Acessibilidade / Reportar erro

A REGRA LITÚRGICA E O JOGO SIMBÓLICO * * Este artigo é fruto da Tese Doutoral La loi de la liturgie: pour une théologie de la normativité liturgique (A lei da liturgia: por uma teologia da normatividade litúrgica), defendida em 2020, na Universidade Católica de Pernambuco, Recife/PE. O trabalho foi orientado pelos professores Patrick Prétot (Institut Catholique de Paris) e Gilbraz Aragão (Unicap). A Tese está disponível em: http://tede2.unicap.br:8080/handle/tede/1402

The Liturgical Rule and the Symbolic Play

RESUMO

As normas da liturgia foram constantemente compreendidas a partir de um horizonte jurídico englobado pelo direito canônico positivo, e isso sem necessariamente considerar o enraizamento das normas na complexa realidade humana. A partir de alguns estudos feitos por C. Lévi-Strauss, J. Henriot, E. Fink, R. Caillois, C. Duflo, E. Ortigues, R. Guardini, H. Küng, L-M. Chauvet, e M. Brulin sobre o jogo e o símbolo, este artigo busca mostrar que, ultrapassando os limites estabelecidos pelo direito, a regra da liturgia é profundamente enraizada em princípios partilhados ao mesmo tempo pelas ciências sociais e a teologia. A abordagem desta problemática, além de contribuir na reflexão sobre o fundamento do caráter jurídico das práticas litúrgicas, pode ajudar a reconhecer a vida litúrgica como fonte de suas normas.

PALAVRAS-CHAVE
Normas litúrgicas; Práxis ritual; Jogo; Símbolo; Ciências Sociais

ABSTRACT

The norms of liturgy have often been understood within a judicial horizon, bounded by positive canonical law, without necessarily taking into consideration the grounding of these norms in the complexity of human reality. Based on studies conducted by C. Lévi-Strauss, J. Henriot, E. Fink, R. Caillois, C. Duflo, E. Ortigues, R. Guardini, H. Küng, L.-M. Chauvet and M. Brulin on the play and the symbol, the present article seeks to show that, beyond the bounds established by law, the rule of liturgy is deeply rooted in the principles shared by both the social sciences and theology. Addressing this problem, in addition to contributing to the reflection on the basis of the judicial character of liturgical practices, can help to recognize liturgical life as the source of its norms.

KEYWORDS
Liturgical Norms; Ritual Praxis; Play; Symbol; Social Sciences

Introdução

As categorias de jogo e de símbolo, usadas tanto por liturgistas como por teólogos, são importantes na medida em que elas ajudam a compreender a ritualidade não só como um fenômeno da vida humana, mas como constitutiva desta. Certamente, pensar a liturgia como “jogo” simbólico não é uma novidade. De fato, a “descoberta” da dimensão antropológica do fato religioso aconteceu juntamente com o surgimento das Ciências Humanas e Sociais no século 19. A realidade passou a ser considerada a partir da constatação de sua complexidade e a ser estudada sobre diversos aspectos e campos de pesquisas classificados por categorias: história, antropologia, sociologia, psicologia etc. No alvorecer do século 20, o Movimento Litúrgico e todos os trabalhos em liturgia que o seguiram passaram a abraçar esse tipo de procedimento. Foi assim que o teólogo R. Guardini (2007, p. 57-86) empregou a noção de “jogo” e de “símbolo” para manifestar a profundidade da vida litúrgica. Mesmo sem ser o assunto principal de suas pesquisas, a dimensão normativa transparece como um elemento importante. Assim, se a dimensão lúdica e a dimensão simbólica carregam uma normatividade intrínseca, o jogo e o símbolo devem ser analisados a fim de se alcançar uma maior inteligência da normatividade em matéria de liturgia. Efetivamente, não existe jogo sem regras; não há símbolo fora de balizas que estabeleçam seu sentido e suas raízes antropológicas. Assim, sem considerar como categorias postas “a priori”, buscaremos analisar essas duas dimensões para melhor entender em que medida o caráter normativo da realidade lúdica e da realidade simbólica influenciam na normatividade das celebrações litúrgicas para além das normas escritas.

1 O lúdico e o litúrgico

Fora do debate científico contemporâneo ou de uma abordagem poética do fato litúrgico, o paralelismo entre os jogos em suas diversas expressões e a liturgia é rechaçado pelo senso comum, o qual acredita que a “seriedade” da liturgia garante a sua sacralidade. Em se tratando das artes cênicas, em detrimento da grande história do teatro e do cinema, o lúdico é comumente considerado como algo muito humano e até mesmo ilusório ou fantasioso. Artistas (e jogadores) são vistos de forma ambígua: ao mesmo tempo admirados e considerados não necessários. Esse modo de pensar continua hoje a se propagar em nossa cultura como um rio subterrâneo. As expressões populares “pare de representar” ou “acabe com esse drama” indicam uma estigmatização que busca eliminar a verdade como um dos elementos essenciais do lúdico. De fato, desde a antiguidade, dentro da perspectiva aristotélica, a poesis e a arte são vistas como inferiores à metafísica (teologia), que era considerada uma instância nobre acessível unicamente ao intelecto. Assim, problematizar a liturgia a partir do lúdico como categoria referencial, qualificando-a como um tipo de jogo, poderia trazer o risco de atribuir à liturgia uma certa conotação pejorativa que comumente recai sobre o lúdico.

Contudo, algumas expressões artísticas, que apresentam o lúdico de forma acentuada foram mais facilmente assimiladas e empregadas pela liturgia cristã. Possivelmente isso se fundamenta no fato de que algumas formas de arte que são consideradas mais “harmônicas”, matematizáveis e racionais, logo “mais adequadas1 1 Essa expressão faz menção à filosofia existencialista de Heidegger, particularmente a seu estudo “Sobre a essência da verdade” que, segundo ele, foi associada à ontologia platônica e a noção de adequação. Assim, o que é verdadeiro é o que é conforme a, como aquilo que se espelha com o que já existe no “mundo das ideias”. Resta-nos reproduzi-lo o mais fielmente possível. Maior é a semelhança, mais verdadeira é a coisa; menor a semelhança, menos verdadeira é a coisa (LAFFITTE, 1995. p. 14). ” e conformes à dimensão estrutural e formal das celebrações cristãs, que carregam a responsabilidade de manifestar a fé do corpo eclesial. Seria o caso da música, considerada mais precisa, mais abstrata, mais facilmente mensurável e assim mais “celeste2 2 Sobre essa temática, ver o trabalho de F. STAL. Jouer avec le feu. Paris: Institut de Civilisation indienne (série in-8°, fascicule 57), 1990. ”. Desse modo, outras expressões mais livres e aleatórias, e que seriam mais facilmente relacionadas à vida teatral, como a interpretação exigida dos que assumem o ministério litúrgico da presidência, por exemplo, acabaram submetidas aos limites impostos por rubricas cada vez mais específicas. Outro exemplo emblemático é o da dança. Esta forma de arte-jogo que remete ao corpo e à sexualidade de modo mais explícito foi quase sempre excluída das formas litúrgicas legítimas no contexto cristão neoplatônico, e isso em detrimento das raízes profundas entre a dança e o rito. É verdade que a história da arte está cheia de tensões e contradições, situando-se entre o sublime e a marginalidade: o que é excepcional se opõe aos limites da verdade como adequatio. De fato, no passado e ainda hoje, a representação compreendida como verdade travestida, como falsificação, mantém uma relação tensa com a consciência do real e a da verdade. O lúdico está sempre sobre o fio da espada, à beira do abismo, lugar dramático e instável. E assim, ele está mais próximo da experiência mística do que se imagina. Ao mesmo tempo visceral e periférico, espaço criativo livre e exigente, ordenado e regulamentado, gratuito e oneroso, gratificante e desafiador, o lúdico mantém uma relação profunda com a religião, particularmente no seu aspecto ritual, como ressalta E. Fink, a respeito da relação entre o jogo e as realidades “divinas”:

Em Heráclito, os deuses e os homens estavam relacionados com “o fogo sempre vivo”, eles eram os imitadores, os criadores subordinados a toda potência produtiva. Sua força poética se fundamenta sobre o jogo do mundo. Na medida onde os deuses e os homens tiram cada qual sua existência da relação cósmicas, uma grande diferença os separa, mas não há um abismo intransponível como mostra o fragmento 62 de Heráclito3 3 Propomos a tradução de Pepin para o fragmento 62 de Heráclito (αθνατoι θνητoι, θνητoιαθνατoι, ζωντεs τòν εκεἰνων θανατoν, τòν δε εκεἰνων βιoν τεθνεωτεs): “os imortais são mortais, os mortais são imortais, pois a vida de uns é morte dos outros, e a morte de uns é a vida dos outros” (PEPIN, 1970, p. 549). . Portanto, quanto menos nós buscamos representar a relação mundana comum aos deuses e aos homens, mais se afirma a diferença ente os seres celestes e os mortais; assim, nós interpretamos a essência do homem a partir da distância que separa este do deus. Esta tendência torna-se dominante no início da metafísica ocidental. Mas, Platão mesmo concebe a relação entre os deuses com os homens como um jogo. Ele chama o homem de “um brinquedo de deus”, um paignion theo

(FINK, 1966FINK, E. Le jeu comme symbole du monde. Paris: Minuit, 1966., p. 29-30).

A ligação entre o jogo e o divino, o jogo e o mistério, não é, pois, uma invenção contemporânea. Definitivamente, o que está “em jogo” é a relação entre o ser humano e o divino. Consequentemente, as regras que garantem esta relação são fundamentais. Não obstante, no imaginário cultural acidental, o jogo se revela ambíguo: ele tanto é perigoso e considerado uma atividade de pessoas desocupadas4 4 O pensamento de S. Agostinho ilumina nosso propósito. No capítulo dez do primeiro livro das Confissões, ele aborda o jogo de maneira negativa. Ele apresenta que a paixão pelo jogo é como uma das coisas que afastam de Deus (AUGUSTIN, 1962, p. 299-303). , que correm o risco de se perderem no vício de jogar se afastando do que seria um comportamento razoável, e tanto é educador enquanto meio de aprendizado da vida adulta ou ainda estruturante da vida humana, uma vez que é parte integrante e fundamental da existência. O jogo se caracteriza pela abertura ao imprevisto, o que implica numa certa liberdade e gratuidade como exigência para aqueles que se arriscam a jogar. Se na perspectiva da mitologia grega os deuses jogam com os humanos e os “manipulam”, no regime cristão, “o jogo” entre Deus e o seres humanos orienta toda a vida humana para Deus. O jogo integra, deste modo, o processo de conversão amorosa, sem tirar a liberdade da comunidade de fé. De uma maneira poética, H. Küng explicita esta realidade sobre o Deus ludens:

O jogo mais formidável é Deus que joga com o mundo e com o ser humano, que são ao mesmo tempo parceiros e desafio; é o jogo que ele mesmo começou e que ele não estabeleceu anteriormente as regras: sem jogar com Deus, o mundo sustentado por ele deve poder jogar seu próprio jogo, o ser humano não deve ser um brinquedo de Deus, mas um parceiro livre de jogo

(KÜNG, 1981KÜNG, H. Dieu existe-t-il? Réponse à la question de Dieu dans les temps modernes. Paris: Seul, 1981., p. 753-754).

Essa síntese é o fruto da reflexão de Küng sobre a existência de Deus, a relação entre o ser humano e a natureza, as “leis naturais” e a sorte. O caráter regulamentado do jogo é apresentado como uma evidência: se existe jogo, existem regras! Elas estão para o jogo como uma condição necessária à sua efetiva realização. A relação entre Deus e o ser humano é traduzida pela metáfora do jogo cujas regras garantem a ação lúdica, a liberdade entre os parceiros e o desenvolvimento de suas potencialidades. É certo que Küng não se refere aqui à liturgia. Ele busca explicitar a relação entre Deus e o ser humano no qual Deus é o mestre do jogo, sem, portanto, fazer do ser humano um joguete. O Deus cristão acampa com os seus, ele faz sua tenda em meio a seu povo, ele o acompanha até o ponto de assumir a carne humana e partilhar radical e eternamente o destino da humanidade. Assim, o pensamento de Küng se afasta do paignion theou platônico e ajuda a compreender a relação entre a liturgia e lúdico. Não seria a liturgia a melhor imagem “do jogo” entre Deus e o ser humano? Se essa afirmação é verdadeira, de onde emergem as regras do jogo da liturgia?

1.1 Abordagens e distinções gerais entre o jogo e a liturgia

A partir de uma perspectiva situada entre a história e a sociologia, que nós poderíamos qualificar de antropologia sociológica, e sem se limitar a uma tipologia da realidade lúdica, R. Caillois5 5 Caillois (1958, p. 25-51) é consciente de que uma tipologia nunca chegará a definir todos os tipos de jogo, porém ele propõe as seguintes rubricas: agôn (jogo de competição), alea (jogo de sorte), mimicry (jogo de simulacro) et ilinx (jogo de vertigem). , segundo as inspirações do historiador J. Huizinga (1988)HUIZINGA, J. Homo ludens. Essai sur la fonction sociale du jeu. Paris: Galimard, 1988., apresenta as características gerais do jogo. O jogo é, a seus olhos, uma atividade humana livre e voluntária, que se realiza nos limites do espaço e do tempo, mas também incerta, “improdutiva”, ficcional e regida por regras “precisas, arbitrárias, irrecusáveis... imperiosas e absolutas6 6 O termo “arbitrárias” deve ser compreendido no sentido de que as regras são impostas aos jogadores sem considerar outra realidade que não seja o jogo em si, nos limites do espaço e do tempo fixado (CAILLOIS, 1958, p. 16-21). ”. Nos diferentes tipos de jogo, essas características gerais não estão todas presentes sistematicamente, nem ao mesmo tempo, nem do mesmo modo. Cada tipo de jogo pode se limitar a uma ou mais características, sem, porém, perder a sua natureza lúdica. Para Caillois, o ser humano se define como homo laudes. Sua noção de paidia é elaborada a partir do grego antigo παῖς (as crianças), que se relaciona a um grupo de palavras como παιδεία (educação, cultura), παίζω (jogar, se divertir, se distrair), buscando remeter seu leitor às atividades que estão nas origem do ato de jogar. Sobre isso, ele afirma que

Em geral, as primeiras manifestações da paidia não têm nome e não necessitavam ter, precisamente por que elas permaneciam para além de toda estabilidade, de todo signo distintivo, de toda existência claramente diferenciada que permitiria ao vocabulário de consagrar sua autonomia por intermédio de uma denominação específica

(CAILLOIS, 1958CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige. Paris: Gallimard, 1958., p. 55).

Da paidia ao ludus, e das “formas culturais que permanecem à margem do mecanismo social” passando pelas “formas institucionais integradas à vida social” até a sua “corrupção” (CAILLOIS, 1958CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige. Paris: Gallimard, 1958., p. 92), o fato de jogar marca o ser humano e todas as suas atividades, mas com graus distintos. Logo, cada vez que o ser humano está presente, existe jogo! Fazendo um paralelo entre a realidade litúrgica e as caraterísticas do jogo, tomando como referência a tipologia de Caillois, é possível constatar que essas duas searas possuem certa afinidade. De forma similar ao jogo, a liturgia é uma atividade livre, voluntária, regulamentada, limitada no espaço e no tempo, mas também, e até certo ponto, “incerta” e “improdutiva”. No mais, ela comporta alguns elementos que poderíamos qualificar, a partir de seu caráter simbólico, como “ficcionais”. Ainda seguindo o pensamento de Caillois (1958, p. 92)CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige. Paris: Gallimard, 1958., poderíamos classificar a liturgia como aparentada as atividades lúdicas que tomaram forma institucionais e instituionalizantes. Isso decorreria do fato de que a liturgia se apresenta como uma expressão ritual institucionalizada responsável por revelar a natureza da Igreja enquanto instituição e enquanto “mimicry”, imagem atualizada de uma realidade futura que se manifesta ato de celebração. Entre as formas institucionais e a imagem atualizada, o “jogo da liturgia” se realiza na perspectiva da mimesis, visando antes de tudo uma finalidade que ultrapassa a representação da mimicry. E ainda: essa realidade não está completamente enquadrada pela instituição como é o caso das instituições “perfeitamente” integradas à vida social. De fato, de acordo com seu fundamento pascal (SC, n. 5-6), a liturgia é sempre anunciadora de uma novidade. Assim, ela vem na contracorrente, suscitando uma reviravolta, uma “revolução”, e instaurando uma ruptura permanente a fim de garantir uma permanente abertura, como o túmulo aberto na manhã da ressurreição, e se projetando no futuro.

Diferentemente de Caillois, que não apresentará o fenômeno religioso a partir da perspectiva lúdica, E. Fink, o fará. Seu programa consiste em pensar o jogo dentro da compreensão do mundo como um espaço lúdico e simbólico no qual o símbolo é o meio privilegiado na relação entre o mundo e ser humano. O símbolo é tão fortemente verdadeiro e sério que ele “dissimula” a dimensão lúdica. A abordagem de Fink (1966, p. 148)FINK, E. Le jeu comme symbole du monde. Paris: Minuit, 1966. é importante na medida em que, além de relacionar o simbólico e o lúdico, ela evidencia essa dissimulação operada pelo símbolo cultual com relação ao jogo, ocultando o caráter lúdico da liturgia. Portanto, ambos integram a natureza da liturgia. Se o caráter simbólico oculta o caráter lúdico da liturgia, um não elimina o outro. Porém, torna-se mais fácil compreender de onde vem as dificuldades de se pensar a liturgia como jogo. Num paralelismo entre a vida dos deuses, onde esses na sua divina soberania como entidades “imperecíveis e que não necessitam amar, trabalhar e lutar” (FINK, 1966FINK, E. Le jeu comme symbole du monde. Paris: Minuit, 1966., p. 149) e a vida humana marcada pela fragilidade, pelo amor e pelo trabalho, o jogo ritual seria como uma maneira de imitar os deuses, de se aproximar deles, de entrar em relação com eles (FINK, 1966FINK, E. Le jeu comme symbole du monde. Paris: Minuit, 1966., p. 149-150). O ser humano tece essa relação em razão da consciência de sua finitude, de seu estatuto mortal. Imitar o jogo dos deuses é uma maneira de se aproximar da imortalidade. Portanto, isso acontece no mundo, lugar da existência humana, com seus limites e circunstâncias. O simbolismo cultual é usado como recurso a fim de ultrapassar estas limitações impostas pela realidade intramundana, e esse acaba por ocultar a dimensão lúdica. Esta perspectiva sobre a dimensão cultual das religiões e a relação entre os deuses e os seres humanos está diretamente ligada ao processo de divinização do ser humano, sem, contudo, apagar a necessária distinção entre eles. Parece que só o jogo simbólico ritual seria capaz de traduzir uma realidade que transparece como espelho, revelando o verdadeiro sentido da vida humana.

1.2 A regra do jogo ritual

Quando se trata das regras do jogo, a reflexão de C. Lévi-Strauss aprofunda esta de Fink: o simbólico e a relação entre os participantes e as regras são elementos partilhados ao mesmo tempo pelo jogo em geral e pelo ritual. Poder-se-ia falar de uma ritualidade difusa ou de um ludismo generalizado. Porém, esses elementos não agem da mesma maneira nos dois casos. Os participantes do jogo entram numa ação disjuntiva que termina por estabelecer um distanciamento entre os participantes que deveriam estar em pé de igualdade ao menos a princípio. O jogo ritual, ao contrário, é uma ação conjuntiva, que promove a aproximação entre as pessoas, que estavam, no princípio, distantes e separadas por níveis diferentes (LEVI-STRAUSS, 1962LEVI-STRAUSS, C. La pensée sauvage. Paris: Plon, 1962., p. 47). É verdade que essa teoria pode ser contestada pelo fato de que alguns ritos de passagem que colocam à parte os neófitos (mesmo que seja para depois os integrar completamente) e as brincadeiras (jogos de divertimentos) podem provocar uma conjunção entre os parceiros. No entanto, o princípio geral de que as regras do jogo em geral promovem uma certa simetria inicial entre os participantes, e a assimetria é acidental e ocasionada pelo acaso, e que as regras do jogo ritual buscam superar a assimetria inicial em vista da comunhão de todos, parece permanecer. Isso porque, em se tratando de liturgia, “o ‘jogo’ consiste em promover todos os participantes do lado ganhador, por meio de eventos cuja natureza e o ordenamento têm um caráter verdadeiramente estrutural” (LEVI-STRAUSS, 1962LEVI-STRAUSS, C. La pensée sauvage. Paris: Plon, 1962., p. 47). De fato, a finalidade geral do jogo é compatível como o imperativo da produtividade da sociedade industrial, pois, de modo geral, ele seria ordenado segundo o princípio da competividade que está por sua vez associado à produtividade: por um mecanismo de decomposição e recomposição como “pacote de eventos” em que “se utilizam como peças indestrutíveis, em vista de arranjos estruturantes se colocando alternativamente como meios e fins” (LEVI-STRAUSS, 1962LEVI-STRAUSS, C. La pensée sauvage. Paris: Plon, 1962., p. 47). Partindo de Lévi-Strauss, M. Brulin (2018, p. 249-274)BRULIN, M. La vertu symbolique du Rituel. In: GAZZOLA, I.-C. (Dir.). Parole et Rite, un lien fécond. L'initiation chrétienne dans sa mise en œuvre. Paris: Cerf, 2018. p. 249-274. ressalta que, em linhas gerais, o jogo faz passar da estrutura (regras) ao evento (ato de jogar) e que, ao inverso, o ritual faz passar do evento (celebração) à estrutura (regras da fé). Assim, contrariamente ao caráter funcional e geral do jogo, o rito renuncia aos resultados imediatos, caracterizando uma certa “desfuncionalização” que se opõe a lógica de causa e efeito. Factualmente, o jogo carrega em si uma polissemia e uma instabilidade incontestáveis. Logo, como dantes afirmamos, toda classificação corre o risco de mascarar um pouco a complexidade da realidade do universo lúdico. Assim, a instabilidade do jogo é ao mesmo tempo desejável e necessária para preservar a liberdade criativa dos que dele participam.

Diferentemente dos jogos com muitos participantes, o paralelo entre a ação ritual e os jogos de aposta ou de sorte precisa ser explicitado. Na vida humana, a realidade da fortuna, da chance, da sorte, está presente. É justamente sobre esse princípio que funciona esse tipo de jogo. O improvável sucesso é o verdadeiro desafio; e o prazer de apostar se torna a razão oculta e a justificativa do fato de jogar, isto é, a “excitação” se fundamenta na aposta. Ela é “suficiente” para o jogador (CAILLOIS, 1958CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige. Paris: Gallimard, 1958., p. 16). O jogador sabe que muito provavelmente perderá, mas não desiste de jogar. Muitos destes tipos de jogos, como as máquinas caça-níquel ou as “raspadinhas”, não necessitam de parceiros. Um tipo de círculo fechado se forma entorno do jogador e o fato de jogar é a condição para se beneficiar do prazer do jogo. O jogo se coloca ao mesmo tempo como um meio, um lugar “neutro”, um tipo de espaço extraordinário, que manifesta num tempo e através de uma “alteridade” virtual remetendo ao prazer de jogar.

Partindo desses pressupostos, é possível olhar atentamente à dimensão relacional das formas de jogo que exigem parceiros, formas mais próximas da experiência litúrgica. Assim, se torna mais fácil compreender a afirmação de Guardini sobre a “inutilidade” mais que útil do jogo (2007, p. 69). Abordando o jogo da liturgia através de seu aspecto de gratuidade, ele o faz em razão da premissa da liberdade requisitada aos participantes para jogar. A “gratuidade” comum ao jogo e à liturgia não impede que eles sejam regulados com precisão. Porém, não é necessário que as regras determinem toda a realidade lúdica. As regras servem somente para assegurar a realização do jogo. As regras são “guardiãs” do jogo, mas não a ponto de se tornarem a sua razão de existir. Elas respondem ao imperativo de jogar bem, logo, respeitá-las é indispensável. Através da precisão das regras se abre um espaço de liberdade para os que decidem entrar no jogo. Desse modo, o jogo dita as suas próprias regras, e não a regras que ditam o jogo, de onde emerge o ditado: “a cada jogo, suas regras.”

Guardini (2007, p. 70)GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007. desenvolve ainda outro aspecto do jogo litúrgico que é o “transbordamento do essencial”: a liturgia se inscreve no horizonte de uma verdadeira “representação” onde ela alarga as suas virtualidades mais atuais. Nesse sentido, a liturgia, como o jogo, são autossuficientes e recusam a lei do mínimo esforço e o princípio dos meios subordinados a um fim superior. Na liturgia, como no jogo, não há lugar para um pragmatismo strictu sensu, mas, nos dois casos, existe uma pragmática. O critério da utilidade não rege a liturgia, como também no jogo, onde a finalidade prática é excluída. Na liturgia, como no jogo, o princípio diretor não é o da utilidade mais o do sentido (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 72). Refletindo sobre a utilidade e o sentido, Guardini (2007, p. 73)GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007. vai ainda mais longe:

utilidade e sentido são duas formas que podem revestir o direito de ser a existência. No ângulo da utilidade o objeto se insere numa ordem que o ultrapassa; no ângulo do sentido, ele repousa sobre ele mesmo. Qual é o sentido do que é? De ser e, assim, ser um reflexo do Deus infinito.

Se o pragmatismo leva à compreensão da utilidade em vista de uma finalidade outra, o sentido busca o valor das coisas em si mesmas. E a utilidade é guiada pelo sentido e não pela simples busca de um resultado prático. Consequentemente, não existiria utilidade fora do horizonte do sentido. Toda ciência, mesmo a mais técnica, nasce da busca do sentido e do serviço da verdade. Aplicada à liturgia e ao seu caráter lúdico, isso pode causar estranheza. Se a liturgia é considerada como sendo parte das teologias práticas, é possível facilmente ir da disciplina teológica à liturgia enquanto ação. No entanto, este modo de pensar a liturgia na esfera “das práticas cristãs” pode ressaltar de sobremaneira à dimensão utilitária, conduzindo a um pragmatismo teológico. Assim, a problemática litúrgica corre o risco de se encontrar enclausurada numa abordagem onde a verdade e a utilidade se misturam. Mesmo que a liturgia seja uma ação, uma prática, ela é antes de tudo e em si mesma um jogo cheio de sentido (CAILLOIS, 1958CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige. Paris: Gallimard, 1958., p.19-20). Este paradoxo da utilidade inútil se coloca ao centro da celebração cristã. O resultado das celebrações litúrgicas não pode ser medido e nem controlado. A liturgia nunca deixou de ser o memorial permanente do mistério da salvação que se manifesta no corpo de Cristo e povo de Deus através da graça da Espírito Santo ao longo da história. O mistério pascal da morte e ressurreição de Jesus Cristo constitui o memorial vivificante que dá sentido às celebrações litúrgicas e faz “girar a roda” do jogo da liturgia, numa tensão constante entre a atualização do passado celebrado no hoje da vida da Igreja e do futuro anunciado desde agora na ação celebrativa.

1.3 O jogo, a liturgia, a regra e a liberdade: um paradoxo superável

De diferentes modos, as teorias de Huizinga, Caillois, Fink, Lévi-Strauss, Küng e Guardini permitem uma aproximação entre o jogo e a liturgia, o lúdico e o litúrgico, mas esse tipo de pensamento não é consensual. Num estudo publicado com o título de Jogar e filosofar, Duflo (1997, p. 57)DUFLO, C. Jouer et philosopher. Paris: PUF, 1997. evidencia o jogo como “uma invenção de uma liberdade através de uma legalidade”. Para ele, o jogo é antes de qualquer coisa “uma liberdade regulamentada” (DUFLO, 1997DUFLO, C. Jouer et philosopher. Paris: PUF, 1997., p. 60) e, não existe jogo fora dos limites dessa legalidade lúdica. Por esse motivo, sem aprofundar o assunto, Duflo (1997, p. 44)DUFLO, C. Jouer et philosopher. Paris: PUF, 1997. apresenta uma certa desconfiança com relação ao caráter lúdico do rito como também de manifestações artísticas, pois estas exigem que a liberdade preceda a ação e se mantenha presente durante todo processo. Isso, na perspectiva de Duflo é contrário à natureza do jogo, o qual é sempre regido por regras. Desse modo, ele exclui tudo o que vai além dos limites das regras em si tratando do universo lúdico. Duflo (1997, p. 56)DUFLO, C. Jouer et philosopher. Paris: PUF, 1997. propõe uma noção de jogo construída a partir da interação de dois elementos fundamentais em que o segundo determina o primeiro: a liberdade e a legalidade. Mas, estudando o fenômeno lúdico, Duflo parece se enredar na sua própria teia, segundo a sua crítica aos seus predecessores. De fato, sobre a base de uma abordagem jurídica, o termo “legalidade” faz referência a um sistema construído a partir de um contrato (bilateral ou social), validado pelos representantes legítimos de um grupo, que remete ao conjunto de leis de uma região, nação ou país. De acordo com a teoria geral do direito, é o fato social que se encontra na origem do ordenamento jurídico, e não o contrário. De modo simples, é possível afirmar que a sequência genética seria a seguinte: primeiro as rotinas, os hábitos, em seguida o costume de grupos (que já implica uma certa sedimentação de hábitos que se tornaram regras gradativamente), depois as regras mais amplas e claras aplicadas cada vez a grupos maiores e por fim normas instituídas por uma sociedade que se faz representar por alguns membros. Essas normas são englobadas num sistema jurídico historicamente situado (direitos ligados a alguém ou a alguma coisa) de onde emerge a noção de legalidade em oposição àquilo que contraria o direito estabelecido. Assim, Duflo “mistura” legalidade, normatividade e leis da natureza. Logicamente, não somente dentro de um sistema legal existem regras e leis, mas essas noções intervêm também nas ciências: fala-se de leis da química, da física, da matemática. Se, por uma parte, Duflo (1997, p. 61)DUFLO, C. Jouer et philosopher. Paris: PUF, 1997. vai até o extremo na relação entre a legalidade e o jogo a ponto de tirar do lúdico o rigor das normas, de outra parte ele termina por fazer da legalidade a condição de possibilidade do jogo e de sua liberdade. E, se o resultado do jogo “é a criação de liberdade por uma legalidade” (DUFLO, 1997DUFLO, C. Jouer et philosopher. Paris: PUF, 1997., p. 63), essa noção deveria ser aplicada a todo sistema jurídico, o qual visa garantir as liberdades coletivas e individuais através do ordenamento jurídico. Porém, se esse filósofo não dá esse passo, talvez seja porque ele é consciente dos limites de sua proposta.

Se a definição de jogo de Duflo apresenta certas limitações, ela tem a vantagem de sublinhar a relação fundamental entre o jogo, a regra e a liberdade. Até um certo ponto, na medida em que se sublinha que a regra pertence à natureza do jogo, essa posição se encontra com a de Küng (1981, p. 753-754)KÜNG, H. Dieu existe-t-il? Réponse à la question de Dieu dans les temps modernes. Paris: Seul, 1981.. E, mesmo se Duflo não integra a ritualidade ao jogo, nada impede que isso se faça. A celebração litúrgica poderia ser compreendida como um conjunto de atos que, através de regras, gera liberdade. Nesse sentido, a carta aos Gálatas 5, 1-4 pode ser paradigmática. Num quadro onde se debate a obrigação da circuncisão, o apóstolo relembra solenemente (“eu, Paulo”) que o Cristo “nos libertou” para vivermos na liberdade. É precisamente para que os seguidores do Cristo deixem de buscar uma justificação na obediência à Lei, mas que se deixem conduzir pela graça. Em consequência, a prática do novo mandamento do amor é certamente a graça e o fruto direto da obra do Cristo que deu sua vida pela salvação do mundo. Nessa perspectiva, é possível afirmar que nem a advertência de Henriot (1989, p. 175)HENRIOT, J. Sous couleur de jouer: la métaphore ludique. Paris: Corti, 1989. por quem “a regra não é suficiente para fazer o jogo”, nem segundo Duflo, que afirma a ligação entre a legalidade e a liberdade como fruto do jogo, são suficientes para justificar a normatividade da realidade lúdica da liturgia. No fundo, a problemática que se impõe aqui é aquela da existência de regras do jogo e da possibilidade de um lúdico sem regras. Entretanto, qualquer que seja a realidade, as regras não existem sem se relacionar a um determinado tipo de “jogo”. Em outros termos, a relação e sua compreensão como o fato de jogar e de entrar no jogo é uma necessidade intrínseca da vida, suscitando regras que ajudam ao jogo ser jogado.

1.4 A regulamentação na liturgia e a institucionalização

Além de serem uma das características fundamentais de toda e qualquer atividade lúdica, segundo Caillois (1958, p. 52)CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige. Paris: Gallimard, 1958., as regras são, de modo geral, “inseparáveis do jogo logo que este adquire o que eu chamaria de existência institucional. A partir desse momento, elas são parte de sua natureza. São elas que o transforma em instrumento de cultura fecundo e decisivo”. Ele afirma, assim, que as regras são “requisitadas” pelo jogo e que elas se tornam uma exigência do ato de jogar. Logo, para o jogo, as regras emergem como uma necessidade interna em vista de seu bom desenvolvimento. Como respostas necessárias, as regras são adaptadas à configuração do jogo e à necessidade dos jogadores: mesmo se elas “enquadram” o ato de jogar, estas emanam do jogo mesmo. Elas são um instrumento que permite a dimensão lúdica de manifestar plenamente. Nesse sentido, a regulamentação e a institucionalização são realidades fortemente ligadas entre si e elas concorrem ao benefício uma da outra. Até um certo ponto, esta premissa é verdadeira e se aplica às regras do jogo litúrgico, uma vez que estas concernem a εκκλησία, a assembleia-instituição que é ao mesmo tempo constituída e instituída. Esta interpretação das regras do jogo, como uma expressão de uma vontade de garantir a dimensão lúdica no processo de “institucionalização” do jogo, obriga a interrogar seriamente o conjunto de prescrições em matéria litúrgica: nos seus fundamentos, as regras do jogo na liturgia se limitam à lógica ordinária do ludus, ou seja, do jogo regulamentado? Ou as prescrições litúrgicas vão ao encontro do que é mais fundamental? Seria o caso de um preconceito comum que conota a liturgia como algo extremamente sério e que se alia a outro preconceito que separa a seriedade do lúdico? Assim, poderia se pensar num tipo de “efeito espelho” oferecido para liturgias “lúdicas” e “sem regras”? Mas também, nesse caso, as regras seriam realmente ausentes ou simplesmente dissimuladas? Diante dessas questões, faz-se necessário reafirmar que as regras do jogo na liturgia ultrapassam os limites impostos pelo lúdico, mas também do direito positivo eclesiástico, pois elas encontram sua fonte primeira num pressuposto teológico que o mistério da salvação: mistério pascal. Logo, se a liturgia se coloca entre a paidia e o ludus, entre a liberdade criadora e o agir determinado por um canon, seu estatuto se aproxima, quando consideramos a questão das regras, do “jogo” institucionalizado, no sentido habitual do termo.

Na tipologia proposta por Caillois, o cerimonial é apresentado como uma das formas institucionalizadas e socialmente integradas da mimicry. Esta vai de encontro à noção de teatralidade através da qual Hameline aborda implicitamente essa dimensão do jogo. Para além de sua estrutura memorial, a cerimônia litúrgica manifesta ao mesmo tempo a fé no plano institucional, logo coletivo, mas também no plano pessoal, logo individual. Por isso, uma das características próprias da liturgia é a participação dos fiéis, da assembleia, que ao fundo corresponde a um convite a “tomar um lugar, e sem dúvidas a ver e ser visto, e mais radicalmente, um convite a se manter lá, simplesmente lá, enquanto testemunha”. Para Hameline, de fato:

a testemunha não é nem um voyeur ocasional e nem um observador, mas um parceiro obrigatório de uma ação que é inteiramente testamentária. Não existindo a não ser por uma precedência reconhecida, a testemunha assume um lugar estatutário na atestação da aliança e, sua simples presença como tal, ante de busca benefícios, é um ato pleno e incomensurável

(HAMELINE, 2009HAMELINE, J-Y. Théâtralité de la liturgie. La Maison-Dieu, Paris, n. 219, p. 7-32, sept. 2009., p. 28).

Segundo essa posição, o jogo da liturgia não tem o mesmo estatuto do jogo teatral. E mesmo se as regras fossem as mesmas, o que não é o caso, a razão de ser de cada um é diferente. O pensamento de Hameline reforça a aliança pascal como fator determinante do jogo da liturgia. No entanto, a aproximação entre o drama litúrgico e o drama teatral ajuda a entender até que ponto a “comunidade é primeiramente uma comunidade contratual de aliança, e não de convicção ou de opinião, ou mesmo de boa vizinhança” (HAMELINE, 2009HAMELINE, J-Y. Théâtralité de la liturgie. La Maison-Dieu, Paris, n. 219, p. 7-32, sept. 2009., p. 29). A comunidade contratual fundada sobre a aliança cujo mistério pascal é a chave, é composta de herdeiros que a recebem e a renovam sem cessar. Neste “jogo” de aliança, a dimensão regulamentada aparece em muitos níveis. Existe um contrato que é selado na carne e pelo sangue e que dirige inteiramente a ação na qual todos são atores em graus distintos e assumem papéis diferentes. Partindo desta realidade ao mesmo tempo existencial, ritual e “normativa” que surge o conjunto de regras que balizam o jogo da liturgia.

1. 5 O coração teológico das regras do “jogo” da liturgia

O espírito da liturgia de Guardini estabelece uma aproximação entre o jogo e norma litúrgica. Para detalhar sua perspectiva, Guardini compara a liturgia a outras áreas como a arte e mesmo com a jurisprudência. Seu pensamento se funda sobre uma teoria de virtudes, na qual a verdade permanece sempre como o derradeiro horizonte. Assim, a liturgia, a justiça e a arte autêntica são inseparáveis da busca da verdade:

“a atividade legiferante de uma assembleia parlamentar tem uma finalidade prática que é de buscar um resultado determinado e preciso na vida do Estado. Mas, a jurisprudência não busca esse tipo de finalidade; seu único objetivo é o conhecimento da verdade nas questões do direito”

(GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 73).

Através dessa distinção entre a ação legislativa e a jurisprudência, Guardini quer conduzir seu leitor a uma compreensão sobre a tensão entre duas abordagens da liturgia. De um lado, ela se apresenta como uma ação regulamentada por normas e que se inscreve no quadro processual (com princípio, meio e fim): isso pode dar a impressão de que a liturgia visa a um fim específico. De outro lado, a liturgia se apresenta como um jogo livre e gratuito, mesmo assim regulamentado, que não busca alcançar uma finalidade prática. A obra de arte, por sua vez, “não conhece nem utilidade e nem um fim prático... ela se contenta de ser o reflexo da beleza e da verdade, splendor veritas” (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 74). Assim, na sua expressão autêntica, uma obra de arte é o fruto da busca da verdade. De uma forma poética, Guardini aparenta a arte e a liturgia:

Nada de trabalho, jogo. Jogar seu jogo diante de Deus. Nada criar, mas ser você mesmo uma obra de arte, eis a íntima essência da liturgia. Nela se encontra a sublime mistura do mais profundo e sério com a divina alegria. O cuidado meticuloso com o qual, por milhares de prescrições ela regula em detalhe as palavras, os gestos, as cores, os ornamentos, os instrumentos de culto, só é compreensível aquele que sabe abraçar a seriedade da arte e do jogo

(GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 82).

A dialética entre a arte e o jogo culmina numa compreensão da liturgia como um jogo onde a divina alegria se encontra com a seriedade da regra. Se a arte é a fonte de gozo, se encontra junto à liberdade fundamental do artista, uma disciplina que ao extremo, como no exemplo da iconografia bizantina, se traduz numa forma de canon da criação. Partindo desta dialética entre a arte e o jogo, Guardini designa o temor de Deus e a divina alegria que emanam do jogo da liturgia, como fontes das regras litúrgicas. Afirmando que o jogo da liturgia produz verdadeiramente uma “obra de arte viva diante de Deus, sem outra finalidade que não seja viver na presença dele” (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 84), ele esboçou o que hoje se conhece como “pastoral do engendramento7 7 BACQ, P. e THEOBALD, C (dir.), Passeurs d’Évangile. Autour d’une pastorale d’engendrement. Montréal/Bruxelles/Ivry-sur-Seine: Novalis/Lumen Vitae/Atelier, 2008. ”: ser cristão é compreendido como um tornar-se filho de Deus engendrado pelo Espírito. Ninguém duvida do caráter profundamente sério do jogo dos infantis ou do engajamento de um artista com relação à sua produção artística. Para habitar a liberdade “inútil” do jogo e de uma obra de arte, tanto uma criança quanto um artista se dedicam numa prática disciplinar. Para os cristãos, a ritualidade obedece a esta mesma lógica: “através de um conjunto de leis severas e precisas, a liturgia regulamentou o jogo sagrado que a alma joga diante de Deus” (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 83). O Espírito Santo é o mestre do jogo da liturgia e “é preciso se resignar sob os olhos de Deus, em beleza, liberdade e santa alegria, o jogo da liturgia que Deus mesmo regulamentou” (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 84). Elementos apontam finalmente na direção da realidade humano-divina manifestada por Jesus Cristo, no qual o mistério pascal é chave de interpretação.

Existe um outro paralelo possível entre, de um lado, a liturgia e suas regras e, de outro, a jurisprudência e a produção artística: estas três realidades são ações (litúrgicas, jurídicas e artísticas) e são ao mesmo tempo uma obra, um trabalho em favor do povo. Essa lógica sublinha a importância do ritmo e da repetição no processo ritual, sempre salvaguardando a liberdade que desvenda a obra. O fato de reproduzir a ação e de buscar o modo mais ajustado de realizá-la, reafirma que a actio é também convictio, que a convictio se torna habitus e que o habitus se edifica como canon. É na medida em que dela nos apropriamos, que a ação se torna forma convictio (familiaridade, intimidade). Por conseguinte, ela se transforma em forma de vida que forja pouco a pouco o costume comunitário se fixando finalmente em termos de norma comum. Além disso, porque ela é um lugar para a fé, a celebração edifica a santidade de uma relação de amor entre os parceiros (Deus e seu povo reunido) que é um jogo de liberdades. Nessa relação se encontra a origem das prescrições que garantem a todos e cada um a possibilidade de entrar no jogo da liturgia.

Para Guardini (2007, p. 74), “utilidade e sentido, esforço e crescimento, trabalho e produção, ordem e criação” fazem parte da vida da Igreja. Sem renunciar totalmente a dimensão operacional, ele situa a liturgia inicialmente do lado do sentido, o qual é estreitamente relacionado à natureza teologal da obra litúrgica: “a liturgia não pode ter um fim útil, pois sua razão de ser é Deus e não o ser humano” (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 77). A liturgia é opus Dei, ofício divino, trabalho em favor de Deus e de seu povo, o que a enraíza numa práxis. Numa certa medida, e em detrimento de seu esforço para justiçar a afirmação que em matéria de liturgia “o olhar se volta pra o esplendor de Deus” (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 77), a perspectiva guardiniana se confronta com a natureza mesmo da liturgia. Se é verdade que a prática guia e edifica a liturgia, a questão seria como se manter na boa direção do horizonte divino em meio às limitações da existência. É justamente aqui que as normas ajudam a garantir a caminhada de fé nas celebrações. No mais, o lugar da verdade em matéria de fé exige que a liturgia seja também humana e volte seu olhar para o ser humano. Logo, é necessário que se insira o memorial celebrado na atualidade espaço-temporal, como uma Palavra de Deus inscrita na carne humana, pois é num ser humano, Jesus Cristo, que Deus se manifesta e se faz presente no meio do mundo. A relação entre a história deste homem Jesus e a nossa, entre o passado, o presente e o futuro, é que se encontra o sentido da liturgia: a glória de Deus e a salvação do mundo. A glória de Deus é, na verdade, a salvação do mundo. Em consequência, a liturgia se situa numa corda bamba, tensionada entre a vida humana e o ritmo do tempo, a qual nós organizamos como vida em Deus que é pura liberdade e santidade criativa. A assembleia litúrgica, a ἐκκλησία, é presença do corpo de Cristo ressuscitado e crucificado no nosso hoje. Ela proclama a fé de Calcedônia pelo fato mesmo de continuar existindo. Ela celebra a nova aliança inscrita no livro da carne através do novo mandamento do amor. Isso constitui definitivamente o coração teológico das regras do “jogo” da liturgia.

2 O escopo normativo do caráter simbólico da liturgia

A partir de estudos aprofundados em patrística, a noção de símbolo foi evidenciada pelo movimento litúrgico, e mais particularmente através do trabalho de alguns teólogos contemporâneos e especialistas em sacramentologia como Louis-Marie Chauvet, o qual publicou uma obra de referência nesta área chamada Símbolo e Sacramento. De fato, a dimensão simbólica em matéria de liturgia e sacramentos faz parte das categorias que foram utilizadas desde os primórdios do cristianismo e continua hoje a figurar no discurso teológico, mas também no discurso das ciências humanas. Segundo Chauvet (2011, p. 15)CHAUVET, L-M. Symbole et Sacrement. Une lecture sacramentelle de l’existence chrétienne. Paris: Cerf, 2011. “o simbólico designa um processo de advento jamais acabado, logo passagem sempre a ser feita”. Esta definição curta do simbólico aplicada à realidade litúrgica sacramental indica implicitamente, para além da aliança pascal e de uma abertura hermenêutica, um horizonte escatológico. Esses três aspectos são essenciais para se compreender a natureza das prescrições litúrgicas quando tomamos a realidade simbólica como ponto de referência. Coadunado esse pensamento ao de Guardini, seria possível afirmar que a lei do símbolo se aproxima da lei geral da arte das leis sociais. De fato, como acontece com o símbolo, na medida em que uma expressão artística ou uma norma social é assimilada se desenvolve concomitantemente sua aplicabilidade, funcionalidade e universalidade. Fora dos sistemas totalitários, para que as leis tenham efetivamente escopo universal, é preciso uma base comum de comunicabilidade, de compreensão e um mínimo de consenso. Além disso, deixando de lado toda ingenuidade e vontade de ontologização simbólica, as leis que a princípio são estabelecidas por um pequeno número devem carregar os sentimentos ou valores partilhados por um grande número, como coloca em evidência Guardini:

Desta potência que cria o símbolo, nos encontramos um exemplo impactante na formação das leis essenciais que regem entre os seres humanos as relações de sociabilidade. Nós queremos aqui falar do conjunto de normas através das quais o ser humano dá testemunho a seu semelhante de sentimentos de respeito, de veneração ou de simpatia e nos quais se traduz fora de toda vida interior a regra da vida social

(GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 64-65).

No sentido inverso, o símbolo não teria força para manifestar um certo universo de valor, nem de unir e transmitir, se ele não tivesse o poder de estabelecer regras, de enquadrar e amplificando, reduzindo ou modelando o que ele quer transmitir. O poder “de impressão e de expressão” (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 67) do símbolo é circunscrito num quadro cultural segundo regras determinadas. Dessa maneira, os símbolos têm “uma virtude libertadora particular”, e “eles traduzem e projetam a verdade com uma plenitude que a palavra não detém” (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 68). Na medida em que o símbolo determina uma regra, ele liberta e se torna eficaz. A simbolização engendra a regra para assegurar o processo simbólico. O dinamismo simbólico na liturgia não escapa desta lei geral e universal do símbolo. E isso se dá mesmo diante de condicionamentos culturais no contexto de um processo de inculturação. Caso contrário, a lei geral do símbolo litúrgico entraria em contradição com uma cultura local. Logo, fazer a transposição para todos os outros contextos culturais de uma regra que se compreende bem num quadro cultural preciso é um exercício desafiador. Uma tal transposição simbólica pode se inapta para manifestar a realidade existencial profunda de um povo, transformando a liturgia numa estrangeira, uma vez que o símbolo não remete verdadeiramente ao que promove a comunhão eclesial. Por conseguinte, a complexidade das realidades humanas exige que se compreenda a “lei” tomando em consideração os contextos e as circunstâncias. Mais o símbolo é universal quando mais ele está apto a se modelar a diversas realidades: pois a lei primeira do símbolo é operar o ato de simbolização.

2.1 Símbolo, jogo, regra e aliança: uma dinâmica pascal

A distinção entre sinal e signo e entre signo e símbolo conduziu a pesquisa de Ortigues (1962, p. 39)ORTIGUES, E. Le discours et le symbole. Paris: Montaigne, 1962. sobre a capacidade normativa da realidade simbólica. Para esse pesquisador extraordinário, marcado profundamente por sua experiência africana, e que era ao mesmo tempo historiador das religiões, antropólogo e psicólogo, sinal, símbolo e signo são antes de qualquer coisa noções de linguagem, dotadas de “normatividade” implícita. Através da referência à linguagem, Ortigues designa os meios humanos que dão acesso à realidade e possibilitam a relação entre as pessoas e as coisas. Na sua visão, o ser humano é um animal simbólico, por quem o simbólico é como um espaço de vida, um meio de interação com o real, um caminho de compreensão e de apreensão deste. Diferentemente do símbolo, o sinal consiste “numa regulação de uma atividade” efetuada “através de advertência ou de transmissão”. O sinal determina a ação, evidencia sua pragmática, e de outra forma o signo se inscreve na ordem da representação: ele remete a outra coisa que ele mesmo. A automaticidade do signo não existe no símbolo, pois este “necessita de uma adesão livre a uma regra”. Em outros termos, seguindo estas noções de Ortigues mas também a de Chauvet sobre o simbólico, é possível afirmar que o sinal é da ordem da sinalização, o signo da significação e o símbolo da convenção (simbolização). A realidade simbólica, na prática, é fronteiriça entre o signo e o símbolo, porém não rejeita o conteúdo do sinal. É a significação acordada a uma coisa e a conclusão de uma aliança que efetuam o trabalho de simbolização:

Promessa de reconhecimento, um objeto cortado em dois e distribuído entre dois parceiros aliados que devem conservar cada uma sua parte e a transmitir a seus descendentes, de uma tal maneira que estes elementos complementares uma vez mais juntados, permitam pelo seu ajuntamento recíproco o reconhecimento das pessoas que os portam e de atestar a ligação de aliança contratada anteriormente

(ORTIGUES, 1962ORTIGUES, E. Le discours et le symbole. Paris: Montaigne, 1962., p. 60).

Assim, Ortigues desenvolve uma definição de símbolo na qual coloca em destaque a “convenção linguística” e o sistema de comunicação ou de aliança que o símbolo opera:

De uma maneira geral os símbolos são os materiais com os quais se constituem uma convenção linguística, um pacto social, uma promessa de reconhecimento mútuo entre liberdades. Os símbolos são os elementos formadores de uma linguagem que considera uns com relação aos outros uma vez que eles constituem um sistema de comunicação ou de aliança, uma lei de reciprocidade entre sujeitos. Enquanto o signo é a união entre um significante e um significado, o símbolo opera uma relação entre um significante e outros significantes

(ORTIGUES, 1962ORTIGUES, E. Le discours et le symbole. Paris: Montaigne, 1962., p. 61).

Esse modelo de símbolo desenhado por Ortigues encontra um corresponde bíblico bem conhecido: o contrato entre Tobit e Gabael. Tobias, o filho de Tobit, munido da metade de um recibo (metade de um contrato rasgado em dois) deve reaver o dinheiro depositado por seu pai, do qual Gabael é o depositário e guardava também a outra metade. Tobias para no meio do caminho para se casar e transfere a obrigação de reaver o dinheiro a Rafael, que é chamado de Azarias (Tb 5, 3; 7 – 8; 9, 1-5). Nesse exemplo, o símbolo funciona perfeitamente. Os dois pedaços do contrato recuperam seu valor logo que eles são justapostos, como o selo de uma aliança. É a relação direta, a junção que atesta “uma regra de trocas ou de obrigações mútuas”: tua lei será minha lei” (ORTIGUES, 1962ORTIGUES, E. Le discours et le symbole. Paris: Montaigne, 1962., p. 61). A lógica simbólica é dirigida por aspectos complementares: “a ligação mútua entre elementos distintivos cuja combinação é significativa... a ligação mútua entre sujeitos que se reconhecem comprometidos um com relação ao outro num pacto, numa aliança (divina ou humana), uma convenção, uma lei de fidelidade” (ORTIGUES, 1961ORTIGUES, E. Le discours et le symbole. Paris: Montaigne, 1962., p. 61). Logo, a noção de símbolo, segundo Ortigues, relaciona-se com a noção de aliança como contrato. Percebe-se que todos os componentes da definição de símbolo tecida por Ortigues se encontram na compreensão da liturgia e da Igreja sobre essa realidade. Uma celebração é composta por um conjunto de significantes que operam uma ação simbólica. Nesse sentido, o simbólico ultrapassa a realidade do signo e o engloba. A liturgia está repleta de símbolos que compõem um sistema de comunicação formador de uma realidade nova. O símbolo litúrgico se torna efetivamente o que ele é no contexto celebrativo, manifestando a rica complexidade da vida litúrgica quando a relação se estabelece no ato de celebração.

Para se tornar eficaz, o símbolo necessita engendrar uma nova realidade que não existiria se não fosse através dele. Sua dimensão normativa e as regras do ato de simbolização se impõem como uma condição de possibilidade de sua existência. Se as duas partes do contrato não são ajuntadas por seus possuidores, o processo simbólico que recorda o pacto previamente estabelecido não acontecerá. A relação não se realizará e, no caso do exemplo bíblico, o dinheiro não seria devolvido. O símbolo realiza um reconhecimento mútuo e a plena realização do contrato depende desse reconhecimento. Segundo Ortigues, o

fenômeno de expressão indireta que não é significante senão por intermédio de uma estrutura social, de uma totalidade na qual participamos e que tem sempre a forma geral de um pacto, de uma promessa, de uma interdição, de uma fé sacramentada

(1962, p. 61).

O símbolo necessita de um quadro onde ele pode ter sentido. Entretanto, não para manifestar outra coisa, mas para se manifestar a si mesmo (CHAUVET, 2011CHAUVET, L-M. Symbole et Sacrement. Une lecture sacramentelle de l’existence chrétienne. Paris: Cerf, 2011., p. 129), particularmente quando se trata de símbolo litúrgico. E, como memorial, a liturgia atualiza um passado irrepetível e ao mesmo tempo remete a um horizonte não plenamente realizado. A liturgia é como uma promessa que sempre está sendo cumprida na sua verdade simbólica. A vida litúrgica é assim um evento que realiza a salvação hoje (hodie) para a assembleia celebrante. A liturgia funciona como o símbolo. Ela não tem outro fim e outro sentido que não seja ela mesma, isto é, fazer com que a comunidade de fé viva a celebração dentro de um horizonte soteriológico, como mistério de aliança pascal. A regra está aí e aí também está o seu desafio. Nenhuma norma poderá fugir desta lei fundamental: é a aliança de amor entre Deus e seu povo que sustenta a dinâmica simbólica da liturgia.

Neste programa imposto pelo rito (CHAUVET, 2008CHAUVET, L-M. Présence de Dieu, présence à Dieu dans le jeu liturgique. Questions liturgiques. Louvain, n. 89, issue 2/3, p. 71-86, avril 2008., p. 80), se manifesta a força normativa da liturgia originária do pacto de aliança pascal entre Deus e seu povo em Jesus Cristo. Eclesialmente, esta realidade se atesta por fórmulas como: “fazei isso em memória de mim”; “ide... batizai em nome do Pai...”. É do coração da Tradição, cuja antiguidade dá à ação sua densidade, que as normas encontram suas raízes mais profundas. Mas, esta experiência simbólica indica o respeito de um limite: não buscar “possuir” o rito, manifestando assim que ele manifesta uma realidade que ultrapassa a liturgia ela mesma. É precisamente isso que justifica o estatuto da regra ritual concedendo o direito de participar do jogo simbólico. Este limite impõe uma estrutura e dá uma medida à ação: o “cânon” assegura a ação no que a engendrou. A entrada neste jogo simbólico exige uma livre renúncia de uma parte da liberdade individual afim de ingressar no jogo da comunidade de fé. Os limites colocados às liberdades individuais possibilitam a vida comum em proveito de todos. Na liturgia, o enraizamento das regras é “teologal” ou como diria Chauvet (2008, p. 80)CHAUVET, L-M. Présence de Dieu, présence à Dieu dans le jeu liturgique. Questions liturgiques. Louvain, n. 89, issue 2/3, p. 71-86, avril 2008.: “espiritual”. Certamente, este fundamento também permanece “humano”, uma vez que ele se inscreve historicamente numa cultura determinada. Nessa dinâmica, a graça divina desposa a história humana de tal modo que nós podemos manter um paralelismo entre a união hipostática e esta dupla “natureza” das regras litúrgicas, seguindo a afirmação de Constituição Conciliar Sacrosanto Concilium n. 2. A liturgia se apoia fundamentalmente sobre o encontro dessa realidade espiritual com a natureza humana, e ela se torna, consequentemente, um lugar teologal onde esta realidade pode ser vivida. Portanto, quando essa premissa é aplicada fora da perspectiva trinitária, o mesmo princípio que dá densidade à liturgia pode conduzir a derivas eclesiológicas e litúrgicas (CHAUVET, 1978CHAUVET, L-M. L’Église fait l’Eucharistie. L’Eucharistie fait l’Église. Essai de lecture symbolique. Catéchèse, Paris, n. 71, p. 171-182, avril, 1978., p. 177-178). Ele pode provocar, por exemplo, uma tendência a conferir a realidades como as regras litúrgicas, as quais pertencem em parte à organização de uma sociedade religiosa, um valor divino, e impô-las como tal. Inversamente, o mesmo princípio pode facilitar a relativização das regras, sob o pretexto de que elas são realidades puramente “humanas”, e que podem ser modificadas do modo que desejarmos e quando desejarmos. Assim, as regras podem se tornar simples instrumentos de natureza utilitária desligadas de seu caráter teológico e se afastando de seu evento fonte que o mistério pascal. Logo, elas permanecem sob o risco de serem colocadas a serviço de outra finalidade que não seja unicamente o jogo simbólico da liturgia.

2.2 Da regra do símbolo à regra da liturgia

A leitura teológica da realidade ritual feita por Chauvet (2011, p. 338)CHAUVET, L-M. Symbole et Sacrement. Une lecture sacramentelle de l’existence chrétienne. Paris: Cerf, 2011. conclui que é “a prática simbólica: esta lei fundamental rege as diversas dimensões de toda ritualidade”. Partindo do pressuposto que, em matéria de liturgia, o simbólico está diretamente relacionado com as leis particulares da ritualidade, ele nos convida a perceber, partindo da dimensão normativa, a densidade simbólica da liturgia. Nesse sentido, ele se aproxima de Ortigues (1962, p. 61)ORTIGUES, E. Le discours et le symbole. Paris: Montaigne, 1962., que estabelece a normatividade como uma das características fundamentais do símbolo. Para ele, os símbolos rituais produzem um aparelho normativo capaz de significar de maneira simbólica a confissão de fé expressada na ação celebrativa. Logo, porque a Escritura e a Tradição mantêm uma relação fundamental de reciprocidade (DV, n. 9), e a liturgia é o lugar onde a Palavra e a fé são celebradas e transmitidas para todos e universalmente segundo uma tradição, a liturgia acaba como uma guardiã que preserva os corações na fé que o rito manifesta. A Palavra e a fé celebradas estabelecem o espaço simbólico e a regra do símbolo. Isso emerge da prática ritual, exterioriza “o sistema de comunicação ou de aliança, uma lei de reciprocidade entre os sujeitos” (ORTIGUES, 1962ORTIGUES, E. Le discours et le symbole. Paris: Montaigne, 1962., p. 61). Em outros termos: a Palavra e a fé celebradas implicam na atualização da aliança pascal sempre nova na vida da comunidade. A liturgia transmite e celebra a fé ao mesmo tempo. Desse modo a liturgia é como uma fonte que irriga a vida dos crentes. É através do rito que a força da Ressurreição vai ao encontro, como uma dinâmica espiritual, dos parceiros da aliança. Com seu ritmo próprio e a ordem que ele suscita, o rito, na medida em que ele dá corpo à Palavra, se transforma numa fonte que jorra para vida eterna (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, 1993PONTIFICIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja. Roma, 15 de abril de 1993. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html. Acesso em 11 de junho de 2021. Acesso em: 17.06.2021
https://www.vatican.va/roman_curia/congr...
, IV, C, 1). O cânon do rito dá a medida para que todos possam entrar no jogo da aliança. E, mesmo se com Chauvet é preciso sublinhar que a economia simbólica é uma regra na liturgia (CHAUVET, 1992CHAUVET, L-M. La dimension biblique de textes liturgiques. La Maison-Dieu, Paris, n. 189, p. 131-148, janv. 1992., p. 143), isso não significa que devemos buscar dominar completamente o processo ritual. Partindo da “economia” do símbolo, dizemos que em matéria de liturgia “um pouco” é suficiente para que o processo de simbolização se efetue. Desse modo, o Círio pascal aceso, por sua unicidade, manifesta toda a presença luminosa do Ressuscitado durante todo o tempo pascal. Mas isso não contradiz a lei fundamental do amor e dom da vida em abundância. O dom é por princípio generosidade e gratuidade, e a liturgia é um serviço na ordem do dom. Mesmo se um só pedaço de pão seja suficiente para manifestar a verdade da doação, na ordem do dom, a dinâmica dos relatos da multiplicação dos pães com o símbolo dos cestos cheios de sobras, sete e até mesmo doze cestos cheios, exprime a abundância que corresponde à prodigalidade divina (Mt 14, 20; 15, 37; Mc 6, 43; 8, 8; Lc 9, 17; Jo 6, 13). E ainda mais, a liturgia considera até os que estão ausentes da celebração, especialmente os doentes e os que estão trabalhando e não podem participar. Por essa razão, não é de espantar que encontremos pão em abundância mesmo depois da refeição. Esta “reserva” indica a missão da Igreja em favor dos que não podem participar da celebração. A reserva é para todos que têm fome, para o hóspede inesperado, ou ainda para o tempo futuro (CHAUVET, 2008CHAUVET, L-M. Présence de Dieu, présence à Dieu dans le jeu liturgique. Questions liturgiques. Louvain, n. 89, issue 2/3, p. 71-86, avril 2008., p. 82).

No mais, a necessária ausência, cujo “vazio” do túmulo é o símbolo original, é o que faz funcionar o processo de simbolização, sem se confundir com a realização do rito na sua materialidade. A ausência do crucificado dá lugar ao ressuscitado, que está doravante sempre presente, mas de outro modo. Essa ausência convoca a memória da comunidade autorizando o “nós” da liturgia, o nós do corpo eclesial que é inseparável da cabeça (CHAUVET, 2008CHAUVET, L-M. Présence de Dieu, présence à Dieu dans le jeu liturgique. Questions liturgiques. Louvain, n. 89, issue 2/3, p. 71-86, avril 2008., p. 79). Pela ação do Espírito Santo, essa ausência edifica o Corpo de Cristo, a Igreja do agapè. A ausência daquele que no Espírito está sempre presente convoca a generosidade do dom do qual o símbolo participa. Essa generosidade se manifesta concretamente na profusão desse dom. O Espírito de Pentecostes torna os discípulos capazes de viver em comunhão com esta “ausência” cheia de presença: as línguas compreensíveis a todos (At 2, 4) designa esta abundância de dons que acompanham a missão da Igreja, isto quer dizer: oferecer ao mundo a fraterna comunhão, dom do mistério pascal. A lei da economia simbólica indica a universalidade do dom: todos, mesmo aqueles que não têm nada para partilhar, são convidados a participar da festa da ressurreição. Assim compreendida, essa lei conduz a uma abertura generosa: “amai-vos intensamente uns aos outros” (1Pd 1, 22). Consequentemente, as prescrições litúrgicas são também da ordem da profusão do dom. Por isso, elas estabelecem um espaço de vida ritual de maneira diversa entre proibições (única cruz para adoração na Sexta-Feira Santa) e permissões (a liberdade de diferentes fórmulas exortações para acolher as famílias à porta da Igreja na ocasião do batismo de crianças). Elas oferecem alternativas (se há muitos fiéis para a adoração da cruz, é possível substituir a procissão e a veneração individual por uma genuflexão coletiva enquanto se olha para cruz) ou soluções de substituição (o rito de aspersão pode ser usado em lugar do ato penitencial na celebração eucarística). A lei da economia e a lei da profusão do simbólico são como as duas faces de uma mesma moeda. No mais, não é possível de se invocar a economia simbólica sem falar ao mesmo tempo da generosidade do símbolo litúrgico: os dois se inscrevem, cada qual a seu modo, na ordem do dom.

O Círio pascal constitui ainda um exemplo esclarecedor. Mesmo se o círio é uma única vela que simboliza toda luz de Cristo, ele não é uma vela ordinária. Ele é uma vela de grande porte, com marcas e decoração precisa: alfa, ômega, ano, cruz e cinco cravos. Ele é acesso a primeira vez a partir do fogo novo que é abençoado na noite da vigília pascal. Ele é levado em procissão para o interior da Igreja acompanhado por cantos, incenso e por todo povo de Deus. A partir dele todas as demais velas dos presentes serão acesas. Ele é objeto de um grande elogio feito com o canto do Exultet. Ele acompanha os catecúmenos até a fonte batismal. Também é a partir dele que luz será entregue aos neófitos depois do batismo. Junto dele, são colocadas flores. Ele é incensado durante todo tempo pascal e aceso a cada celebração etc. A economia do símbolo (uma única vela, uma única chama) é acompanhada de uma profusão de signos que operam um complexo processo de simbolização. É a conjugação destes elementos que manifesta a realidade simbólica: o Círio pascal coloca a assembleia em relação com a luz do Cristo ressuscitado e o esplendor do mistério da vida que nunca termina. Esses princípios fundamentais do simbolismo litúrgico manifestados pela prática celebrativa se condensam em termos de normas positivas numa pragmática ritual.

Conclusão

Nosso estudo sobre a normatividade do jogo e do símbolo evidencia como as regras litúrgicas se enraízam nessas duas dimensões. Isso corrobora a hipótese de que a fonte primeira do desenvolvimento das regras rituais é a celebração enquanto jogo simbólico ritual e memorial da Páscoa do Senhor. Entretanto, com o passar do tempo, as múltiplas contingências históricas (contexto indenitário e até mesmo político) e o distanciamento da fonte transformaram a lógica mais profunda e original da normatividade litúrgica. O crescimento e expansão do cristianismo, um certo “pragmatismo litúrgico”, “a criação de novos ritos” e sua necessária regulamentação, acompanhava o desenvolvimento das comunidades contribuíram com essa transformação. Não se descarta que, nesse lento processo histórico, um certo “dogmatismo” eclesiástico, balizado por princípios doutrinais e morais, também tenha se infiltrado e influenciado as regras do jogo simbólico da liturgia.

Para teólogos como Guardini ou, mais recentemente, Chauvet, reconsiderar a dimensão lúdica e simbólica da liturgia manifesta que a questão permanece atual. Através de seu caráter divino e eminentemente simbólico, a liturgia mantém sua especificidade e instaura as diferenças e mesmo oposições com relação ao jogo em geral. É na somatória entre o simbólico e o lúdico, juntamente com o núcleo celebrativo-bíblico-teológico enraizado no mistério pascal, que a liturgia é imbuída de uma densidade “jurídica” de maneira “natural”, sem mesmo necessitar de um aparato judiciário exterior que lhe seja imposto. A profundidade e a seriedade do jogo simbólico da liturgia se impõem à comunidade celebrante de modo “canônico”, que se reúne simultaneamente ao jurídico e ao teológico, e isso através da práxis ritual. Por conseguinte, a ordem jurídica primordial que “rege” a actio liturgica não seria fruto imediato de normas frias elaboradas para guiar os ritos em vista de sua correta realização.

Uma leitura espiritual da experiência do jogo simbólico em matéria de liturgia pode ser proposta a partir do lirismo do Salmo 132: “Vede: como é bom, como é agradável habitar juntos como irmãos. É como óleo fino sobre a cabeça, descendo pela barba, a barba de Aarão, descendo sobre a gola de suas vestes!... aí manda Iahweh a bênção, a vida para sempre.” Por esse Salmo, muitas vezes usado pela liturgia, a instauração de uma nova fraternidade, cheia de coisas boas e que se espalha sobre todos como uma promessa de eternidade, é vivida num momento específico no tempo. Se outrora o fratricídio primordial do Gênese (4, 1-16) dera origem a uma cadeia sacrificial a qual necessitava sempre ser “expiada” e satisfeita, o viver juntos, celebrar e degustar a relação fraterna aparece aqui como premissa da esperança escatológica ou fraternidade universal. Ora, isso se torna uma realidade atual na medida em que o momento da reunião da comunidade de fé, situado no tempo, é o ponto de encontro da reconciliação: transfiguração do passado e comunhão com o futuro. Esse feliz paradoxo é possível na e pela liturgia. É assim, a celebração do mistério pascal destrói a lógica mortal e estabelece novas regras, fundadas sobre a lei do amor da nova aliança no hoje da existência da Igreja.

Siglas

  • SC   Sacrosanctum Concilium
  • DV   Dei Verbum
  • EG   Evangelii gaudium
  • EN   Evangelii nuntiandi
  • FT   Fratelli Tutti
  • GS   Gaudium et spes
  • NA  Declaración Nostra aetate
  • PG   Patrologiae Cursus completus
  • SC   Sacrosanctum Concilium
  • 1
    Essa expressão faz menção à filosofia existencialista de Heidegger, particularmente a seu estudo “Sobre a essência da verdade” que, segundo ele, foi associada à ontologia platônica e a noção de adequação. Assim, o que é verdadeiro é o que é conforme a, como aquilo que se espelha com o que já existe no “mundo das ideias”. Resta-nos reproduzi-lo o mais fielmente possível. Maior é a semelhança, mais verdadeira é a coisa; menor a semelhança, menos verdadeira é a coisa (LAFFITTE, 1995LAFFITTE, J. Adéquat, adéquation. In: ROUS, J. (Dir.). Dictionnaire de philosophie. Paris: Armand Colin, 1995. p. 14.. p. 14).
  • 2
    Sobre essa temática, ver o trabalho de F. STAL. Jouer avec le feu. Paris: Institut de Civilisation indienne (série in-8°, fascicule 57), 1990.
  • 3
    Propomos a tradução de Pepin para o fragmento 62 de Heráclito (αθνατoι θνητoι, θνητoιαθνατoι, ζωντεs τòν εκεἰνων θανατoν, τòν δε εκεἰνων βιoν τεθνεωτεs): “os imortais são mortais, os mortais são imortais, pois a vida de uns é morte dos outros, e a morte de uns é a vida dos outros” (PEPIN, 1970PEPIN, J. Interprétation anciennes du fragment 62 d’Héraclite. Dialogue, Montréal, v. 8, n. 4, p. 549-563, mars 1970., p. 549).
  • 4
    O pensamento de S. Agostinho ilumina nosso propósito. No capítulo dez do primeiro livro das Confissões, ele aborda o jogo de maneira negativa. Ele apresenta que a paixão pelo jogo é como uma das coisas que afastam de Deus (AUGUSTIN, 1962AUGUSTIN, Saint. Les confessions: livres I-VII. Paris: Desclée de Brouwer, 1962. (Bibliothèque Augustinienne, 13)., p. 299-303).
  • 5
    Caillois (1958, p. 25-51)CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige. Paris: Gallimard, 1958. é consciente de que uma tipologia nunca chegará a definir todos os tipos de jogo, porém ele propõe as seguintes rubricas: agôn (jogo de competição), alea (jogo de sorte), mimicry (jogo de simulacro) et ilinx (jogo de vertigem).
  • 6
    O termo “arbitrárias” deve ser compreendido no sentido de que as regras são impostas aos jogadores sem considerar outra realidade que não seja o jogo em si, nos limites do espaço e do tempo fixado (CAILLOIS, 1958CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige. Paris: Gallimard, 1958., p. 16-21).
  • 7
    BACQ, P. e THEOBALD, CBACQ, P.; THEOBALD, C (Dir.). Passeurs d’Évangile. Autour d’une pastorale d’engendrement. Montréal/Bruxelles/Ivry-sur-Seine: Novalis/Lumen Vitae/Atelier, 2008. (dir.), Passeurs d’Évangile. Autour d’une pastorale d’engendrement. Montréal/Bruxelles/Ivry-sur-Seine: Novalis/Lumen Vitae/Atelier, 2008.
  • *
    Este artigo é fruto da Tese Doutoral La loi de la liturgie: pour une théologie de la normativité liturgique (A lei da liturgia: por uma teologia da normatividade litúrgica), defendida em 2020, na Universidade Católica de Pernambuco, Recife/PE. O trabalho foi orientado pelos professores Patrick Prétot (Institut Catholique de Paris) e Gilbraz Aragão (Unicap). A Tese está disponível em: http://tede2.unicap.br:8080/handle/tede/1402

Referências

  • AUGUSTIN, Saint. Les confessions: livres I-VII. Paris: Desclée de Brouwer, 1962. (Bibliothèque Augustinienne, 13).
  • BACQ, P.; THEOBALD, C (Dir.). Passeurs d’Évangile Autour d’une pastorale d’engendrement. Montréal/Bruxelles/Ivry-sur-Seine: Novalis/Lumen Vitae/Atelier, 2008.
  • BRULIN, M. La vertu symbolique du Rituel. In: GAZZOLA, I.-C. (Dir.). Parole et Rite, un lien fécond L'initiation chrétienne dans sa mise en œuvre. Paris: Cerf, 2018. p. 249-274.
  • CAILLOIS, R. Les jeux et les hommes, le masque et le vertige Paris: Gallimard, 1958.
  • CHAUVET, L-M. L’Église fait l’Eucharistie. L’Eucharistie fait l’Église. Essai de lecture symbolique. Catéchèse, Paris, n. 71, p. 171-182, avril, 1978.
  • CHAUVET, L-M. La dimension biblique de textes liturgiques. La Maison-Dieu, Paris, n. 189, p. 131-148, janv. 1992.
  • CHAUVET, L-M. Présence de Dieu, présence à Dieu dans le jeu liturgique. Questions liturgiques Louvain, n. 89, issue 2/3, p. 71-86, avril 2008.
  • CHAUVET, L-M. Symbole et Sacrement Une lecture sacramentelle de l’existence chrétienne. Paris: Cerf, 2011.
  • CONCÍLIO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos e declarações. 31.ed. Coordenação de Frederico Vier. Petrópolis: Vozes, 2015.
  • CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Carta circular aos presidentes das conferências episcopais sobra a preparação das festas pascais, de 16 de janeiro de 1988. In: Enquirídio dos documentos da reforma litúrgica (EDREL). 2.ed. revisada e ampliada. Fátima: Gráfica Coimbra, 2014, p. 1091-1112.
  • DUFLO, C. Jouer et philosopher Paris: PUF, 1997.
  • ECOLE BIBLIQUE DE JERUSALEM (Dir). A Bíblia de Jerusalém 4.ed. São Paulo: Paulus, 2021.
  • FINK, E. Le jeu comme symbole du monde Paris: Minuit, 1966.
  • GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie Paris: Parole et Silence, 2007.
  • HAMELINE, J-Y. Théâtralité de la liturgie. La Maison-Dieu, Paris, n. 219, p. 7-32, sept. 2009.
  • HENRIOT, J. Sous couleur de jouer: la métaphore ludique. Paris: Corti, 1989.
  • HUIZINGA, J. Homo ludens Essai sur la fonction sociale du jeu. Paris: Galimard, 1988.
  • KÜNG, H. Dieu existe-t-il? Réponse à la question de Dieu dans les temps modernes. Paris: Seul, 1981.
  • LAFFITTE, J. Adéquat, adéquation. In: ROUS, J. (Dir.). Dictionnaire de philosophie Paris: Armand Colin, 1995. p. 14.
  • LEVI-STRAUSS, C. La pensée sauvage Paris: Plon, 1962.
  • ORTIGUES, E. Le discours et le symbole Paris: Montaigne, 1962.
  • PEPIN, J. Interprétation anciennes du fragment 62 d’Héraclite. Dialogue, Montréal, v. 8, n. 4, p. 549-563, mars 1970.
  • PONTIFICIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja Roma, 15 de abril de 1993. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html Acesso em 11 de junho de 2021. Acesso em: 17.06.2021
    » https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html
  • SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA. Enquirídio dos documentos da reforma litúrgica (EDREL). 2.ed. rev. e ampl. Fátima: Gráfica Coimbra, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2021
  • Aceito
    20 Nov 2021
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) Avenida Doutor Cristiano Guimarães, 2127 - Bairro Planalto, Minas Gerais - Belo Horizonte, Cep: 31720-300, Tel: 55 (31) 3115.7000 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: editor.pt@faculdadejesuita.edu.br