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MISSÃO E DECOLONIALIDADE. APONTAMENTOS PARA UM PARADIGMA MISSIONÁRIO LATINO-AMERICANO EM PERSPECTIVA DECOLONIAL

Mission and Decoloniality. Notes for a Latin American Missionary Paradigm in a Decolonial Perspective

RESUMO

Este ensaio, elaborado em forma de apontamentos, propõe-se a repensar criticamente a razão missionária, em seus pressupostos fundamentais e em sua atuação, à luz do pensamento decolonial latino-americano. Aportes fundamentais são extraídos da virada conciliar e da tradição pós-conciliar latino-americana. De uma missão triunfante da cristandade, há início um processo de descolonização da própria missão. Da pretensão de uma conquista espiritual, passa-se à necessidade de uma conversão da própria Igreja na maneira de atuar junto aos pobres e aos outros. Para avançar na configuração de um paradigma missionário em chave decolonial, sugerem-se algumas perspectivas de cunho teológico, pastoral e espiritual. A descolonização da missão enseja um demorado processo de desaprendizagem e reaprendizagem, na certeza da vinda de um Reino contra toda forma de violência, de opressão e de domínio a ser anunciado como dom e esperança.

PALAVRAS-CHAVE
Teologia; Missão; Decolonialidade; Vaticano II; Igreja latinoamericana

ABSTRACT

The present essay, developed as notes, proposes to critically rethink the missionary reason, in its fundamental assumptions and in its performance, in light of Latin American decolonial thought. Fundamental contributions are drawn from the conciliar turn and the Latin American, post-conciliar tradition. From a triumphant mission of Christendom, a process of decolonization of the mission begins. From the pretense of a spiritual conquest, we come to the need for a conversion of the Church in the way it works with the poor and with others. To advance in the configuration of a missionary paradigm in a decolonial perspective, some theological, pastoral and spiritual perspectives are suggested. The decolonization of the mission entails a lengthy process of unlearning and relearning, in the certainty of the coming of a Kingdom opposed to all forms of violence, oppression and domination, to be announced as a gift and as hope.

KEYWORDS
Theology; Mission; Decoloniality; Vatican II; Latin American Church

Introdução

O assunto a ser abordado nesse ensaio não está de forma alguma voltado a decretar um julgamento histórico ou a deslegitimar a atuação missionária das igrejas cristãs. Pelo contrário, uma vez atestada não apenas a estreita aliança entre a epopeia evangelizadora moderna e o colonialismo europeu, como também sua natureza intrinsecamente colonial, teremos a oportunidade de voltar às fontes (ad rimini fontes) bíblicas, patrísticas, teológicas e históricas, para indagar mais profundamente o sentido do anúncio do Evangelho aos povos e suas possíveis implicações, em vista de uma renovada teologia da missão capaz de responder significativamente aos anseios hodiernos da humanidade que sobrevive ao “paradigma tecnocrático dominante” (LS, n. 101).

Esse exercício de “volta às fontes” é o mesmo que envolveu a convocação, a realização e a recepção do Concílio Vaticano II, que transformou completamente a Igreja na compreensão atualizada de sua própria fé, de sua essência e de sua missão. A 60 anos de sua abertura, estamos ainda engatinhando em explicitar o alcance de suas perspectivas. Também no âmbito da missão, uma mudança paradigmática traz consigo uma radical conversão de mentalidade, de atitudes, de práticas, de organização e de estruturas.

A retomada da caminhada conciliar inaugurada por Francisco desde o começo de seu pontificado foi impulsionada nesses últimos tempos pelo apelo à sinodalidade: “caminhar juntos” por uma missão em comum. Com efeito, a missão é chamada hoje em dia a se tornar “sinodal”, não somente porque o mundo exige um testemunho de comunhão, de fraternidade e de diálogo, ou porque precisamos garantir uma maior eficácia às nossas ações, mas porque essa missão encontra seu mais genuíno sentido no âmbito das relações e não das atividades; pois o que temos a cumprir é abrir caminhos de escuta e proximidade, costurando laços de confiança e de amizade, numa aliança com os diversos projetos de vida dos povos crucificados, para que todos tenham vida, e vida em abundância.

Aqui talvez se insira a perspectiva decolonial latino-americana como instrumento socioanalítico e referencial teórico que nos convida a repensar criticamente a razão missionária em seus pressupostos fundamentais e em sua atuação. Portanto, não se quer apenas promover uma discussão sobre questões de ordem histórica, antropológica ou pastoral, e sim predispor um debate em termos propriamente teológicos, voltados a uma profunda mudança das disposições, das aproximações e das práticas missionárias, ressignificando sobretudo a relevância e a legitimidade da ação evangelizadora das igrejas no mundo.

Por se situar no chão na caminhada histórica da América Latina, trata-se de uma reflexão propriamente contextual, a qual, todavia, pretende levantar alguns elementos para um novo paradigma de missão em nível global.

1 Prolegômenos do pensamento decolonial

Iniciemos por apresentar sinteticamente alguns tópicos do pensamento decolonial, trazidos dos trabalhos do Grupo Modernidade/Colonialidade, constituído por alguns intelectuais latino-americanos no final dos anos ‘901 1 Para uma ilustração da produção desse grupo de pesquisa, recomendamos o texto de Eduardo Restrepo e Axel Rojas, “Inflexión decolonial: fuentes concepto y cuestionamentos” (2010), e a coletânea de Santiago Castro-Gómez e Ramón Grosfoguel, “El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global” (2007). .

O programa deste coletivo acadêmico gravita em torno do conceito central de colonialidade, forjado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano (1928-2018), que permite identificar um modelo hegemônico cognitivo qual herança subliminar do colonialismo e do imperialismo ocidental. Por sua vez, a decolonialidade2 2 O substantivo “decolonialidade” levantaria tecnicamente um problema lexical para os principais idiomas ibéricos, castelhano e português, já que o prefixo “de” deveria ser “des” – descolonial, descolonialidad. De fato, não há consenso entre os diversos autores sobre o uso dessas expressões com ou sem “s”. No entanto, a linguista norte-americana radicada no Equador, Catherine Walsh, faz uma observação interessante sobre a adoção do termo “decolonialidade” também para as línguas hispânicas: apagando o “s” não se quer promover um anglicismo (decoloniality), mas antes, tornar visíveis “lugares” de exterioridade e construções alternativas, ao invés de simplesmente desarmar, desfazer, desconstruir e subverter o colonial (WALSH, 2009, p. 14-15). configura um movimento de transcendência histórica que tende a resgatar e devolver dignidade aos conhecimentos negados, por meio de projetos éticos e políticos que podem tornar visível a multiplicidade de saberes, os modos de ser e as aspirações dos povos: uma pluriversalidade ao invés de uma universalidade.

a. Colonialismo e colonialidade. A colonialidade representa a continuação do processo colonial que sobrevive ao colonialismo histórico. Além do mais assinala que essas relações de poder não se limitam apenas ao domínio econômico-político e jurídico-administrativo dos centros sobre as periferias, mas também têm uma dimensão epistêmica, ou seja, cultural (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Orgs.). El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre; Universidad Central; IESCO-UC; Pontifícia Universidad Javeriana; Instituto Pensar, 2007., p. 19). Trata-se de uma cosmovisão que foi propagada em escala mundial a partir do século XVI, como algo superior, único, universal, hegemônico, permanecendo enraizada como padrão de poder até aos nossos dias. Essa colonialidade inaugura, juntamente a outras interações de caráter histórico-cultural, o surgimento do sistema-mundo moderno global. Nesse sentido, a colonialidade é um fenômeno histórico muito complexo e se refere a um paradigma que opera por meio da naturalização de hierarquias territoriais, raciais, culturais e epistêmicas, possibilitando a reprodução de relações de dominação: “esse padrão de poder não só garante a exploração do capital de alguns seres humanos por outros em escala global, mas também a subalternização e obliteração dos saberes, experiências e modos de vida daqueles que são assim dominados e explorados” (RESTREPO; ROJAS, 2010RESTREPO, E.; ROJAS, A. Inflexión decolonial: fuentes concepto y cuestionamentos. Popayán: Universidad del Cauca, 2010., p. 15)

b. Colonialidade e modernidade. Enquanto cosmovisão totalitária do poder, do saber e do ser, a colonialidade representa o “lado escuro” da modernidade emancipadora (MIGNOLO, 2017MIGNOLO, W. Colonialidade. O lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, p. 1-18, jun. 2017.). Não há modernidade sem colonialidade, sem domínio das almas, sem imposição de um imaginário, sem sedução das mentes, sem erradicação das identidades culturais, sem hierarquização das raças, sem negação dos outros. O “mito” da modernidade não traz sua origem de um processo ilustrado, endógeno à evolução do continente europeu: ao contrário, surge de um rito sacrifical que consiste na submissão sangrenta da alteridade, com o propósito de salvá-la (DUSSEL, 1993DUSSEL, E. 1492 O Encobrimento do outro. A origem do “mito da modernidade”. Petrópolis: Vozes, 1993.). A brutalidade com que o outro foi dominado e violentado, nada mais revelou do que a irracionalidade da racionalidade moderna.

c. Hegemonia espaço-temporal. Nas melhores das intenções, a epopeia colonial foi entendida como pressuposto necessário para um processo civilizatório das populações “atrasadas”. Quando dizemos “atrasado” vs. “moderno”, “subdesenvolvido” vs. “desenvolvido”, “bárbaro” vs. “civilizado”, percebemos que a colonialidade não diz respeito somente a uma conquista de um território – neste caso, do planeta inteiro – mas também a uma conquista do tempo e da história. Estamos diante de uma hegemonia espaço-temporal segundo a qual todas as civilizações não europeias são geograficamente “periferia” em relação a um “centro”, historicamente “atrasadas” em relação a um “moderno”. Ao definir um tempo e um espaço com seus nomes, ao traçar umas metas na história e uns contornos nos mapas, define-se quem está dentro e quem está fora, quem é civilizado e quem é selvagem, quem é cristão e quem não é cristão.

d. Fraternidade universal? Com efeito, da mesma maneira com a qual, em 1582, foi promulgado o Calendário Gregoriano para todo o orbe terráqueo, em 1884, foi estabelecida a hora GMT (Greenwinch Mean Time). Tudo começou a ser visto e medido rigorosamente a partir de um centro, pelas exigências pragmáticas de um sistema capitalista de mercado. Outras maneiras de celebrar e medir o tempo foram consideradas simplesmente folclóricas, assim como as línguas faladas. Consequência disso foi a uniformização dos modos de vida e de pensamento, que refletiram ingenuamente a ideia de uma fraternidade universal. Como sentenciava Latouche: “não foi o triunfo da humanidade, mas foi o triunfo sobre a humanidade” (latouche, 1994LATOUCHE, S. A Ocidentalização do Mundo. Ensaio sobre a significação, o alcance e os limites da uniformização planetária. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1994., p. 33, grifos do autor), na qual os “irmãos” eram antes de tudo inferiores e súditos.

e. Colonialismo interno. Essa colonialidade propagou-se como um vírus pelo planeta inteiro com a globalização e a economia de mercado. Não é mais algo que os países do assim chamado Terceiro Mundo e os povos não europeus podem reivindicar como uma invasão extraterritorial à moda do imperialismo do século XIX, mas é algo encravado em suas próprias histórias, em suas sociedades, nos seus sistemas educacionais e acadêmicos, em suas maneiras de pensar, de produzir e de se relacionar: tudo orquestrado por elites locais herdeiras do legado do antigo sistema colonial. Todos fomos colonizados e todos nos tornamos, de alguma forma, colonizadores. Neste sentido, é bom lembrar o legado de Paulo Freire (1987, p. 35)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., que o parto mais doloroso é libertar o oprimido do opressor/colonizador que está dentro dele.

f. Decolonialidade. A partir desse tipo de considerações, a decolonialidade representa o paciente caminho de retomada das histórias negadas dos sobreviventes, marcadas pela violência colonial e mascarada pela mestiçagem. Trata-se de resgatar o pensamento de fronteira como pensamento outro e como pensamento subversivo, fazer aflorar aquelas identidades encobertas e apontar para um horizonte utópico pluriversal, evitando cair numa estéril controvérsia antimoderna ou pré-moderna, e sim questionando a modernidade a partir da colonialidade. Pois é preciso que essa modernidade possa atingir verdadeiramente sua meta de um mundo melhor para todos, no qual, porém, possam caber muitos mundos. Neste sentido, a luta emancipatória da modernidade, contra todo e qualquer tipo de dominação, é reconfirmada e alavancada à luz de suas próprias contradições.

g. Transmodernidade. A perspectiva da decolonialidade não se limita a denunciar um “epistemicídio” das culturas, mas propõe a construção de uma “ecologia dos saberes” (Sousa SantosSOUSA SANTOS, B.; MENEZES, M. P. (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.), um cosmopolitismo crítico (Mignolo), uma interculturalidade (Walsh), uma transmodernidade (Dussel), partindo das feridas coloniais, das dores, dos assassinatos e das erradicações sofridas pelas corporeidades violentadas. O movimento começa sempre pela irrupção do subalterno como sujeito e interlocutor emergente, que nos convida a despedirmos, a despirmos e a dispormos para uma nova aprendizagem, levando-nos a deslocar-nos até suas fronteiras, para participar de seus projetos de vida e de suas lutas locais, que implicam necessariamente transformações globais, para além das possibilidades oferecidas pela modernidade eurocêntrica.

2 Crítica à razão missionária

Como se situa a questão missionária em toda essa indagação e articulação do pensamento colonial?

A missão cristã moderna, assim como designamos o imaginário missionário até os nossos dias, surge somente no século XVI como braço espiritual do colonialismo histórico, estreitamente vinculado ao movimento europeu de invasão, apropriação e depredação dos territórios do Novo Mundo e de suas populações. A frenética procura pelo ouro era acompanhada pelo infatigável trabalho de sujeição e conversão dos nativos, mão de obra necessária nos engenhos e nas minas. Os testemunhos exemplares de clérigos como Montesinos (1475-1540) e Las Casas (1484-1566), que denunciaram as brutalidades dos conquistadores junto aos povos originários da América, contrapondo os interesses religiosos aos político-econômicos, não representam, infelizmente, o quadro geral da ação eclesiástica no continente: na maioria dos casos, a cumplicidade orgânica era indiscutivelmente normativa.

Seja como for, entre os métodos missionários elaborados, debatidos e testados junto aos nativos, desde a tabula rasa até o modo suave (Las Casas) e a accomodatio (Valignano), sempre se tratou de adaptar a verdadeira religião à condição dos pagãos, visto que, contudo, se tratava de respeitar a livre adesão à fé. Esses pagãos podiam configurar três tipologias (ACOSTA, 1984ACOSTA, J. De procuranda indorum salute [1588]. Pacificación y colonización. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1984. v. 1.[1588]): pagãos de primeira classe (os chineses), com um deus, uma lei e um rei, e portanto não sujeitáveis se não através de uma simpática imersão em suas culturas e civilizações; pagãos de segunda classe (os incas), com um quase-deus, uma quase-lei e um quase-rei, junto aos quais era possível uma sujeição pelo método suave, pois tinham algum tipo de uso da razão; pagãos de terceira classe (os tupinambás), sem deus, sem lei e sem rei, bárbaros ao estado puro, para os quais era necessária a sujeição pela força. Nos três casos, os objetivos eram os mesmos: conduzir todos os povos à salvação por meio da fé e do batismo.

Por esse motivo, a missão cristã foi considerada, enquanto exportadora de uma ideologia totalitarista, a espinha dorsal da colonialidade, a origem do espírito imperialista cristão, messiânico, salvacionista, universal, índole reconfirmada sucessivamente pela secularização da filosofia e da ciência, no momento em que se tornaram a “teologia” da segunda modernidade.

Desta maneira, podemos entender que a colonização não foi feita apenas de crimes e saques, mas sempre teve também sua terrível face humanitária: uma colonização do amor, da bondade, do dom, da verdade, sempre numa relação de submissão entre o superior branco-cristão-civilizado-patrão com o inferior índio/negro-pagão-selvagem-servo. Os missionários dirigiram-se amavelmente a pessoas que não conheciam, considerando-as na sua dignidade fundamental como portadoras de alma e de razão, mas que não sabiam usar. Portanto, era essencial subjugá-las, educá-las, convertê-las, para que se tornassem “iguais a nós”. Por isso, nunca a Igreja colocou em discussão “as boas intenções” da obra colonial (cf. PP 7).

Se uma crítica fundamental à razão missionária moderna deve ser dirigida hoje – não tanto como retrospectiva histórica, mas como contribuição para o presente e projeto para o futuro – não deveria debruçar-se sobre os métodos a serem utilizados, os projetos a serem realizados, os resultados em termos de conversões, a entrega de seus protagonistas, a formação integral de seus candidatos, e sim, principalmente, sobre os pressupostos teológicos que regem o seu estatuto. A pergunta que deveríamos nos fazer seria a seguinte: qual é de agora em diante o verdadeiro propósito da atividade missionária? Não reeditaríamos de uma forma ou de outra uma colonialidade proselitista, universalista, com pretensões hegemônicas e absolutistas? As igrejas não deveriam renunciar à missão como forma ultrapassada e colonialista de presença cristã no mundo?

Essas questões não são novas para as confissões cristãs e nem mesmo circunstanciais para um âmbito de sua atividade, pois envolvem todo o sentido de ser Igreja, por sua natureza missionária (AG, n. 2). Pelo menos ao longo do século XX o debate missionário e missiológico fervia nas escolas, nos estudos acadêmicos, nas revistas, nos pronunciamentos magisteriais, às sombras da crise do imperialismo europeu, das duas guerras mundiais e da consequente emancipação das colônias. Certamente, pode-se dizer que a relação entre missão e colonização foi implícita ou explicitamente o ponto central de toda a discussão, desde que foi percebida como problema estrutural para a evangelização: uma pedra de toque, neste sentido, pode ser considerada a publicação da Carta Apostólica de Bento XV Maximum Illud (1919)BENTO XV. Carta Apostólica Maximum Illud (1919). Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xv/pt/apost_letters/documents/hf_ben-xv_apl_19191130_maximum-illud.html. Acesso em: 20 jun. 2020.
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Muitas vozes do Sul do mundo se levantaram também com certo ímpeto contra as assim-chamadas “missões estrangeiras”. Vários movimentos, personalidades e manifestações pediam, sem medir palavras, uma moratória da missão cristã “para o bem dos povos indígenas e para preservar a integridade moral das próprias igrejas” (Barbados I, 2003BARBADOS, I. Declaração pela libertação do indígenas, 1971. In: PREZIA, B. Caminhando na luta e na esperança. Retrospectiva dos últimos 60 anos da Pastoral Indigenista e dos 30 anos do CIMI. São Paulo: Loyola, 2003. p. 324-329., p. 326). O líder metodista filipino Emerito Nacpil dizia que “a presente estrutura da missão moderna está morta” e que “o serviço mais missionário que um missionário pode prestar atualmente à Ásia é voltar para casa” (BARNES, 2013BARNES, J. Power and Partnership. A History of the Protestant Missionary Movement. Eugene: Pickwick, 2013., p. 316). “A missão dos tempos modernos é um fenômeno violento”, retrucava o camaronês Fabien Eboussi BoulagaEBOUSSI BOULAGA, F. A contretemps. L’enjeu de Dieu en Afrique. Paris: Karthala, 1991., “continua a produzir igrejas marginalizadas, dependentes de missionários que buscam seus projetos individuais onde bem entenderem e da maneira que lhes convier”: por isso é preciso “que planejemos a partida em boa ordem dos missionários da África” (p. 40-42).

3 Ensaios conciliares de descolonização

Da mesma forma, durante as sessões plenárias do Concílio Vaticano II, particularmente no debate que deu origem ao decreto Ad gentes (AG), houve várias manifestações críticas em relação às missões e aos missionários por parte de prelados da África, da Ásia e da América Latina. Estas intervenções, às vezes ousadas, não tiveram o impacto e a articulação suficiente para neutralizar as fortes resistências eurocêntricas. Contudo, fizeram ouvir a própria voz, chegaram a formular emendas significativas nos documentos, e sobretudo condicionaram e apoiaram uma profunda mudança no conceito e na prática de missão, cúmplice também o anseio generalizado por uma ação evangelizadora que pudesse responder aos desafios de um mundo em pleno processo de secularização.

O Vaticano II veio assim inaugurar uma transição entre o exercício de uma missão pretensiosa e triunfante da cristandade e o início de um processo descolonizador da própria missão. Ápice de uma longa caminhada à esteira de todo um movimento pós-colonial de natureza política e cultural, o Concílio literalmente começou a virar a mesa não apenas das celebrações eucarísticas, mas também do jeito de encarar a ação evangelizadora da Igreja no meio dos povos.

Apresentamos aqui brevemente sete perspectivas que marcaram a passagem da afirmação de uma doutrina clássica sobre “missões”, para uma nova maneira de conceber a missão.

a. Perspectiva teológica. No lugar de reafirmar somente a necessidade da conversão a um só Deus e um só mediador, pois “não há salvação em nenhum outro” (At 4,12), o decreto Ad gentes opta por enfatizar uma missão que brota do “amor fontal do Pai” (AG, n. 2), como um instinto, como um jeito de ser da própria natureza divina. A Igreja peregrina que vive dessa natureza essencialmente relacional, é estruturalmente missionária. Esse intuito, muda sutilmente o eixo de uma compreensão de ordem soteriológica, pastoral ou eclesiológica da missão – necessidade de salvação das almas e/ou de implantação da Igreja – para uma questão de ordem eminentemente teológica: Deus é assim, Deus é missão, Deus é relação porque Deus é Amor (1Jo 4,8). MoltmannMOLTMANN, J. A Igreja no poder do Espírito. Uma contribuição à eclesiologia messiânica. Santo André: Academia Cristã, 2013. dirá que não é uma Igreja que tem uma missão, mas é uma missão que tem uma Igreja (2013, p. 29). A razão missionária se funda agora principalmente não sobre a verdade dogmática que há um só Deus e um só mediador entre Deus e a humanidade, mas sobre a adesão de fé a um Deus de amor gratuito e incondicional que busca o ser humano, desce do céu, luta e entrega sua vida por um mundo mais humano.

b. Perspectiva eclesiológica. O Concílio reafirma também o conteúdo do dogma “fora da Igreja não há salvação” (LG, n. 14; AG, n. 7). O fato, porém, que Deus quer que todos sejam salvos (1Tim 2,4), e que proporciona essa salvação por caminhos só por Ele conhecidos, a necessidade da Igreja não se torna tão absoluta assim. Destarte, “tudo o que de verdade e de graça se encontra entre os gentios como uma secreta presença de Deus”, e tudo “o que de bom há no coração e no espírito dos homens ou nos ritos e culturas próprias dos povos, não só não se perde, mas é purificado, elevado e consumado para glória de Deus” (AG, n. 9), são afirmações de uma inédita abertura. A Lumen Gentium já havia ensaiado uma relação/distinção entre Reino de Deus e Igreja, concebendo esta última como “Reino de Cristo já presente em mistério” (LG, n. 3), “germe e princípio deste Reino na terra” (LG, n. 5). Mais tarde se chegará à convicção amadurecida que a “Igreja está a serviço do Reino” e “a realidade incipiente do Reino se pode encontrar também fora dos confins da Igreja” (RMi, n. 20). Nessa relação subsidiária e teleológica entre Igreja e Reino, o axioma patrístico “fora da Igreja não há salvação”3 3 Esse aforismo era inicialmente dirigido aos cismáticos que rompiam com a comunhão na Igreja. O sentido era: “fora da comunhão, da unidade, da fraternidade, não há salvação”. Sucessivamente foi estendido aos pagãos e aos seguidores de outras tradições religiosas (RASCHIETTI, 2017). , poderia assumir o sentido de “fora da perspectiva e dos valores do Reino não há salvação”, adquirindo assim também uma relevância de respiro mais amplo.

c. Perspectiva antropológica. A virada conciliar, que quis uma Igreja toda voltada a “servir o homem em todas as circunstâncias da sua vida” (PAULO VI, 1965PAULO VI, Papa. Discurso na última sessão pública do Concílio Vaticano II (1965). Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/speeches/1965/documents/hf_p-vi_spe_19651207_epilogo-concilio.html. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.vatican.va/content/paul-vi/p...
), levou também a reflexão missiológica a uma superação de uma visão hamartiocêntrica de matriz agostiniana centrada no pecado original da humanidade. Em sua volta às fontes, o Vaticano II resgatou: (1) a doutrina dos Padres gregos da creatio in Christo, segundo a qual a criação está marcada desde o princípio mais pela graça do que pelo pecado; (2) o princípio da encarnação formulado por Irineu, quod non assumptum non sanatum (o que não foi assumido, não foi redimido), que convidava a tomar para si toda realidade humana; (3) a perspectiva justiniana do logos spermatikos (as sementes do Verbo – AG, n. 6, 11, 15, 22), a significar a presença atuante de Deus na história e nas culturas dos povos. Desta maneira ofereceu uma visão muito mais positiva e otimista da história humana, mais místico-sacramental, mais aberta e disposta ao diálogo com outras igrejas, religiões e culturas.

d. Perspectiva contextual. Para o Concílio, a missão da Igreja tem uma geopolítica preferencial, particularmente desafiadora, dirigida “geralmente a certos territórios” (AG, n. 6). Essa indicação poderia apontar hoje para as realidades de “fronteiras” ou de “periferias”. Se a história, as circunstâncias e os lugares têm uma profunda relevância teológica, porque é ali que Deus subversivamente se revela – especialmente se esses lugares são marginais, esquecidos, negados e pobres – então as “missões”, ou seja, onde a missão concretamente precisa se situar, tem, de alguma forma, sua razão de ser. AG, n. 6 introduz a expressão “condições” ou “situações” específicas, diversas, novas ou particularmente difíceis, convidando implicitamente a relativizar a noção colonial de “terra de missão” – “terra dos povos pagãos” – não deixando ao mesmo tempo de indicar âmbitos privilegiados nos quais a presença e a ação da Igreja precisam aterrissar.

e. Perspectiva pastoral. Na época do Concílio, os Padres não estavam ainda familiarizados com o termo “inculturação”, mas já estavam dispostos a assumir a postura fundamental do “diálogo” com o mundo, magistralmente tratada por Paulo VI na Encíclica Ecclesiam Suam (1964). AG, n. 11 convidará os discípulos de Cristo a conversar com as pessoas, “para que, através de um diálogo sincero e paciente, eles aprendam as riquezas que Deus liberalmente outorgou aos povos”. Anunciar o Evangelho com o testemunho de vida, o diálogo, a gratuidade, pois “assim como Deus nos amou com um amor gratuito [...] a caridade cristã a todos se estende sem discriminação de raça, condição social ou religião”, dispõe os cristãos a colaborar “com todos os outros para estruturar com justiça a vida econômica e social”, e a procurar “com afinco melhorar as condições de vida e firmar a paz no mundo”. Nisso consiste a evangelização: “os discípulos de Cristo, intimamente unidos com os homens na vida e no trabalho [...] promovem a sua dignidade e fraterna união [...] abrindo pouco a pouco um caminho mais pleno a Deus” (AG, n. 12).

f. Perspectiva apostólica. Os missionários “profissionais”, geralmente religiosos/as consagrados/as enviados/as às “terras de missão”, agora cedem o lugar de protagonistas às igrejas locais de cada contexto territorial. Com efeito, o Vaticano II afirmou de maneira bastante contundente que somente nas Igrejas locais, e a partir delas, existe a Igreja enquanto tal (LG, n. 23): “nestas comunidades, embora muitas vezes pequenas e pobres ou dispersas, está presente Cristo, por cuja virtude se reúne a Igreja una, santa, católica e apostólica” (LG, n. 26). Ao conferir essa dignidade fundamental a todas as comunidades eclesiais, o Concílio ensejava acabar com a distinção colonial entre “igreja constituída” e “igreja missionária”: a primeira enviava missionários para fundar comunidades a sua imagem e semelhança em terra de missão; a segunda era “criada” da primeira, estava sempre “em formação”, “jovem”, “imatura”, custando a se emancipar para assumir a sua própria identidade. Ainda refém desta distinção, AG tende, todavia, a considerar “igreja missionária” não mais como uma etapa inicial de desenvolvimento eclesial, e sim uma dimensão estruturante de toda Igreja.

g. Perspectiva sinodal. Mesmo não tratada de maneira explicita, essa dimensão está presente “no coração da obra de renovação por ele promovida” (CTI, n. 6). Com efeito, AG ilustra a missão em sua dimensão mundial como uma ação em mutirão entre igrejas, necessariamente levada adiante por um “caminhar em conjunto”. A missão necessita de comunhão, de participação e de solidariedade: necessita de meios e pessoas capacitadas, de cooperação e de intercâmbio, a fim de que todas as comunidades se ajudem e ajudem sobretudo as mais pobres e marginalizadas que vivem em situações de conflito, de diáspora ou de emergência humanitária. Para isso, existem organismos de coordenação que garantem a operacionalização dos projetos e das obras de “cooperação missionária”. A missão de fronteira, junto às igrejas locais que habitam essas fronteiras, representa sempre um compromisso gratuito, despojado, corajoso, prestativo, que é de responsabilidade de todos.

O Vaticano II foi um grande canteiro de uma obra inacabada. Mais que um ponto de chegada, representou para a Igreja católica um ponto de partida, uma transição de uma cristandade colonial e integrista a uma comunidade de discípulos-missionários inseridos no mundo e em diálogo com o mundo, mesmo se esse interlocutor identificar-se-á com a modernidade ilustrada e não ainda com seu “lado escuro”. Particularmente, o Decreto Ad gentes procurou abrir novas veredas para uma reconfiguração do conceito de missão, seu sentido, sua relevância e sua operacionalização, entre a tradição missionária e os novos tempos pós-coloniais, fincando estacas norteadoras que servirão para a evolução da prática e da teologia da missão nas décadas a seguir, sobretudo no que diz respeito à relação entre Evangelho e culturas e à questão da salvação e suas mediações.

4 Da conquista à conversão: aportes latino-americanos

O Concílio teve um impacto extremamente significativo na América Latina. Sua recepção não foi entendida apenas como uma tradução ou uma aplicação das disposições emanadas, mas como uma assunção original e uma reinterpretação contextual. Esse processo deu origem àquela que foi chamada de “tradição eclesial latino-americana” e que teve como pedras de toque as conferências pós-conciliares do episcopado continental. A partir de Medellín (1968) a Igreja latino-americana e caribenha encarou com destemor a realidade sofrida das massas humilhadas e oprimidas por escandalosas desigualdades sociais, querendo atuar com determinação na transformação de uma sociedade mais justa e solidária.

A noção e a prática de missão que sai dessa postura, definida como “opção pelos pobres”, desencadeou uma série de deslocamentos proféticos em chave decolonial: se passa aos poucos – às vezes ousando, às vezes hesitando – da pretensão de uma conquista espiritual que mira à conversão dos povos, à percepção da necessidade de uma conversão na maneira de ser, de crer e de atuar da própria Igreja junto aos pobres e aos outros.

Assinalamos aqui, de maneira sintética, algumas passagens essenciais desta caminhada, que contribuíram com o aporte de elementos para a configuração de um paradigma missionário em perspectiva decolonial.

a. Do universal ao contextual. “A Igreja latino-americana colocou o homem deste continente no centro de suas atenções”. Assim começa o documento de Medellín (1968) dando uma orientação encarnacional ao processo de renovação conciliar na América Latina. O Vaticano II voltou seu olhar para o diálogo com o mundo moderno. Medellín voltará seu olhar para o “lado escuro” deste mundo, para o “reverso da história” (GUTIÉRREZ, 1990GUtiérrez, G. La verità vi farà liberi. Confronti. Brescia: Queriniana, 1990., p. 20), fazendo-se interpelar pelas vítimas sistêmicas da “violência institucionalizada” (DMe, n. 2,16; PP, n. 30). Da hegemonia excludente e abstrata de uma perspectiva universalista, a-histórica e atópica, passamos a uma perspectiva contextual que implica um deslocamento carnal para a igreja missionária em perceber e em discernir a realidade do ponto de vista dos sobreviventes da agressão colonial. É uma questão antes de ótica do que de ética. Trata-se, sem dúvida, de um deslocamento fundamental e subversivo, uma saída de si, um desprendimento em termos de perceber e questionar a realidade do mundo do ponto de vista dos pobres e dos outros.

b. Da colonização à libertação. “Libertação” é palavra-chave, resgatada da tradição bíblica e adotada pela teologia latino-americana, na esteira da teoria da dependência, para desmascarar o colonialismo inerente ao conceito de desenvolvimento, que vislumbrava um progresso para a humanidade às custas dos países do Terceiro Mundo. “Libertação” é também palavra-chave para se emancipar do imperialismo espiritual da missão, que teria cristianizado de forma “preceptora”, dando origem a um “substrato fundamentalmente católico” (DPb, n. 1), sem encarnar a profecia do Evangelho na vida concreta e nas relações entre as pessoas. A Igreja latino-americana, portanto, pretende “assumir totalmente as angústias e as esperanças do homem de hoje, para lhe oferecer a possibilidade de uma libertação plena” (DMe, n. 8,6), porque “a obra divina é uma ação de libertação e promoção integral do homem em toda a sua dimensão” (DMe, n. 1,4). A missão deve ser marcada “por um sinal de libertação, humanização e desenvolvimento” (DMe, n. 10,9), pois não poderíamos propor “uma oferta de vida em Cristo sem um dinamismo de libertação integral, de humanização, de reconciliação e resgate” (DAp, n. 359).

c. Dos destinatários aos interlocutores. A irrupção pós-colonial dos pobres na vida da sociedade e da Igreja mundial, fez com que eles se tornassem protagonistas da história e sujeitos de missão, e não mais objetos de compaixão e destinatários da ação evangelizadora. Medellín viu nos pobres “um valor inestimável aos olhos de Deus” (DMe, n. 14,7). Puebla, por sua vez, impulsionava a Igreja a “descobrir o potencial evangelizador dos pobres, enquanto esses a interpelam constantemente, chamando-a à conversão” (DPb, n. 1147). Com efeito, a sua luta para vencer a pobreza e libertar-se da opressão é uma causa humanizadora, que visa a construção de algo contra-hegemônico, alternativo e pluriversal. Além disso, a missão deve assumir plena consciência de que o Espírito sopra onde quer (Jo 3,8), surge da “própria estrutura” do ser humano e atinge não apenas indivíduos, mas também “povos, culturas e religiões” (RMi, n. 28). De maneira que não podemos mais nos situar no contexto da transmissão de uma mensagem, mas no contexto da relação, da reciprocidade e da participação na vida dos povos, com o propósito de buscar um projeto global para a humanidade.

d. Da plantatio à eclesiogênese. A tarefa da missão cristã não será mais então a plantatio ecclesiae, um projeto exógeno de “transplante”, de exportação e de expansão territorial de uma instituição religiosa, e sim auxiliar ao nascimento de uma Igreja que nasce do seio da cultura, da base social e da história de um povo, a começar por “um núcleo mesmo pequeno” das comunidades eclesiais de base. Essa “família de Deus” constitui-se como “fermento” para dar vida a “uma comunidade de fé, esperança e caridade” que se responsabiliza “pela expansão da fé, como também pelo culto que é sua expressão” (DMe, n. 15,10). Identificada não somente com os pobres, mas também com os jovens, a Igreja na América Latina descobre na juventude um “sinal de si mesma” (DMe, n. 5,10). Ser uma Igreja jovem, como eram chamadas as igrejas não europeias de recém-fundação, não significava ser uma Igreja imatura a caminho da idade adulta, mas uma “igreja sinal” (DMe, n. 7,13), “chamada a trazer uma revitalização” (DMe, n. 5,11), “uma constante renovação de si mesma” para um “rejuvenescimento da humanidade” (DMe, n. 5,12). Essa renovação consiste em apresentar “cada vez mais nitidamente na América Latina o rosto da Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo poder temporal e corajosamente comprometida com a libertação do homem todo e de todos os homens” (DMe, n. 5,15a).

e. Da evangelização da cultura à evangelização inculturada. Santo Domingo (1992) revelou dois interessantes apontamentos. O primeiro introduziu o tema da “conversão pastoral” da Igreja, “na consciência e na prática pessoal e comunitária, nas relações de igualdade e autoridade; com estruturas e dinamismo que tornam a Igreja cada vez mais presente, como sinal eficaz, o sacramento da salvação universal” (DSD, n. 30). O segundo inverteu os termos do tema da inculturação, não mais tratada sob a bandeira de uma hipotética “evangelização da cultura que a invade no núcleo dinâmico” (DSD, n. 229), como metacultura ou macrocultura não situada, mas do ponto de vista de uma “evangelização inculturada”, articulada analogicamente com o mistério da encarnação (DSD, n. 243b) e com uma disposição de proximidade, diálogo, reciprocidade (DSD, n. 298), porque “a ação de Deus, através seu Espírito se realiza permanentemente em todas as culturas” (DSD, n. 243a), capaz de gerar “frutos das ‘sementes do Verbo’ que já estavam presentes e atuantes em seus ancestrais” (DSD, n. 245).

f. Da ortodoxia à ortopráxis. Aparecida (2007) sintetizará a jornada continental pós-conciliar precisamente num paradigma de missão na ótica decolonial. Não se trata de compreender a essência da Igreja a partir do anúncio de uma verdade transcendente que ela e só ela deve transmitir, mas de compreender a sua peregrinação histórica como participação à vida divina e como apelo a todos a participar desta vida (DAp, n. 348). Tudo se desenvolve a partir do eixo da vida concreta das pessoas e a serviço da vida plena em todas as suas dimensões: “A vida em Cristo inclui a alegria de comer juntos, o entusiasmo pelo progresso, o prazer de trabalhar e aprender ...” (DAp, n. 356). O Deus de Jesus quer simplesmente que vivamos bem e que sejamos felizes. Ao mesmo tempo, a oferta da vida em Cristo é absolutamente incompatível com as situações desumanas (DAp, n. 358), porque só se desenvolve plenamente na comunhão fraterna e justa (DAp, n. 359). No entanto, essa vida em sua plenitude tem um grande segredo: cresce e amadurece na medida em que é entregue aos outros. “Isso é definitivamente a missão” (DAp, n. 360): vida plena, vida doada, que é vida divina, vida eterna, vida humana para uma vida mais humana para todos. Essa é a meta última também da perspectiva decolonial.

g. De uma igreja que ensina para uma igreja que aprende. O Sínodo para a Amazônia, por sua vez, contribuirá com uma perspectiva expressamente decolonial, com uma série de abordagens que apontam para uma conversão integral eclesial, pastoral, cultural, ecológica, sinodal, na qual se destaca a dimensão intercultural, na necessidade de “um anúncio inculturado que gere processos de interculturalidade” (DSA, n. 55). Esta conversão começa com a abertura e a escuta: para uma Igreja acostumada a ensinar, agora trata-se de “aprender com os irmãos e irmãs dos povos originários, no diálogo entre conhecidos, o desafio de dar novas respostas, buscando modelos de desenvolvimento justo e solidário” (DSA, n. 65).

A Igreja está incluída neste apelo a desaprender, aprender e reaprender, e superar assim qualquer tendência a modelos colonizadores que causaram tantos danos no passado. Nesse sentido, é importante que sejamos conscientes da força do neocolonialismo que está presente em nossas decisões cotidianas e no modelo de desenvolvimento predominante

(DSA, n. 81).

Dessa atitude de discípula da Igreja como tal – não só de seus membros – surge a necessidade de “fazer-se o outro” (DSA, n. 41) para os povos da Amazônia, o que equivale a ser hóspede, sendo convidados, a “pedir permissão para apresentar nossas propostas” (QAm, n. 26), na tensão de não implementar os próprios projetos, mas de se propor como “aliada” (DSA 4, 46, 74) dos projetos, das causas e das resistência dos povos originários, contra uma colonização que não para (QAm, n. 16) e a favor de um pedido de cidadania que nos pede “descolonizar mentes, saberes, recuperar memória, fortalecer espaços e relações interculturais” (DAp, n. 96).

Todavia, nesta caminhada latino-americana, a transição de uma missão de conquista para uma de conversão eclesial não foi marcada ainda por uma decidida atitude penitencial, que seria indispensável em vista de uma autêntica conversão. Nos documentos das conferências não se encontra uma autocrítica consistente da trajetória da evangelização no continente. O Sínodo da Amazônia acena a um anúncio de Cristo que se realizou em conivência com os poderes que exploravam e oprimiam (DSA, n. 15), mas não houve um verdadeiro e profundo arrependimento, como o de Francisco em Querida Amazonía (QAm, n. 19). A ausência de uma postura destemida neste sentido, constitui um entrave para o encaminhamento de ações e disposições pastorais realmente significativas.

5 Rumo a uma missão em perspectiva decolonial

Vários elementos em chave decolonial foram surgindo com a realização do Concílio Vaticano II, a caminhada eclesial latino-americana, a reflexão teológica e magisterial pós-conciliar, os aportes das teologias emergentes, feministas, índias, negras, africanas, asiáticas etc., visando a elaboração de uma noção da missão que resgata uma estrutura teológica fundamental de paradigmas epistémicos e de modelos de ação historicamente determinados. Extrair o sentido da missão de seu contexto mais imediato não é uma operação tão simples assim, pois a missão moderna configurou uma epopeia heroico-humanista que se enraizou profundamente no imaginário cristão. Contudo, é uma iniciativa que é preciso tomar e, pelo que parece, já começou ser tomada pelo pontificado de Francisco.

Também o que está em jogo nesta discussão é a validade de dois fundamentos da fé cristã: a dimensão universal da salvação em Cristo e a necessidade da Igreja para essa salvação (RMi, n. 9). Tanto o fundamentalismo – a afirmação intransigente da formulação dessas verdades de fé – quanto o relativismo – o rechaço absoluto da formulação dessas verdades de fé – não são opções aceitáveis no debate teológico. Precisamos buscar outros caminhos de ressignificação.

Sentimos então a exigência de adentrarmos um pouco mais no desafio da configuração de um paradigma missionário em perspectiva decolonial, com algumas propostas de cunho teológico, pastoral e espiritual: o primeiro aspecto se debruça sobre os fundamentos do discurso missionário, o “que” da missão; o segundo, sobre a ação e a atuação missionária, o “como” da missão; o terceiro sobre os sujeitos e as interações que se instauram na jornada missionária, o “quem” da missão.

5.1 “Giro decolonial”, teologia e missão

No contexto da modernidade globalizada, as diferenças coloniais são valorizadas como elementos perturbadores da representação dominante, para mostrar que as coisas não são o que parecem ser. Da mesma maneira, a missão é por sua natureza elemento questionador da teologia. De sua periferia desarticuladora, traz a originalidade e a subversão do (des)encontro com os pobres e com os outros, de um Deus que se revela em situações limiares e inesperadas.

a. Missão como teologia. Por si, a teologia é herdeira de uma tradição a-missionária, dirigida a uma elite clerical como doutrina a ser aplicada na vivência cristã, na gestão institucional e na missão aos povos (BOSCH, 2007BOSCH, D. Missão transformadora. Mudança de Paradigma na Teologia da Missão. 2.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2007., p. 585). Destarte, a missão não obrigava a teologia a pensar, e sim a teologia obrigava a missão a aplicar seus propósitos: o princípio colonial está aqui, nesta relação dedutiva de mão única. No momento em que a relação de alguma forma se inverte, a teologia se torna, num ato segundo, teologia da missão. A missão assim assume sua relevância, trazendo para o debate toda possível provocação e contribuição dos pensamentos fronteiriços, desmascarando as cosmovisões coloniais e etnocêntricas, desenvolvendo ferramentas que ajudam a elaborar posturas pastorais decoloniais e colocando-se a serviços das causas libertadoras dos povos subalternos.

b. Missão como missio Dei. Se havia, porém, um problema de fundo em relação a uma teologia da missão, era a definição de seu objeto material: o que era, afinal, essa “missão”? No momento em que era entendida somente em termos operacionais de salus animarum e de plantatio ecclesiae, a missiologia podia ser uma ciência do missionário para o missionário, que devia responder substancialmente à pergunta sobre como se devia executar da maneira mais eficaz um determinado tipo de atividade. Mas logo que se passa a tratar a missão não mais como aplicação prática, e sim como natureza divina que tem como origem a caridade do Pai e como berço a intimidade trinitária (AG, n. 2), começa-se a falar de um Deus missionário em sua ação (economia) e em sua intrínseca essência e estrutura relacional (imanência). Missão, portanto, não é apenas um mandato do Senhor que devemos cumprir (Mt 28,19), mas é a pura gratuidade divina que livremente transborda como presença permanente de Deus Amor no mundo, que chama a todos a participar de relações humanas/divinas, renovadas, reconciliadas e reconciliadoras. Essa abordagem eminentemente teológica representa um passo decisivo para uma práxis eclesial dialógica, desarmada, inculturada e intercultural, porque aponta para uma disposição relacional que faz apelo a tudo o que há de mais humano e humanizante.

c. Missão como mater ecclesiae. A Igreja historicamente nasce desta missão e para esta missão. É o que sustentam Steve Bevans e Roger Schroeder (2010)BEVANS, S. B.; SCHROEDER, R. Teologia per la missione oggi. Costanti nel contesto. Brescia: Queriniana, 2010. v. 148. numa leitura atualizada dos Atos dos Apóstolos. Com efeito, o segundo livro de Lucas conta como o grupo dos discípulos de Jesus, inicialmente configurado como uma seita judaica, aos poucos se desprende dos vínculos puristas e nacionalistas para dar vida a uma nova comunidade intercultural entre judeus e gentios. Em outras palavras, em seu processo histórico a Igreja nasce e se estrutura como algo distinto do judaismo, somente no momento em que compreende e assume a missão de anunciar o Evangelho fora de seu ambiente sociocultural. O Evangelho é substancialmente comunicação inclusiva, participativa, aberta a todos. A Igreja nasce em saída (FRANCISCO, 2014FRANSCISCO, Papa. Mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2014. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/missions/documents/papa-francesco_20140608_giornata-missionaria2014.html. Acesso em: 18 de abril 2022.
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), renasce e reencontra a si mesma todas as vezes que se dispõe a acolher os outros e a ser acolhida por novos povos, novas histórias e novas culturas.

d. Missão como anúncio do Reino. Essencial para entender o espírito da missão cristã é retornar à tradição jesuana, centrada no anúncio da proximidade do Reino de Deus (Mt 10,7), marcada por uma ruptura com as barreiras instituídas pela Lei sagrada, por uma abertura a todos, por uma proximidade libertadora junto aos pobres, aos sofredores, aos “impuros”, às mulheres, aos oprimidos. Uma missão moldada em torno da realidade do Reino de Deus, entendido em seu devir histórico, factual, concreto, cotidiano, libertador, que rechaça uma excessiva espiritualização e dogmatização religiosa, e que denuncia tudo o que se opõe à promoção da vida em plenitude. A principal relevância dessa perspectiva é articular transcendência e história, superando perigosos dualismos. Destarte, não há duas histórias, uma profana e outra de salvação, mas uma só história, que é a história de Deus (ELLACURIA, 1992ELLACURIA, I. La storicità della salvezza cristiana. In: ELLACURIA, I.; SOBRINO, J. Mysterium Liberationis. I concetti fondamentali della teologia della liberazione. Roma: Borla, 1992. p. 285-323., p. 308), e uma só missão que é a construção do Reino rumo ao cumprimento definitivo. Esse aporte é o mais característico da caminhada missionária latino-americana, e crucial para uma atuação em perspectiva decolonial.

5.2 Elementos para uma reconfiguração da ação missionária

A fé cristã, por ser intrinsecamente histórica, é levada a ressignificar o sentido de sua mensagem e de sua atuação no mundo, de modo a fornecer respostas a desafios e a questões concretas a partir de diversos contextos socioculturais em diversas épocas. Sem dúvida, os tempos atuais são de profundas mudanças, e a missão está num tempo de avaliação (mission in a time of testing) rumo à elaboração de um “emergente paradigma ecumênico” (BOSCH, 2007BOSCH, D. Missão transformadora. Mudança de Paradigma na Teologia da Missão. 2.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2007.).

O pensamento decolonial, juntamente a todo o repensamento pós-colonial que as igrejas conciliar e latino-americana empreenderam, pode oferecer alguns elementos para um salto de compreensão, uma conversão em termos de mudança de mentalidade (μετάνοια) e particularmente uma práxis renovada como contribuição solidária da missão cristã em suas múltiplas feições, aos projetos subversivos para um outro mundo possível para todos.

a. Missão como participação. A partir de um reconhecimento dos “outros” como interlocutores, em uma reciprocidade criativa, a missão cristã é chamada a tecer dinâmicas intersubjetivas na qual nenhum dos atores em jogo há de ser objetivado: nem Deus como verdade doutrinária, nem o missionário como simples instrumento na mão de Deus, nem o interlocutor como destinatário passivo do anúncio da Boa Nova. O papel de cada um no âmbito do diálogo missionário passa pela circularidade da comunicação, da acolhida, do discernimento, do testemunho, do louvor, onde todos os sujeitos envolvidos se evangelizam. A participação intercultural e pluriversal se dá na adesão contextual à luta pela vida dos interlocutores, reconhecendo o protagonismo e o potencial evangelizador dos pobres e dos marginalizados. Contudo, não há participação se a igreja missionária não correr o risco de “tomar a iniciativa sem medo, de ir ao encontro” (EG, n. 24). Esse “sair em direção aos outros” (EG, n. 46), “não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos” (EG, n. 48), é crucial para que o Reino aconteça na transformação de uma sociedade mais humana.

b. Missão como aprendizagem. Somos enviados à missão como discípulos e discípulas do Senhor, na beleza de sermos eternos aprendizes. Isso significa aprender a “tornar-se pobre” (Mt 5,3) que equivale ao um salto cognitivo de aprender junto aos pobres e aos sobreviventes, porque são eles que ditam o caminho a seguir (EG, n. 197). Há também outra aprendizagem fundamental que é “tornar-se outro”, equivalente ao “tornar-se próximo” da parábola do bom samaritano (Lc, n. 10,36), cujo contexto exigia uma transgressão à Lei sagrada4 4 O homem da parábola de Lc 10,25-37 descia de Jerusalém a Jericó, foi surpreendido pelos assaltantes, despojado, espancado e deixado “semimorto” (ἡμιθανῆ). Está morto ou não está morto? Eis a questão. Porque se estiver morto – e nós não sabemos se está – a Lei sagrada proíbe tocar cadáver. Aquele que incorrer nesta infração e não seguir o rito próprio de purificação “será eliminado de Israel” (Nm 19,11-13). O sacerdote e o levita evitaram de desafiar a Lei e prosseguiram o caminho. Enquanto um samaritano, estirpe impura por excelência, não devia ter esse tipo de escrúpulos, se moveu a compaixão, socorreu o homem caído, cuidou das feridas e o levou até uma hospedaria. : um desprendimento radical de estruturas intocáveis, um verdadeiro êxodo de nós (EG, n. 21), uma inquietante saída de si (EG, n. 197). O processo de saída de si em direção ao outro, envolve também um processo de entrada na casa do outro. Na invasão e na conquista colonial, a missão cristã não saiu de sua casa, e entrou no quintal dos outros reivindicando direitos de propriedade. Entretanto, o discípulo enviado é chamado a viver permanentemente na condição de hóspede (Mt 10,11), de peregrino (Lc 24,18) e de estrangeiro (1Pd 2,11) rumo ao mundo do outro (BEVANS; SCHROEDER, 2016BEVANS, S. B.; SCHROEDER, R. Diálogo profético. Reflexões sobre a missão cristã hoje. São Paulo: Paulinas, 2016., p. 60), em uma viagem para fora e para dentro de si mesmo, processo que implica sempre vida, morte e ressurreição (HENDRICKS, 2002HENDRICKS, B. O impacto da transição. A experiência da transição para o missionário: uma viagem interior/exterior. Convergência, Rio de Janeiro, v. 37, n. 355, p. 441-448, set. 2002., p. 448).

c. Missão como habitar as fronteiras. Habitar fronteiras significa mais que se situar: significa se deslocar para, tecer vínculos de pertença, sentipensar5 5 Conceito central na obra de Orlando Fals Borda. a partir do chão, corazonar6 6 Proposta espiritual e política do povo indígena Kitu Kara do Equador, que manifesta a íntima relação entre emoções e razões ao experienciar o sofrimento dos outros, ao ponto de gerar motivações, inconformismo e engajamento na luta contra as injustiças (SOUSA SANTOS, 2019, p. 154). com realidade, viver intensamente o cotidiano, servir ao povo sobrevivente. As fronteiras podem se identificar com a margem de um perímetro (periferia), o limiar entre um território e outro (divisa), ou com o horizonte desconhecido de outros mundos (além-fronteiras). A cada tipo de fronteira pode corresponder uma modalidade de presença missionária: pastoral na periferia, semeadura no limiar e pescaria no horizonte. As metáforas evangélica do pastor, do semeador e do pescador (Girard, 2000GIRARD, M. A missão na autora de um novo milênio. Um caminho de discernimento centrado na Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2000., p. 52) inspiram maneiras diferentes de cuidar das pessoas, de espalhar a Palavra do Reino e de resgatar vidas nos currais, nos campos ou nas profundezas do mar. Trata-se de identificar essas situações de missão nas diversas realidades globais, sendo que a periferia refere-se sempre à marginalidade de um contexto sociocultural; o limiar se situa entre dois territórios (na divisa de um muro, de uma cerca, de um trânsito que precisa restaurar); e o horizonte já é o solo sagrado da casa alhures, no qual devemos entrar como convidados tirando as sandálias.

d. Missão como “projetualidade” integral. A missão pensada em perspectiva decolonial alimenta o propósito da denúncia e da luta contra toda exclusão (poder), exclusivismo (saber) e exclusividade (ser), na edificação de novas relações de participação, de aprendizagem e de reconhecimento, a partir da ferida colonial, como proposta intercultural, epistêmica, ética e política. Por esse motivo, é preciso pensá-la também em termos projetuais, programada a partir da racionalidade própria da ação humana (BRIGHENTI, 2006BRIGHENTI, A. A pastoral dá o que pensar. A inteligência da prática transformadora da fé. São Paulo: Paulinas, 2006., p. 201). A missão como serviço qualificado, precisa de “indicações programáticas concretas, objetivos e métodos de trabalho, formação e valorização dos agentes e procura dos meios necessários” (NMI, n. 29), sem cair no funcionalismo, mas ao mesmo tempo procurando evitar o amadorismo e o pragmatismo imediatista. Contudo, o aspecto mais inovador desta perspectiva é a ação articulada entre vários atores, de maneira orgânica, integral e global, como já antevia Medellín com a “pastoral de conjunto” (DMe, n. 15,9). De um lado, a missão como projeto em perspectiva decolonial evoca um processo participativo a partir do contexto e do protagonismo de seus interlocutores (QAm, n. 40); por outro, há de ser conectada pluriversalmente com as causas decoloniais maiores, com o cuidado com a Mãe Terra, com a solidariedade com outros povos e com a integração com as diversas dimensões da vida. Nesse sentido, a missão busca sempre uma inserção no local em comunhão com o global (FT, n. 142), e uma interligação entre a dimensões pessoal, relacional, social e cósmica (LS 91, 117, 138, 240).

5.3 Espiritualidade e missão

A abordagem espiritual é talvez a que mais se aproxima à sensibilidade e às propostas decoloniais, porque para abrir caminhos subversivos de decolonização é preciso recorrer ao diálogo com práticas e sabedorias outras, alicerçadas em linguagens simbólicas, em conhecimentos meta-racionais e em horizontes holísticos de sentido.

A convicção de que a dimensão espiritual pode cooperar com aprendizagens e perspectivas interculturais, baseia-se também no fato de que não é possível empenhar-se em grandes aventuras sem uma mística que anima, sem uma moção interior que impele, motiva, encoraja, desafia e dá sentido à ação pessoal e comunitária. Com efeito uma “ecologia do espírito” nos ajuda a semear esperanças, sonhos, utopias, afetos, alegrias, uma vez que “os desertos exteriores se multiplicam no mundo, porque os desertos interiores se tornaram tão amplos” (LS, n. 217). A crise civilizacional atual é um apelo a uma profunda conversão interior das pessoas.

a. Missão como caminho. O aporte espiritual cristão a uma vivência engajada junto aos pobres e aos outros, nas fronteiras coloniais, em busca de dignidade, liberdade, justiça para todos, encontra-se no seguimento de Jesus na montanha das Bem-aventuranças. Trata-se de uma proposta/conversão de vida para toda humanidade (Mt 28,19). Consiste no crescimento na prática da fraternidade, do respeito e do reconhecimento do outro e da outra, da busca da verdade, da gratuidade desarmada e não violenta, da universalidade no amor, na misericórdia, na ternura, no perdão, que se estende até aos inimigos (Mt 5,21-48). Esse caminho é o conteúdo da missão que nos torna semelhantes ao Pai (Mt 5,48), participantes da natureza divina (2Pd 1,4). A escalada da montanha das Bem-aventuranças corresponde a uma elevação no Espírito em direção ao Reino, exigindo um discernimento permanente e penitencial que crucifica os instintos egoístas, e coloca os discípulos e as discípulas a serviço da humanidade (Gl 5,22-24).

b. Missão como proximidade. A missão exige uma saída de si, da própria tribo, da própria terra. Implica uma viagem exterior e interior de nós, um deixar o próprio mundo em direção ao mundo desconhecido do outro, um despojar-se e um desprender-se para que a alteridade subversiva possa interpelar a identidade. A missão rompe o círculo da integridade e do integralismo espiritual: “quanto mais caminhamos, mais somos capazes de relativizar nossa origem e o ambiente que nos moldou” (SUESS, 2007SUESS, P. Introdução à teologia da missão. Convocar e enviar: servos e testemunhas do Reino. Petrópolis: Vozes, 2007., p. 83). Não somos árvores que têm raízes, somos gente que tem pés: temos outra relação com o chão. O caminhar peregrino aponta para uma postura de desinstalação e de proximidade intercultural, que derruba certezas, cercas, barreiras e constrói pontes. O templo da alma precisa ser esvaziado de todos os mercadores interiores para deixar espaço ao Outro, para ouvir o que Deus há de falar (Eckhart, 2002ECKHART, M. I sermoni. Milano: Paoline, 2002. ,, Sermão I, p. 93-94). Da mesma forma, o desprendimento como prática de aproximação e solidariedade, de inclusão e participação, não significa abrir mão de algo, significa sim, deixar algo ser (SUESS, 2007SUESS, P. Introdução à teologia da missão. Convocar e enviar: servos e testemunhas do Reino. Petrópolis: Vozes, 2007., p. 78).

c. Missão como encontro. Uma vez que nos aproximamos nos contextos feridos das fronteiras coloniais, há o desafio do (des)encontro com o pobre e com o outro, sendo radicalmente hóspedes na casa deles. Como já dizia Placide Tempels (2016, p. 32)TEMPELS, R. P. P. A filosofia bantu. Luanda: Kuwindula, 2016., “não é possível compreender os Bantu se não entrar em contato espiritual com eles”. Aqui há dois tipos de espiritualidade: de um lado, a espiritualidade do “forasteiro” (outsider), o estrangeiro, o convidado (QAm, n. 26); do outro lado, a espiritualidade do “nativo” (insider). A primeira tem mais um caráter de diálogo, de escuta, de “deixar seguir”, deixar acontecer e de incentivar; a segunda, tem muito mais um cunho profético de parresia, de coragem de se manifestar, de se fazer ouvir (BEVANS; SCHROEDER, 2016BEVANS, S. B.; SCHROEDER, R. Diálogo profético. Reflexões sobre a missão cristã hoje. São Paulo: Paulinas, 2016.). O hóspede peregrino é chamado a certa altura a silenciar. Por sua vez, o impulso do Espírito faz brotar a irrupção da fala do outro, a partir de sua identidade, de sua cultura e de sua história sobrevivente. O Espírito de Deus sopra em todas as direções: se para um interlocutor a ascese requerida no encontro implica, na maioria das vezes, desprendimento, para o outro interlocutor “espiritualidade” implica aprender a ter orgulho da própria cultura e identidade, se autoafirmar e desenvolver uma autêntica percepção de si.

d. Missão como espiritualidade. João Paulo II afirmava que a sociedade humana de hoje procura “a dimensão espiritual da vida como antídoto à desumanização”, e que a Igreja tem em Cristo “um imenso patrimônio espiritual a oferecer” (RMi, n. 38). “O futuro da missão depende em grande parte da contemplação” (RMi, n. 91). Com efeito, num mundo marcado pela hegemonia tecnocrática, pelo necropoder capitalista, pela globalização homologante (FT, n. 100), a missão cristã tem como primordial e subversiva finalidade resgatar o sentido do Mistério em comunhão com as sabedorias milenares da humanidade dos povos originários americanos, africanos e orientais. Se antigamente a atividade missionária era voltada a salvar almas, hoje poderíamos dizer que está focada a “salvar Deus”, e anunciar, assim, a possibilidade de um mundo mais humano.

Conclusão

É possível pensar a missão cristã numa perspectiva decolonial? A resposta, do ponto de vista teórico poderia até ser afirmativa, mas necessita engendrar uma mudança pragmática e paradigmática consistente face à secular tradição doutrinária vinculada ao regime de cristandade. Nosso intento foi esboçar aqui alguns elementos para essa reconfiguração, tentando colocar em discussão as relações de poder das quais continuamos a fazer parte. Com efeito, somos coloniais nas entranhas, e nos descolonizaremos somente depois de um demorado processo de desaprendizagem e reaprendizagem.

Particularmente, a prática pastoral e missionária está marcada por múltiplas conjunturas, vertentes e variantes ambivalentes que não permitem ainda um diálogo intercultural expressivo, a não ser depois de um longo caminho de derrubada de muros e de um paciente exercício artesanal de construção de relações de confiança. Histórias, lutas, palavras, sabedorias negadas haverão de emergir das cinzas e ser contadas, a partir das feridas que marcam os projetos de vida de muitos povos e setores da sociedade, graças talvez à participação gratuita e despretensiosa da ação missionária cristã.

Evidentemente, precisamos ainda de outras abordagens para compor um quadro satisfatório rumo a um novo paradigma missionário. Entre estas, podemos destacar: (1) um olhar feminino, porque a missão precisa falar a linguagem da ternura e da maternidade, precisa tornar-se parteira, acolhedora, destemida, despojada de qualquer poder, alheia a qualquer prepotência patriarcal; (2) um olhar ecumênico, para o qual a pluriversalidade dialógica e libertadora se manifesta como uma “projetualidade” realmente possível para um mundo fragmentado e disperso; (3) um olhar africano e asiático, junto aos quais somos chamados a tecer relações de solidariedade, partilha, encontro, intercâmbio, ao sentirmos interpelados com histórias locais conectadas por um anseio de reconhecimento, justiça e libertação.

Se a missão “deve ser o horizonte constante e o paradigma de toda a atividade eclesial” (BENTO XVI, 2012BENTO XVI, Papa. Mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2012. Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/messages/missions/documents/hf_ben-xvi_mes_20120106_world-mission-day-2012.html. Acesso em: 18 abr. 2021.
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), é preciso que de conquista se torne serviço, de expansão se torne encontro, de salvação se torne proximidade, de implantação se torne inculturação, de civilização se torne subversão. Missão indica sempre um movimento de saída de si, de aproximação e de Boa Nova de verdade. A carga de risco que isso comporta em termos de (des)encontro é bastante elevada. Mas o anseio pelo ponto final onde hão de convergir os caminhos da história (GS, n. 45), é fundamento de uma certeza inabalável e norteadora: a vinda de um Reino contra toda forma de violência, de opressão e de domínio a ser anunciado, testemunhado e partilhado como dom e esperança. O mais importante neste processo não é o que a missão será capaz de realizar a respeito, mas o que será capaz de se tornar.

Siglas

  • AG  = Decreto Ad Gentes.
  • CTI  = Comissão Teológica Internacional
  • DAp  = Documento de Aparecida
  • DMe  = Documento de Medellín
  • DPb  = Documento de Puebla
  • DSA  = Documento Final do Sínodo para a Amazônia
  • DSD  = Documento de Santo Domingo
  • EG  = Exortação Apostólica Evangelii Gaudium.
  • FT  = Carta Encíclica Fratelli tutti.
  • GS  = Constituição Pastoral Gaudium et Spes.
  • LG  = Constituição Dogmática Lumen Gentium.
  • LS  = Carta Encíclica Laudato Si’.
  • NMI  = Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte.
  • PP  = Carta Encíclica Populorum Progressio.
  • QAm  = Exortação Apostólica Querida Amazonía.
  • RMi  = Carta Encíclica Redemptoris Missio.
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    Para uma ilustração da produção desse grupo de pesquisa, recomendamos o texto de Eduardo Restrepo e Axel Rojas, “Inflexión decolonial: fuentes concepto y cuestionamentos” (2010), e a coletânea de Santiago Castro-Gómez e Ramón Grosfoguel, “El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global” (2007).
  • 2
    O substantivo “decolonialidade” levantaria tecnicamente um problema lexical para os principais idiomas ibéricos, castelhano e português, já que o prefixo “de” deveria ser “des” – descolonial, descolonialidad. De fato, não há consenso entre os diversos autores sobre o uso dessas expressões com ou sem “s”. No entanto, a linguista norte-americana radicada no Equador, Catherine Walsh, faz uma observação interessante sobre a adoção do termo “decolonialidade” também para as línguas hispânicas: apagando o “s” não se quer promover um anglicismo (decoloniality), mas antes, tornar visíveis “lugares” de exterioridade e construções alternativas, ao invés de simplesmente desarmar, desfazer, desconstruir e subverter o colonial (WALSH, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidad, Estado, Sociedad. Luchas (de)coloniales de nuestra época. Quito: Abya-Yala, 2009., p. 14-15).
  • 3
    Esse aforismo era inicialmente dirigido aos cismáticos que rompiam com a comunhão na Igreja. O sentido era: “fora da comunhão, da unidade, da fraternidade, não há salvação”. Sucessivamente foi estendido aos pagãos e aos seguidores de outras tradições religiosas (RASCHIETTI, 2017RASCHIETTI, S. “Extra Ecclesiam nulla salus”: história e atualidade de um axioma. Caminhos de Diálogo. Curitiba, v. 5, n. 7, p. 43-56, 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.7213/cd.a5n7p43-56. Acesso em: 6 jun. 2019.
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    ).
  • 4
    O homem da parábola de Lc 10,25-37 descia de Jerusalém a Jericó, foi surpreendido pelos assaltantes, despojado, espancado e deixado “semimorto” (ἡμιθανῆ). Está morto ou não está morto? Eis a questão. Porque se estiver morto – e nós não sabemos se está – a Lei sagrada proíbe tocar cadáver. Aquele que incorrer nesta infração e não seguir o rito próprio de purificação “será eliminado de Israel” (Nm 19,11-13). O sacerdote e o levita evitaram de desafiar a Lei e prosseguiram o caminho. Enquanto um samaritano, estirpe impura por excelência, não devia ter esse tipo de escrúpulos, se moveu a compaixão, socorreu o homem caído, cuidou das feridas e o levou até uma hospedaria.
  • 5
    Conceito central na obra de Orlando Fals Borda.
  • 6
    Proposta espiritual e política do povo indígena Kitu Kara do Equador, que manifesta a íntima relação entre emoções e razões ao experienciar o sofrimento dos outros, ao ponto de gerar motivações, inconformismo e engajamento na luta contra as injustiças (SOUSA SANTOS, 2019SOUSA SANTOS, B. O fim do império cognitivo. A afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 154).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2022
  • Aceito
    05 Ago 2022
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