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RELIGIÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE: CONTRIBUIÇÃO DESDE O PENSAMENTO DO PAPA FRANCISCO PARA PENSAR O BRASIL

Religion, Politics, and Society: Contribution from Pope Francisco’s thoughts on Brazil

RESUMO

Diante do bicentenário da independência do Brasil e dos problemas e desafios que afligem o nosso tempo, perguntamo-nos sobre o papel da religião e da política. Este artigo busca examinar o pensamento do Papa Francisco sobre a religião e a política, visando ajudar a pensar o Brasil que queremos para o presente e o futuro. Em um primeiro momento, aborda-se a importância da religião para a construção da paz, para a superação da violência e discriminação religiosa, para a fraternidade e para o cuidado da Casa comum. Em seguida, apresenta-se a política como um serviço à paz, à justiça e à solidariedade, à pessoa humana, ao desenvolvimento integral, à Casa comum e explicita-se o dever de participação dos cristãos leigos na vida política. Conclui-se que são necessários o diálogo e a colaboração entre as diferentes tradições religiosas e entre estas e a política para a promoção de um presente e um futuro humano, pacífico, justo, sustentável e de esperança.

PALAVRAS-CHAVE
Paz; Bem comum; Desenvolvimento integral; Brasil; Papa Francisco

ABSTRACT

Faced with the bicentennial of Brazil’s independence, and with the problems and challenges that afflict our time, we question the role of religion and politics. The present article seeks to examine Pope Francis’ thoughts on religion and politics, in order to help think about the Brazil we want for the present and the future. Initially, it addresses the importance of religion for building peace, overcoming violence and religious discrimination, for fraternity and caring for our common home. Next, politics is presented as a service to peace, justice, and solidarity, to the human person, to integral development, to the common home, and it explains the duty of lay Christians to participate in political life. The article concludes that dialogue and collaboration are necessary among the different religious traditions, and between them and politics, for the promotion of a human, peaceful, just, sustainable and hopeful present and future.

KEYWORDS
Peace; Common good; Integral development; Brazil; Pope Francis

Introdução

O bicentenário da independência do Brasil que celebramos este ano é uma ocasião propícia para refletirmos sobre que país queremos construir para o presente e para o futuro. Os problemas e desafios do nosso tempo são enormes e globais – guerras e diversas formas de violência, crises sociais, econômicas, políticas, ambientais e antropológicas –, de tal modo a colocar em questão não só a qualidade de vida do ser humano, como a sua própria existência.

Convém ressaltar que a crise não tem somente uma conotação negativa. Não significa somente um momento difícil que se deve superar. Etimologicamente, crise vem do grego e significa investigar, avaliar e julgar. O tempo de crise pode apresentar-se como momento de oportunidade (FRANCISCO, 2017aFRANCISCO, Papa. Discurso aos chefes de Estado e de Governo da União Europeia (2017a). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/march/documents/papa-francesco_20170324_capi-unione-europea.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Por isso, para Francisco, pior que a crise é desperdiçar esta oportunidade. “Nunca saímos iguais de uma crise: ou saímos melhores ou saímos piores” (FRANCISCO, 2021FRANCISCO, Papa. Deus e o mundo que virá. Uma conversa com Domenico Agasso. Planeta: São Paulo, 2021., p. 69).

O nosso tempo é, portanto, um tempo de discernimento, no qual somos chamados a avaliar o essencial e construí-lo sobre este essencial. Neste contexto de crises, no qual as instituições religiosas e políticas perdem credibilidade aos olhos do sujeito contemporâneo, perguntamo-nos qual o papel da religião e da política diante dos grandes problemas que afligem as nossas sociedades.

Desde sua eleição ao bispado de Roma, Francisco vem refletindo sobre grandes questões de relevância atual que dizem respeito a todos os seres humanos. Apesar de falar de modo especial para os cristãos católicos, o Pontífice também pretende falar a todos os cristãos não católicos, a todos os crentes de outras religiões não cristãs e a todas as pessoas de boa vontade.

Este artigo busca examinar o pensamento do Papa Francisco sobre a religião e a política e suas possíveis contribuições para a sociedade atual, visando ajudar a pensar o Brasil que queremos para o presente e o futuro. Em um primeiro momento, aborda-se a importância da religião para a construção da paz, para a superação da violência e discriminação religiosa, para a fraternidade e para o cuidado da Casa comum. Em um segundo momento, apresenta-se a política como um serviço à paz, à justiça e à solidariedade, à pessoa humana, ao desenvolvimento integral, à Casa comum e explicita-se o dever de participação dos cristãos leigos na vida política. Por fim, destaca-se a necessidade de um diálogo e colaboração entre as diferentes tradições religiosas e entre estas e a política em vista de uma efetiva promoção do bem comum, de um presente e um futuro humano, pacífico, justo, sustentável e de esperança.

1 Contribuição das religiões para a sociedade: desafios e perspectivas

Diante dos graves flagelos do nosso mundo – guerra, fome e miséria, crises ambiental, econômica e política, diversas formas de violência, corrupção e degradação moral e falta de esperança –, Francisco questiona-se como promover uma convivência que se traduza em fraternidade autêntica, respeito à dignidade humana e cuidado da “Casa comum”; como fazer prevalecer a inclusão do outro diferente sobre a exclusão em nome da própria pertença; como a política e as religiões podem ser vias de fraternidade e não muros de separação (FRANCISCO, 2019cFRANCISCO, Papa. Discurso na visita a Nápoles por ocasião do simpósio “A teologia depois da Veritatis Gaudium no contexto do Mediterrâneo” (2019c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/june/documents/papa-francesco_20190621_teologia-napoli.html. Acesso em: 27 ago. 2021.
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).

Com efeito, a paz é um dos temas-chave do pontificado do Papa Francisco. Sua preocupação pela paz tem razão de ser na persistência de antigos conflitos, no surgimento de novos conflitos e na existência de diversas formas de violências, de tal modo que o Pontífice fala da “terceira guerra mundial aos pedaços” (FRANCISCO, 2014fFRANCISCO, Papa. Encontro com os jornalistas durante o voo de regresso da Turquia (2014f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/november/documents/papa-francesco_20141130_turchia-conferenza-stampa.html. Acesso em: 12 dez. 2021.
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; FRANCISCO, 2018cFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2018c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180108_corpo-diplomatico.html. Acesso em: 16 out. 2021.
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). Colocando-se na mesma perspectiva do Concílio Vaticano IICONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” (1965). Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/II_VATICAN_COUNCIL/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em: 14 fev. 2022.
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e dos seus antecessores, principalmente, João XXIII, Paulo VI, Bento XV e Pio XII, Francisco afirma que a paz não significa simplesmente a ausência de guerra, conflitos e tensões. A paz é fruto da justiça (Is 32, 17), do amor, do desenvolvimento integral, da solidariedade, da promoção do bem comum e da solicitude pela “Casa comum”. A verdadeira paz é dom de Deus e fruto da ação livre e racional do ser humano (FT, n. 233, 235).

Para Francisco, a paz requer corações sanados e reconciliados, capazes de constante conversão do coração e de perdão; a paz requer e implica acolhimento, isto é, disponibilidade para a escuta e o diálogo; a paz requer e implica colaboração, ou seja, intercâmbio vivo e concreto com o outro; ademais, a paz requer e implica educação, isto é, aprende todos os dias a arte difícil da comunhão e a aquisição da cultura do encontro (FRANCISCO, 2016fFRANCISCO, Papa. Palavras por ocasião da visita a Assis para a Jornada Mundial de Oração pela Paz “Sede de paz. Religiões e Culturas em Diálogo” (2016f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/september/documents/papa-francesco_20160920_assisi-preghiera-pace.html. Acesso em: 20 nov. 2021.
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).

Baseado na história e na tradição cristã, Francisco sublinha que a paz é um bem que “nunca se alcança de uma vez para sempre, antes deve estar constantemente a ser edificada” (GS, n. 78), tutelando o bem das pessoas e respeitando sua dignidade (FRANCISCO, 2017fFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2017f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/january/documents/papa-francesco_20170109_corpo-diplomatico. html#_ftnref6. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). A paz construída e alcançada hoje pode ser desconstruída amanhã e, por isso, requer ser abraçada, construída e implementada dia após dia. A paz é um bem frágil; “é como uma flor frágil, que procura desabrochar por entre as pedras da violência” (Francisco, 2018fFRANCISCO, Papa. A boa política está a serviço da paz. Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz (2018f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papa-francesco_20181208_messaggio--52giornatamondiale-pace2019.html. Acesso em: 10 de fev. 2022.
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); é uma “virtude ativa” que requer empenho, cooperação e participação de todas as pessoas, das religiões, da sociedade civil, dos Estados, das organizações internacionais e todos os homens e mulheres de boa vontade (FT, n. 323; FRANCISCO, 2019iFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Tailândia e Japão: discurso sobre as armas nucleares (2019i). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191124_messaggio-arminucleari-nagasaki.html. Acesso em: 05 ago. 2021.
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; FRANCISCO, 2014gFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Turquia: discurso na Visita ao Presidente dos Assuntos Religiosos no Diyanet (2014g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/november/documents/papa-francesco_20141128_turchia-presidenza-diyanet.html. Acesso em: 12 dez. 2021.
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). Francisco, portanto, lembra-nos que a paz é dom, desafio e compromisso. Dom porque brota do coração de Deus; desafio porque é um bem que nunca é um dado adquirido, mas necessita ser constantemente conquistado e edificado; compromisso porque requer trabalho constante e apaixonado de todas as pessoas de boa vontade (FRANCISCO, 2017fFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2017f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/january/documents/papa-francesco_20170109_corpo-diplomatico. html#_ftnref6. Acesso em: 01 nov. 2021.
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).

O Pontífice está profundamente convencido da tarefa e da responsabilidade a que as religiões são chamadas a desenvolver a paz. Esta convicção é claramente evidenciada não só em suas palavras, mas também nas suas atitudes. Em seus diversos encontros e viagens internacionais, Francisco faz questão de encontrar, em um clima de amizade e diálogo, os líderes das diversas tradições religiosas.

[...] as religiões, com os seus recursos espirituais e morais, desempenham um papel particular e insubstituível. Elas não podem ter um comportamento neutro e muito menos ambíguo em relação à paz. [...] as religiões são destinadas pela sua natureza a promover a paz, através da justiça, da fraternidade, do desarmamento e do cuidado da criação. [...] As religiões dispõem de recursos para fazer progredir em conjunto uma aliança moral que promova o respeito pela dignidade da pessoa humana e o cuidado da criação

(FRANCISCO, 2017bFRANCISCO, Papa. Discurso aos Delegados da “World Conference of Religions for Peace” (2017b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171018_delegati-religionsforpeace.html. Acesso em: 18 out. 2021.
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).

Esta importante tarefa e responsabilidade das religiões para com a paz não poderá ser cumprida se entre elas predominam a intolerância, a indiferença e os conflitos. No passado, as religiões foram motivos de conflitos e divisões, a ponto de se pensar, a partir do século XVIII, que o melhor caminho para uma convivência pacífica seria excluir o aspecto religioso da vida social ou reduzi-lo ao mero foro íntimo. A verdade é que ainda hoje não faltam grupos fundamentalistas dentro das religiões, assim como não faltam tentativas de uso político de elementos religiosos com objetivos de fomentar ódio, violência e discriminação.

Francisco vem denunciando a instrumentalização e a manipulação das religiões em função dos interesses particulares e afirmando que o nome de Deus nunca pode justificar a violência (FRANCISCO, 2017gFRANCISCO, Papa. Discurso por ocasião da apresentação das Cartas Credenciais dos novos Embaixadores da Mauritânia, Nepal, Trinidad e Tobago, Sudão, Cazaquistão e Níger (2017g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/may/documents/papa-francesco_20170518_lettere-credenziali-ambasciatori.html. Acesso em: 20 out. 2021.
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; FRANCISCO, 2017iFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Bangladesh: Discurso no encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e com o Corpo Diplomático no Palácio Presidencial (2017i). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/november/documents/papa-francesco_20171130_viaggioapostolico-bangladesh-autorita.html. Acesso em: 17 out. 2021.
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). As diferenças religiosas não devem ser fontes de divisão e indiferença, mas, sim, forças de construção da nação, de unidade, de perdão e de reconciliação. Neste sentido, é significativo o que falou o Pontífice em sua visita apostólica ao Myanmar em 2017: “As religiões podem desempenhar um papel significativo na cura das feridas emocionais, espirituais e psicológicas daqueles que sofreram nos anos de conflito. [...] elas podem ajudar a extirpar as causas do conflito, construir pontes de diálogo, procurar a justiça e ser uma voz profética para as pessoas que sofrem” (FRANCISCO, 2017mFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Myanmar: discurso no encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e com o Corpo Diplomático no Centro Internacional de Congressos (2017m). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/november/documents/papa-francesco_20171128_viaggioapostolico-myanmar-autorita.html. Acesso em: 17 out. 2021.
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).

Francisco está profundamente persuadido de que a religião autêntica é fonte de paz e não de violência e que ninguém pode usar o nome de Deus para cometer violência: matar em nome de Deus é um grande sacrilégio; discriminar em nome de Deus é desumano. A violência é, pois, a negação de toda religiosidade autêntica (FRANCISCO, 2018bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Tackling violence committed in the name of Religion” (2018b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/february/documents/papa-francesco_20180202_conferenza-tacklingviolence.html. Acesso em: 10 out. 2021.
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; FRANCISCO, 2014eFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com os líderes de outras religiões e outras denominações cristãs na Universidade Católica Nossa Senhora do Bom Conselho (2014e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/september/documents/papa-francesco_20140921_albania-leaders-altre-religioni.html. Acesso em: 20 dez. 2021.
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; FRANCISCO, 2015aFRANCISCO, Papa. Discurso ao corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé (2015a). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/january/documents/papa-francesco_20150112_corpo-diplomatico.html. Acesso em: 11 dez. 2021.
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); é um atentado contra a sacralidade da vida humana, que “merece respeito, consideração, compaixão e solidariedade, prescindindo da etnia, da religião, da cultura e da orientação ideológica ou política” (FRANCISCO, 2018bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Tackling violence committed in the name of Religion” (2018b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/february/documents/papa-francesco_20180202_conferenza-tacklingviolence.html. Acesso em: 10 out. 2021.
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).

A sacralidade da vida humana, da pessoa constituída à imagem de Deus, é para Francisco uma grande contribuição do cristianismo para a sociedade atual (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Este sentido cristão lembra-nos que a pessoa deve ser colocada no centro das ações políticas e econômicas. As pessoas não são meros números ou votos; elas têm rosto e obrigam-nos a uma responsabilidade real, concreta e pessoal: “Reconhecer que o outro é antes de tudo uma pessoa, significa valorizar aquilo que me une a ele. Ser pessoas nos liga aos outros, nos faz ser comunidade” (FRANCISCO, 2017cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Re(Thinking) Europe” promovida pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia — Comece (2017c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171028_conferenza-comece.html#_ftnref2. Acesso em: 18 out. 2021.
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).

De acordo com Francisco, o sentido de pertença a uma comunidade é outra contribuição que os cristãos podem dar ao futuro de uma nação: “A comunidade é o maior antídoto contra os individualismos que caracterizam o nosso tempo” (FRANCISCO, 2017cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Re(Thinking) Europe” promovida pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia — Comece (2017c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171028_conferenza-comece.html#_ftnref2. Acesso em: 18 out. 2021.
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). O sentido comunitário lembra ao sujeito político que o exercício de sua função como político é o de trabalhar pelo bem comum da comunidade – local, regional, nacional –, pelo interesse comunitário e não pelos interesses pessoais ou de grupos particulares. Para que este papel construtivo seja realizável na sociedade, faz-se necessário garantir a liberdade religiosa, assim como superar o preconceito laicista ainda existente, que não é “capaz de entender o valor positivo para a sociedade do papel público e objetivo da religião, preferindo relegá-la para uma esfera meramente particular e sentimental” (FRANCISCO, 2017cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Re(Thinking) Europe” promovida pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia — Comece (2017c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171028_conferenza-comece.html#_ftnref2. Acesso em: 18 out. 2021.
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).

Os atos de terrorismo fundamentalista e outras formas de violência e discriminação religiosa são frutos de uma grave miséria espiritual, associada, muitas vezes, a uma pobreza social, assevera Francisco (FRANCISCO, 2017fFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2017f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/january/documents/papa-francesco_20170109_corpo-diplomatico. html#_ftnref6. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Para vencer esta violência, Francisco evoca a colaboração conjunta dos líderes religiosos. Aos líderes religiosos “cabe a tarefa de transmitir aqueles valores religiosos que não admitem contraposição entre o temor de Deus e o amor ao próximo” (FRANCISCO, 2017fFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2017f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/january/documents/papa-francesco_20170109_corpo-diplomatico. html#_ftnref6. Acesso em: 01 nov. 2021.
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).

Para Francisco, a não-violência é um valor universal e encontra seu cumprimento no Evangelho de Jesus Cristo. É um valor que também pertence a outras tradições religiosas. Diante das diversas formas de violência do nosso tempo, Francisco afirma que “a escolha da não-violência como estilo de vida se torna uma exigência de responsabilidade a todos os níveis, da educação familiar ao compromisso social e civil, até à atividade política e às relações internacionais” (FRANCISCO, 2016eFRANCISCO, Papa. Discurso por ocasião da apresentação das Cartas Credenciais de seis novos Embaixadores junto à Santa Sé (2016e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/december/documents/papa-francesco_20161215_ambasciatori.html. Acesso em: 07 nov. 2021.
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). A atitude da não-violência, segundo o Pontífice, não significa debilidade ou passividade, mas, ao contrário, “pressupõe força de espírito, coragem e capacidade de enfrentar as questões e os conflitos com honestidade intelectual” (FRANCISCO, 2016eFRANCISCO, Papa. Discurso por ocasião da apresentação das Cartas Credenciais de seis novos Embaixadores junto à Santa Sé (2016e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/december/documents/papa-francesco_20161215_ambasciatori.html. Acesso em: 07 nov. 2021.
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), procurando sinceramente e verdadeiramente o bem comum e não o interesse de parte.

Diante das guerras, conflitos e as diversas formas de violência do mundo contemporâneo, o diálogo e a cooperação ecumênica e inter-religiosa revestem-se de uma grande importância. Para Francisco, a boa relação, o diálogo e a cooperação entre os líderes religiosos “constituem uma mensagem clara dirigida às respectivas comunidades, manifestando que, apesar das diferenças, são possíveis o respeito mútuo e a amizade” (FRANCISCO, 2014gFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Turquia: discurso na Visita ao Presidente dos Assuntos Religiosos no Diyanet (2014g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/november/documents/papa-francesco_20141128_turchia-presidenza-diyanet.html. Acesso em: 12 dez. 2021.
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).

Na busca de percursos de paz, o Pontífice valoriza o diálogo fraterno e sincero entre todas as instituições e organizações religiosas e não religiosas e com todos os homens e mulheres de boa vontade (FRANCISCO, 2019eFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Tailândia e Japão: discurso no encontro com os líderes cristiãos e outras religiões (2019e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191122_leaderreligiosi-thailandia.html. Acesso em: 05 ago. 2021.
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; FRANCISCO, 2019dFRANCISCO, Papa. Discurso na inauguração da Mostra “Caligrafia para o diálogo: promover a cultura da paz através da cultura e da arte” em memória do cardeal Jean-Louis Tauran (2019d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/october/documents/papa-francesco_20191031_mostra-calligrafia.html. Acesso em: 26 ago. 2021.
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). O diálogo e a cooperação ecumênica e inter-religiosa, baseados “na promoção de um diálogo sincero e respeitoso” (FRANCISCO, 2019bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no encontro promovido pelo Instituto para o Diálogo Inter-religioso da Argentina — IDI (2019b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191118_dialogo-interreligioso-argentina.html. Acesso em: 05 ago. 2021.
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), constituem uma via fundamental para promover o compromisso em prol da paz, do respeito recíproco, da tutela da dignidade humana, da liberdade religiosa e da salvaguarda da criação (FRANCISCO, 2019aFRANCISCO, Papa. Discurso a uma delegação do “American Jewish Committee” (2019a). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/march/documents/papa-francesco_20190308_american-jewish-committee.html. Acesso em: 03 set. 2021.
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). O Pontífice está profundamente convencido de que as “tradições religiosas constituem uma necessária fonte de inspiração para fomentar uma cultura do encontro” (FRANCISCO, 2016aFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Simpósio promovido pela Organização dos Estados Americanos e pelo Instituto para o Diálogo Inter-religioso de Buenos Aires (2016a). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/september/documents/papa-francesco_20160908_simposio-americas.html. Acesso em: 20 nov. 2021.
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).

A partir dessas reflexões, depreende-se que o diálogo que pensa e promove Francisco é sinônimo de abertura de espírito, de aceitação e cooperação entre as pessoas, independentemente de sua pertença étnica, política e religiosa. Esta abertura é, pois, uma importante contribuição para uma cultura do encontro e da paz. É também fundamental para contrastar o “vírus” da corrupção política, as ideologias religiosas destrutivas, a indiferença que fecham os olhos e o coração às necessidades dos pobres e vulneráveis (FRANCISCO, 2017jFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Bangladesh: Encontro Inter-religioso e Ecumênico em prol da Paz na Residência do Arcebispo (2017j). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/december/documents/papa-francesco_20171201_viaggioapostolico-bangladesh-pace.html. Acesso em: 16 out. 2021.
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). O diálogo que pensa e promove Francisco é também um diálogo que transcende o mero pacto político. É, pois, um diálogo no transcendente, que supera os meros pactos e vai além da simples esfera política, embora afirme que se deva fazer o que for possível em nível político. É um diálogo que cria fraternidade (FRANCISCO, 2019bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no encontro promovido pelo Instituto para o Diálogo Inter-religioso da Argentina — IDI (2019b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191118_dialogo-interreligioso-argentina.html. Acesso em: 05 ago. 2021.
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). É também um diálogo e uma cooperação que visam não somente prevenir e resolver conflitos, mas também fazer emergir os valores e as virtudes que são comuns a todos os seres humanos (FRANCISCO, 2019dFRANCISCO, Papa. Discurso na inauguração da Mostra “Caligrafia para o diálogo: promover a cultura da paz através da cultura e da arte” em memória do cardeal Jean-Louis Tauran (2019d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/october/documents/papa-francesco_20191031_mostra-calligrafia.html. Acesso em: 26 ago. 2021.
https://www.vatican.va/content/francesco...
). É significativa, neste sentido, a fala de Francisco em sua visita apostólica à Tailândia, dirigida ao Patriarca Supremo Budista:

Poderemos promover entre os fiéis das nossas religiões o desenvolvimento de novos projetos de caridade, capazes de gerar e incrementar iniciativas concretas no caminho da fraternidade, especialmente com os mais pobres, e em referência à nossa casa comum tão maltratada. Desta forma, contribuiremos para a formação de uma cultura de compaixão, fraternidade e encontro, tanto aqui como noutras partes do mundo

(FRANCISCO, 2019gFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Tailândia e Japão: saudação em visita ao Patriarca Supremo Budista (2019g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191121_patriarca-buddisti-thailandia.html. Acesso em: 05 ago. 2021.
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).

Na construção da paz e de sociedades justas, Francisco está convencido de que a misericórdia constitui um valor social. Neste sentido, entende-se a proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia celebrado entre 8 de dezembro de 2015 e 20 de novembro de 2016. Segundo o Pontífice, “somos chamados a fazer crescer uma cultura de misericórdia, com base na redescoberta do encontro com os outros: uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos” (FRANCISCO, 2016bFRANCISCO, Papa. Carta Apostólica Misericordia et misera. No termo do Jubileu Extraordinário da misericórdia (2016b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_letters/documents/papa-francesco-lettera-ap_20161120_misericordia-et-misera.html. Acesso em: 04 fev. 2022.
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).

Na construção da paz, é fundamental a defesa da liberdade religiosa. De acordo com os ensinamentos da Dignitatis Humanae do Concílio Vaticano II, Francisco defende a liberdade religiosa como um direito fundamental da pessoa humana. Este direito, segundo o Pontífice, deve ser não só garantido pelos sistemas legislativos, mas deve ser também o “espaço comum, um ambiente de respeito e colaboração que deve ser construído com a participação de todos, incluindo aqueles que não têm qualquer convicção religiosa” (FRANCISCO, 2014eFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com os líderes de outras religiões e outras denominações cristãs na Universidade Católica Nossa Senhora do Bom Conselho (2014e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/september/documents/papa-francesco_20140921_albania-leaders-altre-religioni.html. Acesso em: 20 dez. 2021.
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). A atenção especial que Francisco dá à liberdade religiosa nasce de sua profunda convicção de que o respeito a esta liberdade fundamental é condição irrenunciável para a paz, a fraternidade e a harmonia entre os povos. Baseado nesta convicção, Francisco afirma que compete aos líderes políticos garantir a liberdade religiosa no espaço público, assim como combater os atos de terrorismo fundamentalistas e as diversas formas de violência e discriminação religiosa (FRANCISCO, 2017fFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2017f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/january/documents/papa-francesco_20170109_corpo-diplomatico. html#_ftnref6. Acesso em: 01 nov. 2021.
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).

Francisco condena qualquer interpretação fundamentalista e extremista da religião que tente justificar a violência e a discriminação e convida os líderes políticos, os líderes religiosos, a comunidade internacional, os intelectuais e os educadores a não ficarem indiferentes às situações de violência (FRANCISCO, 2018bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Tackling violence committed in the name of Religion” (2018b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/february/documents/papa-francesco_20180202_conferenza-tacklingviolence.html. Acesso em: 10 out. 2021.
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; FRANCISCO, 2015aFRANCISCO, Papa. Discurso ao corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé (2015a). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/january/documents/papa-francesco_20150112_corpo-diplomatico.html. Acesso em: 11 dez. 2021.
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).

Na promoção da liberdade religiosa, Francisco indica duas atitudes. A primeira é ver em cada homem e mulher não rivais e menos ainda inimigos, mas irmãos e irmãs. O fundamento dessa atitude é a convicção de que somos filhos do mesmo Deus (FRANCISCO, 2014dFRANCISCO, Papa. Discurso na visita ao Presidente do Estado de Israel no Palácio Presidencial (2014d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/may/documents/papa-francesco_20140526_terra-santa-visita-presidente-israele.html. Acesso em: 13 jan. 2022.
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). Somos todos peregrinos nesta terra e nesta viagem “não vivemos como indivíduos autônomos e autossuficientes, mas dependemos uns dos outros, estamos confiados aos cuidados uns dos outros” (FRANCISCO, 2014eFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com os líderes de outras religiões e outras denominações cristãs na Universidade Católica Nossa Senhora do Bom Conselho (2014e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/september/documents/papa-francesco_20140921_albania-leaders-altre-religioni.html. Acesso em: 20 dez. 2021.
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). A segunda atitude é o compromisso a favor do bem comum. Quando uma tradição religiosa faz um serviço convicto, generoso e altruísta à sociedade “verifica-se um autêntico exercício e crescimento da liberdade religiosa” (FRANCISCO, 2014eFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com os líderes de outras religiões e outras denominações cristãs na Universidade Católica Nossa Senhora do Bom Conselho (2014e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/september/documents/papa-francesco_20140921_albania-leaders-altre-religioni.html. Acesso em: 20 dez. 2021.
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). Portanto, ver no outro um irmão, independentemente de sua pertença religiosa, ética, social e política, e operar para a construção do bem comum são atitudes que promovem a liberdade religiosa.

Em várias ocasiões de encontro com autoridades religiosas e civis, Francisco tem procurado demonstrar a estima da Igreja Católica “para criar as condições favoráveis para um viver juntos no respeito pelas diferenças, atento às condições de precariedade” (FRANCISCO, 2018aFRANCISCO, Papa. Discurso aos parlamentares e políticos da província de Marselha (2018a). disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/march/documents/papa-francesco_20180312_politici-marsiglia.html. Acesso em: 10 out. 2021.
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). Segundo o Pontífice, “[...] a Igreja Católica está irrevogavelmente empenhada com a decisão de promover a paz entre os povos e as nações: é um dever ao que se sente obrigada diante de Deus e perante todos os homens e mulheres desta terra” (FRANCISCO, 2019iFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Tailândia e Japão: discurso sobre as armas nucleares (2019i). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191124_messaggio-arminucleari-nagasaki.html. Acesso em: 05 ago. 2021.
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).

No contexto latino-americano, marcado por tantos desencontros, por uma grave disparidade social e um índice alarmante de violência que se manifesta de diversas formas na convivência cotidiana, as religiões devem com simplicidade prestar seus serviços ao “verdadeiro bem do ser humano” (FRANCISCO, 2016eFRANCISCO, Papa. Discurso por ocasião da apresentação das Cartas Credenciais de seis novos Embaixadores junto à Santa Sé (2016e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/december/documents/papa-francesco_20161215_ambasciatori.html. Acesso em: 07 nov. 2021.
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), declara Francisco. Devem trabalhar constantemente para “construir pontes, abater os muros, educar para o perdão e a reconciliação, para o sentido de justiça, a rejeição da violência e a coragem da paz’’ (FRANCISCO, 2017kFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Colômbia: discurso no encontro com o Comitê Diretivo do CELAM na Nunciatura Apostólica (2017k). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/september/documents/papa-francesco_20170907_viaggioapostolico-colombia-celam.html. Acesso em: 19 out. 2021.
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). Ademais, as religiões devem acompanhar as pessoas em busca do sentido da vida, ajudá-las a realizar o seu fim e orientá-las para o bem e afastá-las do mal (FRANCISCO, 2016hFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Geórgia e Azerbaijão: encontro Inter-religioso com o Chefe dos Muçulmanos do Cáucaso e os Representantes de outras Comunidades religiosas do país na Mesquita Heydar Aliyev (2016h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/october/documents/papa-francesco_20161002_azerbaijan-incontro-interreligioso-baku.html. Acesso em: 19 out. 2021.
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).

É importante ressaltar que, principalmente, na ótica das religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo), o universo provém de uma decisão de amor do Criador. O ambiente é, pois, um bem fundamental para as crenças religiosas (FRANCISCO, 2015gFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Cuba e aos Estados Unidos da América: Discurso na visita à Organização das Nações Unidas (2015g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/papa-francesco_20150925_onu-visita.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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). Ao ser humano é permitido servir-se de modo respeitoso dos recursos naturais, seja para o bem dos seus semelhantes, seja para a glória do Criador, o que não lhe autoriza abusar ou destruir a criação. Dessa compreensão resulta uma dignidade para o criado e, por isso, respeito e cuidado para com os recursos naturais.

Para Francisco, a fé em Deus leva o crente a reconhecê-lo na sua criação e convida-o a respeitar, cuidar e proteger a natureza. Para que este respeito, cuidado e proteção sejam efetivos, “é necessário que as religiões promovam uma educação autêntica [...] que ajude a propagar uma atitude responsável e atenta em relação às exigências do cuidado do nosso mundo; e, de maneira particular, a tutelar, promover e defender os direitos humanos” (FRANCISCO, 2016gFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Armênia: encontro com as Autoridades Civis e o Corpo Diplomático no Palácio Presidencial (2016g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/june/documents/papa-francesco_20160624_armenia-autorita-cd.html. Acesso em: 25 nov. 2021.
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).

No que concerne à Igreja católica, Francisco, em diversas ocasiões, tem expressado a contribuição que ela dá para as sociedades por meio de suas obras de evangelização e de promoção humana, assim como através de seu compromisso pela justiça e a reconciliação, cuja contribuição, muitas vezes, é realizada “em colaboração com as autoridades governamentais e as instituições públicas e privadas empenhadas na consecução do bem comum” (FRANCISCO, 2015dFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Bolívia: encontro com as autoridades civis (2015d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150708_bolivia-autorita-civili.html. Acesso em: 08 dez. 2021.
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).

2 Contribuição da política para a sociedade: desafios e perspectivas

Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel.

Bem-aventurado o político cuja pessoa irradia credibilidade.

Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.

Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.

Bem-aventurado o político que realiza a unidade.

Bem-aventurado o político que está comprometido na realização de uma mudança radical.

Bem-aventurado o político que sabe escutar.

Bem-aventurado o político que não tem medo

(Francisco, 2018fFRANCISCO, Papa. A boa política está a serviço da paz. Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz (2018f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papa-francesco_20181208_messaggio--52giornatamondiale-pace2019.html. Acesso em: 10 de fev. 2022.
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)1 1 As Bem-aventuranças do político, propostas pelo Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, refletem o pensamento de Francisco sobre a política e a figura do político. .

Em diversas ocasiões e textos, Francisco fala sobre a boa política ou a política com o “p” maiúsculo. Retomando a Doutrina Social da Igreja, o Pontífice afirma que a política “é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum” (FT, n. 180)2. Ele fala da política como o “máximo serviço ao bem comum e não como uma ocupação de poder” (FRANCISCO, 2017cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Re(Thinking) Europe” promovida pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia — Comece (2017c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171028_conferenza-comece.html#_ftnref2. Acesso em: 18 out. 2021.
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). A política é, pois, um meio fundamental para construir a cidadania quando vivida e exercida como serviço à coletividade; como serviço e proteção das pessoas, especialmente as mais vulneráveis, e como promoção das condições para um desenvolvimento justo e integral (FRANCISCO, 2019fFRANCISCO, Papa. Viagem apostólica a Moçambique, Madagascar e Maurício: discurso do Santo Padres no encontro com as autoridades, o corpo diplomático e vários representantes da sociedade civil (2019f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/september/documents/papa-francesco_20190907_autorita-madagascar.html. Acesso em: 27 ago. 2021.
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). Dessa compreensão da política, por um lado, denota-se a grande responsabilidade e o grave desafio de quantos têm a incumbência de servir através da caridade política. Por outro lado, adverte-nos sobre a necessidade de uma formação adequada para quantos têm a vocação para o exercício da caridade política, pois, como nos lembra Francisco, a “política não é a arte da improvisação, mas uma expressão nobre de abnegação e dedicação pessoal em benefício da comunidade e do bem comum (FRANCISCO, 2017cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Re(Thinking) Europe” promovida pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia — Comece (2017c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171028_conferenza-comece.html#_ftnref2. Acesso em: 18 out. 2021.
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).

Para Francisco, quando uma pessoa se une a outras “para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no campo da caridade mais ampla, a caridade política. Trata-se de avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade social” (FT, n. 180). Esta compreensão da política contrasta drasticamente com um certo modo de compreender e exercer a política atualmente: a política como busca de sucesso e poder individual ou, no máximo, do sucesso e poder de um determinado partido político ou de uma classe social.

Partindo do princípio de que o “tempo é superior ao espaço” (EG, n. 222-225), Francisco afirma que um bom político é aquele que opta constantemente por “gerar processos do que por dominar espaços de poder” (FRANCISCO, 2015eFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Bolívia: Participação ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares na “Expo Feria” (2015e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150709_bolivia-movimenti-popolari.html. Acesso em: 05 dez. 2021.
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). Não se trata de excluir ações de curto prazo, muitas vezes, necessárias, mas “[...] de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificar em acontecimentos históricos importantes” (EG, n. 223; LS, n. 178). Este princípio, portanto, ajuda a colocar a atividade política numa perspectiva de processo que compromete pessoas e grupos, tirando-a do círculo vicioso das exclusivas ações pontuais e imediatistas, centralizadas no protagonismo de um sujeito ou grupo e, muitas vezes, nos interesses particulares e não no bem comum. Gerar processo em que “a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos” (FRANCISCO, 2015eFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Bolívia: Participação ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares na “Expo Feria” (2015e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150709_bolivia-movimenti-popolari.html. Acesso em: 05 dez. 2021.
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).

Atualmente, os vícios da vida política têm levado a uma perda de credibilidade dentro dos sistemas dos quais se realiza a política e a uma perda de autoridade das decisões e ações das pessoas que se dedicam a política, assim como a um enfraquecimento do ideal de uma vida democrática autêntica (FRANCISCO, 2018fFRANCISCO, Papa. A boa política está a serviço da paz. Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz (2018f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papa-francesco_20181208_messaggio--52giornatamondiale-pace2019.html. Acesso em: 10 de fev. 2022.
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; FT, n. 176). Segundo Francisco, os vícios mais frequentes no meio político são:

a corrupção [...], a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da “razão de Estado”, a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio

(FRANCISCO, 2018fFRANCISCO, Papa. A boa política está a serviço da paz. Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz (2018f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papa-francesco_20181208_messaggio--52giornatamondiale-pace2019.html. Acesso em: 10 de fev. 2022.
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).

Os políticos devem rejeitar “o mau uso do poder, a corrupção, a falta de respeito das leis e a ineficiência” (FT 177). Para Francisco, um dos flagelos dos nossos tempos é a corrupção, presente em todos os âmbitos da vida, inclusive religioso. No âmbito político, o vírus social da corrupção tira a esperança dos povos, principalmente dos mais pobres, e ameaça as democracias. A luta contra a corrupção e a favor de uma maior cultura da transparência deve ser um compromisso de todos: entidades públicas, setor privado, sociedade civil e organizações eclesiais (FRANCISCO, 2018eFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica ao Peru: discurso no encontro com as autoridades, com a sociedade civil e com o corpo diplomático (2018e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180119_peru-lima-autorita.html. Acesso em: 14 out. 2021.
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; FRANCISCO, 2015cFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica ao Sri Lanka e às Filipinas: entrevista coletiva durante o voo de regresso das Filipinas (2015c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/january/documents/papa-francesco_20150119_srilanka-filippine-conferenza-stampa.html. Acesso em: 11 dez. 2021.
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).

2.1 A política como serviço à justiça, à paz e à solidariedade

Francisco fala da justiça como “dar a cada um o que lhe é devido” (FT, n. 171). O pontífice sublinha a relação íntima entre justiça e paz: as diversas formas de insegurança e violência presentes em nossas sociedades estão relacionadas à falta de justiça social. Deste modo, “sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão” (EG, n. 59).

Na edificação da paz, Francisco também fala da necessidade de “eliminar as causas das discórdias entre os seres humanos, que são as que alimentam as guerras, a começar pelas injustiças” (FRANCISCO, 2017fFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2017f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/january/documents/papa-francesco_20170109_corpo-diplomatico. html#_ftnref6. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Eis o grande desafio da política para a edificação da paz: a construção de sociedades justas, que exigem o respeito aos direitos individuais, os direitos sociais e os direitos dos povos (FT, n. 126).

Como vimos na primeira parte deste texto, a paz é um dos temas-chave do pontificado de Francisco. Para o Pontífice, a “não-violência é um estilo político, baseado na primazia do direito e da dignidade de toda a pessoa” (FRANCISCO, 2017fFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2017f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/january/documents/papa-francesco_20170109_corpo-diplomatico. html#_ftnref6. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). A paz é também “fruto de projeto político, que se baseia na responsabilidade de todos e na interdependência dos seres humanos” (FRANCISCO, 2018fFRANCISCO, Papa. A boa política está a serviço da paz. Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz (2018f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papa-francesco_20181208_messaggio--52giornatamondiale-pace2019.html. Acesso em: 10 de fev. 2022.
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). Na construção da paz, a política tem um papel fundamental. Daí a necessidade de reconhecermos como parte de uma única família, irmanados pelos laços da humanidade comum e chamados à unidade e à solidariedade (FRANCISCO, 2018dFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica ao Chile: discurso no encontro com as Autoridades, a Sociedade Civil e o Corpo Diplomático (2018d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180116_cile-santiago-autorita.html. 15 out. 2021.
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).

O Pontífice também pensa que não se pode amar com as armas nas mãos e com ânimo difidente. Daí a necessidade de opor-se a indústria de armas e a perigosa dinâmica de desconfiança presente nas relações humanas (FRANCISCO, 2019iFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Tailândia e Japão: discurso sobre as armas nucleares (2019i). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191124_messaggio-arminucleari-nagasaki.html. Acesso em: 05 ago. 2021.
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; FRANCISCO, 2018cFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2018c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180108_corpo-diplomatico.html. Acesso em: 16 out. 2021.
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).

Para que haja paz, portanto, faz-se necessário unir os esforços em todos os níveis e âmbitos para impulsionar as nações e a comunidade internacional a promoverem mudanças concretas em vista da redução dos armamentos. Este passo é necessário se quisermos um futuro mais seguro para todos e para o planeta.

Francisco, portanto, ancora a paz no valor social da justiça, mas também a vincula ao valor da solidariedade. A paz, deste modo, só será real e duradoura “a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira” (FT, n. 127). Assim como a justiça e a paz, a solidariedade também não se alcança de uma vez para sempre. Também há de ser conquistada e construída cotidianamente, “artesanalmente”, pacientemente e com trabalho (FT, n. 11). Para Francisco, a solidariedade é uma virtude moral e comportamento social (FT, n. 114).

Com efeito, a política precisa do valor da solidariedade. Precisa promover este profundo valor de humanidade, principalmente em relação aos seres humanos em situação de vulnerabilidade, assim como em relação ao meio ambiente (FT, n. 115). A boa política é, pois, uma das formas mais preciosas da caridade e, também, uma das formas mais preciosas de solidariedade quando exercida em vista do bem comum e dos mais vulneráveis.

Na construção da paz, o diálogo é o meio fundamental para evitar e resolver os conflitos e, portanto, condição para a paz no mundo e na sociedade. Segundo Francisco, o diálogo “surge do conhecimento recíproco, [de] uma maior estima recíproca entre as pessoas e [de] uma colaboração para a consecução do bem comum” (FRANCISCO, 2017hFRANCISCO, Papa. Saudação aos participantes na reunião entre o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e a comissão palestina para o diálogo inter-religioso (2017h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/december/documents/papa-francesco_20171206_dialogo-interreligioso.html. Acesso em: 16 out 2021.
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). A capacidade de dialogar e buscar consenso em vista do bem comum, não obstante as diferenças, é, sem dúvida, uma virtude fundamental do político. Francisco tem sublinhado com persistência sobre a necessidade deste diálogo em âmbito político. Tal persistência explica-se também pelo clima de polarização e conflito em diversas partes do mundo. Este clima tem gerado frustração e desencanto para com a política, cuja frustração e desencanto têm se tornado um terreno fértil, em muitos países, para o surgimento e a afirmação de tendências extremistas, “que fazem da contestação o centro da sua mensagem política, sem, contudo, oferecer uma alternativa para um projeto político construtivo” (FRANCISCO, 2017cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Re(Thinking) Europe” promovida pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia — Comece (2017c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171028_conferenza-comece.html#_ftnref2. Acesso em: 18 out. 2021.
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).

Usa-se hoje, em muitos países, o mecanismo político de exasperar, exacerbar e polarizar. Com várias modalidades, nega-se a outros o direito de existir e pensar e, para isso, recorre-se à estratégia de ridicularizá-los, insinuar suspeitas sobre eles e reprimi-los. Não se acolhe a sua parte da verdade, os seus valores, e assim a sociedade empobrece-se e acaba reduzida à prepotência do mais forte. [...] Neste mesquinho jogo de desqualificações, o debate é manipulado para o manter no estado de controvérsia e contraposição

(FT, n. 15).

Ao olharmos mais especificamente para o contexto político atual brasileiro, notamos este clima de polarização e exasperação do qual fala Francisco, visto que, muitas vezes, o diálogo tem sido substituído pelos gritos e conflitos entre as forças políticas: substitui-se o diálogo por uma contraposição estéril que, em nome de um projeto de hegemonia de poder político, coloca-se em risco a vida democrática e a convivência civil. Tem-se a impressão de que o bem comum já não é o objetivo principal do exercício político.

Para a convivência pacífica e harmônica, é urgente, portanto, promover a cultura do diálogo e do encontro. Esta cultura, segundo o Pontífice, “implica uma autêntica aprendizagem, uma ascese que nos ajude a reconhecer o outro como um interlocutor válido, [...] como sujeito a ser ouvido, considerado e apreciado” (FRANCISCO, 2016dFRANCISCO, Papa. Discurso na entrega do Prémio Carlos Magno (2016d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/may/documents/papa-francesco_20160506_premio-carlo-magno.html. Acesso em: 25 nov. 2021.
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). É necessário que o diálogo seja promovido no mundo da política, envolvendo todos os atores sociais na promoção de uma cultura do diálogo e fomentando a busca de consenso e de acordos sobre assuntos de interesse comum. Uma sociedade em paz, integrada e reconciliada só será possível na medida que formos capazes de diálogo (FRANCISCO, 2016dFRANCISCO, Papa. Discurso na entrega do Prémio Carlos Magno (2016d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/may/documents/papa-francesco_20160506_premio-carlo-magno.html. Acesso em: 25 nov. 2021.
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).

2.2 A política como serviço à pessoa humana

O homem está no centro da história, e isto para mim é muito importante: o homem está no centro! Neste momento da história, o homem foi removido do centro, escorregou rumo à periferia, e no centro — pelo menos neste momento — estão o poder e o dinheiro

(FRANCISCO, 2014aFRANCISCO, Papa. Diálogo do Papa Francisco com um grupo de jovens da Bélgica (2014a). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/march/documents/papa-francesco_20140331_intervista-giovani-belgio.html. Acesso em: 14 jan. 2022.
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).

Diante desse quadro, a seguinte questão impõe-se: Quem está no centro da ação política, a pessoa ou o poder e o dinheiro? O lugar que a pessoa ocupa é um bom critério para discernir e orientar a atividade política. Para Francisco, faz-se necessário colocar a pessoa humana no centro da atividade política (FRANCISCO, 2017eFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Encontro promovido pela Pontifícia Academia das Ciências Sociais (2017e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171020_incontro-pass.html. Acesso em: 18 out. 2021.
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). Não se trata de absolutizar a pessoa, mas “deixar que a mesma exprima livremente o próprio rosto e a própria criatividade tanto de indivíduo como de povo” (FRANCISCO, 2014cFRANCISCO, Papa. Discurso na visita ao Parlamento Europeu (2014c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/november/documents/papa-francesco_20141125_strasburgo-parlamento-europeo.html#_ftn8. Acesso em: 12 dez. 2021.
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).

Para cumprir sua missão de serviço ao ser humano, a política não deve submeter-se à exclusiva lógica da economia e do mercado (FT, n. 177). O crescimento econômico é importante, mas ele nem sempre beneficia a todos, antes, muitas vezes, deixa de lado um grande número de pessoas. Daí a necessidade de desenvolver políticas públicas que coloquem no centro as necessidades reais das pessoas.

A partir da percepção de que tudo está interligado, Francisco reconhece que a política e a economia estão intimamente relacionadas, mas chama atenção para o domínio da especulação financeira sobre a política. Com este domínio, segundo o Pontífice, a política não poderá compreender os grandes problemas que afetam à humanidade, muitos menos de resolvê-los (FRANCISCO, 2015dFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Bolívia: encontro com as autoridades civis (2015d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150708_bolivia-autorita-civili.html. Acesso em: 08 dez. 2021.
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).

Para Francisco, a política não deve ceder “à tentação de um modelo econômico idolátrico que precisa sacrificar vidas humanas no altar da especulação e da mera rentabilidade, que tem em conta apenas o benefício imediato em detrimento da proteção dos mais pobres, do meio ambiente e seus recursos” (FRANCISCO, 2019hFRANCISCO, Papa. Viagem apostólica a Moçambique, Madagascar e Maurício: discurso no encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático (2019h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/september/documents/papa-francesco_20190909_autorita-maurizio.html. Acesso em: 26 ago. 2021.
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). A boa política não sacrifica vidas humanas em nome do progresso econômico. Neste tempo de pandemia de COVID-19, vimos como surgiram discursos e atitudes que admitiram “que a economia prosperasse em cima de um monte de cadáveres. [...] as mortes não garantem o crescimento econômico” (SANTOS, 2021SANTOS, B. S. O futuro começa agora: da pandemia à utopia. Boitempo: São Paulo, 2021., p. 40). Colocar a pessoa humana no centro da política significa e implica promover os direitos fundamentais da pessoa. Deste modo, a política revela-se como um serviço à dignidade da pessoa.

O respeito pela vida humana, principalmente a dos mais frágeis, é uma pedra angular na construção de uma sociedade justa e livre da violência (FRANCISCO, 2017lFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Colômbia: discurso no encontro com as Autoridades na Praça das Armas da Casa de Nariño (2017l). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/september/documents/papa-francesco_20170907_viaggioa>postolico-colombia-autorita.html. Acesso em: 19 out. 2021.
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). Defender o direito à vida e a integridade física significa também tutelar o direito à saúde das pessoas. Para tanto, cabe unir esforços para que se possam adotar políticas capazes de garantir os direitos fundamentais (FRANCISCO, 2018cFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2018c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180108_corpo-diplomatico.html. Acesso em: 16 out. 2021.
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).

Para Francisco, a política, que coloca a pessoa humana no centro, está preocupada com educação, com a moradia, com a geração de empregos e com o acesso ao welfare para todos. Estes são direitos e bens fundamentais para a dignidade da pessoa, para a realização do bem comum e da paz, assim como para “o desenvolvimento e para a justa distribuição dos bens, quer para a consecução da justiça social, quer ainda para pertencer à sociedade e para participar livre e responsavelmente na vida política, entendida como gestão da res publica” (FRANCISCO, 2014bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Plenária do Pontifício Conselho Justiça e Paz (2014b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/october/documents/papa-francesco_20141002_pont-consiglio-giustizia-e-pace.html. Acesso em: 20 dez. 2021.
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).

A política que coloca a pessoa humana no centro favorece a comunidade inclusiva e rejeita a cultura do descarte. Inclusão significa e implica, para o Pontífice, “valorizar as diferenças, assumindo-as como patrimônio comum e enriquecedor” (FRANCISCO, 2017cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Re(Thinking) Europe” promovida pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia — Comece (2017c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171028_conferenza-comece.html#_ftnref2. Acesso em: 18 out. 2021.
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). Neste sentido, qualquer lógica política, econômica e religiosa que pretenda escolher ou descartar uma pessoa – migrante, refugiado, doente, idoso, desempregado etc. – deve ser considerada moralmente ilícita. Favorecer comunidade inclusiva significa e implica também edificar espaços de solidariedade, assim como “cuidar dos mais frágeis da sociedade, dos pobres, de quantos são descartados pelos sistemas [políticos], económicos e sociais, a começar pelos idosos e pelos desempregados” (FRANCISCO, 2017cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Conferência “Re(Thinking) Europe” promovida pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia — Comece (2017c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171028_conferenza-comece.html#_ftnref2. Acesso em: 18 out. 2021.
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). Neste sentido, faz-se necessária uma política do acolhimento e da integração, uma vez que: “[...] a exclusão, longe de trazer grandeza, riqueza e beleza, provoca vilania, penúria e brutalidade. Longe de proporcionar nobreza ao espírito, fá-lo cair na mesquinhez. Somos convidados a promover uma integração que encontra na solidariedade a forma de fazer as coisas [...]” (FRANCISCO, 2016dFRANCISCO, Papa. Discurso na entrega do Prémio Carlos Magno (2016d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/may/documents/papa-francesco_20160506_premio-carlo-magno.html. Acesso em: 25 nov. 2021.
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).

Diante disso, o Pontífice propõe a ideia de uma respeitosa integração urbana. Para tanto, segundo ele, é preciso “ir além da mera proclamação de direitos que, na prática, não são respeitados, promover ações sistemáticas que melhorem o habitat popular e projetar novas urbanizações de qualidade para acolher as futuras gerações” (FRANCISCO, 2015fFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica ao Quênia: Visita ao bairro pobre de Kangemi (2015f). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/november/documents/papa-francesco_20151127_kenya-kangemi.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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). Para isso, serão necessários modelos políticos e econômicos orientados para bem comum e não exclusivamente para o lucro e a exploração dos mais fracos. É dever dos governos e organizações internacionais eliminar as causas estruturais da exploração e a exclusão dos mais vulneráveis e adotarem estratégias e políticas coordenadas, visando a construção de sociedades mais inclusivas (FRANCISCO, 2018cFRANCISCO, Papa. Discurso no encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé (2018c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180108_corpo-diplomatico.html. Acesso em: 16 out. 2021.
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).

O bem comum, ou seja, o “conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (GS. n. 26) comporta não só direitos, mas também deveres e é, segundo o princípio de subsidiariedade, responsabilidade de todos: requer das diferentes forças políticas e de todos os segmentos da sociedade civil, inclusive as diferentes tradições religiosas, um diálogo e uma colaboração recíproca em vista de um empenho a favor do bem comum (FRANCISCO, 2017eFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Encontro promovido pela Pontifícia Academia das Ciências Sociais (2017e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171020_incontro-pass.html. Acesso em: 18 out. 2021.
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; FRANCISCO, 2017nFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Myanmar: discurso no encontro com o Conselho Supremo “Shanga” dos Monges Budistas no Kaba Aye Centre (2017n). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/november/documents/papa-francesco_20171129_viaggioapostolico-myanmar-monaci-buddisti.html. Acesso em: 17 out. 2021.
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). Não obstante as diferenças entre as forças políticas, é fundamental que estas se tornem promotoras de “um verdadeiro debate sobre valores e orientações reconhecidas como comuns a todos” (FRANCISCO, 2018aFRANCISCO, Papa. Discurso aos parlamentares e políticos da província de Marselha (2018a). disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/march/documents/papa-francesco_20180312_politici-marsiglia.html. Acesso em: 10 out. 2021.
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). A política não pode recusar a importante tarefa de “harmonizar as legítimas aspirações dos indivíduos e dos grupos, segurando firmemente o leme na direção dos interesses de todos os cidadãos. Este é o rosto autêntico da política e a sua razão de ser: um serviço inestimável para o bem da coletividade inteira” (FRANCISCO, 2017oFRANCISCO, Papa. Visita Pastoral a Cesena: encontro com a população na Praça do Povo (2017o). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/october/documents/papa-francesco_20171001_visitapastorale-cesena-cittadinanza.html. Acesso em: 18 out. 2021.
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).

Segundo Francisco, as políticas governamentais devem fazer o máximo para que todos possam dispor da base mínima material e espiritual para tornar efetiva sua dignidade e poder formar e manter uma família. Mas qual é esta base mínima? Em nível material, o Pontífice afirma que o mínimo é “teto, trabalho e terra”. Já em nível espiritual, o mínimo é “liberdade de espírito, que inclui a liberdade religiosa, o direito à educação e todos os outros direitos civis” (FRANCISCO, 2015gFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Cuba e aos Estados Unidos da América: Discurso na visita à Organização das Nações Unidas (2015g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/papa-francesco_20150925_onu-visita.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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). Qual é o indicador adequado para verificar o cumprimento desta base indispensável? Francisco explica que é “o acesso efetivo, prático e imediato, para todos, aos bens materiais e espirituais”, ou seja, “habitação própria, trabalho digno e devidamente remunerado, alimentação adequada e água potável; liberdade religiosa e, mais em geral, liberdade de espírito e educação” (FRANCISCO, 2015gFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Cuba e aos Estados Unidos da América: Discurso na visita à Organização das Nações Unidas (2015g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/papa-francesco_20150925_onu-visita.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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). Para o Pontífice, estes são os pilares do desenvolvimento humano integral, que têm um fundamento comum, a saber, o direito à vida e ao direito à existência da própria natureza humana. Os pilares do desenvolvimento humano integral, indicados por Francisco, evidenciam qual deve ser o foco da atividade política: o bem da pessoa humana. É significativo neste sentido o que ele falou no seu discurso em visita ao Congresso dos Estados Unidos da América em 2015: “Qualquer atividade política deve servir e promover o bem da pessoa humana e estar baseada no respeito pela dignidade de cada um. Se a política deve estar verdadeiramente ao serviço da pessoa humana, segue-se que não pode estar submetida à economia e às finanças” (FRANCISCO, 2015gFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Cuba e aos Estados Unidos da América: Discurso na visita à Organização das Nações Unidas (2015g). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/papa-francesco_20150925_onu-visita.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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).

2.3 A política como um serviço ao desenvolvimento integral

Francisco fornece-nos algumas proposições importantes para orientar uma compreensão e uma ação política que vise ao desenvolvimento integral. Seguindo os passos de Paulo VIPAULO VI, Papa. Populorum Progressio. Carta Encíclica sobre o desenvolvimento dos povos (1967). Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html. Acesso em: 04 fev. 2022.
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, Francisco explica que o desenvolvimento integral se trata de “integrar os diferentes povos da terra”. Nesta proposição, compreende-se que “o dever de solidariedade nos obriga a buscar modalidades de partilha corretas, a fim de evitar a dramática desigualdade entre quem tem muito e quem não tem nada”. Para o Pontífice, “Somente o caminho da integração entre os povos permite à humanidade um futuro de paz e de esperança” (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Pensando no contexto brasileiro de grave desigualdade e exclusão, esta proposição recorda-nos que a política deve sentir-se obrigada a implementar políticas públicas que favoreçam a integração dos povos, principalmente daqueles historicamente excluídos como os povos indígenas e os afrodescendentes. Para Francisco, desenvolvimento integral refere-se a “oferecer modelos praticáveis de integração social (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Nesta proposição, fica evidenciado “o princípio da subsidiariedade, que garante a necessidade da contribuição por parte de todos, quer como indivíduos quer como grupos” (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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), para o conjunto da sociedade. É um direito e um dever de todos contribuir para o viver juntos.

Para Francisco, o desenvolvimento integral diz respeito, ainda, a “integrar no desenvolvimento todos aqueles elementos que o tornam verdadeiramente tal” (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Nesta proposição, Francisco fala da necessidade de considerar “a economia, as finanças, o trabalho, a cultura, a vida familiar e a religião, cada qual na sua especificidade” (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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), como elementos irrenunciáveis do crescimento: nenhum deles pode ser absolutizado como também não pode ser excluído de um conceito de desenvolvimento humano integral (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Relacionando esta proposição com a política, podemos dizer que a boa política não ignora a complexidade do ser humano, isto é, “o homem todo” (PP, n. 14), mas está atenta a considerá-lo de modo integral: “A gente não quer só comida, A gente quer comida, diversão e arte. [...] A gente não quer só dinheiro, A gente quer dinheiro e felicidade [...]” (Comida, Titãs).

Para Francisco, o desenvolvimento integral trata também de “integrar as dimensões individual e comunitária” (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Neste âmbito, por um lado, o Pontífice crítica o caráter individualista, que tem marcado a cultura ocidental, transformando o indivíduo numa ilha, como se fosse possível ser feliz sozinho. Por outro lado, o Pontífice critica as visões ideológicas e os poderes políticos e econômicos que esmagam e massificam a pessoa, privando-a de sua liberdade (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Esta premissa alerta-nos, seja para atitudes e projetos políticos exclusivamente individualistas, que não consideram o aspecto comunitário, mas somente o indivíduo e seu voto – atitude muito em voga em algumas partes do Brasil –, seja para atitudes e projetos populistas por meio dos quais o indivíduo perde sua singularidade e identidade.

E finalmente, para Francisco, o desenvolvimento integral trata de “integrar corpo e alma entre si” (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Com este postulado, Francisco quer explicitar “que nenhuma obra de desenvolvimento poderá verdadeiramente alcançar a sua finalidade, se não respeitar aquele lugar em que Deus está presente em nós e fala ao nosso coração” (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). O Pontífice também quer lembrar-nos que “o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico, assim como não consiste em ter sempre mais bens à disposição, para um bem-estar unicamente material” (FRANCISCO, 2017dFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso por ocasião do 50º aniversário da “Populorum Progressio”, promovido pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral (2017d). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/april/documents/papa-francesco_20170404_convegno-populorum-progressio.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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).

Diante dessas proposições indicadas por Francisco, não resta dúvida da grande responsabilidade da política e de quem governa. A quem governa compete discernir as estradas da esperança: “[...] a política pode desempenhar aquela sua tarefa fundamental que consiste em ajudar a olhar com esperança para o futuro” (FRANCISCO, 2017aFRANCISCO, Papa. Discurso aos chefes de Estado e de Governo da União Europeia (2017a). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/march/documents/papa-francesco_20170324_capi-unione-europea.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Quando um político não está à altura desta responsabilidade ou se entrega à corrupção, ele não só trai a esperança do povo como também coloca seu futuro em risco.

2.4 A política como serviço à “Casa Comum”

As mudanças climáticas são um grande desafio para a humanidade, com graves implicações ambientais, sociais, econômicas e políticas. Estas implicações são muito claras para Francisco de tal modo que ele dedicou a encíclica Laudato Si´ aos problemas e desafios ambientais. Para o Pontífice, o clima é um bem comum e a política com “P” maiúsculo não pode ficar indiferente aos fenômenos como as mudanças climáticas, o aquecimento global e o aumento dos fenômenos meteorológicos extremos.

Diante disso, é necessário “um grande compromisso político e econômico para reconsiderar e corrigir as falhas e distorções no modelo atual de desenvolvimento” (FRANCISCO, 2015hFRANCISCO, Papa. Visita Apostólica ao Quênia, Uganda e República Centro-Africana: discurso na visita ao Centro das Nações Unidas em Nairobi (2015h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/november/documents/papa-francesco_20151126_kenya-unon.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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). Para tanto, a política deve buscar um diálogo e uma cooperação sincera e franca com todos as forças políticas, com a comunidade científica, empresas e sociedade civil (FRANCISCO, 2015hFRANCISCO, Papa. Visita Apostólica ao Quênia, Uganda e República Centro-Africana: discurso na visita ao Centro das Nações Unidas em Nairobi (2015h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/november/documents/papa-francesco_20151126_kenya-unon.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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).

Na busca de soluções para o problema ambiental, Francisco fala da necessidade de integrar uma perspectiva social, visto que o abuso e a destruição do meio ambiente estão associados com um processo de exclusão (FRANCISCO, 2015hFRANCISCO, Papa. Visita Apostólica ao Quênia, Uganda e República Centro-Africana: discurso na visita ao Centro das Nações Unidas em Nairobi (2015h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/november/documents/papa-francesco_20151126_kenya-unon.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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). Por isso, segundo o Pontífice, “a questão do clima é uma questão de justiça; e, também, de solidariedade, que nunca deve ser separada da justiça. Está em jogo a dignidade de cada um, como povos, como comunidade, como mulheres e homens” (FRANCISCO, 2015bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no encontro promovido pela Fundação para o Desenvolvimento Sustentável sobre “Justiça Ambiental e Mudanças Climáticas” (2015b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/papa-francesco_20150911_fondazione-sviluppo-sostenibile.html. Acesso em: 04 dez. 2021.
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).

Para afrontar os problemas climáticos, o Pontífice também fala da necessidade de um pacto global, assim como de uma política e de uma economia “ao serviço de povoações onde o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo o sistema de produção e distribuição de tal modo que as capacidades e necessidades de cada um encontrem um apoio adequado no ser social” (FRANCISCO, 2015hFRANCISCO, Papa. Visita Apostólica ao Quênia, Uganda e República Centro-Africana: discurso na visita ao Centro das Nações Unidas em Nairobi (2015h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/november/documents/papa-francesco_20151126_kenya-unon.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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).

Sendo assim, não resta dúvida de que as soluções políticas e técnicas são fundamentais para a adoção de uma cultura do cuidado e não de uma cultura da degradação e do descarte. Mas tais soluções devem ser acompanhadas “por um processo educativo que promova novos estilos de vida e um novo estilo cultural” (FRANCISCO, 2015hFRANCISCO, Papa. Visita Apostólica ao Quênia, Uganda e República Centro-Africana: discurso na visita ao Centro das Nações Unidas em Nairobi (2015h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/november/documents/papa-francesco_20151126_kenya-unon.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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). Neste processo, o Pontífice dá uma importância singular para a educação. Na opinião dele, faz-se necessário educar para novos hábitos, para novos estilos de vida e para uma responsabilidade comum (FRANCISCO, 2015hFRANCISCO, Papa. Visita Apostólica ao Quênia, Uganda e República Centro-Africana: discurso na visita ao Centro das Nações Unidas em Nairobi (2015h). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/november/documents/papa-francesco_20151126_kenya-unon.html. Acesso em: 02 dez. 2021.
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).

O cuidado e a proteção pela “Casa comum” são, portanto, um desafio urgente que chama em causa todo o gênero humano. Trata-se de “um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração” (LS, n. 202). A política não pode perder o bonde da história neste desafio urgente. Perder o bonde pode colocar em risco o futuro da humanidade. Os seres humanos têm recursos humanos e materiais para colocar em processo mudanças em vista de uma relação harmoniosa com a natureza. Mas, para tanto, também são necessários projetos políticos que estimulem, guiem e envolvam as capacidades humanas para uma cultura do cuidado. Para Francisco, portanto, “uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio” (LS, n. 197).

2.5 Participação dos cristãos na política

Segundo Francisco, os cristãos, junto com os crentes de outras tradições religiosas e todas as pessoas de boa vontade, são chamados a participar nos debates que dizem respeito ao interesse e promoção do bem comum, favorecendo o desenvolvimento de uma cultura do encontro (FRANCISCO, 2018aFRANCISCO, Papa. Discurso aos parlamentares e políticos da província de Marselha (2018a). disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/march/documents/papa-francesco_20180312_politici-marsiglia.html. Acesso em: 10 out. 2021.
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). De acordo com o Pontífice, é trabalho e responsabilidade de todos a defesa do bem comum. Logo, todos, crentes e não crentes, são chamados a lutar contra as causas dos flagelos sociais e ambientais (FRANCISCO, 2018eFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica ao Peru: discurso no encontro com as autoridades, com a sociedade civil e com o corpo diplomático (2018e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180119_peru-lima-autorita.html. Acesso em: 14 out. 2021.
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).

Em carta enviada ao Cardeal Marc Ouellet, Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, em 19 de março de 2016, Francisco evidencia a importância da participação do laicato na vida pública dos povos da América Latina. Para o Pontífice, o cristão leigo não é só aquele que trabalha nas obras da Igreja, mas também aquele batizado que trabalha cotidianamente na vida social, pública e política; que vive em meio de contradições e injustiças e que busca o Senhor e deseja dar-lhe testemunho (FRANCISCO, 2016iFRANCISCO, Papa. Carta ao Cardeal Marc Ouellet, Presidente da Pontifícia Comissão Para a América Latina (2016i). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2016/documents/papa-francesco_20160319_pont-comm-america-latina.html. Acesso em: 12 jun. 2022.
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).

Como se constata, a política é um dos importantes âmbitos nos quais os cristãos leigos devem desempenhar um papel construtivo no desenvolvimento da própria nação, mas não é o único, pois eles podem e devem atuar também nos âmbitos social, econômico, legislativo, educacional, nas obras de caridade etc. (FRANCISCO, 2017iFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica a Bangladesh: Discurso no encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e com o Corpo Diplomático no Palácio Presidencial (2017i). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/november/documents/papa-francesco_20171130_viaggioapostolico-bangladesh-autorita.html. Acesso em: 17 out. 2021.
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). Embora não seja a única, a política é uma forma de serviço ao bem comum. É uma das mais altas formas de caridade. Daí resulta a obrigação do cristão de se envolver na política. Coerente com a Doutrina Social da Igreja, Francisco reafirma esta obrigação da participação dos leigos na política, mas com espírito evangélico: “[...] os leigos cristãos devem trabalhar na política. Não é fácil; a política está muito suja; e ponho-me a pergunta: Mas está suja, por quê? Não será porque os cristãos se envolveram na política sem espírito evangélico?” (FRANCISCO, 2013bFRANCISCO, Papa. Discurso aos Estudantes de Escolas Jesuítas na Itália e na Albânia (2013b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/june/documents/papa-francesco_20130607_scuole-gesuiti.html. Acesso em: 17 jan. 2022.
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).

Quanto aos líderes religiosos, Francisco afirma que não lhes compete entrar diretamente no jogo político e nem nas questões partidárias, cuja responsabilidade é dos cristãos leigos. É tarefa dos líderes religiosos “formar, encorajar, acompanhar os leigos capazes de se comprometer no mais alto nível ao serviço da Nação e de assumir responsabilidades” (AA, n. 4,7; FRANCISCO, 2016iFRANCISCO, Papa. Carta ao Cardeal Marc Ouellet, Presidente da Pontifícia Comissão Para a América Latina (2016i). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2016/documents/papa-francesco_20160319_pont-comm-america-latina.html. Acesso em: 12 jun. 2022.
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; FRANCISCO, 2014bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes na Plenária do Pontifício Conselho Justiça e Paz (2014b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/october/documents/papa-francesco_20141002_pont-consiglio-giustizia-e-pace.html. Acesso em: 20 dez. 2021.
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).

Por outro lado, Francisco encoraja os líderes religiosos – bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas – a exercer sua função de diálogo com as autoridades governamentais e implementar relações, não de dependência, mas de colaboração (FRANCISCO, 2015bFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no encontro promovido pela Fundação para o Desenvolvimento Sustentável sobre “Justiça Ambiental e Mudanças Climáticas” (2015b). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/papa-francesco_20150911_fondazione-sviluppo-sostenibile.html. Acesso em: 04 dez. 2021.
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; FRANCISCO, 2015cFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica ao Sri Lanka e às Filipinas: entrevista coletiva durante o voo de regresso das Filipinas (2015c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/january/documents/papa-francesco_20150119_srilanka-filippine-conferenza-stampa.html. Acesso em: 11 dez. 2021.
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); ademais, convida-os a exercerem o direito de expor seus pensamentos sobre o destino do povo e da nação e a não “renunciar a dimensão política da existência que implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação pelo desenvolvimento humano integral” (FT, n. 276).

Por serem cidadãos, os líderes religiosos têm não só direito como também dever de expor seus pensamentos, “não no sentido de promover uma ação política concreta, mas na indicação e reafirmação dos valores que constituem o elemento essencial da sociedade [...], perseverando na busca incansável da concórdia e do bem comum, mesmo face às graves e complexas dificuldades” (FRANCISCO, 2015eFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Bolívia: Participação ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares na “Expo Feria” (2015e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150709_bolivia-movimenti-popolari.html. Acesso em: 05 dez. 2021.
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).

Considerações finais: interlocuções entre religião e política

O percurso que fizemos pelo pensamento de Francisco sobre a religião e a política propõe-nos algumas reflexões e indicações que podem ajudar-nos a pensar e construir o Brasil, e não só o Brasil do presente, mas também do futuro. Diante dos complexos problemas que afligem o mundo atual – guerras e diversas formas de violência, crises política, econômica, social e ambiental –, ninguém pode pretender ter respostas adequadas pensando e atuando de forma isolada. Se quisermos encontrar respostas mais adequadas e duradouras para os problemas e desafios que afligem o mundo atual, são necessários o diálogo e a colaboração entre as diferentes tradições religiosas e entre estas e a política.

O diálogo e a colaboração entre religião e política, que propõe Francisco, passam pelo princípio de laicidade, que não significa hostilidade à realidade religiosa e nem exclusão das religiões do campo social e dos debates de interesse comum. Também não se trata de interferência das religiões em temas de competência específica da política. Trata-se, portanto, de colóquio e parceria, cada um segundo suas incumbências específicas, sobre questões que concernem a todos os seres humanos (FRANCISCO, 2013aFRANCISCO, Papa. Discurso à delegação de parlamentares Franceses do Grupo de Amizade entre França e a Santa Sé (2013a). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/june/documents/papa-francesco_20130615_gruppo-amicizia-francia.html. Acesso em: 17 jan. 2022.
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). Este diálogo e a colaboração não só são possíveis como também são necessários para a promoção do bem comum e, portanto, para um presente e um futuro humano, pacífico, justo, sustentável e de esperança.

Na sociedade brasileira do presente e do futuro, haverá humanidade, paz, justiça, sustentabilidade e esperança à medida que as religiões e as forças políticas, em um diálogo e colaboração sincera, colocarem a pessoa humana no centro de suas ações, considerando-a como fim e não como meio, à medida que: empenharem-se na construção constante de percursos de paz, fundamentada na dignidade da pessoa humana, na justiça social e na solidariedade, principalmente para com os mais vulneráveis; comprometerem-se com a promoção dos direitos humanos fundamentais (saúde, educação, trabalho, moradia, liberdade religiosa e consciência); promoverem um desenvolvimento integral, ou seja, ter em conta toda a pessoa e todas as pessoas; interessarem-se e empenharem-se pelo cuidado e custódia da “Casa comum”.

Nesse sentido, as diferentes religiões, a partir de seus patrimônios espiritual, transcendente e moral, podem e devem contribuir positivamente na promoção do bem comum. A propósito disso, a política, entendida como uma das formas mais altas de caridade, só tem sentido e credibilidade exercitada em função do bem comum (FRANCISCO, 2019eFRANCISCO, Papa. Viagem Apostólica à Tailândia e Japão: discurso no encontro com os líderes cristiãos e outras religiões (2019e). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191122_leaderreligiosi-thailandia.html. Acesso em: 05 ago. 2021.
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; FRANCISCO, 2016cFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares (2016c). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/november/documents/papa-francesco_20161105_movimenti-popolari.html. Acesso em: 15 nov. 2021.
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).

Portanto, os pilares sobre os quais se pode construir o presente e o futuro são: a centralidade da pessoa humana, a solidariedade concreta principalmente para com os mais vulneráveis, a busca da paz e do desenvolvimento integral e o cuidado e custódia do meio ambiente. Para a concretização desses pilares, podem ajudar-nos quatro verbos de ação indicados por Francisco: acolher, proteger, promover e integrar (FRANCISCO, 2017pFRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Fórum internacional sobre Migrações e Paz (2017p). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/february/documents/papa-francesco_20170221_forum-migrazioni-pace.html. Acesso em: 01 nov. 2021.
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). Outra forma será trabalharmos e caminharmos juntos como irmãos e irmãs, independentemente de pertença religiosa, política e étnica, na construção destes valores e atitudes. Caso contrário, não haverá um presente de paz, de justiça e de esperança e não haverá um futuro para a humanidade.

Siglas

  • FT  = Fratelli Tutti
  • LS  = Laudato Si’
  • EG  = Evangelii gaudium
  • GS  = Gaudium et spes
  • PP  = Populorum Progressio
  • CDSI  = Compêndio da Doutrina Social da Igreja
  • AA  = Apostolicam actuositatem
  • 1
    As Bem-aventuranças do político, propostas pelo Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, refletem o pensamento de Francisco sobre a política e a figura do político.
  • 2
    Por bem comum, Francisco entende o “conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição, [e que por ser universal], implique direitos e deveres que dizem respeito a todo o gênero humano” (GS. n. 26). Veja também CDSI, n. 164-165COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA (2004). Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html. Acesso em: 14 fev. 2022.
    https://www.vatican.va/roman_curia/ponti...
    .

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2022
  • Aceito
    20 Jul 2022
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