualidade laical

Dentre as várias óticas a partir das quais apresentar a importância da contribuição da espiritualidade inaciana para o aprofundamento de uma espiritualidade laical, definimos focar a ótica feminina, por meio de testemunhos de mulheres que falam sobre sua experiência como exercitantes e também como acompanhantes em retiros inacianos. Recordamos, aqui, que a participação feminina na cultura e nas diversas confissões religiosas é cada vez maior. É indiscutível, também, sua participação em diferentes atividades da Igreja; é fato que as mulheres são apontadas como protagonistas na missão evangelizadora pelas principais Conferências Gerais da Igreja Católica da América Latina, sobretudo a de Puebla. Nas últimas décadas, seu protagonismo estendeu-se além dos corredores da Igreja: encontra-se na produção teológica, nos acompanhamentos espirituais, conselhos paroquiais, entre outros.

Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2016), o Papa Francisco reconhece a contribuição das mulheres para a reflexão teológica:

A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens. […] Prestam novas contribuições para a reflexão teológica. Mas ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja (n. 103).

Em algumas ocasiões, o Papa se queixa que a Igreja não fez “uma profunda teologia da mulher”. Recebendo os membros do Pontifício Conselho para os Leigos, no dia dos 25 anos da Mulieris Dignitatem, de São João Paulo II, Francisco (2013)FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos participantes do seminário sobre a carta apostólica Mulieris dignitatem de João Paulo II. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3v01T2z. Acesso em: 18 abr. 2021.
https://bit.ly/3v01T2z...
afirma que, na Igreja, é importante perguntar-se que presença tem a mulher e expressa seu desejo de aprofundar a dimensão feminina da Igreja com as seguintes palavras: “gosto também de pensar que a Igreja não é ‘o’ Igreja, é ‘a’ Igreja. A Igreja é feminina, é mãe e devemos aprofundar a nossa compreensão disso.” Ressalta, ainda, que a mulher tem uma sensibilidade particular pelas “coisas de Deus”, sobretudo para nos ajudar a compreender a misericórdia, a ternura e o amor que Deus tem por nós.

Em dezembro de 2014, na sala Consistório, no Vaticano, na ocasião do discurso a teólogos da Comissão Teológica Internacional, o Papa Francisco declarou novamente a contribuição da mulher a partir de sua sensibilidade e intuição:

Com efeito, ‘a Igreja reconhece a contribuição indispensável da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares que normalmente são mais características nas mulheres do que nos homens […]. Vejo com prazer como muitas mulheres […] oferecem novas contribuições para a reflexão teológica’ (EG, n. 103). Assim, em virtude do seu gênio feminino, as teólogas podem lançar luz, para o bem de todos, em certos aspectos inexplorados e profundos do mistério de Cristo. Eu convido todos vocês a aproveitar as contribuições que essas mulheres podem dar em assuntos específicos em matéria de fé.

No que tange ao protagonismo feminino, em discurso durante a Plenária do Dicastério da Cultura, no dia 7 de fevereiro de 2015, o Pontífice reforça o que falou anteriormente sobre a Igreja e afirma que as mulheres precisam se sentir partícipes e não hóspedes:

Trata-se de estudar critérios e modalidades novas a fim de que as mulheres não se sintam hóspedes, mas plenamente participantes nos vários âmbitos da vida social e eclesial. A Igreja é mulher, é a Igreja e não o Igreja. Este é um desafio que não se pode mais adiar. Digo-o aos Pastores das comunidades cristãs, aqui em representação da Igreja universal, mas também às leigas e leigos comprometidos de várias formas na cultura, na educação, na economia, na política, no mundo do trabalho, nas famílias, nas instituições religiosas

(FRANCISCO, 2015FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos participantes na plenária do pontifício conselho para a cultura. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3x4ZF3H. Acesso em: 18 abr. 2021.
https://bit.ly/3x4ZF3H...
).

O Papa Francisco enfatiza a urgência de “oferecer espaços às mulheres na vida da Igreja”, o que favoreceria “uma presença mais ampla e incisiva nas comunidades”, com maior envolvimento das mulheres “nas responsabilidades pastorais”. Embora aqui destaque mais a responsabilidade pastoral, não podemos negar que foi um avanço o que trouxe anteriormente.

Em um dos documentos mais recentes, o “Documento final do Sínodo da Amazônia”, reconhece o papel da mulher na sociedade e na Igreja:

São testemunhas e presença responsável na promoção humana, por isso se pede que a voz das mulheres seja ouvida, que elas sejam consultadas e participem das decisões e, assim, possam contribuir com sua sensibilidade à sinodalidade eclesial. Valorizamos ‘a função da mulher, reconhecendo seu papel fundamental na formação e continuidade das culturas, na espiritualidade, nas comunidades e nas famílias’. É necessário que a Igreja assuma em seu seio com maior força a liderança das mulheres, e que as reconheça e promova, fortalecendo sua participação nos conselhos pastorais das paróquias e dioceses, inclusive nas instâncias de governo

(2019, p. 26).

Um tema a recordar antes da apresentação dos testemunhos femininos é que o conhecimento de Deus passa pela história, pois a vida dos cristãos, ao longo da história do cristianismo, foi vivida e alimentada pelo conhecimento das Escrituras, que chegou até nós através dos testemunhos sobre Jesus. Assim, somente através da história “tomamos conhecimento de tudo o que há de mais profundo no ser humano: seus pensamentos e seu coração, as ideias universais e as experiências básicas que norteiam a vida de cada grupo social e de cada pessoa”. (CATÃO, 2009CATÃO, F. Espiritualidade cristã. São Paulo: Paulinas, 2009., p. 42). Verifica-se que é a história que “nos oferece o testemunho humano, em face da vida, quer na maneira como as pessoas e os acontecimentos se situam no tempo e no espaço, quer na medida em que lhes busca explicações de outra ordem” (CATÃO, 2009CATÃO, F. Espiritualidade cristã. São Paulo: Paulinas, 2009., p. 42).

4 Espiritualidade Inaciana e vocação laical: testemunhos femininos

Após alguns pontos destacados sobre a mulher, no pontificado de Francisco, e a importância dos testemunhos na história do cristianismo, apresentaremos os relatos de mulheres sobre sua experiência de acompanhamento espiritual. Para a realização da abordagem às mulheres que realizaram os Exercícios Espirituais, definimos alguns critérios a partir da metodologia por amostragem apoiada na técnica bola de neve (snowball)4 4 Dada a natureza da amostragem em bola de neve, ou snowball, não é considerada uma amostra representativa para fins estatísticos. No entanto, é uma técnica muito boa para conduzir pesquisas exploratórias e qualitativas com uma população específica e relativamente pequena. Identifica-se uma ou duas pessoas do grupo específico, em seguida, solicita-se que as pessoas indicadas apontem novos contatos com as características desejadas a partir de sua própria rede pessoal e assim sucessivamente; dessa forma, o quadro de amostragem pode crescer a cada entrevista, caso seja do interesse do pesquisador (VINUTO, 2014). . Após receberem um convite via WhatsApp, foram convidadas a responder um questionário Google para aceitar ou não colaborar com a pesquisa, recebendo, em seguida, o texto inicial para que escrevessem ou gravassem sua narrativa. Enviou-se também o “Termo de consentimento livre e esclarecido” (TCLE), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

Os critérios de inclusão para tal pesquisa foram: mulher; acima de 18 anos; que tenha experiência de Exercícios Espirituais inacianos e atue ou não como acompanhante espiritual na modalidade de retiro de trinta dias, oito dias ou, ainda, na vida cotidiana, de forma on-line ou presencial5 5 Devido à pandemia da Covid-19, muitos retiros acontecem de maneira remota. . Ouviu-se o relato de 12 mulheres, das quais 10 estavam dentro do perfil desejado.

Como citado acima, o método realizado foi o das narrativas orais; sendo assim, lançamos uma provocação inicial sobre como as mulheres participantes percebem a importância do discernimento inaciano para a vocação laical, pois entendemos que o discernimento é o elemento central da espiritualidade inaciana:

Gostaria que discorresse sobre como percebe a importância do discernimento Inaciano para a vocação laical a partir de sua experiência, no caso, como acompanhante espiritual. Além de discorrer sobre a importância do acompanhamento espiritual inaciano, poderá apresentar outro ponto que julgue necessário falar sobre o acompanhamento espiritual a partir de sua ótica6 6 Texto enviado às mulheres que participaram como colaboradoras na pesquisa. .

As colaboradoras enviaram por áudio ou texto, via WhatsApp, sua resposta à provocação inicial, pois este tipo de abordagem segue de acordo com a narrativa apresentada pela pessoa. As participações chegaram de vários lugares do Brasil, como Curitiba, Campo Largo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife; são, portanto, mulheres de realidades muito diferentes.

A análise dos dados foi realizada por meio da análise de discurso, na qual as narrativas foram comparadas, considerando pontos destacados pelas participantes, como repetições de expressões, divergências, convergências, palavras e ideias, reflexões, posicionamentos sobre o tema em questão. Foram escolhidos os relatos em primeira pessoa para enfatizar a vivência das entrevistadas.

O primeiro relato apresentado é de uma mulher com pouca formação acadêmica; tem 3 filhos, alguns netos e, atualmente, é aposentada e dedica-se aos Exercícios Espirituais. Fez a experiência do retiro de 30 dias, acompanha retiros de 8 dias assiduamente, assim como os de 30 dias, mas não “prega” retiros. É leiga da Comunidade de Vida Cristã (CVX) no Sul do país e já acompanhou muitas religiosas, religiosos e bispos.

Priscila7 7 “Priscila” é um nome fictício que demos às mulheres para criar uma maior dinâmica ao texto e manter o sigilo das que enviaram seus relatos. Seguiremos dessa mesma maneira nos outros relatos. , em seu depoimento, entende que o discernimento é “luz que guia para a missão”, aponta a humildade como critério fundamental e afirma que a oração que proporciona o discernimento supõe esvaziamento. Enfatiza o acolhimento, a humildade e a simplicidade. Entende que para realizar o discernimento é necessário assumir a postura de quem precisa de ajuda. Testemunha que o discernimento é uma forma de ordenamento: retira a pessoa da dispersão e ajuda a colocar o centro da vida em Cristo. Acrescenta que o discernimento ajuda a julgar sua maneira de agir: “Dou-me conta, ainda, se o meu serviço é no amor e na alegria ou está sendo um peso.”

Quando se chega ao momento do discernimento nada se tem para pedir. É o momento de acolher a vontade de Deus, acolher seu amor e estar com Ele, pois o discernimento é uma atitude, é graça. [...] O discernimento é a luz recebida do Senhor. Amor que me transforma e luz que me guia para a missão. Para o discernimento precisa ser humilde, necessita-se de ajuda. Precisa de um tempo para o diálogo e a escuta do Senhor, também de simplicidade e ter um coração livre para acolher a vontade de Deus. [...] O discernimento me faz responder honestamente qual é o centro da minha vida e perceber se estou centrada em Cristo ou dispersa. Dou-me conta ainda se o meu serviço é no amor e na alegria ou está sendo um peso. [...]

(texto enviado por escrito).

O discernimento, ela observa em sua atuação como acompanhante, muda completamente a vida da pessoa. No acompanhamento, testemunha-se a transformação do(a) exercitante: “vemos a ação de Deus mais clara, nem tenho palavras. As pessoas chegam com medo, receio, e devagar você vê que elas vão modificando.” Priscila observa, também, que a pessoa que faz os Exercícios Espirituais experimenta desânimo, e cabe ao acompanhante a tarefa de animar, encorajar, fazer com que ela aguente firme e resista ao sono, à dispersão, às várias dificuldades para permanecer em oração.

[...] O acompanhamento é, também, para o acompanhante nos orientar, nos conduzir, fazer que se perceba o caminho e ter a humildade de perceber que é Deus que conduz a graça, perceber que se precisa do auxílio de outras pessoas e não se caminha sozinha. [...] Às vezes, a pessoa está muito cheia de coisas que não é Deus, então Deus não cabe nela. Então, quando a pessoa faz o processo de se esvaziar e se abrir para a graça de Deus, daí até ficamos admirados com a graça de Deus, Ele não olha a quem, ele acolhe a todos. Acompanhar o retiro de 30 dias foi muito bom, foi uma experiência muito boa, inclusive, como são 30 dias, vemos a ação de Deus mais clara, nem tenho palavras. As pessoas chegam com medo, receio, e devagar você vê que elas vão modificando. [...]

(narrativa enviada por áudio).

O acompanhante não precisa falar muito. O acompanhamento, ela ressalta, implica ajudar a pessoa que faz os Exercícios Espirituais a perceber os sinais de Deus, rezando junto com ela e falando palavras que ocorrem durante a partilha. Não é “algo pensado”. A confirmação de que a palavra dita é inspirada é confirmada pelo(a) exercitante que “carrega” aquela palavra durante o retiro.

Embora o acompanhante não precisa falar muito, mas, às vezes, o acompanhado tem algumas perguntas por que não consegue rezar, por exemplo. Então, tem que ajudar, porque não está conseguindo rezar. [...] A oração, o exercício é para tirar o que tem desordenado, para ordenar a vida, e se você não ajudar, não tocar no que está desordenado, a pessoa acaba não percebendo por si própria. O fato da pessoa vir e falar é importante. [...] E quando vou acompanhar também rezo, sou apenas um instrumento do Espírito. É pura graça, muito grande, que eu fico até surpresa porque vêm as palavras que eu me convenço que não fui eu que falei, não foi algo pensado, é espontâneo e que abre. E a pessoa vai carregando aquilo durante o retiro. Tanto que o acompanhado fala que aquela palavra que ela falou o acompanhou, foi o ponto, ajudou durante o retiro. Daí tenho certeza de que não sou que que falo, mas são palavras de Deus mesmo. É Deus agindo. Eu fico com pena quando tem retiro, e as pessoas não procuram o acompanhamento (narrativa enviada por áudio).

Priscila também observa que cada experiência de Exercícios Espirituais é uma experiência nova e que algumas pessoas se acham experientes e rejeitam o acompanhamento. No final do retiro, acabam percebendo que, se tivessem procurado ajuda, o retiro seria melhor. Procurar acompanhamento, ela infere, é um ato de humildade.

Cada exercício é novo, mesmo que o texto seja o mesmo, ele é vivo. Algumas pessoas não procuram porque acham que já são experientes e perdem, isso atrapalha, quando chega no final do retiro, percebe que, se tivesse procurado ajuda, teria sido melhor. Eu sempre falo para os acompanhantes que procurar acompanhamento é um ato de humildade. Porque somente a pessoa humilde partilha com a outra, pois, além de se deixar ajudar, ela está ajudando, porque ela se deixa ajudar, mas está me ajudando, está partilhando a experiência dela, me faz crescer, me ajuda. A pessoa que não partilha, que não se deixa orientar, ela não mostra para outra pessoa o que Deus faz dentro dela. A partilha da oração é essa troca de experiência, é testemunhar a ação de Deus na outra. O acompanhante nada mais é que esse testemunho da ação de Deus naquela pessoa. É uma grande graça. Então, [é] através do discernimento e do acompanhamento que eu tenho essa graça do acompanhamento. Porque se eu não tivesse procurado acompanhamento e não tivesse feito um discernimento bem feito, não teria participado deste processo

(narrativa enviada por áudio).

O segundo relato é de uma leiga, Miriam, acompanhante de retiros em Itaici e Cecrei. Já morou em diversos lugares do Brasil, hoje vive no Sul, entre comunidades pobres da região metropolitana de uma grande capital; é solteira e mora sozinha.

Tento dizer algumas palavras em relação ao discernimento: é a luz de Deus que me faz trilhar com um olhar fixo na sua face, isso me leva, como mulher, a cada dia, e em momentos muito decisivos, a me olhar se é isto que neste momento e neste contexto histórico devo fazer e tomar como meta em minha vida. Então, o discernimento toma um lugar de reflexão, de entrar para dentro de mim e deixar que Deus fale comigo, para que eu possa ser no mundo de hoje, dentro daquilo que faço, uma mulher consciente e que procura a vontade de Deus. Minha meta no próximo ano é se dedicar ao acompanhamento. Minha principal missão realmente é acompanhar, gosto disso, sinto-me feliz em servir dessa forma

(narrativa enviada por áudio).

Miriam destaca o discernimento como luz de Deus que ilumina, reflete na sua própria face e a conduz a tomar decisões a partir Dele, sem abrir mão do contexto histórico, ou seja, olhando para a realidade que a cerca. Momentos decisivos em que o discernimento, afirma ela, toma lugar de reflexão e busca-se a vontade de Deus, deixando que Ele aja.

Recordamos, a partir desse relato, que o horizonte da vida de Jesus Cristo é o horizonte “epigenético” apresentado por Vázquez Moro (2001, p. 25), “pois esta contemplação nos conforma, ou seja, faz com que de alguma maneira tenhamos a forma de Cristo”. O autor afirma que isso se dá no confronto da própria teografia, as marcas de Deus no coração, com o horizonte da vida de Jesus Cristo, pois sem o confronto seria um exercício de pura introspecção, mas, na mistagogia, acontece uma saída de si para o tempo de Jesus. Essa leitura espiritual da vida se dá quando se lê vitalmente a Escritura8 8 Para conhecer mais sobre o tema, consultar Vásquez Moro (2001). .

O terceiro testemunho corresponde a uma leiga acompanhante de retiros, profissional liberal, solteira e residente em uma grande capital do Centro-Oeste. Cristina responde à pergunta sobre a importância do discernimento a partir da própria experiência. Define o discernimento como “um estilo de vida” que tem como ponto de partida uma atitude interior de abertura à condução do Espírito Santo e ajuda a estar “atenta ao Senhor” na vida cotidiana. Por esse caráter prático, considera que o discernimento atrai o leigo. Destaca o papel da orientação espiritual no exercício e no aprendizado do discernimento e afirma que esse seria o maior desafio para a promoção da espiritualidade, especialmente no contexto paroquial.

Para mim, o discernimento é um estilo de vida que me ajuda a me manter atenta ao Senhor, em meio às atividades cotidianas no trabalho, na família, na comunidade. O ponto de partida do discernimento é uma atitude interior de abertura para me deixar conduzir pelo Espírito Santo e estar mais disponível para realizar o que Deus me convida a viver no dia a dia. O discernimento acontece quando minha disposição interna se sintoniza com a graça e consigo ir além dos meus egoísmos para mais acertar que errar, nas variadas situações e demandas que a vida me apresenta. Além disso, o discernimento é uma prática e, por isso, pode ser aprendido e deve ser ensinado. Acredito que a dinâmica da orientação espiritual (acompanhar e ser acompanhado espiritualmente) configura-se como um meio privilegiado para exercitar o discernimento dos espíritos. Parece-me, também, que o discernimento, por seu caráter cotidiano, atualizável, prático e ético, mais se aproxima dos leigos e leigas do que os/as espanta. Porém, no âmbito paroquial, onde se concentram a maioria das leigas e leigos, a orientação espiritual é ainda pouco conhecida e difundida. Na minha opinião, aí está nosso maior desafio para a promoção da espiritualidade laical

(narrativa enviada por áudio).

O quarto testemunho é de Maria Aparecida: com 50 anos, é professora aposentada no Ceará, casada, tem filhos e netos. O relato vem a partir da experiência no acompanhamento de jovens e aponta que o discernimento ajuda para a eleição ou projeto de vida concretos, “sem ilusão”. E que estes reconhecem a importância do silêncio, da ordenação da vida diante do movimento do espírito.

Já faz algum tempo que acompanho jovens nos EE, às vezes, da Vida Cotidiana ou em retiros de fim de semana. Geralmente são jovens leigos, sem pretensão à vida religiosa ou sacerdotal. […] Nos acompanhamentos de jovens, surgem inúmeras questões, prós e contras, tanto na área profissional como pessoal. Os jovens se sentem muito interpelados quando se está aplicando as regras do discernimento. Sente a realidade deles, saber através da razão iluminada e ordenada pela fé. Sugiro que se deixem interpelar pelos bons sentimentos muito mais que pelos impulsos primários primitivos. Sempre lembro que é melhor seguir a razão. Assim, eles passam a sentir mais, a usar mais seus sentimentos, mas de maneira lúcida, iluminada, o que os aproxima de Deus, os deixa consolados. O que, de fato, os deixa bem, ao passo que os afasta de Deus não seja escolhido

(narrativa enviada por áudio).

Maria Aparecida relatou as dificuldades enfrentadas em situações diversas em que o acompanhamento espiritual contribui para a ordenação da vida dos jovens. No exercício do acompanhamento de mulheres jovens, observou que elas traziam problemas relacionados a relações amorosas vivenciadas de forma desordenada. Percebeu que as regras de discernimento e o reconhecimento do estado de consolação e de desolação ajudam muito a saber que caminho seguir. Sem preocupação doutrinal ou moral, aconselha aos jovens ouvir seus corpos e seus sentimentos, demonstra entender que o itinerário envolve o sujeito integralmente.

Algumas meninas, moças tão confusas, às vezes; alguns rapazes que não sabiam ao certo como se definir na sua opção sexual, às vezes. Eu pedia que ouvissem seus corpos, seus sentimentos e mais o que diz a razão para proceder do bom para o melhor. Para ouvir o espírito, de forma leve e suave, sem se sentir culpados por algum sentimento contrário àquela educação que receberam, e sempre caminhar com leveza, caminhar de forma devagar, simples, recorrendo sempre ao que [for] real de fato. Saber que nós, cristãos, temos muito o que sentir sobre como caminhar bem. Temos muito que aprender sobre como caminhar bem, temos muito que aprender com o autoconhecimento. O discernimento dos espíritos ajudou para uma eleição ou projeto de vida concretos. Sem ilusões. Os jovens apreciam estes processos. Eles mesmos, às vezes, lembram que estar quieto ou silencioso não é estar desolado. Mas andar bem. No “tanto quanto” de Sto. Inácio. No equilíbrio. Lembrei disto

(narrativa enviada por áudio).

O testemunho número cinco é de Mariana. Leiga de um grupo que vive a espiritualidade inaciana e acompanhante espiritual, vive no Sul do Brasil, é graduada em Teologia, casada e tem 2 filhos. Para ela, o discernimento inaciano é mais que um esforço em escolher entre o certo e o errado, é buscar conhecer a vontade de Deus para tomar decisões acertadas na vida cotidiana, é escolher o melhor para sua vida em conformidade com o projeto do Reino de Deus. O discernimento auxilia o(a) leigo(a) a descobrir o sentido da vida, e, assim, colocar-se como participante e mesmo protagonista no projeto de Deus. Mariana também ressalta a importância do acompanhamento espiritual, que é um instrumento do Espírito Santo para ajudar no discernimento bem-sucedido.

Comecei a fazer os Exercícios Espirituais em 2015 e fui me apaixonando por este modo de orar, o qual me levou a me aproximar realmente de Jesus e ter um encontro pessoal com Cristo. Depois desta experiência mística, mudei totalmente minha vida, parei tudo o que estava fazendo e comecei a buscar o que Deus realmente queria para minha vida. Senti profundamente o chamado do Senhor, porém, necessitava conhecer mais sobre Deus, os Exercícios Espirituais e sobre como poderia ajudar na edificação do Seu Reino. Fiz o curso de Teologia para um maior conhecimento do Deus Trindade, enquanto me aprofundava, através de cursos dados por padres jesuítas, nos Exercícios Espirituais e no acompanhamento e orientação espiritual. Hoje, já desenvolvo essa missão de acompanhamento espiritual e faço parte do Cadastro Nacional de Acompanhantes dos Exercícios Espirituais, ajudando pessoas que desejam buscar e encontrar a vontade de Deus em suas vidas. Acredito que esta missão, este servir a Deus e aos irmãos, é realmente um dom de Deus, é uma arte para a qual Deus foi me preparando e aos poucos me direcionando [...]

(narrativa enviada por escrito).

Mariana experimenta em sua missão de acompanhante que a conversação espiritual é inspirada e supõe uma atitude de escuta ao Espírito que coloca pensamentos em sua mente e palavras acertadas em sua boca.

E, nesta missão de acompanhamento, o Espírito de Deus vai colocando pensamentos em minha mente e palavras acertadas na minha boca, para que, carinhosamente, cheguem às pessoas que estão necessitando ouvi-las, que estão precisando sentir-se amadas por Deus, para as pessoas que estão em busca de um caminho para descobrirem a vontade do Senhor, o que Ele realmente deseja para suas vidas. E eu, como acompanhante espiritual, com a luz do Espírito Santo, com muito respeito e dedicação, faço esta escuta do exercitante, mostro, delicadamente, o caminho da oração e vou acompanhando o desenvolvimento de sua espiritualidade até que ele encontre o que mais procura: o Deus que está dentro do seu coração. [...].

(narrativa enviada por escrito)

Mariana nos contou, ainda, como aumentou a procura pelos Exercícios Espirituais durante o tempo da pandemia. O que parecia ser um empecilho, pois impediria de encontrar as pessoas pessoalmente, tornou-se um reinventar para descobrir e abrir mais as fronteiras do acompanhamento por via digital.

No relato seis, trazemos Sandra, leiga inaciana da CVX-sul, acompanhante de retiros espirituais, profissional liberal, casada, mãe e avó. Antes mesmo de falar sobre o acompanhamento, relatou como foi seu processo de se tornar comunidade-igreja e perceber que, antes de percorrer o caminho de salvação, deveria percorrer o caminho de conversão, que significou, para ela, a passagem de um envolvimento formal com a Igreja para a vivência de uma espiritualidade profunda. Ela ressalta a dificuldade de compreender a indiferença inaciana, que se revelou, para ela, condição de liberdade.

[...] Já vivi o “ser igreja” como um protocolo a mais a ser cumprido. Aos domingos, mascarada de cristã, participava da missa, sorria para agradar e, chegando em casa, providenciava outra fantasia. Era trabalhoso! Os sinais vieram. Muitos deles sobrevoaram nosso dia a dia com doenças amigas – porta-vozes de um grito alto e forte: “Sandra, é por aqui o caminho da salvação! Custei a compreender que, antes da salvação, era preciso percorrer o caminho da conversão. Caminho este esburacado, caminho difícil, recheado de perdas e humilhação. Deus, a Trindade Santa, não cabia num coração tão repleto de certezas, marcado pela autossuficiência, egoísta e presunçoso. Foi difícil abrir espaço para tanta novidade. Essa tal liberdade/indiferença inaciana chocava com regras que engessavam qualquer possibilidade de mudança – foi preciso que o corpo endurecesse e quase quebrasse –; a artrite representa bem esse período!

(narrativa enviada por escrito).

O enfrentamento de uma grave doença e a leitura da história de Santo Inácio fez com que compreendesse a enfermidade como oportunidade de conversão, a qual se efetivou no retiro de oito dias feito com o acompanhamento de uma leiga inaciana. Na experiência de Sandra, a tarefa de acompanhar se apoia nesta experiência de conversão, pois compreendeu, com a vivência, que o acompanhamento faz muita diferença no exercício do discernimento.

O cuidado com o corpo físico foi grande, mas o olhar para o espiritual continuou em segundo plano e, então, surgiu um lobo, que parecia me perseguir. Custei a compreender que sua presença sinalizava o perigo de continuar com o mesmo discurso e com todos aqueles subterfúgios. Ele me colocou na cama, me derrubou, e todos ficamos amedrontados, era o lúpus! Olhei de frente para a situação e, arreada num repouso sem fim, com a história de Santo Inácio, no livro Sozinho e a pé, como companhia, compreendi que a doença como amiga é uma grande chance, uma oportunidade de fazer a conversão no primeiro retorno e voltar às origens, ao essencial, ao simples!

Voltei para casa, e lá onde o Senhor e eu somos um, fui tentando descobrir qual é a vontade de Deus para mim. Sucesso, honras e vanglória foram todos pelo ralo. E, depois disso, quem era a Sandra? Chegou a hora de uma grande reforma de vida. Muito esforço, muita coragem e oração. Encarei o segundo retiro de oito dias, dessa vez acompanhada por uma leiga inaciana, e esse acompanhamento marcou minha vida. Saí de lá com a insígnia: “o fardo é leve e o jugo suave!”

Vieram outros retiros, outros muitos desafios e o entendimento de que minha missão é continuar a Missão do Cristo nas coisas mais simples da vida. Na lida e compreensão da própria Sandra, na família, no trabalho, nos relacionamentos. O acompanhamento faz toda diferença para que o ordenamento da minha vida, através da oração, possa ter o fiel da balança me ajudando! [...]

(texto enviado por escrito)

Com Sandra, verificamos que a missão pessoal é continuar a missão do Cristo, nas coisas mais simples, ordenar a vida através da oração, buscar, com ânimo e generosidade, encontrar a vontade de Deus e, com o exame diário, deixar espaço para a graça.

O sétimo testemunho é de uma leiga com experiência em retiro, mas que não atua como acompanhante. Contudo, apresentamos seu relato, pois, também, apresenta pontos importantes ao ser acompanhada sobre o discernimento espiritual. Suzana é leiga e participa de uma paróquia dos jesuítas em Fortaleza, Ceará. Ela narra a descoberta da oração contemplativa ao começar a participar de um grupo de partilha com acompanhamento de uma leiga.

O primeiro contato que tive com os Exercícios Espirituais de Santo Inácio foi através da minha acompanhante espiritual Laressa, a quem o Espírito Santo de Deus ungiu para me acompanhar nessa jornada surpreendente da descoberta do método inaciano da oração contemplativa. Iniciei com a semana de oração acompanhada, através do CIES, após um convite abençoado e inesperado da minha amada Laressa, no final do ano de 2012. Após a introdução ao método, comecei a percorrer uma caminhada mais longa… que levaria cerca de um ano. Éramos um grupo de quatro na partilha, contando sempre com o acompanhamento repleto de discernimento e discrição da Laressa. Até então, mesmo tendo contato com a Palavra de Deus desde minha infância, nunca havia desfrutado da graça da oração contemplativa (nasci e cresci em uma tradicional Igreja Protestante – Metodista e posteriormente, Presbiteriana – sim… converti-me à Igreja Católica após adulta!)

(narrativa enviada por áudio).

Assim como Sandra, a descoberta da oração, segundo a orientação inaciana, representou a passagem de uma experiência formal para uma vivência pessoal. Suzana ressalta, também, a importância do acompanhamento pessoal.

Dessa forma, silenciar, fazer a oração preparatória, pedir a graça, ler e reler o texto bíblico, colocar-se na cena, ser personagem no momento em que se dá o episódio bíblico, usar os sentidos e perceber as moções do espírito, eram totalmente novidade para minha conversa com Jesus! Além disso, Laressa nos mostrou os três graus de humildade, os três tipos de pessoas, o caminho para fazermos a eleição. Enfim, periodicamente, nos reuníamos para a troca de experiências de oração… e como crescemos nesse período! Louvor a Deus por tudo! Desde que aprendi esta maneira de orar, tenho vivenciado momentos únicos e, muitas vezes, indescritíveis de experiência pessoal com o Senhor Jesus, com Nossa Senhora… com os anjos! Passei a relatar em caderninhos as experiências com a contemplação, para que momentos tão preciosos não se percam da minha mente e coração. Esses escritos auxiliam na revisão da minha oração e na minha revisão de vida! Tamanha alegria sinto em ter feito a experiência de oração através do método inaciano, que passei a ser uma propagadora do método. Sempre que tenho oportunidade de falar às pessoas, menciono esta riqueza espiritual que herdamos de Santo Inácio de Loyola. Há muito mais para relatar, para partilhar, mas gostaria de deixar registrada, aqui, nestas poucas linhas, todo o meu carinho, respeito, amor, admiração pelo incansável trabalho de acompanhante espiritual da Laressa. Ela é a protagonista de um dos capítulos mais lindos da história da minha vida: “Conhecendo os Exercícios Espirituais de Santo Inácio!” “Tudo para a maior glória de Deus!” Sempre!

(narrativa enviada por escrito)

No relato acima, entre outras coisas, a acompanhada apresentou a oração, o silêncio e a contribuição da acompanhante em sua caminhada de discernimento, reforçou a importância da revisão da oração e ainda mencionou a alegria da experiência que não cabe nela e compartilha, sempre que é possível, com outras pessoas.

Diana, do Nordeste do país, casada há mais de 30 anos, tem três filhos jovens, é administradora de empresas e possui diversas formações acadêmicas. Ela nos apresentou a importância de sua própria experiência antes de ser acompanhante. Houve a necessidade de silenciar-se para olhar a realidade e buscar luzes para a ação. Percebeu que a leitura das moções em si mesma é o que capacita para a escuta do outro. Entendeu que a tarefa de acompanhante espiritual consiste na escuta do exercitante, ausente de julgamentos e com total abertura e acolhimento à sua humanidade; e que acompanhar é testemunhar a ação do Espírito Santo na vida dele. Essa tarefa tem no seu horizonte a transformação do mundo e o chamado à santidade no ordinário da vida.

Percebo o discernimento inaciano como um grande tesouro para a vocação laical. Como acompanhante espiritual, o primeiro e imprescindível passo é experimentar, em minha própria vida, esse caminho! Na minha história, percebo como o silenciar, o mergulhar nas minhas sombras, acolhendo-as, e permitir brilhar a luz que é a presença de Deus em mim, em todos e em todas as coisas, tem sido essencial! Esse caminho me leva a discernir, a cada momento da vida, as decisões e ações que conduzem a um bem maior, à construção do Reino de Deus, que é feito de amor, compaixão, justiça e verdade.

Quando acolho minha humanidade e aprendo a ler as moções que me habitam, posso, então, ser instrumento para os outros, por meio de uma escuta ausente de julgamentos. A escuta profunda do outro, com total abertura e acolhimento à sua humanidade, é palco no qual posso contemplar a ação do Espírito Santo. Para tanto, além de trilhar sempre meu próprio caminho, busco desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes que me capacitem a ser um bom instrumento.

Acredito, verdadeiramente, que vivenciar e ajudar outros a vivenciarem o discernimento inaciano constitui um meio eficaz de transformação do mundo, assim como fermento na massa. Ao acompanhar outros, sou apenas testemunha dessa grande graça à qual todos somos chamados, que é a santidade na vida ordinária! E sou muito grata por essa missão!

(narrativa enviada por áudio)

Com o nono testemunho, Clara, profissional liberal, aposentada, com dois filhos e quatro netos, relatou que discernir é quando o seu desejo mais profundo coincide com o desejo de Deus. Para ela, a atuação como acompanhante espiritual pressupõe o conhecimento das “próprias feridas” e desejos. Implica, também, a percepção do próprio amadurecimento espiritual.

[...] Percebo que contribuo para que os exercitantes façam um discernimento de acordo com o que Deus quer de cada um deles, ou seja, entendo que discernir é quando o meu desejo mais profundo coincide com o desejo de Deus. Sim, porque Deus não impõe nada que não desejemos, pois só assim poderemos realizar nossa missão como filhos amados d’Ele.

O discernimento espiritual pressupõe o discernimento humano, este requer que o exercitante tenha conhecimento de suas feridas e que as cure. Se isso não for trabalhado, corre-se o risco de não fazer uma boa escolha. Com o conhecimento do que está por trás dos nossos mecanismos de defesa e a integração deles, é que podemos iniciar o discernimento espiritual e ordenar as nossas afeições desordenadas, como fala Sto. Inácio nos EE

(narrativa enviada por áudio).

O décimo e último relato é de Clarice, do Sudeste do país, leiga da CVX e funcionária de uma universidade. Também para ela a espiritualidade inaciana representou uma passagem, um caminho de aprofundamento em sua forma de participação eclesial, a proposta de um encontro com Deus amoroso e misericordioso. A experiência despertou o desejo de ser acompanhante espiritual e motivou a busca de formação para isso.

Leiga de espiritualidade inaciana, casada. Católica, meu pai foi da Congregação Mariana. Desde criança participei na Igreja, pastorais, pastoral da juventude. Por volta dos 25 anos, participando de um círculo bíblico, tive contato com a Espiritualidade Inaciana. Tinha sempre um desejo, o de buscar a vontade de Deus para minha própria vida, com o desejo muito profundo de que essa vontade de Deus não fosse diferente do que fosse minha própria vontade pessoal. Ao encontrar a espiritualidade inaciana, que trazia, na sua essência, a proposta do discernimento e do encontro com um Deus amoroso e misericordioso que vai escrevendo na nossa vida à medida que caminha conosco, eu fui descobrindo que era [o] encontro da vontade dele com a minha que dava sentido a minha vida. Aos poucos fui caminhando nessa espiritualidade [e] comecei a descobrir em mim um chamado para orientar pessoas, retiros, acompanhar pessoas; fui, então, me aprofundando, tanto em oração como em formação, para esse trabalho, essa missão, que vê como a graça de Deus na sua vida.

Talvez pela natureza pela qual fomos preparadas. Cuidar do lar, do filho… a maternidade e o cuidado cansam, esgotam, isso tudo cansa e isso eclode no processo do discernimento e passa pela minha vontade em encontro com a vontade de Deus. À medida que se acompanha, se percebe que o deus [que] foi apresentado é sempre um deus do sofrimento, da dor. À medida que vamos descobrindo e discernido, vemos que esse Deus é um deus amoroso

(narrativa enviada por vídeo).

Ao longo desse tempo, acompanhou várias mulheres, olhando seu próprio processo e o delas. Como mulher leiga, percebeu que as mulheres têm uma dimensão muito grande do cuidado. Relatou ainda algo simples, num primeiro momento, que é a mudança da compreensão que se tem de Deus. À medida que se avança na proposta dos EE, Deus vai se desvelando como um Deus amoroso o que possibilita, num segundo momento, a experiência desse amor transformador que leva à práxis.

Considerações finais

Como pudemos constatar, os relatos femininos, em princípio, confirmam que o discernimento cria no(a) exercitante uma abertura para perceber o desígnio de Deus em meio aos desafios da realidade, bem como engaja em uma causa. É uma prática que move à busca da vontade divina para a própria missão, elegendo a maneira concreta de viver o amor cristão no mundo.

Destaca-se, ainda, que o(a) exercitante, no processo do discernimento, transforma-se a si mesmo para conduzir a criação à vivência amorosa, descobre o sentido da vida, e ganha força para engajar-se na transformação da sociedade, conforme orienta o Concílio Vaticano II: “promovam toda a sociedade e a criação a um estado melhor.” (LG, n. 41). Ademais, ela contempla na ação – procura encontrar Deus em todas as coisas, na sua disponibilidade de leiga, e é como mulher que encontra essa disponibilidade. As mulheres ouvidas narram a experiência da transformação de si, por meio dos Exercícios Espirituais Inacianos, experiência que dá a elas segurança para atuarem como acompanhantes.

Observamos, por meio dos testemunhos, que a atuação feminina, no contexto da Espiritualidade Inaciana, está centrada na escuta profunda do outro e que seu saber para realizar a tarefa do acompanhamento espiritual está apoiado mais numa experiência pessoal do que em uma formação teórica. A busca de formação, conforme o testemunho 10, não é sentida como pré-requisito para o exercício do acompanhamento, mas sim, graças à experiência, como recurso que, ao lado da oração, contribui para a melhor realização do acompanhamento, o qual é mais um testemunho da atuação de Deus no(a) exercitante que uma forma de condução.

O acompanhamento espiritual, na perspectiva dos relatos, é uma atividade passiva, no sentido em que supõe o esforço orante de testemunhar a presença de Deus na vida daquele que se acompanha na partilha. A tarefa deve ser uma atitude de escuta aberta e sem pré-julgamentos nem fórmulas prontas. Em praticamente todos os relatos, fala-se que o conhecimento que capacita para o acompanhamento é do tipo iniciático, e se reconhece a importância da partilha com o grupo e com o(a) orientador(a) espiritual.

É, também, marcante, nos testemunhos, o reconhecimento da importância do autoconhecimento, “o conhecimento das próprias trevas”, dos próprios limites. A humildade é vista como uma virtude imprescindível para a aquisição da abertura necessária ao aprofundamento da espiritualidade. Conforme vimos do relato de Priscila, “para o discernimento, precisa ser humilde”; por isso, ela lamenta que algumas pessoas que se acham experientes rejeitem o acompanhamento. Os Exercícios Espirituais ajudam a reconhecer a fragilidade humana, percepção necessária para o desenvolvimento de uma atitude de abertura e acolhida da vontade de Deus dirigida à pessoa.

Por meio dos testemunhos, percebe-se que a atuação das mulheres como acompanhantes não está na dependência de um “pregador”. Embora apresentem a consciência da simplicidade e a importância da humildade, demonstram que a tarefa está apoiada na confiança da atuação de Deus na vida do(a) exercitante. São convictas de que o retiro se dá, efetivamente, na oração pessoal e que a partilha da qual participam é um elemento fundamental para a experiência dos Exercícios Espirituais. A “pregação”, que em geral é feita por um sacerdote e muito valorizada, não aparece como hierarquicamente mais importante.

Com a apresentação dessas narrativas femininas, enfim, não esgotamos a pesquisa, apenas a iniciamos, dando voz a um amplo universo de testemunhos e experiências sobre a centralidade do discernimento na vocação laical feminina a partir dos Exercícios Espirituais Inacianos. Em sua análise, observa-se o quanto o papel da acompanhante no discernimento torna-se essencial para o crescimento espiritual na busca pela santidade.

  • 1
    A palavra “espiritualidade” estava marcada até meados do século XX pela visão de que a santidade era para sacerdotes, religiosos e religiosas, aqueles que por seu estilo de vida “afastado do mundo” teriam melhores condições para desenvolver uma vida de oração.
  • 2
    Lembramos aqui a Encíclica do Papa Bento XVI (2005)BENTO XVI, Papa. Encíclica Deus caritas est. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2005. Disponível em: https://bit.ly/3stIc1E. Acesso em: 18 abr. 2021.
    https://bit.ly/3stIc1E...
    , Deus Caritas Est, e sua reflexão sobre eros e ágape.
  • 3
    Muito se produziu sobre o discernimento inaciano. Na impossibilidade de trazer a este artigo o grande número de referências e não sendo nosso objetivo elaborar um estudo sobre o discernimento inaciano, optamos por usar como referência para este ponto, a excelente reflexão teológico-espiritual de João Batista Libanio que situa o discernimento inaciano na tradição da Igreja.
  • 4
    Dada a natureza da amostragem em bola de neve, ou snowball, não é considerada uma amostra representativa para fins estatísticos. No entanto, é uma técnica muito boa para conduzir pesquisas exploratórias e qualitativas com uma população específica e relativamente pequena. Identifica-se uma ou duas pessoas do grupo específico, em seguida, solicita-se que as pessoas indicadas apontem novos contatos com as características desejadas a partir de sua própria rede pessoal e assim sucessivamente; dessa forma, o quadro de amostragem pode crescer a cada entrevista, caso seja do interesse do pesquisador (VINUTO, 2014VINUTO, J. A amostragem Bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas, Campinas, v. 22, n. 44, p. 203-220, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3edJOY7. Acesso em: 18 abr. 2021.
    https://bit.ly/3edJOY7...
    ).
  • 5
    Devido à pandemia da Covid-19, muitos retiros acontecem de maneira remota.
  • 6
    Texto enviado às mulheres que participaram como colaboradoras na pesquisa.
  • 7
    “Priscila” é um nome fictício que demos às mulheres para criar uma maior dinâmica ao texto e manter o sigilo das que enviaram seus relatos. Seguiremos dessa mesma maneira nos outros relatos.
  • 8
    Para conhecer mais sobre o tema, consultar Vásquez Moro (2001)MORO, U. V. A orientação espiritual: mistagogia e teografia. São Paulo: Loyola, 2001. (Leituras e releitura, 2)..
  • *
    Estudo de caso realizado pelas autoras e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP – PUC/PR). O número do Parecer Consubstanciado do CEP é 4.667.671.

Referências

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  • FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos membros da comissão teológica internacional Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3amaRzk Acesso em: 18 abr. 2021.
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  • FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos participantes na plenária do pontifício conselho para a cultura Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3x4ZF3H Acesso em: 18 abr. 2021.
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  • FRANCISCO, Papa. Exortação apostólica Evangelii Gaudium Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2016. Disponível em: https://bit.ly/2RONsAl Acesso em: 18 abr. 2021.
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  • FRANCISCO, Papa. Exortação apostólica Gaudete et Exsultate sobre o chamado à santidade no mundo atual São Paulo: Paulus, 2018.
  • FRANCISCO, Papa. Documento final do Sínodo para a Amazônia Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2019. Disponível em: https://bit.ly/2OXYBgU Acesso em: 18 abr. 2021.
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    » https://www.jesuitasbrasil.org.br/2018/07/18/artigo-o-cristao-leigo-e-os-exercicios-espirituais/
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    » https://bit.ly/3edJOY7

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2021
  • Aceito
    09 Jul 2021
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