Acessibilidade / Reportar erro

FUNÇÕES TEOLÓGICAS E RETÓRICAS DA ALUSÃO AO YOM KIPPUR EM HEBREUS 9:24-25

Theological and Rhetorical Functions of the Allusion to Yom Kippur in Hebrews 9:24-25

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar, através de uma pesquisa exegética e bibliográfica, as funções teológicas e retóricas exercidas pela alusão ao Yom Kippur em Hb 9:24-25. Por que o autor de Hebreus trouxe à tona o ritual anual do Dia da Expiação? Que papel o Dia da Expiação desempenha no argumento? Muitos intérpretes entendem que Hebreus utiliza o Yom Kippur como moldura para construir todo o argumento, fazendo uma interpretação tipológica desse ritual. No entanto, esta pesquisa conclui que o Yom Kippur é utilizado como representante dos sacrifícios da antiga aliança para demonstrar teológica e retoricamente a ineficácia do antigo sistema e a superioridade do sacrifício de Cristo.

PALAVRAS-CHAVE
Epístola aos Hebreus; Dia da Expiação; Sacrifícios

ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze, through an exegetical and bibliographic study, the theological and rhetorical functions of the allusion to the Day of Atonement in Heb 9: 24-25. Why did the author of Hebrews bring up the annual ritual of the Day of Atonement? What role does the Day of Atonement play in the argument? Many interpreters understand that Hebrews uses Yom Kippur as a framework to build the whole argument, making a typological interpretation of this ritual. However, this paper concludes that the Day of Atonement is used as a representative of the sacrifices of the old covenant to demonstrate theologically and rhetorically the ineffectiveness of the old system and the superiority of Christ’s sacrifice.

KEYWORDS
Epistle to the Hebrews; Day of Atonement; Sacrifices

Introdução

A referência à entrada anual (kat’eniauton) do sumo sacerdote no santuário1 1 Algumas versões em português (por ex., ARA, NVI, NVT e NAA) e alguns comentaristas (por ex., ATTRIDGE, 1989, p. 245; CODY, 1960, p. 170-202; ELLINGWORTH, 1993, p. 445- 448; JAMIESON, 2019, p. 48; LANE, 1991, p. cxxiv; MORRIS, 1983, p. 84; SPICQ, 1952-1953, v. 2, p. 257; WILSON, 1987, p. 149-153) indicam apenas a entrada específica no Santo dos santos em 9:24-25. Entretanto, no Yom Kippur, o sumo sacerdote entrava no “santuário” (ta hágia), inclusive no Santo dos santos. Ambos os compartimentos, Lugar Santo e Lugar Santíssimo, estavam envolvidos (cf. Lv 16:14-20). (tà hágia) com sangue de animais, em Hb 9:24-25, é uma evidente alusão2 2 Para identificar uma alusão, esta pesquisa utilizará os critérios propostos por Beale (2013, p. 55-65), explicados no tópico seguinte à introdução. ao Dia da Expiação (Yom Kippur), de Levítico 16, pois esse é o único evento/ritual no qual esses três elementos são encontrados:

Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, réplica do verdadeiro, e sim no próprio céu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus a nosso favor. E não foi para oferecer-se a si mesmo muitas vezes, como o sumo sacerdote que entra no Santuário cada ano com sangue de outrem

(Hb 9:24-25).3 3 Salvo indicação contrária, as citações do texto bíblico neste artigo utilizarão a versão da Bíblia de Jerusalém.

O contexto mais amplo dessa alusão ao Yom Kippur é a inauguração da antiga aliança (9:16-20) e a inauguração do tabernáculo terrestre (9:21-22). Após isso, em 9:23, o autor de Hebreus refere-se à purificação do santuário e, então, alude ao Yom Kippur em 9:24-25. O argumento do autor de Hebreus tem como moldura, portanto, a inauguração da aliança e do santuário (JAMIESON, 2014JAMIESON, R. B. Purging God’s People and Place: Levitical Sacrifice as a Prolegomenon to Hebrews. 2014. Dissertação (Mestrado). The Southern Baptist Theological Seminary, Louisville, 2014., p. 12, 14).4 4 O Primeiro Testamento frequentemente apresenta um vínculo entre os temas da aliança e do santuário celestial, como evidencia Brasil de Souza (2005, p. 489-491).

Preliminarmente, o quadro geral do argumento é que Cristo inaugurou o santuário celestial (9:23), entrou no santuário celestial (9:24) e ofereceu a si mesmo como sacrifício (9:25-26) de uma vez por todas, e não repetitivamente como no anual Dia da Expiação (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 143).

Nesse contexto, Hebreus usa tanto o tema da inauguração quanto o Dia da Expiação (JAMIESON, 2016JAMIESON, R. B. Hebrews 9.23: Cult Inauguration, Yom Kippur and the Cleansing of the Heavenly Tabernacle. New Testament Studies, Cambridge, v. 62, n.1, p. 569-587, 2016., p. 569-587). O autor de Hebreus se afasta textualmente do relato da inauguração do tabernáculo encontrado no Êxodo,5 5 Algumas diferenças entre os relatos de inauguração são: 1) Hebreus 9:19 fala do sacrifício de móschos (bezerro) e trágos (bodes), enquanto Êxodo 24 fala em moschárion (novilhos, 24:5; cf. 29:1, 3, 36); 2) Hebreus 9:19 afirma que Moisés aspergiu o livro e o povo com “água, e lã tinta de escarlate, e hissopo”, enquanto Êxodo não menciona esses itens (que aparecem em outros rituais); 3) De acordo com Hebreus 9:20, Moisés disse: “Este é o sangue do testamento que Deus vos tem mandado [touto to haima tēs diathēkēs hēs eneteilato prós hymas ho theos]” (ARC). Por sua vez, a LXX traz a declaração em Ex 24:8: “Eis o sangue do pacto que o Senhor fez convosco [idou to haima tēs diathēkēs hēs diétheto kyrios pros hymas]”; 4) Hebreus (9:19-21) relata que Moisés aspergiu sangue no livro, no povo, no tabernáculo e em todos os seus utensílios. Porém, Êxodo menciona apenas a aspersão do altar e do povo; 5) Hebreus afirma que Moisés usou sangue para consagrar o santuário e sua mobília, enquanto o relato de Êxodo diz que Moisés usou azeite (Ex 40:9, 10; cf. Lv 8:10-11) (MOORE, 2019, p. 245). e combina o ritual da inauguração da aliança com o ritual de inauguração do santuário (CORTEZ, 2008CORTEZ, F. H. “The Anchor of the Soul that Enters within the Veil”: the Ascension of the “Son” in the Letter to the Hebrews. 2008. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2HFSeoL>. Acesso em: 23 jul. 2019.
https://bit.ly/2HFSeoL...
, p. 377). Segundo Ben Ezra: “O sacrifício de sangue de Cristo (re)inaugura o santuário e purifica e expia os crentes. [...] O especial rito de sangue no Santo dos Santos, central para o Judaísmo do Segundo Templo, foi completamente transformado e misturado com outros ritos que envolvem a aspersão de sangue” (BEN EZRA, 2003BEN EZRA, D. S. The Impact of Yom Kippur on Early Christianity: the Day of Atonement from Second Temple Judaism to the Fifth Century. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003., p. 187, grifo nosso). Por isso, em Hebreus, o sacrifício de Cristo está relacionado à inauguração da nova aliança e do santuário celestial.

Apesar de haver tipologia em seu texto (DAVIDSON, 2016DAVIDSON, R. Tipologia no livro de Hebreus. In: HOLBROOK, Frank B. (Ed.). À luz de Hebreus: intercessão, expiação e juízo no santuário celestial. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2016. p. 139-214., p. 139-214), o autor de Hebreus não se atém a detalhes dos rituais, e isso evidencia que seu objetivo não é analisar detalhadamente a tipologia do Yom Kippur, mas usar esse ritual como suporte ao seu argumento. Se for lido como uma exposição tipológica, Hebreus apresenta algumas dificuldades: não menciona o cerimonial do envio do bode para Azazel para morrer no deserto, nem a saída de Cristo do santuário celestial (o envio do bode e a saída o sumo sacerdote do santuário eram a conclusão do Yom Kippur) – momentos de suma importância nesse ritual (MOORE, 2019MOORE, M. Na corte celestial. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2019., p. 246; CORTEZ, 2008CORTEZ, F. H. “The Anchor of the Soul that Enters within the Veil”: the Ascension of the “Son” in the Letter to the Hebrews. 2008. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2HFSeoL>. Acesso em: 23 jul. 2019.
https://bit.ly/2HFSeoL...
, p. 23).

Dessa forma, as perguntas norteadoras deste artigo são: por que o autor de Hebreus cita o Yom Kippur em 9:24-25? Quais as funções retóricas e teológicas desempenhadas por essa alusão ao ritual anual? Se o autor de Hebreus não está fazendo uma análise tipológica, qual seria então a função da alusão a esse ritual? Os próximos tópicos avaliarão essas questões.

1 Pressuposições e metodologia

Para os propósitos desta investigação (que inclui uma avaliação da retórica de Hebreus), o aspecto mais relevante é o gênero literário.6 6 A fim de manter o foco no problema proposto, esta pesquisa não dedicará espaço às questões introdutórias sobre Hebreus (autoria, data, destinatários), apenas assumirá que se trata de uma obra da segunda metade do primeiro século, de autoria não declarada, destinada a cristãos que vieram do judaísmo (judeus de nascimento ou prosélitos) (BLACK, 1961, p. 78). Hebreus se descreve como uma “palavra de exortação” (Hb 13:22) – mesma expressão utilizada para descrever um discurso de Paulo na sinagoga em At 13:5. Portanto, é justificado pensar em Hebreus como uma peça de oratória que alterna exposição e exortação, e, sendo uma “palavra de exortação” que combina elementos da oratória judaica com a oratória greco-romana, as seções expositivas “servem [...] ao propósito exortativo de toda a obra” (FILHO, 2014FILHO, J. A. Exposição e parênese como problema literário-teológico: um estudo da estrutura literária de Hebreus. Reflexus, Vitória, v. VIII, n. 11, p. 91-125, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/2VHDIEe>. Acesso em: 22 jan. 2019.
https://bit.ly/2VHDIEe...
, p. 122; p. 92).7 7 Hebreus tem características de uma peça de oratória com propósito exortativo, ou, como diz sua autodescrição: é uma “palavra de exortação” (13:22). Estudiosos identificam Hebreus como “tratado ou sermão” (RÜPKE, 2016, p. 109), “sermão” (WHITLARK, 2016, p. 155; COCKERILL 2012, p. 70; SCHENCK, 2003) e “homilia” (BOYARIN, 2016, p. 16; SWETNAM, 1969, p. 261-269; GELARDINI, 2005, p. 107-127) Lane (1985, p. 13-15)LANE, W. L. Hebrews: A Sermon in Search of a Setting. Southwestern Journal of Theology, Fort Worth, v. 28, n. 1, p. 13-15, 1985. sugere que o autor de Hebreus parece estar presente, falando diretamente com sua audiência (Hb 5:11; 6:9), pois o autor descreve seu texto como um discurso apresentado e não como um documento meramente escrito (Hb 2:5; 8:1; 11:32), e conclui que Hebreus é um discurso apresentado num estilo sinagogal comum do primeiro século (FABRIS, 1992FABRIS, R. As Cartas de Paulo. São Paulo: Loyola, 1992., p. 342-343; GRELOT, 1991GRELOT, P. Homilías sobre la Escritura en la Época Apostólica. Barcelona: Herder, 1991., p. 109-127; FILHO, 2014FILHO, J. A. Exposição e parênese como problema literário-teológico: um estudo da estrutura literária de Hebreus. Reflexus, Vitória, v. VIII, n. 11, p. 91-125, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/2VHDIEe>. Acesso em: 22 jan. 2019.
https://bit.ly/2VHDIEe...
, p. 91-125). Trata-se de um discurso em que uma seção explicativa antecede uma admoestação, também chamada de “admonição-apêndice” (BERGER, 1998BERGER, K. As formas literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998., p. 149). Em Hebreus, a seção explicativa de 7:1-10:18 antecede a seção admoestativa de 10:19-39.

Para considerar Hb 9:24-25 como uma alusão ao Yom Kippur, esta pesquisa utilizou os critérios propostos por Beale (2013, p. 55-65)BEALE, G. K. Manual do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento: exegese e interpretação. São Paulo: Vida Nova, 2013. e Hays (1989, p. 29-32)HAYS, R. B. Echoes of Scripture in Paul. New Haven: Yale University Press, 1989., que, resumidamente, são: (1) o texto do Primeiro Testamento aludido (no caso de Hebreus, os textos que descrevem o Yom Kippur, especialmente Levítico 16) está acessível ao autor,8 8 A aplicação desse critério requer que o texto estivesse acessível ao autor de Hebreus (não necessariamente aos leitores), o que pode ser evidenciado pela quantidade de alusões, ecos, tipos e citações do Primeiro Testamento (especificamente, da LXX). A evidência interna sugere que o autor era uma pessoa educada, conhecedora das Escrituras e do pensamento de seu tempo (MCCULLOUGH, 1994, p. 72). A forte influência do Primeiro Testamento sobre Hebreus é um aspecto “óbvio” (GUTHRIE, 1984, p. 35), e nenhuma outra fonte pode ser apontada como principal influência direta ou formativa sobre o autor (WILSON, 1987, p. 19, 27; BRUCE, 1987, p. xlix [nota 116], 215 [nota 137]; GUTHRIE, 1984, p. 36; GUTHRIE, 2004, p. 272). e os leitores podem reconhecer a alusão com facilidade;9 9 De acordo com o critério de Beale (2013, p. 55-65), os leitores deveriam apenas ter a capacidade de reconhecer o conteúdo da alusão, e, para isso acontecer, o leitor não precisava necessariamente ser proprietário de um manuscrito do Primeiro Testamento, bastava ter acesso ao conteúdo do texto, o que poderia ocorrer, por exemplo, no contexto da educação familiar (VAUX, 2003, p. 72-73; STEGEMANN; STEGEMANN, 2001, p. 188, cf. p. 194) e das sinagogas, que eram dedicadas “tanto para a leitura pública da Torá e para o ensino dos mandamentos, como para a instrução das crianças” (STEGEMANN; STEGEMANN, 2001 p. 193, tradução nossa). Para reconhecer a alusão ao Yom Kippur em Hb 9:24-25, o destinatário deveria saber que se tratava de um evento anual que envolvia a entrada do sumo-sacerdote no santuário (principalmente no Santo dos Santos). É razoável supor que tal conhecimento estava acessível até mesmo às pessoas do estrato social inferior em sua limitada educação (DANIEL-ROPS, 2008, p. 79). Apesar da exata identificação dos destinatários de Hebreus ser incerta, a evidência interna do livro sugere que não eram neófitos (5:12), mas já eram cristãos por tempo suficiente para demonstrarem maturidade maior do que demonstravam na época (5:11-6:3). Os destinatários poderiam ter sido tanto judeus quanto gentios que conheciam suficientemente o conteúdo do Primeiro Testamento, a fim de reconhecer as alusões ao Yom Kippur em Hebreus. (2) existem palavras e padrões sintáticos que remetem ao texto-base do Primeiro Testamento (no caso de Hebreus, a utilização dos termos “sumo sacerdote”, “entrar no santuário”, “sangue” e “cada ano” remetem à descrição do Yom Kippur no Primeiro Testamento); (3) há, no contexto imediato, outras referências ao mesmo contexto do Primeiro Testamento de onde vem a suposta alusão (há outra em Hb 9:6-7); (4) o sentido do texto-fonte (neste caso, Levítico 16) ajusta-se tematicamente ao argumento de Hebreus e o esclarece; 5) há paralelos e analogias na literatura judaica da época (Hebreus apresenta similaridades com a literatura apocalíptica (MASON, 2017MASON, E. F. Heavenly Revelation in the Epistle to the Hebrews. In: REYNOLDS, Benjamin E.; STUCKENBRUCK, Loren T. (Eds.). The Jewish Apocalyptic Tradition and the Shaping of New Testament Thought. Minneapolis: Fortress Press, 2017. p. 277-292., p. 277-292; ROWLEY, 1980ROWLEY, H. H. A importância da literatura apocalíptica: um estudo da literatura apocalíptica judaica e cristã de Daniel ao Apocalipse. São Paulo: Paulinas, 1980.; NOGUEIRA, 2005NOGUEIRA, P. Augusto de S. Religião de visionários. In: NOGUEIRA, P. A. de S. (Org.). Religião de visionários: apocalíptica e misticismo no cristianismo primitivo. São Paulo: Loyola, 2005. p. 13-42., p. 13-42; RUSSELL, 1997RUSSELL, D. S. Desvelamento divino: uma introdução à apocalíptica judaica. São Paulo: Paulus, 1997.; HURST, 1990HURST, L. D. The Epistle to the Hebrews: Its Background of Thought. Cambridge: Cambridge University, 1990. (Society for New Testament Studies Monograph Series 65)., p. 42; MASON, 2011aMASON, E. F. Cosmology, Messianism, and Melchizedek: Apocalyptic Jewish Traditions and Hebrews. In: MASON, Eric F.; MCCRUDEN, Kevin B. (Eds.). Reading the Epistle to the Hebrews: a resource for students. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2011a. p. 53-76., p. 461-464). Além disso, seguindo os parâmetros de Beale e Hays a alusão ao Yom Kippur em Hb 9:24-25 faz sentido no contexto imediato.

Para definir os pressupostos conceituais desta investigação, também é necessário avaliar as prováveis influências conceituais sobre Hebreus e entender como afetaram a visão do autor a respeito dos temas relacionados à alusão ao Yom Kippur. A moldura conceitual de Hebreus é complexa, e é um equívoco ler Hebreus à luz de um único e simples contexto cultural ou teológico (GUTHRIE, 2004GUTHRIE, G. H. Hebrews in its First-Century Contexts: Recent Research. In: MCKNIGHT, S.; OSBORNE, G. R. (Eds). The Face of New Testament Studies: a Survey of Recent Research. Grand Rapids: Baker, 2004. p. 414-443., p. 414-443). Seguindo uma crescente tendência, nos recentes estudos em Novo Testamento, de expandir o leque de possibilidades para o background conceitual de Hebreus, este artigo vai partir da suposição de que é mais seguro dar prioridade ao evidente pano de fundo veterotestamentário das alusões ao cerimonial levítico em Hebreus.

Apesar de apresentar uma convergência de várias matrizes conceituais do primeiro século, Hebreus está profundamente relacionado ao Primeiro Testamento, por meio de citações, alusões, referências e ecos (BRUCE, 1990BRUCE, F. F. The Epistle to the Hebrews. Grand Rapids: Eerdmans, 1990., p. xxv; VOORWINDE, 2008VOORWINDE, S. Hebrews’ Use of the Old Testament. Vox Reformata, Victoria, v. 73, p. 60-82, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2Il90NK>. Acesso em: 12 mar. 2015.
https://bit.ly/2Il90NK...
, p. 60-82; GUTHRIE, 1984GUTHRIE, D. Hebreus: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984., p. 35-36; WILSON, 1987WILSON, R. M. Hebrews. Grand Rapids: Eerdmans, 1987. (The New Century Bible Commentary)., p. 19). Especificamente, a LXX é a principal fonte das citações do Primeiro Testamento em Hebreus (BRUCE, 1987BRUCE, F. F. La Epistola a los Hebreos. Grand Rapids-Buenos Aires: Nueva Creación, 1987., p. xlix; GHEORGHITA, 2003GHEORGHITA, R. The Role of the Septuagint in Hebrews. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003.; KISTEMAKER, 1961KISTEMAKER, S. J. The Psalm Citations in the Epistle to the Hebrews. Amsterdam: Van Soest, 1961.; STEYN, 2011STEYN, G. J. A Quest for the Assumed LXX Vorlage of the Explicit Quotations in Hebrews. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2011.).

Além da LXX, pesquisadores têm apontado sinais da influência da literatura apocalíptica judaica, do pensamento platônico de Fílon (SPICQ, 1952-1953SPICQ, C. L’Épitre aux Hébreux. Paris: J. Gabalda et Cie. Éditeurs, 1952-1953. 2 v., v. 1, p. 25-91), da teologia paulina (HURST, 1990HURST, L. D. The Epistle to the Hebrews: Its Background of Thought. Cambridge: Cambridge University, 1990. (Society for New Testament Studies Monograph Series 65)., p. 133), do misticismo Merkabah, do gnosticismo e de Qumran (GUTHRIE, 2004GUTHRIE, G. H. Hebrews in its First-Century Contexts: Recent Research. In: MCKNIGHT, S.; OSBORNE, G. R. (Eds). The Face of New Testament Studies: a Survey of Recent Research. Grand Rapids: Baker, 2004. p. 414-443., p. 414-443). Algumas propostas receberam mais atenção que outras, como a hipótese de que Hebreus reflete o pensamento platônico/filônico. É inegável que há aproximações entre Hebreus e Fílon, mas os paralelos parecem se restringir ao vocabulário, pois a estrutura conceitual de ambos é bem diferente (WILLIAMSON, 1970WILLIAMSON, R. Philo and the Epistle to the Hebrews. Leiden: E. J. Brill, 1970.; GUTHRIE, 2004GUTHRIE, G. H. Hebrews in its First-Century Contexts: Recent Research. In: MCKNIGHT, S.; OSBORNE, G. R. (Eds). The Face of New Testament Studies: a Survey of Recent Research. Grand Rapids: Baker, 2004. p. 414-443., p. 429 [nota 63]). A existência de semelhanças e de paralelos entre o livro e outras fontes não significa necessariamente que tenha ocorrido algum tipo de contato entre os documentos ou influência sobre Hebreus (HARRINGTON, 2005HARRINGTON, D. J. What are They Saying about the Letter to the Hebrews? New York: Paulist Press, 2005., p. 22-23). É preciso cautela para não cair na “paralelomania”, a prática de forçar semelhanças entre o Novo Testamento e outros escritos, e, a partir disso, concluir que houve influência de uma fonte sobre outra (SANDMEL, 1962SANDMEL, S. Parallelomania. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 81, n. 1, p. 1- 13, mar. 1962. Disponível em: <https://bit.ly/2KvBQ02>. Acesso em: 19 nov. 2019.
https://bit.ly/2KvBQ02...
, p. 1-13). Nesse assunto, deve-se ver a fenomenologia da religião de forma mais ampla, não estabelecendo vínculos históricos tão estreitos e exclusivos entre Hebreus e movimentos particulares (JOHNSSON, 1978JOHNSSON, W. G. The Cultus of Hebrews in Twentieth Century Scholarship. The Expository Times, London, v. 89, p. 104-108, 1978. Disponível em: <https://bit.ly/2WOVbv3>. Acesso em: 18 ago. 2015.
https://bit.ly/2WOVbv3...
, p. 108).

Portanto, apesar de reconhecer que nenhum elemento do judaísmo pode servir como moldura exclusiva para o pensamento de Hebreus e de utilizar as contribuições de outras fontes, este artigo prioriza as evidências encontradas no Primeiro Testamento (principalmente a LXX). Essa opção metodológica leva à outra conclusão: o conceito de santuário celestial de Hebreus deve estar próximo ao conceito encontrado no Primeiro Testamento e na literatura apocalíptica e mística judaica (BRASIL DE SOUZA, 2005BRASIL DE SOUZA, E. The Heavenly Sanctuary/Temple Motif in the Hebrew Bible. 2005. Tese (Doutorado em Teologia) – Andrews University, Berrien Springs, 2005.; HURST, 1990HURST, L. D. The Epistle to the Hebrews: Its Background of Thought. Cambridge: Cambridge University, 1990. (Society for New Testament Studies Monograph Series 65)., p. 21-22). O vínculo conceitual com tais fontes infere que, provavelmente, Hebreus traz o conceito de (1) um santuário celestial real, não platônico ou metafórico (RIBBENS, 2013RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. 2013. 391f. Tese (Doutorado) — Wheaton College, Wheaton, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2IjSGwG>. Acesso em: 18 jul. 2019.
https://bit.ly/2IjSGwG...
, p. 132-174; COCKERILL, 2012COCKERILL, G. L. The Epistle to the Hebrews. Grand Rapids: Eerdmans, 2012. (NICNT)., p. 354; MASON, 2008MASON, E. F. “You are priest forever”: second temple Jewish messianism and the priestly Christology of the epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2008., p. 111-116; MASON, 2011aMASON, E. F. Cosmology, Messianism, and Melchizedek: Apocalyptic Jewish Traditions and Hebrews. In: MASON, Eric F.; MCCRUDEN, Kevin B. (Eds.). Reading the Epistle to the Hebrews: a resource for students. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2011a. p. 53-76., p. 56-68; MASON, 2011bMASON, Eric F. Hebrews and Dead Sea Scrolls: some points of comparison. Perspectives in Religious Studies, Murfreesboro, v. 37, n. 4, p. 459-479, 2011b., p. 461-464),10 10 Sobre o conceito de santuário celestial que o autor de Hebreus sustenta (metáfora ou realidade?), há diferentes linhas de interpretação, a partir da suposição de qual seria a moldura conceitual da cosmologia e da ontologia de Hebreus. Dentre as principais propostas, uma linha entende que o santuário celestial de Hebreus é metafórico ou espiritualizado, apresentado como um conceito noético, em linhas filônicas/platônicas (por ex.: Moffatt [1924], Montefiore [1964]; Smith [1969]; Spicq [1952-1953]; Thompson [1982]; Thompson [2011]; Thurston [1986]; Westcott [1952]). Outros autores entendem que Hebreus reflete a perspectiva encontrada no Primeiro Testamento e na literatura apocalíptica judaica, apresentando o santuário como uma realidade espaço-temporal, localizada no céu e em plena atividade, divergindo da estrutura conceitual filônica/platônica. Para uma exposição dessa linha de interpretação, ver, por ex., Adams (2009, p. 131), Barnard (2012, p. 134), Barrett (1956, p. 388), Beale (2004, p. 325-326, 329), Buchanan (1972, p. 134), Clowney (1973, p. 177, 182-183), Filtvedt (2015, p. 280-303), Johnsson (2016b, p. 47-63), Laansma (2008, p. 139, 143), Mackie (2007, p. 159), Mason (2008, p. 39), Moffitt (2011, p. 218, 220), Pursiful (1993, p. 70), Ribbens (2013, p. 70, 132-174), Walker (1996, p. 203 [nota 12], 204); Willi-Plein (2005, p. 33-34); Malheiros (2017, p. 49-71). Essa linha de interpretação (adotada neste artigo) entende que, na perspectiva do autor de Hebreus, o santuário celestial não é metáfora nem “espiritualização” (CLOWNEY, 1973, p. 177, 182-183), e Jesus é tratado no texto como um sumo sacerdote “não apenas num nível ‘metafórico’, mas literalmente” (WALKER, 1996, p. 203, nota 12). (2) um santuário localizado no céu, e não um santuário cosmológico, em que o céu é um santuário (BARRETT, 1956BARRETT, C. K. The Eschatology of the Epistle to the Hebrews. In: DAUBE, D.; DAVIES, W. D. (Eds.). The Background of the New Testament and its Eschatology. Cambridge: Cambridge University Press, 1956. p. 363-393., p. 393; HURST, 1990HURST, L. D. The Epistle to the Hebrews: Its Background of Thought. Cambridge: Cambridge University, 1990. (Society for New Testament Studies Monograph Series 65)., p. 42; LANE, 1991LANE, W. Hebrews 1-8. Dallas: Word Books, 1991. (Word Bible Commentary, 47ª)., p. ciii–cxii; ELLINGWORTH, 1993ELLINGWORTH, P. The Epistle to the Hebrews: a Commentary on the Greek Text. Grand Rapids: Eerdmans, 1993. (The New International Greek Testament Commentary)., p. 408; RIBBENS, 2013RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. 2013. 391f. Tese (Doutorado) — Wheaton College, Wheaton, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2IjSGwG>. Acesso em: 18 jul. 2019.
https://bit.ly/2IjSGwG...
, p. 119-181), (3) um santuário com dois compartimentos (RIBBENS, 2013RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. 2013. 391f. Tese (Doutorado) — Wheaton College, Wheaton, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2IjSGwG>. Acesso em: 18 jul. 2019.
https://bit.ly/2IjSGwG...
, p. 142), e (4) em pleno funcionamento (em textos apocalípticos, anjos desempenham atividade sacerdotal).

Hebreus apresenta o culto baseado no tabernáculo terrestre como uma “parábola” (parabolé) (9:9); o “velho” que deveria dar lugar ao “novo” (8:13); a “cópia e sombra das realidades celestes” (8:5), uma “réplica do verdadeiro [al?thinós]” (9:24; cf. 8:2). Ao apresentar o santuário celestial como o “verdadeiro” (alēthinós; 8:2),11 11 O conceito de “verdadeiro” provavelmente inclui mais do que “mera verdade moral e cognitiva, mas também a ideia de ‘autêntico’ no sentido histórico-redentivo” (BEALE, 2004, p. 326, tradução nossa), e a linguagem utilizada por Hebreus sugere que o santuário celestial é o verdadeiro porque é “o ‘artigo genuíno’ [...] e real. Em contraste, a tenda terrena era apenas ‘uma cópia e sombra’, um retrato figurativo do celestial” (BEALE, 2004, p. 325, tradução nossa). Ser verdadeiro não é, necessariamente, ser físico ou material (BEALE, 2004, p. 326; cf. WALKER, 1996, p. 204). um “modelo” (týpos) que foi mostrado a Moisés (8:5), o autor vai ao encontro do conceito de um templo celestial real presente no Primeiro Testamento, na literatura apocalíptica judaica e em algumas religiões do Antigo Oriente Próximo,12 12 O tema do santuário/templo celestial, com uma réplica terrena da estrutura celeste divinamente revelada, fazia parte da visão de mundo do Antigo Oriente Próximo. O santuário celestial não era apenas assumido como existente no céu, mas também como funcionando em estreita relação com os santuários terrestres. Brasil de Souza (2005, p. 26-82, 484-486) investigou textos sumérios, acadianos, hititas, ugaríticos e egípcios, e identificou semelhanças e diferenças entre o Primeiro Testamento e a literatura do Antigo Oriente Próximo nesse tema. A correspondência entre o santuário celestial e o terrestre pode ser demonstrada iconograficamente numa tabuinha da época do rei Nabu-apal-iddin da Babilônia (885-850 a.C.), que mostra o rei acompanhado por dois sacerdotes se aproximando do deus Shamash. A divindade está em seu palácio celestial, que está ligado ao templo terrestre onde o rei e os sacerdotes estão de pé (RÖMER, 2015, p. 151). descritos em termos de realidade. Assim, tanto a moldura conceitual quanto a linguagem do autor de Hebreus estariam sugerindo a realidade espaço-temporal do santuário celestial (apesar de Hebreus não dar detalhes precisos dessa realidade).

Essa opção metodológica parece estar de acordo com o conteúdo de Hebreus, que apresenta encorajamento e fundamentos para a confiança cristã dos destinatários, como uma nova aliança real, um sacrifício real, uma purificação real, que dá acesso real e um sacerdote real em um santuário celeste real. Segundo o autor, esse é o ponto central (kephálaion) de seu argumento: “temos um tal sacerdote que se assentou à direita do trono da Majestade nos céus. Ele é ministro do Santuário e da Tenda verdadeira [alēthinós], armada pelo Senhor, e não por homem” (Hb 8:1-2). Em seu argumento, o autor considera o santuário celestial como obra divina, tão real quanto a cidade construída por Deus, a pátria celestial, e a “terra” pela qual Abraão ansiava (Hb 11:11-16) (FILTVEDT, 2015FILTVEDT, O. J. Creation and Salvation in Hebrews. Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft, v. 106, n. 2, p. 280-303, 2015., p. 280-303).13 13 Avaliando a cosmologia de Hebreus, Adams (2009, p. 131) afirma que “a morada celestial de Deus não é necessariamente, para o autor, uma dimensão ‘espiritual’, no sentido de não substancial [...]. O autor parece concebê-lo como um ‘lugar’ [...]” (ADAMS, 2009, p. 131, tradução nossa) onde há atividade sacerdotal, e um lugar que precisa até mesmo ser purificado (9:23). Essas imagens parecem divergir da estrutura conceitual filônica/platônica e se aproximam do conceito apocalíptico de um santuário celestial onde há liturgia angelical. O santuário está em “um mundo que o escritor de Hebreus leva muito a sério como realidade” (LAANSMA, 2008, p. 139, tradução nossa). É verdade que descrever sua própria ontologia em detalhes não é a preocupação primária do autor, mas “dizer, então, que essa linguagem cosmológica e do tabernáculo celestial não tem referente concreto é zombar da experiência e da esperança” que o autor quer transmitir (LAANSMA, 2008, p. 143, tradução nossa).

A partir desses pressupostos, os tópicos seguintes vão se dedicar à identificação e à avaliação de algumas funções teológicas e retóricas da alusão ao Yom Kippur em Hb 9:24-25.

2 O Yom Kippur ilustra a repetitividade dos sacrifícios

Uma das funções mais claras da alusão ao Dia da Expiação em Hb 9:24-25 é ilustrar a repetitividade dos sacrifícios. Em 9:25, o Yom Kippur é apresentado como algo que ocorre a “cada ano”, e é contrastado ao sacrifício de Jesus, que “uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (9:26 ARC; cf. 9:28) (CORTEZ, 2008CORTEZ, F. H. “The Anchor of the Soul that Enters within the Veil”: the Ascension of the “Son” in the Letter to the Hebrews. 2008. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2HFSeoL>. Acesso em: 23 jul. 2019.
https://bit.ly/2HFSeoL...
, p. 28-29). Ou seja, em Hebreus, há um contraste da ação de Cristo com o Dia da Expiação levítico em vez de uma relação tipológica de igualdade. Jesus é apresentado como efetuando uma obra de caráter oposto ao do Yom Kippur, e teria que “padecer muitas vezes” (9:26 ARC) se seguisse o padrão do Dia da Expiação levítico.

Exceto em 9:7, onde é descrito como um evento único, que ocorria “uma vez por ano” (hápax tou eniautou), uma das mais importantes características do Yom Kippur em Hebreus é ser anual, conforme a expressão kat’eniauton (“a cada ano”). Essa expressão aparece só 3 vezes no Novo Testamento, todas em Hebreus (9:25 e 10:1-4). Na LXX, kat’eniauton refere-se às celebrações anuais, como o Yom Kippur (3Macabeus 1:11), a Festa da Dedicação (o Hanukkah; 1Macabeus 4:59; 2Macabeus 10:8), e a Festa dos Tabernáculos (Zc 14:16).

A similaridade entre a expressão “cada ano” (kat’eniauton) e a expressão “muitas vezes” (pollakis) é estabelecida, em Hb 9:25, pela conjunção hōsper (“como”), enfatizando o caráter repetitivo do Yom Kippur: “nem também para a si mesmo se oferecer muitas vezes [pollakis], como [hōsper] o sumo sacerdote cada ano [kat’eniauton] entra no Santuário com sangue alheio” (ARC). Assim, o Yom Kippur anual é um ritual que ocorre “muitas vezes”, e, por isso, inferior à oferta sacrifical de Cristo (FUDGE, 1973FUDGE, W. E. Our Man In Heaven: an Exposition of the Epistle to the Hebrews. Grand Rapids: C.E.I., 1973., p. 48; cf. NEYREY, 2011NEYREY, J. H. Jesus the Broker In Hebrews: Insights from the Social Sciences. In: MASON, E. F.; MCCRUDEN, K. B. Reading the Epistle to the Hebrews: a resource for students. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2011. p. 145-170., p. 163-164).

No verso 26, o autor de Hebreus amplia o argumento, afirmando que Cristo deveria ter “sofrido muitas vezes [pollakis] desde a fundação do mundo”, caso ele seguisse o padrão repetitivo do sumo sacerdote na celebração. A repetitividade retrocederia até antes da instituição histórica do Yom Kippur, até à fundação do mundo (criação).14 14 Ver a expressão “fundação do mundo” em Hb 4:3 (cf. Mt 13:35; 25:34; Lc 11:50; Jo 17:24; Ef 1:4; 1Pe 1:20; Ap 13:8; 17:8).

É necessário destacar, porém, que as comparações entre os sacrifícios levíticos e o sacrifício de Jesus desempenham diferentes funções no argumento de Hebreus. Quando compara a inauguração da aliança ao sacrifício de Cristo (9:15-23), Hebreus estabelece identidade, enfatizando positivamente as semelhanças entre os dois eventos (ainda que reconhecendo a superioridade de Jesus). O propósito dessa comparação é identificar Jesus como o “mediador da nova aliança” (8:6; 9:15, 12:24) e seu sacrifício como o “sangue da aliança” (10:29; 13:20; cf. 7:22). Por outro lado, quando Hebreus compara o Yom Kippur ao sacrifício de Cristo (9:25), estabelece a superioridade do sangue de Jesus, enfatizando negativamente as diferenças entre eles (ainda que haja elementos semelhantes).15 15 Há dois modelos básicos pelos quais os estudiosos reconhecem a relação entre a antiga e a nova aliança em Hebreus: continuidade e descontinuidade (SHE, 2011, p. 99). Hebreus aparentemente traz os dois modelos, onde a continuidade possibilita as comparações positivas entre a antiga aliança e a dispensação cristã, mas a descontinuidade apresenta aspectos insuficientes ou negativos da antiga aliança que teriam sido superados pela nova (para uma apresentação panorâmica dos principais aspectos desse debate, ver RIBBENS, 2016, p. 1-19).

Hebreus exalta a singularidade e superioridade da oferta de Cristo, usando dois contrastes do tipo “não isto, mas isto” (em 9:24-26). Primeiro, em 9:24, no fato de que “Cristo não [ou] entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém [alla] no mesmo céu,16 16 A expressão “o mesmo céu” (Hb 9:24) não nega a concepção do autor de Hebreus, encontrada também no Primeiro Testamento e na literatura apocalíptica judaica, da existência real de um santuário no céu. Essa expressão pode ser uma sinédoque, onde todo o céu substitui uma parte dele (o santuário celestial) (cf. HURST, 1990, p. 28; SCHENCK, 2007, p. 145, 165, nota 69). para comparecer, agora, por nós, diante de Deus” (9:24). Ou seja: a oferta de Cristo é superior porque é celestial.

Em segundo lugar, a superioridade da oferta de Jesus se deve ao fato dele não ter entrado no santuário celestial para se oferecer muitas vezes (como ocorria no Yom Kippur anual terrestre), mas uma vez só: “nem ainda [oudé] para se oferecer a si mesmo muitas vezes” (9:25), “agora, porém [], ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado” (9:26). Ou seja: a oferta de Jesus é superior porque é única e definitiva.

A ligação entre os dois blocos de contraste (9:24 e 9:25-26) é feita pela partícula oudé, que significa “e nem”, “e também não”, “muito menos” (GINGRICH, DANKER, 2012, p. 150). Os dois contrastes, de 9:24-26, fornecem dois aspectos da superioridade do sacrifício de Cristo, como o v. 23 havia anunciado: “[...] sacrifícios melhores do que estes” (ARC). Em outras palavras, 9:23 levanta o tema da superioridade que é abordado nos versos 24-26, p. 573 (JAMIESON, 2016JAMIESON, R. B. Hebrews 9.23: Cult Inauguration, Yom Kippur and the Cleansing of the Heavenly Tabernacle. New Testament Studies, Cambridge, v. 62, n.1, p. 569-587, 2016.).

Várias imagens cultuais são evocadas pelo autor de Hebreus nesse contexto: inauguração da aliança (v. 18-20), inauguração do santuário (v. 21-23), Yom Kippur (v. 24-25), juízo/escatologia (v. 26-28). Essa é uma evidência de que a intenção da perícope é demonstrar, de maneira ampla, a inferioridade de todo os rituais sacrificiais da antiga aliança. Portanto, a alusão ao Yom Kippur, em Hb 9:24-25, atesta a ineficácia tanto dos sacrifícios do Dia da Expiação quanto dos sacrifícios de inauguração e dos sacrifícios em geral, contrastando (em vez de igualando) com a oferta de Jesus.

A alusão ao Yom Kippur, em Hb 9:25, também aponta para uma transição de um sistema de vários sacrifícios e rituais17 17 A palavra “sistema” aqui se refere à antiga aliança, retratada pelo autor de Hebreus como uma aliança que incluía a prescrição de vários sacrifícios e rituais (9:9-10; “sacrifícios sempre repetidos” [10:1], oferecidos “a cada dia”, “com frequência os mesmos sacrifícios” [10:11]). Além do Yom Kippur, Hebreus menciona os rituais de purificação (9:10, 14, 22), os sacrifícios diários (7:27) e a cerimônia de inauguração da aliança (9:18-20) e do santuário (9:21). Que o autor está falando, de maneira genérica, de diversos rituais do culto da antiga aliança pode ser observado no uso das expressões “dons e sacrifícios” (dōron kaí thysía; 9:9) e “comida e bebidas e diferentes abluções” (brōma kaí póma kaí diáphoros baptismós; 9:10). A expressão “dons e sacrifícios” é uma referência genérica à atividade do sumo sacerdote (Hb 5:1; 8:3; 9:9) e usa duas palavras (dōron e thysía) que, na LXX, designam diversos tipos de sacrifícios e ofertas, em diversos tipos de rituais. Hebreus apresenta pares de termos sinônimos ou intercambiáveis: transgressão e desobediência (2:2), glória e honra (2:9), graça e misericórdia (4:16), orações e súplicas (5:7), e figura e sombra (8:5), e, provavelmente, esse é o caso em “dons e sacrifícios” (KOESTER, 2001, p. 376; COCKERILL, 2012, p. 355). Usados juntos, como em Hebreus, “dons e sacrifícios” funciona como uma fórmula, uma designação genérica para todos os tipos de sacrifícios (RIBBENS, 2013, p. 200; cf. KISTEMAKER, 1984, p. 130; SPICQ, 1952-1953, v. 2, p. 107; MOFFATT, 1924, p. 62; ATTRIDGE, 1989, p. 143; BRUCE, 1990, p. 89, n. 6; ELLINGWORTH, 1993, p. 274; KOESTER, 2001, p. 285). Por sua vez, a expressão “comidas e bebidas” (Hb 9:10) refere-se a todas as ofertas e rituais que envolviam alimentos, bebidas e refeições cultuais (Lv 2:1-15; 23:13; Ex 29:40-41; Lv 7:15; Ex 12). As “diversas abluções” (Hb 9:10) são práticas que acompanhavam os “dons e sacrifícios” (GUTHRIE, 1984, p. 173). A palavra “diversas” (diáforos) significa “diferentes” (LIDDELL; SCOTT, 1996, p. 419), e aqui parece ser uma referência genérica aos ritos de purificação que envolviam banhos e lavagens do corpo e das roupas (Ex 29:4; 30:17-21; 40:12; Lv 8:6; 11:40; 14:8, 9; 15:5-11, 13, 16, 21, 22, 27; 16:4, 24, 26, 28; 17:15; Nm 19:7, 8, 19; Dt 23:11). No primeiro século, as abluções rituais já haviam se multiplicado e adquirido importância (Mc 1:23). Assim, é provável que as “diversas abluções” estejam falando de todo os rituais de purificação em água, de maneira geral (GUTHRIE, 1984, p. 173-174). Isso torna as “abluções” tão genéricas quanto os “dons e sacrifícios” da antiga aliança. Essas expressões, quando tomadas em conjunto, revelam que Hebreus está falando de maneira ampla das práticas ritualísticas e sacrificiais relacionadas à religião judaica da antiga aliança, e, neste artigo, são chamadas de “sistema”. para uma aliança com um sacrifício singular, o de Cristo (9:25-28), e da transição de um acesso limitado a Deus para um acesso ilimitado no santuário celestial (9:24). A alusão ao Yom Kippur, em 9:25, também pode apontar para uma relação tipológica entre o sistema levítico e a obra de Jesus, ao comparar diretamente o ritual do Dia da Expiação com a ascensão de Jesus ao céu (9:24-26). Ao afirmar que Cristo entrou “perante a face de Deus” para “aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb 9:24-26 ARC), Hebreus sugere que o sacrifício de Cristo “é de fato um cumprimento tipológico dos sacrifícios do Dia da Expiação” (KUMA, 2010KUMA, H. V. A. Αἷμα in Hebrews. 2010. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2010., p. 241). Tudo isso está incluído em Hb 9:24-25. No entanto, a ênfase de Hebreus está na repetitividade do Yom Kippur, em contraste com a oferta única de Cristo.

3 O Yom Kippur, em Hb 9:24-25, localiza a expiação no céu

Há, inegavelmente, elementos sacrificiais tipológicos em Hebreus que são apresentados como cumpridos na cruz (cf. 7:27; 10:1, 4, 11-12). Segundo Johnsson (2016a, p. 123)JOHNSSON, W. G. Alusões ao dia da expiação. In: HOLBROOK, F. B. (Ed.). À luz de Hebreus: intercessão, expiação e juízo no Santuário Celestial. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2016a. p. 121-138., em Hebreus, todos os rituais de sacrifícios — sejam diários ou anuais, públicos ou privados — apontavam para a cruz e encontraram o cumprimento de seu aspecto sacrificial na morte de Cristo. Porém, conforme propõe Hebreus, outros aspectos destes rituais encontraram seu cumprimento no ministério sacerdotal de Cristo, após a cruz, no santuário celestial. Assim, o Yom Kippur teria um cumprimento inicial na cruz, especificamente o do seu aspecto sacrificial, mas a oferta seria apresentada no céu, na entrada de Cristo no santuário celestial.18 18 Na opção metodológica assumida neste artigo (ver o tópico 1), o conceito da literatura apocalíptica e mística judaica de um tabernáculo celestial existente no céu, e não o pensamento helenístico platônico, é considerado um importante pano de fundo conceitual para o sacerdócio e santuário celestiais em Hebreus (JAMIESON, 2017, p. 350). Hebreus não reflete o idealismo platônico ao falar do santuário celestial, mas compartilha o conceito de “templo escatológico do judaísmo apocalíptico, o templo que está no céu [...]” (BARRETT, 1956, p. 388, tradução nossa). Segundo Michel (1966, p. 288, tradução nossa), na cosmovisão do autor de Hebreus, “[o]s arquétipos celestiais têm existência real”, e não se trata de uma “[...] metafísica helenística nem uma desvalorização gnóstica do mundano humano a favor de uma autenticidade espiritual”. A própria ideia de um tabernáculo no céu já apresenta “uma concepção mais concreta e ‘realista’ do céu do que aquela que muitos estudiosos trazem para o texto” (JAMIESON, 2016, p. 581, tradução nossa; cf. HAYS, 2009, p. 171). Como a literatura apocalítica judaica, Hebreus também apresenta o santuário celestial como parte das “realidades celestes” (9:23), o “verdadeiro” tabernáculo (8:2). A diferença entre Hebreus e os textos apocalípticos seria o fato de que Jesus é o sacerdote, não os anjos. Portanto, na perspectiva do autor de Hebreus, o santuário celestial deve ser tão real como foi real a cruz onde a auto-oferta de Jesus começou (MACKIE, 2007, p. 159). Avaliar todas as implicações dessa visão sobre o autor de Hebreus está além dos objetivos deste artigo.

Enfatizando a repetição anual do Yom Kippur, Hb 9:24 e 25 focaliza especificamente a repetição da entrada no santuário terrestre, em contraste com a entrada única de Jesus no santuário celestial. A auto-oferta de Cristo tem como elemento essencial a entrada no santuário celestial. Ele sofreu “fora da porta” (Hb 13:12), ou seja, sua crucificação foi um evento terreno que lhe permitiu entrar no santuário celestial (MASON, 2008MASON, E. F. “You are priest forever”: second temple Jewish messianism and the priestly Christology of the epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2008., p. 35).

O verbo entrar (eisérchomai) é usado duas vezes em Hb 9:24-25, e está implícito duas vezes: Jesus não entrou (eisérchomai) num santuário feito por homens, mas (entrou) no próprio céu; nem (entrou) para se oferecer repetidas vezes, como o sumo sacerdote entra (eisérchomai) a cada ano no Santuário com sangue alheio.

Assim, em Hebreus, a entrada de Cristo no santuário celestial com seu próprio sangue – e não apenas sua morte na cruz – evidencia que sua oferta única foi superior. A atividade expiatória, portanto, começa na terra e termina no céu. Pesquisadores que defendem um modelo de expiação feita no céu (não apenas na cruz) apontam para a importância da entrada no santuário através do sangue, mas eles preferem se silenciar sobre a literalidade do sangue apresentado por Cristo no santuário celestial (MACKIE, 2007MACKIE, S. D. Eschatology and Exhortation in the Epistle to the Hebrews. Tübingen: Mohr Siebeck, 2007., p. 159, 167, 181-182; NELSON, 2003NELSON, R. D. “He Offered Himself”: Sacrifice in Hebrews. Interpretation, v. 57, n. 3, p. 251-265, 2003. Disponível em: <https://bit.ly/2GqSK9M>. Acesso em: 28 nov. 2019.
https://bit.ly/2GqSK9M...
, p. 256). A questão é que, na visão do autor de Hebreus, com sangue literal ou não, a entrada de Jesus santuário no celestial é a consumação da sequência sacrificial que começou na cruz, mas cuja oferta acontece no céu (MOFFITT, 2012MOFFITT, D. M. Blood, Life, and Atonement. In: HIEKE, Th.; NICKLAS, T. (Eds.). The Day of Atonement: Its Interpretations in Early Jewish and Christian Traditions. Leiden: Brill, 2012. p. 211-224., p. 211-224; WILLI-PLEIN, 2005WILLI-PLEIN, I. Some Remarks on Hebrews from the Viewpoint of Old Testament Exegesis. In: GELARDINI, G. (Ed.). Hebrews: Contemporary Methods — New Insights. Leiden: Brill, 2005. p. 25-36., p. 25-36; MILGROM, 1991MILGROM, J. Leviticus 1-16: a New Translation with Introduction and Commentary. New York: Doubleday, 1991., p. 1031-1035).

Ao descrever a obra de Jesus como um sacrifício único e como uma entrada única no santuário celestial, Hebreus está de acordo com o modelo do Primeiro Testamento, no qual a entrada sacerdotal no santuário não era um ato isolado do sacrifício da vítima no altar, e nem o sacrifício da vítima era um fim em si mesmo, mas era seguido da entrada no santuário com seu sangue. Os dois elementos – morte e entrada no santuário – são interdependentes.

Então, a oferta em Hb 9:25 tem relação com a entrada no santuário com sangue, pois, como no cerimonial levítico, a oferta não termina no abate da vítima, mas é seguida do ato sacerdotal de levar o sangue para o santuário. Mais especificamente, o ritual do Yom Kippur é um processo que engloba a morte da vítima e a aplicação do seu sangue no santuário. Dessa forma, a oferta de Jesus também é vista como um processo que envolve sua morte na cruz, seguida de sua entrada e apresentação dessa oferta no santuário celestial (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 108).

A oferta sacrificial de Jesus, em Hebreus, se completa quando ele entra na presença de Deus (9:24), uma representação de sua entrada no santuário com seu próprio sangue, e onde ocorre o ato de oferecer [prosférō, 9:25]). Alguns pesquisadores entendem que “comparecer diante de Deus” não está relacionado com o santuário (Ex 23:15, 17; Dt 16:16), mas seria uma referência à busca de ajuda divina por meio da oração (Sl 17:15 [16:15 LXX]; 27:8 [26:8 LXX]; 42:2 [41:3 LXX]) (ATTRIDGE, 1989ATTRIDGE, H. W. The Epistle to the Hebrews. Philadelphia: Fortress, 1989. (Hermeneia)., p. 263; SPICQ, 1952-1953, v. 2, p. 267-268; MACKIE, 2007MACKIE, S. D. Eschatology and Exhortation in the Epistle to the Hebrews. Tübingen: Mohr Siebeck, 2007., p. 98).

Contudo, em Hb 9:24, comparecer diante da face de Deus tem a ver com a entrada (eisérchomai) no santuário com sangue (en haimati; 9:25; cf. 9:22), e com o sacrifício e a oferta (prosférō [9:25], thysía [9:26]; prosférō [9:28]), temas que dominam o contexto (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 125, nota 199). A ressurreição19 19 Nas pesquisas em Hebreus, há uma tendência de suprimir o papel da ressurreição, colocando a entrada de Jesus no santuário celestial como um evento “espiritual” ou metafórico. No entanto, esse não parece ser o conceito do autor de Hebreus. Sobre a importância da ressurreição nessa argumentação, ver Moffitt (2011). e ascensão de Jesus fazem a conexão entre a morte sacrificial e a entrada no santuário celestial (MOFFITT, 2011MOFFITT, D. M. Atonement and the Logic of Resurrection in the Epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2011. (NovTSup 141).; CORTEZ, 2008CORTEZ, F. H. “The Anchor of the Soul that Enters within the Veil”: the Ascension of the “Son” in the Letter to the Hebrews. 2008. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2HFSeoL>. Acesso em: 23 jul. 2019.
https://bit.ly/2HFSeoL...
).

O sacrifício na cruz seria o expiatório, e o sacerdócio no santuário celestial seria a continuação do procedimento sacrificial que começou na cruz. Moffitt (2012, p. 211-224)MOFFITT, D. M. Blood, Life, and Atonement. In: HIEKE, Th.; NICKLAS, T. (Eds.). The Day of Atonement: Its Interpretations in Early Jewish and Christian Traditions. Leiden: Brill, 2012. p. 211-224. demonstra que, ao contrário do que a maioria dos intérpretes assumem, as referências ao sangue de Jesus em Hebreus nem sempre são referências exclusivas à morte de Jesus, mas também à sua apresentação do sangue no santuário celestial.

Quando Hebreus especifica o lugar onde Jesus oferece seu sacrifício, essa oferta sempre é localizada no céu. Não se trata de uma metáfora ou de uma espiritualização, mas de uma descrição de uma ascensão corporal de Jesus à presença celestial de Deus (o que pressupõe uma ressurreição corporal), onde Jesus pode apresentar sua oferta diante de Deus (segundo a descrição de Levítico) (MOFFITT, 2011MOFFITT, D. M. Atonement and the Logic of Resurrection in the Epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2011. (NovTSup 141)., p. 215-296)

Essa singular oferta de Jesus20 20 Apesar do texto não afirmar isso, essa oferta única de Cristo pode ser presumida em 9:25 com segurança por causa do nítido contraste com as múltiplas ofertas do sistema levítico. Essa diferenciação só faz sentido se a oferta de Jesus for única, singular. está ligada, em Hb 9:25, à apresentação de Cristo no santuário celestial, onde ele entrou “para comparecer [emfanizō], agora, por nós, diante de Deus”; 9:24). Essa apresentação é o mesmo acontecimento descrito em 9:26 (“se manifestou [prosférō] uma vez por todas”) (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 126). A aparição de Cristo em 9:26 está ligada à sua aparição no santuário celestial de v. 24 especialmente à luz do contexto cultual. O verso 28, então, toma essa linguagem da aparição e a utiliza no padrão do Dia da Expiação: o sumo sacerdote terrestre entrava no santuário para fazer expiação e depois saía. No caso de 9:28, Jesus entrou no santuário, mas ainda não saiu, e o autor de Hebreus aparentemente vincula essa saída à segunda vinda de Cristo. Logo, a auto-oferta de Cristo em Hb 9:24-25 é localizada no céu, pois depende de sua entrada e de sua apresentação no santuário celestial (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 126).21 21 Existem três textos que falam dessa apresentação de Jesus no contexto de 9:24-28: 1) no v. 24, Cristo aparece (emfanizō) na presença de Deus; 2) no v. 26, Cristo “se manifestou [faneróō] uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado”; 3) no v. 28, Cristo “aparecerá [horáō] segunda vez”, uma referência à sua segunda vinda.

Hb 9:25 evoca a aplicação do sangue no santuário ao comparar o ato de ofertar (prosférō) com o ato de entrar todo ano com sangue (en haimati) no tabernáculo. Além de entrar no santuário, Jesus ofereceu [prosférō] seu próprio sangue no santuário, um “sacrifício de si mesmo” (Hb 9:26), em vez de “sangue alheio”, como faziam os sumos sacerdotes levíticos. Aqui, a aplicação do sangue de Jesus está implícita, mas em Hb 12:24 é bem evidente, pois o sangue de Cristo é chamado de “sangue da aspersão” (haimati rhantismou).22 22 A apresentação/aplicação do sangue de Cristo no santuário celestial é indiscutivelmente apresentada em Hebreus. Por isso, Ribbens sugere que, em Hebreus, há uma correspondência de cultos, além de uma correspondência de santuários: Cristo entra no santuário celestial com sangue, apresenta-o como oferenda e o asperge no propiciatório (RIBBENS, 2016, p. 131-132). Esse duplo sentido de prosférō, referindo-se à entrada e à aplicação do sangue no santuário também está presente em 9:7.

Na LXX, prosférō também está estreitamente relacionado às duas dimensões de uma oferta: tanto a morte da vítima quanto a manipulação do sangue no santuário.23 23 Como afirma Barrett, na cruz “[a] redenção eterna já foi forjada [...], mas aguarda completa aplicação e cumprimento” (1956, p. 386; cf. p. 365, 384). O abate da vítima sacrificial é importante, mas o ritual de aplicação do sangue também é.24 24 Para Vis, a aplicação do sangue “é o passo mais importante” (2012, p. 258, grifo nosso). No ritual do santuário, geralmente, a morte do animal sem a aplicação do sangue não é capaz de fazer expiação (MOFFITT, 2011MOFFITT, D. M. Atonement and the Logic of Resurrection in the Epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2011. (NovTSup 141)., p. 293).25 25 Para uma apresentação panorâmica dessa linha de interpretação e seus principais proponentes, ver Malheiros (2016, p. 73-103).

Mantendo a correspondência entre o tabernáculo terrestre e seu arquétipo celestial (Hb 8:2-3; 9:11-12), é natural concluir, como faz Hebreus, que “[...] em ambos os sacrifícios [terrestre e celestial], o sangue é o agente da expiação [...]” (HABER, 2005HABER, S. From Priestly Torah to Christ Cultus: the Re-Vision of Covenant and Cult in Hebrews. Journal for the Study of the New Testament, Thousand Oaks, v. 28, n. 1, p. 105-124, 2005. Disponível em: <https://bit.ly/2IQHeK8>. Acesso em: 27 dez. 2019.
https://bit.ly/2IQHeK8...
, p. 117). Assim, o céu também deve ser visto como o lugar da oferta do sangue de Jesus, onde ele atua como sacerdote em seu ritual de expiação em ta hágia (santuário).

À luz de Hebreus, parece ser reducionismo restringir a tipologia sacrificial e ritualística à cruz, desconsiderando o que acontece após ela, no céu, pois: 1) nos textos em que o sujeito é a morte de Jesus (Hb 2:9-14; 5:7-10; 6:6; 9:15; 12:2; 13:11-13), o verbo prosférō e semelhantes não aparecem (exceto em Hb 13:11, onde é usado eisférō, que, contudo, se refere à entrada no santuário com o sangue de animais, e não à morte de Jesus); e 2) prosférō descreve a entrada de Jesus no céu como o evento-chave, em vez de sua morte (Hb 9:7, 25) (DAVIES, 1968DAVIES, J. H. The Heavenly Work of Christ in Hebrews. In: CROSS, Frank L. (Ed.). Studia Evangelica: Papers presented to the Third International Congress on New Testament Studies held at Christ Church, Oxford, 1965. Part I: The New Testament Scriptures. Berlin: Akademie-Verlag, 1968. v. IV, p. 384-389., p. 386-387).

A tendência de alguns estudiosos de rejeitar que Hebreus traz o conceito de que Jesus entrou num santuário celestial com sangue, ou as interpretações metafóricas desse evento, se deve mais às noções enviesadas de um santuário celestial platônico do que à análise do texto dentro de sua moldura conceitual (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 130). Portanto, a alusão ao Yom Kippur em Hb 9:25 indica que, para o autor de Hebreus, a oferta de Cristo é um processo que inclui a morte da vítima, a entrada e a aplicação do sangue no santuário (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 132; MOFFITT, 2011MOFFITT, D. M. Atonement and the Logic of Resurrection in the Epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2011. (NovTSup 141)., p. 224; NELSON, 2003NELSON, R. D. “He Offered Himself”: Sacrifice in Hebrews. Interpretation, v. 57, n. 3, p. 251-265, 2003. Disponível em: <https://bit.ly/2GqSK9M>. Acesso em: 28 nov. 2019.
https://bit.ly/2GqSK9M...
, p. 255).

4 O Yom Kippur traz a escatologia à tona

A alusão ao Yom Kippur, em Hb 9:25, faz emergir elementos escatológicos, também presentes nas referências ao Dia da Expiação na literatura apocalíptica judaica. O Yom Kippur era entendido “como uma antecipação ritual da purificação escatológica do pecado da criação de Deus” (BEN EZRA, 2003BEN EZRA, D. S. The Impact of Yom Kippur on Early Christianity: the Day of Atonement from Second Temple Judaism to the Fifth Century. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003., p. 89; cf. p. 7, 41, 78, 81-82, 90, 95, 196, 226, 329-330). E Hebreus traz à tona a escatologia vinculada à alusão ao Yom Kippur em: “agora, porém, ao se cumprirem os tempos [synteleia tōn aiōniōn], se manifestou uma vez por todas, para aniquilar [athetēsis], pelo sacrifício de si mesmo, o pecado” (Hb 9:26). Em outras palavras, Hebreus apresenta Jesus como sumo sacerdote no santuário celestial, no tempo presente, e, no Novo Testamento, a locução “synteleia tōn aiōniōn” é evidentemente escatológica (Mt 13:39, 40, 49; 24:3; 28:20).

O contexto imediato da alusão ao Yom Kippur em Hb 9:25 também evoca uma cena de juízo em 9:26, com o substantivo athetēsis, um “termo técnico legal” (GINGRICH, DANKER, 2012GINGRICH; F. Wilbur; DANKER, F. W. Léxico do Novo Testamento grego/português. São Paulo: Vida Nova, 2012., p. 13; Hb 7:18). É declarado que Jesus se manifestou de uma vez por todas na consumação dos séculos para anular o pecado. Por volta do primeiro século, o juízo era uma tema que fazia parte do imaginário judaico em torno do Yom Kippur, que era entendido, na literatura apocalíptica judaica e rabínica, como um dia de juízo e de remoção do pecado, uma expiação escatológica (BEN EZRA, 2003BEN EZRA, D. S. The Impact of Yom Kippur on Early Christianity: the Day of Atonement from Second Temple Judaism to the Fifth Century. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003., p. 36, 52, 57, 80-83, 87-88, 91, 94, 121-124, 140).

Por exemplo, uma cena de juízo, em 1Enoque 10, traz uma figura demoníaca chamada Azazel que é presa no deserto (o que remete ao bode para Azazel, que era levado ao deserto no Yom Kippur, de Levítico 16), e o texto diz que “toda a terra foi corrompida através das obras que foram ensinadas por Azazel: a ele atribuem todo pecado”. Há uma cena de juízo no Testamento de Moisés 10:1-8, em que anjos levam incenso (uma ação sacerdotal) e Deus sai do santuário celestial “com indignação e ira” para punir os ímpios e trazer felicidade a Israel, uma possível referência à saída do sumo sacerdote do santuário ao final do Dia da Expiação. O Yom Kippur é vinculado ao ano jubileu e ao julgamento de Belial, nos escritos de Qumran (11QMelq) (FILHO, 2005FILHO, J. A. Expectativas messiânicas sacerdotais no judaísmo e as origens da cristologia. Oracula, São Bernardo do Campo, v. 1, n. 1, p. 20-27, 2005.). O Tosefta, Rosh HaShanah 1:12 (c. séc. II) afirma: “Pois no dia de ano novo [Rosh HaShanah] todos os homens são julgados, e o decreto é selado no Yom Kippur. [...] e o julgamento do homem é selado no Yom Kippur”.26 26 Texto hebraico disponível em: <https://bit.ly/2EheUNh>. Acesso em: 17 abr. 2019. Cf. o texto sobre o Dia do Juízo na Enciclopédia Judaica, disponível em: <https://bit.ly/2W4XRs3>. Acesso em: 17 abr. 2019.

Nesse contexto de juízo do Yom Kippur, em Hebreus, a remoção (athetēsis) do pecado não se refere apenas ao castigo pelo pecado, mas inclui a remoção messiânica e escatológica do próprio pecado, uma redenção escatológica, já destacada nas tradições apocalípticas27 27 Por exemplo, Testamento de Levi 18:9; cf. 1Enoque 62:7-8; Salmos de Salomão 17:26, 36, 41. (1Pe 1:20; 1Jo 3:5). Essa noção de remoção do pecado está de acordo com o sentido legal de athetēsis (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 221).

Há outra referência ao juízo em Hb 9:27: “E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo”. Em Hebreus, o “juízo eterno” é considerado uma das doutrinas cristãs básicas (Hb 6:1). O livro se refere ainda a um futuro julgamento (9:27; 10:30-31; 12:25-27) e afirma que Deus é “Juiz de todos” (12:23) e que resta apenas “expectação horrível de juízo” (10:27) aos que pecam deliberadamente. Também há referências e alusões ao juízo escatológico em 2:2-4; 4:1-3; 6:7-12; e uma prestação de contas com Deus está anunciada em 4:12-13 e 6:10.

Por fim, Hb 9:28 fala das consequências da purificação celestial remetendo ao final do ritual do Dia da Expiação, quando o sumo sacerdote saía do santuário para abençoar o povo: “assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação”.28 28 Aqui há uma repentina mudança de tema: da inauguração para o juízo final. Essa súbita mudança ocorre também em Hb 10:19-24: da inauguração do novo e vivo caminho (enkainizō; 10:20) para a advertência de que o dia do juízo está chegando. Na literatura profética hebraica, o “dia do Senhor” era um dia de juízo (Jl 2:1-2; Am 5:18; Ml 3:2), mas Hebreus pode estar se referindo sutilmente ao Yom Kippur escatológico (KUMA, 2010, p. 241-242; MOORE, 2019, p. 247; DAVIDSON, 2001, p. 188.). Dessa forma, a alusão ao Yom Kippur em 9:25 também remete ao juízo e à redenção escatológica (em 9:26-28).

5 O Yom Kippur como sinédoque e amplificatio

Hebreus usa o Yom Kippur como sinédoque – o representante de todos os rituais e sacrifícios da antiga aliança (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 1), por ser o “sábado dos sábados [sábbata sabbátōn]” (Lv 16:31 LXX), o “maior festival”, segundo Fílon,29 29 De specialibus legibus 2:194: “[...] heortōn tēn megístēn [...]”. e o dia da expiação mais abrangente, de acordo com o Talmud babilônico.30 30 “[...] todas as transgressões na Torá, se alguém se arrependeu ou não se arrependeu, o Yom Kippur expia” (Yomá 85b.11, cf. 85b.12). Disponível em: <https://bit.ly/30E71uZ>. Acesso em 23 abr. 2019.

A estratégia retórica possivelmente é usar uma sinédoque para elaborar uma amplificatio,31 31 Sobre a amplificatio, ver Lausberg (1998, p. 189-240) e Kennedy (1984, p. 7, 21-22, 53). que consiste em comparar o que está sendo defendido com exemplos contrários muito menores ou com os melhores exemplos contrários — em ambos os casos, o resultado deverá ser a “ampliação” do que se defende (CORTEZ, 2008CORTEZ, F. H. “The Anchor of the Soul that Enters within the Veil”: the Ascension of the “Son” in the Letter to the Hebrews. 2008. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2HFSeoL>. Acesso em: 23 jul. 2019.
https://bit.ly/2HFSeoL...
, p. 412-413, nota 2; OLBRICHT, 2001OLBRICHT, Th. H. Hebrews as Amplification. In: PORTER, S. E.; OLBRICHT, Th. H. (Eds.). Rhetoric and the New Testament: Essays from the 1992 Heidelberg Conference. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2001. p. 375-389., p. 381-387).

Por vezes, na retórica greco-romana, a amplificatio era feita a partir do comparativo entre uma pessoa com outra pessoa excepcional, com a intenção de mostrar que aquela pessoa tinha virtudes comparáveis, ou até superiores, às da pessoa importante. Segundo Aristóteles:

resulta amplificado e belo se se mostrar melhor que os virtuosos. A amplificação enquadra-se logicamente nas formas de elogio, pois consiste em superioridade e a superioridade é uma das coisas belas. Pelo que, se não é possível comparar alguém com pessoas de renome, é pelo menos necessário compará-lo com as outras pessoas, visto que a superioridade parecer revelar a virtude

(ARISTÓTELES, 1998ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998., p. 129-130).

Em suma, a amplificatio poderia ser elaborada fazendo aquilo que está sendo defendido parecer maior ao compará-lo a exemplos contrários inferiores, ou fazê-lo parecer ainda maior ao mostrar que é indubitavelmente superior ao melhor exemplo contrário disponível (ARISTÓTELES, 1972ARISTÓTELES. Prose style (Rhetoric 3). In: RUSSELL, D. A.; WINTERBOTTOM, M. (Eds.). Ancient Literary Criticism: the Principal Texts in New Translations. Oxford: Oxford University Press, 1972. p. 134-170., p. 158, 165-166, 169-170; QUINTILIANO, 1972QUINTILIANO. Types of oratory (Quintilian 12. 10). In: RUSSELL, D. A.; WINTERBOTTOM, M. (Eds.). Ancient Literary Criticism: the Principal Texts in New Translations. Oxford: Oxford University Press, 1972. p. 404-416., p. 414; LONGINO, 1972LONGINO. “Longinus”, On Sublimity. In: RUSSELL, D. A.; WINTERBOTTOM, M. (Eds.). Ancient Literary Criticism: The Principal Texts in New Translations. Oxford: Oxford University Press, 1972. p. 460-503., p. 474).

No caso de Hebreus, a oferta de Cristo é comparada ao ritual mais importante da antiga aliança – o Yom Kippur. A amplificatio é utilizada como estratégia retórica na alusão de 9:25 e em 10:1-4. Hebreus resume no Yom Kippur as fraquezas da antiga aliança (sinédoque), transformando o ponto máximo do cerimonial levítico num representante de sua ineficiência. Nessa amplificatio, a superioridade de Jesus fica ainda mais aparente quando sua oferta e seu sacerdócio celestiais são comparados ao Yom Kippur terreno.

Sendo uma “palavra de exortação” (Hb 13:22), em Hebreus, todas as seções explicativas “servem [...] ao propósito exortativo de toda a obra” (FILHO, 2014FILHO, J. A. Exposição e parênese como problema literário-teológico: um estudo da estrutura literária de Hebreus. Reflexus, Vitória, v. VIII, n. 11, p. 91-125, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/2VHDIEe>. Acesso em: 22 jan. 2019.
https://bit.ly/2VHDIEe...
, p. 122). A exposição da superioridade de Jesus, seu sacerdócio e sua oferta no santuário celestial “oferecem a motivação para uma obediência ativa e perseverança na corrida até a cidade eterna” (FILHO, 2014FILHO, J. A. Exposição e parênese como problema literário-teológico: um estudo da estrutura literária de Hebreus. Reflexus, Vitória, v. VIII, n. 11, p. 91-125, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/2VHDIEe>. Acesso em: 22 jan. 2019.
https://bit.ly/2VHDIEe...
, p. 122). Especificamente, a alusão ao Yom Kippur, em Hb 9:24-25, provê o elemento ideal para ser comparado e contrastado com a superioridade da oferta de Cristo, e isso servirá como base do encorajamento que será dado no capítulo 10.

Conclusão

O Yom Kippur é usado, em Hb 9:24-25, para exibir a debilidade da antiga aliança, apontar a natureza repetitiva e ineficaz dos sacrifícios em geral. Em vez de ser um tipo do que teria sido o sacrifício de Jesus, o Yom Kippur opera no texto como uma personificação das imperfeições do antigo sistema levítico. Após a análise do argumento do autor de Hebreus, este artigo sugere, em conclusão, que o Yom Kippur, mais importante rito do cerimonial levítico, é identificado pela repetição e ineficiência, sintetizando assim as fragilidades da antiga aliança e de seus rituais, e amplificando a superioridade do sacrifício de Cristo.

Curiosamente, esse ritual é criticado pelo autor de Hebreus pelos mesmos aspectos negativos que ele aponta na antiga aliança: (1) a incapacidade de trazer perfeição (7:11, 19; 9:9; cf. 10:1); (2) o fato de se apoiar no sangue de animais (9:12, 13, 19; cf. 10:4); (3) a repetitividade dos sacrifícios (7:27; 10:11; cf. 9:25; 10:1, 3). Hebreus afirma que a antiga aliança continha “[...] oferendas e sacrifícios sem eficácia para aperfeiçoar a consciência de quem presta o culto” (9:9; grifo nosso); e que o antigo sistema era “incapaz [...] de levar à perfeição” (Hb 10:1; grifo nosso; cf. vv. 1-18), mesmo nos sacrifícios do Yom Kippur (“[...] sempre repetidos, oferecidos sem fim a cada ano” [10:1; grifo nosso]).

A alusão ao Yom Kippur, em Hb 9:24-25 também localiza a expiação no céu. Isso está alinhado às conclusões de recentes pesquisas que sugerem que Hebreus traz um conceito de expiação que enfatiza a necessidade de aplicação do sangue após o abate da vítima sacrificial. E é por isso que o livro considera a entrada de Cristo no santuário celestial como um evento crítico no processo da expiação que começa na terra e culmina no céu. Nesse aspecto, as funções do Yom Kippur no argumento de Hebreus ainda esperam pela atenção de mais pesquisadores, a fim de chegar a uma visão cada vez mais acurada.

No contexto de 9:24-25, a alusão ao Yom Kippur também aponta para um Dia da Expiação escatológico e para um juízo. Essa prefiguração tipológica, no entanto, parece não ser o foco do autor de Hebreus. Como Ben Ezra (2003, p. 193)BEN EZRA, D. S. The Impact of Yom Kippur on Early Christianity: the Day of Atonement from Second Temple Judaism to the Fifth Century. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003. aponta, é claro que Hebreus “não pretendia fornecer uma tipologia completa do Yom Kippur”, concentrando-se especialmente “no ritual de sangue do Dia da Expiação e não em toda a festa” (CORTEZ, 2006CORTEZ, F. H. From the Holy to the Most Holy Place: the Period of Heb 9:6-10 and the Day of Atonement as a Metaphor of Transition. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 125, n. 3, p. 527-547, 2006., p. 528). Hebreus é bem “seletivo em seu uso dos regulamentos do Dia da Expiação, usando apenas os itens essenciais” (LINDARS, 1991LINDARS, B. The theology of the Letter to the Hebrews. Cambridge: Cambridge University Press, 1991., p. 92).

A análise da estratégia retórica da obra revela que o autor não quer tanto ensinar a tipologia dos detalhes do Yom Kippur, mas, por meio de comparações e de contrastes, quer atestar a preeminência da oferta e do sacerdócio de Jesus no santuário celestial, com o propósito de estimular os destinatários da mensagem. Se, em Hebreus, houver alguma tipologia no uso do simbolismo do Yom Kippur, é um instrumento para atingir um objetivo retórico, sendo utilizada para reforçar este ponto exortativo, e não um fim em si mesmo.

Na leitura de Hebreus, é essencial procurar manter o Dia da Expiação o mais próximo possível da perspectiva do autor, conforme exposta no texto. As leituras que enxergam alusões ao Yom Kippur em qualquer lugar de Hebreus e as tentativas de fazer aplicações tipológicas generalizadas em textos onde os elementos desse ritual não são evidentes podem distorcer o argumento do autor.

Em síntese, Hebreus emprega a imagem do Yom Kippur em 9:24-25 como uma ilustração impressionante da incapacidade da primeira aliança, que, por contraste, destaca a primazia e eficácia do sacrifício de Cristo e de sua nova aliança. E tudo isso serve como premissa teológica e retórica para admoestar e animar os cristãos a se aproximarem e entrarem no santuário (10:19-22). A alusão ao Dia da Expiação em Hb 9:24-25 ajuda a esclarecer o contexto imediato, que fala da transição para uma aliança superior, ampliando o poder retórico desse argumento.

    Siglas
  • ARA  Almeida Revista e Atualizada
  • ARC  Almeida Revista e Corrigida
  • NVI  Nova Versão Internacional
  • NVT  Nova Versão Transformadora
  • NAA  Nova Almeida Atualizada
  • 1
    Algumas versões em português (por ex., ARA, NVI, NVT e NAA) e alguns comentaristas (por ex., ATTRIDGE, 1989ATTRIDGE, H. W. The Epistle to the Hebrews. Philadelphia: Fortress, 1989. (Hermeneia)., p. 245; CODY, 1960CODY, A. Heavenly Sanctuary and Liturgy in the Epistle to the Hebrews: the Achievement of Salvation in the Epistle’s Perspective. St. Meinrad: Grail, 1960., p. 170-202; ELLINGWORTH, 1993ELLINGWORTH, P. The Epistle to the Hebrews: a Commentary on the Greek Text. Grand Rapids: Eerdmans, 1993. (The New International Greek Testament Commentary)., p. 445- 448; JAMIESON, 2019JAMIESON, R. B. Jesus’ Death and Heavenly Offering in Hebrews. Cambridge: Cambridge University Press, 2019., p. 48; LANE, 1991LANE, W. Hebrews 1-8. Dallas: Word Books, 1991. (Word Bible Commentary, 47ª)., p. cxxiv; MORRIS, 1983MORRIS, L. Hebrews. Grand Rapids: Zondervan, 1983. (Bible Study Commentary)., p. 84; SPICQ, 1952-1953SPICQ, C. L’Épitre aux Hébreux. Paris: J. Gabalda et Cie. Éditeurs, 1952-1953. 2 v., v. 2, p. 257; WILSON, 1987WILSON, R. M. Hebrews. Grand Rapids: Eerdmans, 1987. (The New Century Bible Commentary)., p. 149-153) indicam apenas a entrada específica no Santo dos santos em 9:24-25. Entretanto, no Yom Kippur, o sumo sacerdote entrava no “santuário” (ta hágia), inclusive no Santo dos santos. Ambos os compartimentos, Lugar Santo e Lugar Santíssimo, estavam envolvidos (cf. Lv 16:14-20).
  • 2
    Para identificar uma alusão, esta pesquisa utilizará os critérios propostos por Beale (2013, p. 55-65)BEALE, G. K. Manual do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento: exegese e interpretação. São Paulo: Vida Nova, 2013., explicados no tópico seguinte à introdução.
  • 3
    Salvo indicação contrária, as citações do texto bíblico neste artigo utilizarão a versão da Bíblia de Jerusalém.
  • 4
    O Primeiro Testamento frequentemente apresenta um vínculo entre os temas da aliança e do santuário celestial, como evidencia Brasil de Souza (2005, p. 489-491)BRASIL DE SOUZA, E. The Heavenly Sanctuary/Temple Motif in the Hebrew Bible. 2005. Tese (Doutorado em Teologia) – Andrews University, Berrien Springs, 2005..
  • 5
    Algumas diferenças entre os relatos de inauguração são: 1) Hebreus 9:19 fala do sacrifício de móschos (bezerro) e trágos (bodes), enquanto Êxodo 24 fala em moschárion (novilhos, 24:5; cf. 29:1, 3, 36); 2) Hebreus 9:19 afirma que Moisés aspergiu o livro e o povo com “água, e lã tinta de escarlate, e hissopo”, enquanto Êxodo não menciona esses itens (que aparecem em outros rituais); 3) De acordo com Hebreus 9:20, Moisés disse: “Este é o sangue do testamento que Deus vos tem mandado [touto to haima tēs diathēkēs hēs eneteilato prós hymas ho theos]” (ARC). Por sua vez, a LXX traz a declaração em Ex 24:8: “Eis o sangue do pacto que o Senhor fez convosco [idou to haima tēs diathēkēs hēs diétheto kyrios pros hymas]”; 4) Hebreus (9:19-21) relata que Moisés aspergiu sangue no livro, no povo, no tabernáculo e em todos os seus utensílios. Porém, Êxodo menciona apenas a aspersão do altar e do povo; 5) Hebreus afirma que Moisés usou sangue para consagrar o santuário e sua mobília, enquanto o relato de Êxodo diz que Moisés usou azeite (Ex 40:9, 10; cf. Lv 8:10-11) (MOORE, 2019MOORE, M. Na corte celestial. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2019., p. 245).
  • 6
    A fim de manter o foco no problema proposto, esta pesquisa não dedicará espaço às questões introdutórias sobre Hebreus (autoria, data, destinatários), apenas assumirá que se trata de uma obra da segunda metade do primeiro século, de autoria não declarada, destinada a cristãos que vieram do judaísmo (judeus de nascimento ou prosélitos) (BLACK, 1961BLACK, Matthew. The Scrolls and Christian Origins: Studies in the Jewish Background of the New Testament. New York: Charles Scribner’s Sons, 1961., p. 78).
  • 7
    Hebreus tem características de uma peça de oratória com propósito exortativo, ou, como diz sua autodescrição: é uma “palavra de exortação” (13:22). Estudiosos identificam Hebreus como “tratado ou sermão” (RÜPKE, 2016RÜPKE, J. Starting Sacrifice in the Beyond: Flavian Innovations in the Concept of Priesthood and Their Reflections in the Treatise “To the Hebrews”. In: GELARDINI, G.; ATTRIDGE, H. W. (Eds.). Hebrews in Contexts. Leiden: Brill, 2016. p. 109-132., p. 109), “sermão” (WHITLARK, 2016WHITLARK, J. A. The God of Peace and His Victorious King: Hebrews 13:20–21 in Its Roman Imperial Context. In: GELARDINI, Gabriella; ATTRIDGE, H. W. (Eds.). Hebrews in Contexts. Leiden: Brill, 2016. p. 155-180., p. 155; COCKERILL 2012COCKERILL, G. L. The Epistle to the Hebrews. Grand Rapids: Eerdmans, 2012. (NICNT)., p. 70; SCHENCK, 2003SCHENCK K. Understanding the Book of Hebrews: the Story behind the Sermon. Louisville: Westminster John Knox, 2003.) e “homilia” (BOYARIN, 2016BOYARIN, D. Midrash in Hebrews/Hebrews as Midrash. In: GELARDINI, G.; ATTRIDGE, H. W. (Eds.). Hebrews in Contexts. Leiden: Brill, 2016. p. 15-30., p. 16; SWETNAM, 1969SWETNAM, J. On the Literary Genre of the ‘Epistle’ to the Hebrews. Novum Testamentum, Leiden, v. 11, p. 261-269, 1969., p. 261-269; GELARDINI, 2005GELARDINI, G. H., and Ancient Synagogue Homily for Tisha Be- Av: Its Function, Its Basis, Its Theological Interpretation. In: GELARDINI, G. (Ed.). Hebrews: Contemporary Method – New Insights. Leiden: Brill, 2005. p. 107-226., p. 107-127)
  • 8
    A aplicação desse critério requer que o texto estivesse acessível ao autor de Hebreus (não necessariamente aos leitores), o que pode ser evidenciado pela quantidade de alusões, ecos, tipos e citações do Primeiro Testamento (especificamente, da LXX). A evidência interna sugere que o autor era uma pessoa educada, conhecedora das Escrituras e do pensamento de seu tempo (MCCULLOUGH, 1994MCCULLOUGH, J. C. Hebrews in recent scholarship (Part 1). Irish Biblical Studies, Belfast, v. 16, n. 2, p. 66-87, 1994., p. 72). A forte influência do Primeiro Testamento sobre Hebreus é um aspecto “óbvio” (GUTHRIE, 1984GUTHRIE, D. Hebreus: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984., p. 35), e nenhuma outra fonte pode ser apontada como principal influência direta ou formativa sobre o autor (WILSON, 1987WILSON, R. M. Hebrews. Grand Rapids: Eerdmans, 1987. (The New Century Bible Commentary)., p. 19, 27; BRUCE, 1987BRUCE, F. F. La Epistola a los Hebreos. Grand Rapids-Buenos Aires: Nueva Creación, 1987., p. xlix [nota 116], 215 [nota 137]; GUTHRIE, 1984GUTHRIE, D. Hebreus: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984., p. 36; GUTHRIE, 2004GUTHRIE, G. H. Hebrews in its First-Century Contexts: Recent Research. In: MCKNIGHT, S.; OSBORNE, G. R. (Eds). The Face of New Testament Studies: a Survey of Recent Research. Grand Rapids: Baker, 2004. p. 414-443., p. 272).
  • 9
    De acordo com o critério de Beale (2013, p. 55-65)BEALE, G. K. Manual do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento: exegese e interpretação. São Paulo: Vida Nova, 2013., os leitores deveriam apenas ter a capacidade de reconhecer o conteúdo da alusão, e, para isso acontecer, o leitor não precisava necessariamente ser proprietário de um manuscrito do Primeiro Testamento, bastava ter acesso ao conteúdo do texto, o que poderia ocorrer, por exemplo, no contexto da educação familiar (VAUX, 2003VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003., p. 72-73; STEGEMANN; STEGEMANN, 2001STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. Historia social del cristianismo primitivo. Estella: Verbo Divino, 2001., p. 188, cf. p. 194) e das sinagogas, que eram dedicadas “tanto para a leitura pública da Torá e para o ensino dos mandamentos, como para a instrução das crianças” (STEGEMANN; STEGEMANN, 2001STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. Historia social del cristianismo primitivo. Estella: Verbo Divino, 2001. p. 193, tradução nossa). Para reconhecer a alusão ao Yom Kippur em Hb 9:24-25, o destinatário deveria saber que se tratava de um evento anual que envolvia a entrada do sumo-sacerdote no santuário (principalmente no Santo dos Santos). É razoável supor que tal conhecimento estava acessível até mesmo às pessoas do estrato social inferior em sua limitada educação (DANIEL-ROPS, 2008DANIEL-ROPS, H. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 2008., p. 79). Apesar da exata identificação dos destinatários de Hebreus ser incerta, a evidência interna do livro sugere que não eram neófitos (5:12), mas já eram cristãos por tempo suficiente para demonstrarem maturidade maior do que demonstravam na época (5:11-6:3). Os destinatários poderiam ter sido tanto judeus quanto gentios que conheciam suficientemente o conteúdo do Primeiro Testamento, a fim de reconhecer as alusões ao Yom Kippur em Hebreus.
  • 10
    Sobre o conceito de santuário celestial que o autor de Hebreus sustenta (metáfora ou realidade?), há diferentes linhas de interpretação, a partir da suposição de qual seria a moldura conceitual da cosmologia e da ontologia de Hebreus. Dentre as principais propostas, uma linha entende que o santuário celestial de Hebreus é metafórico ou espiritualizado, apresentado como um conceito noético, em linhas filônicas/platônicas (por ex.: Moffatt [1924]MOFFATT J. A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to the Hebrews. New York: Continuum, 1924., Montefiore [1964]MONTEFIORE, H. W. A Commentary on the Epistle to the Hebrews. New York: Harper; London: Black, 1964.; Smith [1969]SMITH, J. A Priest Forever: a Study of Typology and Eschatology in Hebrews. London: Sheed & Ward, 1969.; Spicq [1952-1953]SPICQ, C. L’Épitre aux Hébreux. Paris: J. Gabalda et Cie. Éditeurs, 1952-1953. 2 v.; Thompson [1982]THOMPSON, J. W. The Beginnings of Christian Philosophy: the Epistle to the Hebrews. Washington: The Catholic Biblical Association of America, 1982.; Thompson [2011]THOMPSON, J. W. What Has Middle Platonism to Do with Hebrews? In: MASON, E. F.; MCCRUDEN, K. B. (Eds.). Reading the Epistle to the Hebrews: a resource for students. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2011. p. 35-52.; Thurston [1986]THURSTON, R. W. Philo and the epistle to the Hebreus. The Evangelical Quarterly, Leiden, v. 58, n. 2, p. 133-143, 1986.; Westcott [1952])WESTCOTT, B. F. The Epistle to the Hebrews: the greek text with notes and essays. Grand Rapids: Eerdamns, 1952.. Outros autores entendem que Hebreus reflete a perspectiva encontrada no Primeiro Testamento e na literatura apocalíptica judaica, apresentando o santuário como uma realidade espaço-temporal, localizada no céu e em plena atividade, divergindo da estrutura conceitual filônica/platônica. Para uma exposição dessa linha de interpretação, ver, por ex., Adams (2009, p. 131)ADAMS, E. The Cosmology of Hebrews. In: BAUCKHAM, Richard et al (Eds). Epistle to the Hebrews and Christian Theology. Grand Rapids: Eerdmans, 2009. p. 122-139., Barnard (2012, p. 134)BARNARD, J. A. The Mysticism of Hebrews: Exploring the Role of Jewish Apocalyptic Mysticism in the Epistle to the Hebrews. Tübingen: Mohr Siebeck, 2012., Barrett (1956, p. 388), Beale (2004, p. 325-326, 329)BEALE, G. K. The Temple and the Church’s Mission: a Biblical Theology of the Dwelling Place of God. Downers Grove: InterVarsity, 2004., Buchanan (1972, p. 134)BUCHANAN, G. W. To the Hebrews. New York: Doubleday, 1972., Clowney (1973, p. 177, 182-183)CLOWNEY, E. P. The Final Temple. Westminster Theological Journal, Glenside, v. 35, p. 156-189, 1973., Filtvedt (2015, p. 280-303)FILTVEDT, O. J. Creation and Salvation in Hebrews. Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft, v. 106, n. 2, p. 280-303, 2015., Johnsson (2016b, p. 47-63)JOHNSSON, W. G. O santuário celeste: figurativo ou real? In: HOLBROOK, F. B. (Ed.). À luz de Hebreus: intercessão, expiação e juízo no santuário celestial. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2016b. p. 47-65., Laansma (2008, p. 139, 143)LAANSMA, J. The Cosmology of Hebrews. In: PENNINGTON, J. T.; MCDONOUGH, S. M. (Eds). Cosmology and New Testament Theology. London: T&T Clark, 2008. p. 125-143., Mackie (2007, p. 159)MACKIE, S. D. Eschatology and Exhortation in the Epistle to the Hebrews. Tübingen: Mohr Siebeck, 2007., Mason (2008, p. 39)MASON, E. F. “You are priest forever”: second temple Jewish messianism and the priestly Christology of the epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2008., Moffitt (2011, p. 218, 220)MOFFITT, D. M. Atonement and the Logic of Resurrection in the Epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2011. (NovTSup 141)., Pursiful (1993, p. 70)PURSIFUL, D. J. The Cultic Motif in the Spirituality of the Book of Hebrews. Lewiston: Mellen Biblical, 1993., Ribbens (2013, p. 70, 132-174)RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. 2013. 391f. Tese (Doutorado) — Wheaton College, Wheaton, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2IjSGwG>. Acesso em: 18 jul. 2019.
    https://bit.ly/2IjSGwG...
    , Walker (1996, p. 203 [nota 12], 204)WALKER, P. W. L. Jesus and the Holy City: New Testament Perspectives on Jerusalem. Grand Rapids, Eerdmans, 1996.; Willi-Plein (2005, p. 33-34)WILLI-PLEIN, I. Some Remarks on Hebrews from the Viewpoint of Old Testament Exegesis. In: GELARDINI, G. (Ed.). Hebrews: Contemporary Methods — New Insights. Leiden: Brill, 2005. p. 25-36.; Malheiros (2017, p. 49-71)MALHEIROS, I.. Hebreus e o santuário no céu. Vox Scripturae, v. 25, n. 1, p. 49-71, 2017.. Essa linha de interpretação (adotada neste artigo) entende que, na perspectiva do autor de Hebreus, o santuário celestial não é metáfora nem “espiritualização” (CLOWNEY, 1973CLOWNEY, E. P. The Final Temple. Westminster Theological Journal, Glenside, v. 35, p. 156-189, 1973., p. 177, 182-183), e Jesus é tratado no texto como um sumo sacerdote “não apenas num nível ‘metafórico’, mas literalmente” (WALKER, 1996WALKER, P. W. L. Jesus and the Holy City: New Testament Perspectives on Jerusalem. Grand Rapids, Eerdmans, 1996., p. 203, nota 12).
  • 11
    O conceito de “verdadeiro” provavelmente inclui mais do que “mera verdade moral e cognitiva, mas também a ideia de ‘autêntico’ no sentido histórico-redentivo” (BEALE, 2004BEALE, G. K. The Temple and the Church’s Mission: a Biblical Theology of the Dwelling Place of God. Downers Grove: InterVarsity, 2004., p. 326, tradução nossa), e a linguagem utilizada por Hebreus sugere que o santuário celestial é o verdadeiro porque é “o ‘artigo genuíno’ [...] e real. Em contraste, a tenda terrena era apenas ‘uma cópia e sombra’, um retrato figurativo do celestial” (BEALE, 2004BEALE, G. K. The Temple and the Church’s Mission: a Biblical Theology of the Dwelling Place of God. Downers Grove: InterVarsity, 2004., p. 325, tradução nossa). Ser verdadeiro não é, necessariamente, ser físico ou material (BEALE, 2004BEALE, G. K. The Temple and the Church’s Mission: a Biblical Theology of the Dwelling Place of God. Downers Grove: InterVarsity, 2004., p. 326; cf. WALKER, 1996WALKER, P. W. L. Jesus and the Holy City: New Testament Perspectives on Jerusalem. Grand Rapids, Eerdmans, 1996., p. 204).
  • 12
    O tema do santuário/templo celestial, com uma réplica terrena da estrutura celeste divinamente revelada, fazia parte da visão de mundo do Antigo Oriente Próximo. O santuário celestial não era apenas assumido como existente no céu, mas também como funcionando em estreita relação com os santuários terrestres. Brasil de Souza (2005, p. 26-82, 484-486)BRASIL DE SOUZA, E. The Heavenly Sanctuary/Temple Motif in the Hebrew Bible. 2005. Tese (Doutorado em Teologia) – Andrews University, Berrien Springs, 2005. investigou textos sumérios, acadianos, hititas, ugaríticos e egípcios, e identificou semelhanças e diferenças entre o Primeiro Testamento e a literatura do Antigo Oriente Próximo nesse tema. A correspondência entre o santuário celestial e o terrestre pode ser demonstrada iconograficamente numa tabuinha da época do rei Nabu-apal-iddin da Babilônia (885-850 a.C.), que mostra o rei acompanhado por dois sacerdotes se aproximando do deus Shamash. A divindade está em seu palácio celestial, que está ligado ao templo terrestre onde o rei e os sacerdotes estão de pé (RÖMER, 2015RÖMER, Th. The Invention of God. Cambridge: Harvard University Press, 2015., p. 151).
  • 13
    Avaliando a cosmologia de Hebreus, Adams (2009, p. 131)ADAMS, E. The Cosmology of Hebrews. In: BAUCKHAM, Richard et al (Eds). Epistle to the Hebrews and Christian Theology. Grand Rapids: Eerdmans, 2009. p. 122-139. afirma que “a morada celestial de Deus não é necessariamente, para o autor, uma dimensão ‘espiritual’, no sentido de não substancial [...]. O autor parece concebê-lo como um ‘lugar’ [...]” (ADAMS, 2009ADAMS, E. The Cosmology of Hebrews. In: BAUCKHAM, Richard et al (Eds). Epistle to the Hebrews and Christian Theology. Grand Rapids: Eerdmans, 2009. p. 122-139., p. 131, tradução nossa) onde há atividade sacerdotal, e um lugar que precisa até mesmo ser purificado (9:23). Essas imagens parecem divergir da estrutura conceitual filônica/platônica e se aproximam do conceito apocalíptico de um santuário celestial onde há liturgia angelical. O santuário está em “um mundo que o escritor de Hebreus leva muito a sério como realidade” (LAANSMA, 2008LAANSMA, J. The Cosmology of Hebrews. In: PENNINGTON, J. T.; MCDONOUGH, S. M. (Eds). Cosmology and New Testament Theology. London: T&T Clark, 2008. p. 125-143., p. 139, tradução nossa). É verdade que descrever sua própria ontologia em detalhes não é a preocupação primária do autor, mas “dizer, então, que essa linguagem cosmológica e do tabernáculo celestial não tem referente concreto é zombar da experiência e da esperança” que o autor quer transmitir (LAANSMA, 2008LAANSMA, J. The Cosmology of Hebrews. In: PENNINGTON, J. T.; MCDONOUGH, S. M. (Eds). Cosmology and New Testament Theology. London: T&T Clark, 2008. p. 125-143., p. 143, tradução nossa).
  • 14
    Ver a expressão “fundação do mundo” em Hb 4:3 (cf. Mt 13:35; 25:34; Lc 11:50; Jo 17:24; Ef 1:4; 1Pe 1:20; Ap 13:8; 17:8).
  • 15
    Há dois modelos básicos pelos quais os estudiosos reconhecem a relação entre a antiga e a nova aliança em Hebreus: continuidade e descontinuidade (SHE, 2011SHE, K. L. The Use of Exodus in Hebrews. New York: Peter Lang, 2011., p. 99). Hebreus aparentemente traz os dois modelos, onde a continuidade possibilita as comparações positivas entre a antiga aliança e a dispensação cristã, mas a descontinuidade apresenta aspectos insuficientes ou negativos da antiga aliança que teriam sido superados pela nova (para uma apresentação panorâmica dos principais aspectos desse debate, ver RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 1-19).
  • 16
    A expressão “o mesmo céu” (Hb 9:24) não nega a concepção do autor de Hebreus, encontrada também no Primeiro Testamento e na literatura apocalíptica judaica, da existência real de um santuário no céu. Essa expressão pode ser uma sinédoque, onde todo o céu substitui uma parte dele (o santuário celestial) (cf. HURST, 1990HURST, L. D. The Epistle to the Hebrews: Its Background of Thought. Cambridge: Cambridge University, 1990. (Society for New Testament Studies Monograph Series 65)., p. 28; SCHENCK, 2007SCHENCK, K. Cosmology and Eschatology in Hebrews: the Settings of the Sacrifice. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. (Society for New Testament Studies Monograph Series 143)., p. 145, 165, nota 69).
  • 17
    A palavra “sistema” aqui se refere à antiga aliança, retratada pelo autor de Hebreus como uma aliança que incluía a prescrição de vários sacrifícios e rituais (9:9-10; “sacrifícios sempre repetidos” [10:1], oferecidos “a cada dia”, “com frequência os mesmos sacrifícios” [10:11]). Além do Yom Kippur, Hebreus menciona os rituais de purificação (9:10, 14, 22), os sacrifícios diários (7:27) e a cerimônia de inauguração da aliança (9:18-20) e do santuário (9:21). Que o autor está falando, de maneira genérica, de diversos rituais do culto da antiga aliança pode ser observado no uso das expressões “dons e sacrifícios” (dōron kaí thysía; 9:9) e “comida e bebidas e diferentes abluções” (brōma kaí póma kaí diáphoros baptismós; 9:10). A expressão “dons e sacrifícios” é uma referência genérica à atividade do sumo sacerdote (Hb 5:1; 8:3; 9:9) e usa duas palavras (dōron e thysía) que, na LXX, designam diversos tipos de sacrifícios e ofertas, em diversos tipos de rituais. Hebreus apresenta pares de termos sinônimos ou intercambiáveis: transgressão e desobediência (2:2), glória e honra (2:9), graça e misericórdia (4:16), orações e súplicas (5:7), e figura e sombra (8:5), e, provavelmente, esse é o caso em “dons e sacrifícios” (KOESTER, 2001KOESTER, C. R. Hebrews: a New Translation with Introduction and Commentary. New York: Doubleday, 2001., p. 376; COCKERILL, 2012COCKERILL, G. L. The Epistle to the Hebrews. Grand Rapids: Eerdmans, 2012. (NICNT)., p. 355). Usados juntos, como em Hebreus, “dons e sacrifícios” funciona como uma fórmula, uma designação genérica para todos os tipos de sacrifícios (RIBBENS, 2013RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. 2013. 391f. Tese (Doutorado) — Wheaton College, Wheaton, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2IjSGwG>. Acesso em: 18 jul. 2019.
    https://bit.ly/2IjSGwG...
    , p. 200; cf. KISTEMAKER, 1984KISTEMAKER, S. J. Exposition of the Epistle to the Hebrews. Welwyn: Evangelical Press, 1984., p. 130; SPICQ, 1952-1953, v. 2, p. 107; MOFFATT, 1924MOFFATT J. A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to the Hebrews. New York: Continuum, 1924., p. 62; ATTRIDGE, 1989ATTRIDGE, H. W. The Epistle to the Hebrews. Philadelphia: Fortress, 1989. (Hermeneia)., p. 143; BRUCE, 1990BRUCE, F. F. The Epistle to the Hebrews. Grand Rapids: Eerdmans, 1990., p. 89, n. 6; ELLINGWORTH, 1993ELLINGWORTH, P. The Epistle to the Hebrews: a Commentary on the Greek Text. Grand Rapids: Eerdmans, 1993. (The New International Greek Testament Commentary)., p. 274; KOESTER, 2001KOESTER, C. R. Hebrews: a New Translation with Introduction and Commentary. New York: Doubleday, 2001., p. 285). Por sua vez, a expressão “comidas e bebidas” (Hb 9:10) refere-se a todas as ofertas e rituais que envolviam alimentos, bebidas e refeições cultuais (Lv 2:1-15; 23:13; Ex 29:40-41; Lv 7:15; Ex 12). As “diversas abluções” (Hb 9:10) são práticas que acompanhavam os “dons e sacrifícios” (GUTHRIE, 1984GUTHRIE, D. Hebreus: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984., p. 173). A palavra “diversas” (diáforos) significa “diferentes” (LIDDELL; SCOTT, 1996LIDDELL; H. G.; SCOTT, Robert. A Greek-English Lexicon. Oxford: Clarendon Press, 1996., p. 419), e aqui parece ser uma referência genérica aos ritos de purificação que envolviam banhos e lavagens do corpo e das roupas (Ex 29:4; 30:17-21; 40:12; Lv 8:6; 11:40; 14:8, 9; 15:5-11, 13, 16, 21, 22, 27; 16:4, 24, 26, 28; 17:15; Nm 19:7, 8, 19; Dt 23:11). No primeiro século, as abluções rituais já haviam se multiplicado e adquirido importância (Mc 1:23). Assim, é provável que as “diversas abluções” estejam falando de todo os rituais de purificação em água, de maneira geral (GUTHRIE, 1984GUTHRIE, D. Hebreus: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984., p. 173-174). Isso torna as “abluções” tão genéricas quanto os “dons e sacrifícios” da antiga aliança. Essas expressões, quando tomadas em conjunto, revelam que Hebreus está falando de maneira ampla das práticas ritualísticas e sacrificiais relacionadas à religião judaica da antiga aliança, e, neste artigo, são chamadas de “sistema”.
  • 18
    Na opção metodológica assumida neste artigo (ver o tópico 1), o conceito da literatura apocalíptica e mística judaica de um tabernáculo celestial existente no céu, e não o pensamento helenístico platônico, é considerado um importante pano de fundo conceitual para o sacerdócio e santuário celestiais em Hebreus (JAMIESON, 2017JAMIESON, R. B. When and Where Did Jesus Offer Himself? A Taxonomy of Recent Scholarship on Hebrews. Currents in Biblical Research, London, v. 15, n. 3, p. 338-368, 2017., p. 350). Hebreus não reflete o idealismo platônico ao falar do santuário celestial, mas compartilha o conceito de “templo escatológico do judaísmo apocalíptico, o templo que está no céu [...]” (BARRETT, 1956BARRETT, C. K. The Eschatology of the Epistle to the Hebrews. In: DAUBE, D.; DAVIES, W. D. (Eds.). The Background of the New Testament and its Eschatology. Cambridge: Cambridge University Press, 1956. p. 363-393., p. 388, tradução nossa). Segundo Michel (1966, p. 288, tradução nossa)MICHEL, O. Der Brief an die Hebraer. Güttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966., na cosmovisão do autor de Hebreus, “[o]s arquétipos celestiais têm existência real”, e não se trata de uma “[...] metafísica helenística nem uma desvalorização gnóstica do mundano humano a favor de uma autenticidade espiritual”. A própria ideia de um tabernáculo no céu já apresenta “uma concepção mais concreta e ‘realista’ do céu do que aquela que muitos estudiosos trazem para o texto” (JAMIESON, 2016JAMIESON, R. B. Hebrews 9.23: Cult Inauguration, Yom Kippur and the Cleansing of the Heavenly Tabernacle. New Testament Studies, Cambridge, v. 62, n.1, p. 569-587, 2016., p. 581, tradução nossa; cf. HAYS, 2009HAYS, R. B. “Here We Have No Lasting City”: New Covenantalism in Hebrews. In: BAUCKHAM, R.; DRIVER, D.; HART, T. (Eds.). The Epistle to the Hebrews and Christian Theology. Grand Rapids: Eerdmans, 2009. p. 151-173., p. 171). Como a literatura apocalítica judaica, Hebreus também apresenta o santuário celestial como parte das “realidades celestes” (9:23), o “verdadeiro” tabernáculo (8:2). A diferença entre Hebreus e os textos apocalípticos seria o fato de que Jesus é o sacerdote, não os anjos. Portanto, na perspectiva do autor de Hebreus, o santuário celestial deve ser tão real como foi real a cruz onde a auto-oferta de Jesus começou (MACKIE, 2007MACKIE, S. D. Eschatology and Exhortation in the Epistle to the Hebrews. Tübingen: Mohr Siebeck, 2007., p. 159). Avaliar todas as implicações dessa visão sobre o autor de Hebreus está além dos objetivos deste artigo.
  • 19
    Nas pesquisas em Hebreus, há uma tendência de suprimir o papel da ressurreição, colocando a entrada de Jesus no santuário celestial como um evento “espiritual” ou metafórico. No entanto, esse não parece ser o conceito do autor de Hebreus. Sobre a importância da ressurreição nessa argumentação, ver Moffitt (2011)MOFFITT, D. M. Atonement and the Logic of Resurrection in the Epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2011. (NovTSup 141)..
  • 20
    Apesar do texto não afirmar isso, essa oferta única de Cristo pode ser presumida em 9:25 com segurança por causa do nítido contraste com as múltiplas ofertas do sistema levítico. Essa diferenciação só faz sentido se a oferta de Jesus for única, singular.
  • 21
    Existem três textos que falam dessa apresentação de Jesus no contexto de 9:24-28: 1) no v. 24, Cristo aparece (emfanizō) na presença de Deus; 2) no v. 26, Cristo “se manifestou [faneróō] uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado”; 3) no v. 28, Cristo “aparecerá [horáō] segunda vez”, uma referência à sua segunda vinda.
  • 22
    A apresentação/aplicação do sangue de Cristo no santuário celestial é indiscutivelmente apresentada em Hebreus. Por isso, Ribbens sugere que, em Hebreus, há uma correspondência de cultos, além de uma correspondência de santuários: Cristo entra no santuário celestial com sangue, apresenta-o como oferenda e o asperge no propiciatório (RIBBENS, 2016RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews. Berlin: De Gruyter, 2016., p. 131-132).
  • 23
    Como afirma Barrett, na cruz “[a] redenção eterna já foi forjada [...], mas aguarda completa aplicação e cumprimento” (1956BARRETT, C. K. The Eschatology of the Epistle to the Hebrews. In: DAUBE, D.; DAVIES, W. D. (Eds.). The Background of the New Testament and its Eschatology. Cambridge: Cambridge University Press, 1956. p. 363-393., p. 386; cf. p. 365, 384).
  • 24
    Para Vis, a aplicação do sangue “é o passo mais importante” (2012VIS, J. M. The Purification Offering of Leviticus and the Sacrificial Offering of Jesus. Tese (Doutorado). Durham: Duke University, 2012. Disponível em: <https://bit.ly/2rMhDbu>. Acesso em: 04 jan. 2020.
    https://bit.ly/2rMhDbu...
    , p. 258, grifo nosso).
  • 25
    Para uma apresentação panorâmica dessa linha de interpretação e seus principais proponentes, ver Malheiros (2016, p. 73-103)MALHEIROS, I. Expiação, na terra ou no céu?: o conceito de expiação celestial em Hebreus. Kerygma, Engenheiro Coelho, v. 12, n. 2, p. 73-103, 2016..
  • 26
    Texto hebraico disponível em: <https://bit.ly/2EheUNh>. Acesso em: 17 abr. 2019. Cf. o texto sobre o Dia do Juízo na Enciclopédia Judaica, disponível em: <https://bit.ly/2W4XRs3>. Acesso em: 17 abr. 2019.
  • 27
    Por exemplo, Testamento de Levi 18:9; cf. 1Enoque 62:7-8; Salmos de Salomão 17:26, 36, 41.
  • 28
    Aqui há uma repentina mudança de tema: da inauguração para o juízo final. Essa súbita mudança ocorre também em Hb 10:19-24: da inauguração do novo e vivo caminho (enkainizō; 10:20) para a advertência de que o dia do juízo está chegando. Na literatura profética hebraica, o “dia do Senhor” era um dia de juízo (Jl 2:1-2; Am 5:18; Ml 3:2), mas Hebreus pode estar se referindo sutilmente ao Yom Kippur escatológico (KUMA, 2010KUMA, H. V. A. Αἷμα in Hebrews. 2010. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2010., p. 241-242; MOORE, 2019MOORE, M. Na corte celestial. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2019., p. 247; DAVIDSON, 2001DAVIDSON, R. M. Christ’s Entry Within the Veil in Hebrews 6:19-20: The Old Testament Background. Andrews University Seminary Studies, Berrien Springs, v. 39, n. 2, p. 175-190, 2001., p. 188.).
  • 29
    De specialibus legibus 2:194: “[...] heortōn tēn megístēn [...]”.
  • 30
    “[...] todas as transgressões na Torá, se alguém se arrependeu ou não se arrependeu, o Yom Kippur expia” (Yomá 85b.11, cf. 85b.12). Disponível em: <https://bit.ly/30E71uZ>. Acesso em 23 abr. 2019.
  • 31
    Sobre a amplificatio, ver Lausberg (1998, p. 189-240)LAUSBERG, Heinrich. Handbook of Literary Rhetoric: A Foundation for Literary Study. Leiden: Brill, 1998. e Kennedy (1984, p. 7, 21-22, 53)KENNEDY, G. A. New Testament Interpretation through Rhetorical Criticism. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1984..

Referências

  • ADAMS, E. The Cosmology of Hebrews. In: BAUCKHAM, Richard et al (Eds). Epistle to the Hebrews and Christian Theology Grand Rapids: Eerdmans, 2009. p. 122-139.
  • ARISTÓTELES. Prose style (Rhetoric 3). In: RUSSELL, D. A.; WINTERBOTTOM, M. (Eds.). Ancient Literary Criticism: the Principal Texts in New Translations. Oxford: Oxford University Press, 1972. p. 134-170.
  • ARISTÓTELES. Retórica Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998.
  • ATTRIDGE, H. W. The Epistle to the Hebrews Philadelphia: Fortress, 1989. (Hermeneia).
  • BARNARD, J. A. The Mysticism of Hebrews: Exploring the Role of Jewish Apocalyptic Mysticism in the Epistle to the Hebrews. Tübingen: Mohr Siebeck, 2012.
  • BARRETT, C. K. The Eschatology of the Epistle to the Hebrews. In: DAUBE, D.; DAVIES, W. D. (Eds.). The Background of the New Testament and its Eschatology Cambridge: Cambridge University Press, 1956. p. 363-393.
  • BEALE, G. K. The Temple and the Church’s Mission: a Biblical Theology of the Dwelling Place of God. Downers Grove: InterVarsity, 2004.
  • BEALE, G. K. Manual do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento: exegese e interpretação. São Paulo: Vida Nova, 2013.
  • BEN EZRA, D. S. The Impact of Yom Kippur on Early Christianity: the Day of Atonement from Second Temple Judaism to the Fifth Century. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003.
  • BERGER, K. As formas literárias do Novo Testamento São Paulo: Loyola, 1998.
  • BLACK, Matthew. The Scrolls and Christian Origins: Studies in the Jewish Background of the New Testament. New York: Charles Scribner’s Sons, 1961.
  • BOYARIN, D. Midrash in Hebrews/Hebrews as Midrash. In: GELARDINI, G.; ATTRIDGE, H. W. (Eds.). Hebrews in Contexts Leiden: Brill, 2016. p. 15-30.
  • BRASIL DE SOUZA, E. The Heavenly Sanctuary/Temple Motif in the Hebrew Bible 2005. Tese (Doutorado em Teologia) – Andrews University, Berrien Springs, 2005.
  • BRUCE, F. F. La Epistola a los Hebreos Grand Rapids-Buenos Aires: Nueva Creación, 1987.
  • BRUCE, F. F. The Epistle to the Hebrews Grand Rapids: Eerdmans, 1990.
  • BUCHANAN, G. W. To the Hebrews New York: Doubleday, 1972.
  • CLOWNEY, E. P. The Final Temple. Westminster Theological Journal, Glenside, v. 35, p. 156-189, 1973.
  • COCKERILL, G. L. The Epistle to the Hebrews Grand Rapids: Eerdmans, 2012. (NICNT).
  • CODY, A. Heavenly Sanctuary and Liturgy in the Epistle to the Hebrews: the Achievement of Salvation in the Epistle’s Perspective. St. Meinrad: Grail, 1960.
  • CORTEZ, F. H. From the Holy to the Most Holy Place: the Period of Heb 9:6-10 and the Day of Atonement as a Metaphor of Transition. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 125, n. 3, p. 527-547, 2006.
  • CORTEZ, F. H. “The Anchor of the Soul that Enters within the Veil”: the Ascension of the “Son” in the Letter to the Hebrews. 2008. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2HFSeoL>. Acesso em: 23 jul. 2019.
    » https://bit.ly/2HFSeoL
  • DANIEL-ROPS, H. A vida diária nos tempos de Jesus São Paulo: Vida Nova, 2008.
  • DAVIDSON, R. M. Christ’s Entry Within the Veil in Hebrews 6:19-20: The Old Testament Background. Andrews University Seminary Studies, Berrien Springs, v. 39, n. 2, p. 175-190, 2001.
  • DAVIDSON, R. Tipologia no livro de Hebreus. In: HOLBROOK, Frank B. (Ed.). À luz de Hebreus: intercessão, expiação e juízo no santuário celestial. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2016. p. 139-214.
  • DAVIES, J. H. The Heavenly Work of Christ in Hebrews. In: CROSS, Frank L. (Ed.). Studia Evangelica: Papers presented to the Third International Congress on New Testament Studies held at Christ Church, Oxford, 1965. Part I: The New Testament Scriptures. Berlin: Akademie-Verlag, 1968. v. IV, p. 384-389.
  • ELLINGWORTH, P. The Epistle to the Hebrews: a Commentary on the Greek Text. Grand Rapids: Eerdmans, 1993. (The New International Greek Testament Commentary).
  • FABRIS, R. As Cartas de Paulo São Paulo: Loyola, 1992.
  • FILHO, J. A. Expectativas messiânicas sacerdotais no judaísmo e as origens da cristologia. Oracula, São Bernardo do Campo, v. 1, n. 1, p. 20-27, 2005.
  • FILHO, J. A. Exposição e parênese como problema literário-teológico: um estudo da estrutura literária de Hebreus. Reflexus, Vitória, v. VIII, n. 11, p. 91-125, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/2VHDIEe>. Acesso em: 22 jan. 2019.
    » https://bit.ly/2VHDIEe
  • FILTVEDT, O. J. Creation and Salvation in Hebrews. Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft, v. 106, n. 2, p. 280-303, 2015.
  • FUDGE, W. E. Our Man In Heaven: an Exposition of the Epistle to the Hebrews. Grand Rapids: C.E.I., 1973.
  • GELARDINI, G. H., and Ancient Synagogue Homily for Tisha Be- Av: Its Function, Its Basis, Its Theological Interpretation. In: GELARDINI, G. (Ed.). Hebrews: Contemporary Method – New Insights. Leiden: Brill, 2005. p. 107-226.
  • GHEORGHITA, R. The Role of the Septuagint in Hebrews Tübingen: Mohr Siebeck, 2003.
  • GINGRICH; F. Wilbur; DANKER, F. W. Léxico do Novo Testamento grego/português São Paulo: Vida Nova, 2012.
  • GRELOT, P. Homilías sobre la Escritura en la Época Apostólica Barcelona: Herder, 1991.
  • GUTHRIE, D. Hebreus: introdução e comentário São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984.
  • GUTHRIE, G. H. Hebrews in its First-Century Contexts: Recent Research. In: MCKNIGHT, S.; OSBORNE, G. R. (Eds). The Face of New Testament Studies: a Survey of Recent Research. Grand Rapids: Baker, 2004. p. 414-443.
  • HABER, S. From Priestly Torah to Christ Cultus: the Re-Vision of Covenant and Cult in Hebrews. Journal for the Study of the New Testament, Thousand Oaks, v. 28, n. 1, p. 105-124, 2005. Disponível em: <https://bit.ly/2IQHeK8>. Acesso em: 27 dez. 2019.
    » https://bit.ly/2IQHeK8
  • HARRINGTON, D. J. What are They Saying about the Letter to the Hebrews? New York: Paulist Press, 2005.
  • HAYS, R. B. Echoes of Scripture in Paul New Haven: Yale University Press, 1989.
  • HAYS, R. B. “Here We Have No Lasting City”: New Covenantalism in Hebrews. In: BAUCKHAM, R.; DRIVER, D.; HART, T. (Eds.). The Epistle to the Hebrews and Christian Theology Grand Rapids: Eerdmans, 2009. p. 151-173.
  • HURST, L. D. The Epistle to the Hebrews: Its Background of Thought. Cambridge: Cambridge University, 1990. (Society for New Testament Studies Monograph Series 65).
  • JAMIESON, R. B. Purging God’s People and Place: Levitical Sacrifice as a Prolegomenon to Hebrews. 2014. Dissertação (Mestrado). The Southern Baptist Theological Seminary, Louisville, 2014.
  • JAMIESON, R. B. Hebrews 9.23: Cult Inauguration, Yom Kippur and the Cleansing of the Heavenly Tabernacle. New Testament Studies, Cambridge, v. 62, n.1, p. 569-587, 2016.
  • JAMIESON, R. B. When and Where Did Jesus Offer Himself? A Taxonomy of Recent Scholarship on Hebrews. Currents in Biblical Research, London, v. 15, n. 3, p. 338-368, 2017.
  • JAMIESON, R. B. Jesus’ Death and Heavenly Offering in Hebrews Cambridge: Cambridge University Press, 2019.
  • JOHNSSON, W. G. The Cultus of Hebrews in Twentieth Century Scholarship. The Expository Times, London, v. 89, p. 104-108, 1978. Disponível em: <https://bit.ly/2WOVbv3>. Acesso em: 18 ago. 2015.
    » https://bit.ly/2WOVbv3
  • JOHNSSON, W. G. Alusões ao dia da expiação. In: HOLBROOK, F. B. (Ed.). À luz de Hebreus: intercessão, expiação e juízo no Santuário Celestial. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2016a. p. 121-138.
  • JOHNSSON, W. G. O santuário celeste: figurativo ou real? In: HOLBROOK, F. B. (Ed.). À luz de Hebreus: intercessão, expiação e juízo no santuário celestial. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2016b. p. 47-65.
  • KENNEDY, G. A. New Testament Interpretation through Rhetorical Criticism Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1984.
  • KISTEMAKER, S. J. Exposition of the Epistle to the Hebrews Welwyn: Evangelical Press, 1984.
  • KISTEMAKER, S. J. The Psalm Citations in the Epistle to the Hebrews Amsterdam: Van Soest, 1961.
  • KOESTER, C. R. Hebrews: a New Translation with Introduction and Commentary. New York: Doubleday, 2001.
  • KUMA, H. V. A. Αἷμα in Hebrews 2010. Tese (Doutorado) – Andrews University, Berrien Springs, 2010.
  • LAANSMA, J. The Cosmology of Hebrews. In: PENNINGTON, J. T.; MCDONOUGH, S. M. (Eds). Cosmology and New Testament Theology London: T&T Clark, 2008. p. 125-143.
  • LANE, W. Hebrews 1-8 Dallas: Word Books, 1991. (Word Bible Commentary, 47ª).
  • LANE, W. L. Hebrews: A Sermon in Search of a Setting. Southwestern Journal of Theology, Fort Worth, v. 28, n. 1, p. 13-15, 1985.
  • LAUSBERG, Heinrich. Handbook of Literary Rhetoric: A Foundation for Literary Study. Leiden: Brill, 1998.
  • LIDDELL; H. G.; SCOTT, Robert. A Greek-English Lexicon Oxford: Clarendon Press, 1996.
  • LINDARS, B. The theology of the Letter to the Hebrews Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
  • LONGINO. “Longinus”, On Sublimity. In: RUSSELL, D. A.; WINTERBOTTOM, M. (Eds.). Ancient Literary Criticism: The Principal Texts in New Translations. Oxford: Oxford University Press, 1972. p. 460-503.
  • MACKIE, S. D. Eschatology and Exhortation in the Epistle to the Hebrews Tübingen: Mohr Siebeck, 2007.
  • MALHEIROS, I. Expiação, na terra ou no céu?: o conceito de expiação celestial em Hebreus. Kerygma, Engenheiro Coelho, v. 12, n. 2, p. 73-103, 2016.
  • MALHEIROS, I.. Hebreus e o santuário no céu. Vox Scripturae, v. 25, n. 1, p. 49-71, 2017.
  • MASON, E. F. “You are priest forever”: second temple Jewish messianism and the priestly Christology of the epistle to the Hebrews. Leiden: Brill, 2008.
  • MASON, E. F. Cosmology, Messianism, and Melchizedek: Apocalyptic Jewish Traditions and Hebrews. In: MASON, Eric F.; MCCRUDEN, Kevin B. (Eds.). Reading the Epistle to the Hebrews: a resource for students Atlanta: Society of Biblical Literature, 2011a. p. 53-76.
  • MASON, Eric F. Hebrews and Dead Sea Scrolls: some points of comparison. Perspectives in Religious Studies, Murfreesboro, v. 37, n. 4, p. 459-479, 2011b.
  • MASON, E. F. Heavenly Revelation in the Epistle to the Hebrews. In: REYNOLDS, Benjamin E.; STUCKENBRUCK, Loren T. (Eds.). The Jewish Apocalyptic Tradition and the Shaping of New Testament Thought Minneapolis: Fortress Press, 2017. p. 277-292.
  • MCCULLOUGH, J. C. Hebrews in recent scholarship (Part 1). Irish Biblical Studies, Belfast, v. 16, n. 2, p. 66-87, 1994.
  • MICHEL, O. Der Brief an die Hebraer Güttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966.
  • MILGROM, J. Leviticus 1-16: a New Translation with Introduction and Commentary. New York: Doubleday, 1991.
  • MOFFATT J. A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to the Hebrews New York: Continuum, 1924.
  • MOFFITT, D. M. Atonement and the Logic of Resurrection in the Epistle to the Hebrews Leiden: Brill, 2011. (NovTSup 141).
  • MOFFITT, D. M. Blood, Life, and Atonement. In: HIEKE, Th.; NICKLAS, T. (Eds.). The Day of Atonement: Its Interpretations in Early Jewish and Christian Traditions Leiden: Brill, 2012. p. 211-224.
  • MONTEFIORE, H. W. A Commentary on the Epistle to the Hebrews New York: Harper; London: Black, 1964.
  • MOORE, M. Na corte celestial Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2019.
  • MORRIS, L. Hebrews Grand Rapids: Zondervan, 1983. (Bible Study Commentary).
  • NELSON, R. D. “He Offered Himself”: Sacrifice in Hebrews. Interpretation, v. 57, n. 3, p. 251-265, 2003. Disponível em: <https://bit.ly/2GqSK9M>. Acesso em: 28 nov. 2019.
    » https://bit.ly/2GqSK9M
  • NEYREY, J. H. Jesus the Broker In Hebrews: Insights from the Social Sciences. In: MASON, E. F.; MCCRUDEN, K. B. Reading the Epistle to the Hebrews: a resource for students. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2011. p. 145-170.
  • NOGUEIRA, P. Augusto de S. Religião de visionários. In: NOGUEIRA, P. A. de S. (Org.). Religião de visionários: apocalíptica e misticismo no cristianismo primitivo. São Paulo: Loyola, 2005. p. 13-42.
  • OLBRICHT, Th. H. Hebrews as Amplification. In: PORTER, S. E.; OLBRICHT, Th. H. (Eds.). Rhetoric and the New Testament: Essays from the 1992 Heidelberg Conference. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2001. p. 375-389.
  • PURSIFUL, D. J. The Cultic Motif in the Spirituality of the Book of Hebrews Lewiston: Mellen Biblical, 1993.
  • QUINTILIANO. Types of oratory (Quintilian 12. 10). In: RUSSELL, D. A.; WINTERBOTTOM, M. (Eds.). Ancient Literary Criticism: the Principal Texts in New Translations. Oxford: Oxford University Press, 1972. p. 404-416.
  • RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews 2013. 391f. Tese (Doutorado) — Wheaton College, Wheaton, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2IjSGwG>. Acesso em: 18 jul. 2019.
    » https://bit.ly/2IjSGwG
  • RIBBENS, B. J. Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews Berlin: De Gruyter, 2016.
  • RÖMER, Th. The Invention of God Cambridge: Harvard University Press, 2015.
  • ROWLEY, H. H. A importância da literatura apocalíptica: um estudo da literatura apocalíptica judaica e cristã de Daniel ao Apocalipse. São Paulo: Paulinas, 1980.
  • RÜPKE, J. Starting Sacrifice in the Beyond: Flavian Innovations in the Concept of Priesthood and Their Reflections in the Treatise “To the Hebrews”. In: GELARDINI, G.; ATTRIDGE, H. W. (Eds.). Hebrews in Contexts Leiden: Brill, 2016. p. 109-132.
  • RUSSELL, D. S. Desvelamento divino: uma introdução à apocalíptica judaica. São Paulo: Paulus, 1997.
  • SANDMEL, S. Parallelomania. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 81, n. 1, p. 1- 13, mar. 1962. Disponível em: <https://bit.ly/2KvBQ02>. Acesso em: 19 nov. 2019.
    » https://bit.ly/2KvBQ02
  • SCHENCK K. Understanding the Book of Hebrews: the Story behind the Sermon. Louisville: Westminster John Knox, 2003.
  • SCHENCK, K. Cosmology and Eschatology in Hebrews: the Settings of the Sacrifice. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. (Society for New Testament Studies Monograph Series 143).
  • SHE, K. L. The Use of Exodus in Hebrews New York: Peter Lang, 2011.
  • SMITH, J. A Priest Forever: a Study of Typology and Eschatology in Hebrews. London: Sheed & Ward, 1969.
  • SPICQ, C. L’Épitre aux Hébreux Paris: J. Gabalda et Cie. Éditeurs, 1952-1953. 2 v.
  • STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. Historia social del cristianismo primitivo Estella: Verbo Divino, 2001.
  • STEYN, G. J. A Quest for the Assumed LXX Vorlage of the Explicit Quotations in Hebrews Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2011.
  • SWETNAM, J. On the Literary Genre of the ‘Epistle’ to the Hebrews. Novum Testamentum, Leiden, v. 11, p. 261-269, 1969.
  • THOMPSON, J. W. The Beginnings of Christian Philosophy: the Epistle to the Hebrews. Washington: The Catholic Biblical Association of America, 1982.
  • THOMPSON, J. W. What Has Middle Platonism to Do with Hebrews? In: MASON, E. F.; MCCRUDEN, K. B. (Eds.). Reading the Epistle to the Hebrews: a resource for students. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2011. p. 35-52.
  • THURSTON, R. W. Philo and the epistle to the Hebreus. The Evangelical Quarterly, Leiden, v. 58, n. 2, p. 133-143, 1986.
  • VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento São Paulo: Teológica, 2003.
  • VIS, J. M. The Purification Offering of Leviticus and the Sacrificial Offering of Jesus Tese (Doutorado). Durham: Duke University, 2012. Disponível em: <https://bit.ly/2rMhDbu>. Acesso em: 04 jan. 2020.
    » https://bit.ly/2rMhDbu
  • VOORWINDE, S. Hebrews’ Use of the Old Testament. Vox Reformata, Victoria, v. 73, p. 60-82, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2Il90NK>. Acesso em: 12 mar. 2015.
    » https://bit.ly/2Il90NK
  • WALKER, P. W. L. Jesus and the Holy City: New Testament Perspectives on Jerusalem. Grand Rapids, Eerdmans, 1996.
  • WESTCOTT, B. F. The Epistle to the Hebrews: the greek text with notes and essays. Grand Rapids: Eerdamns, 1952.
  • WHITLARK, J. A. The God of Peace and His Victorious King: Hebrews 13:20–21 in Its Roman Imperial Context. In: GELARDINI, Gabriella; ATTRIDGE, H. W. (Eds.). Hebrews in Contexts Leiden: Brill, 2016. p. 155-180.
  • WILLIAMSON, R. Philo and the Epistle to the Hebrews Leiden: E. J. Brill, 1970.
  • WILLI-PLEIN, I. Some Remarks on Hebrews from the Viewpoint of Old Testament Exegesis. In: GELARDINI, G. (Ed.). Hebrews: Contemporary Methods — New Insights Leiden: Brill, 2005. p. 25-36.
  • WILSON, R. M. Hebrews Grand Rapids: Eerdmans, 1987. (The New Century Bible Commentary).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2022
  • Aceito
    03 Nov 2022
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) Avenida Doutor Cristiano Guimarães, 2127 - Bairro Planalto, Minas Gerais - Belo Horizonte, Cep: 31720-300, Tel: 55 (31) 3115.7000 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: editor.pt@faculdadejesuita.edu.br