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EXPERIÊNCIA PSICOLÓGICA E MÍSTICA DO SI-MESMO NA MODERNIDADE

Psychological Experience and Mysticism of Self in Modernity

RESUMO

O artigo explora a possibilidade de se pensar um lugar para a mística do Si-mesmo em consonância com as coordenadas que definem a forma de consciência prevalente na modernidade. Para tanto, toma-se um ideologema comum encontrado no pensamento de três autores que representam o espírito da modernidade – Feuerbach, Nietzsche e Jung – e apresenta-se uma interpretação sob a perspectiva da mística do Si-mesmo. Em seguida, a posição assim estabelecida é utilizada para interpretar a dimensão mística presente em um fragmento concreto de experiência psicológica contemporânea. Consolidando a articulação entre Mística do Si-mesmo e experiência psicológica, abre-se espaço para um fecundo diálogo na zona fronteiriça envolvendo teologia, filosofia e psicologia.

PALAVRAS-CHAVE
Modernidade; Mística do si-mesmo; Feuerbach; Nietzsche; Jung

ABSTRACT

This paper explores the possibility of thinking a place for the mysticism of Self within the constitutive requirements of the modern form of consciousness. It takes a common idea found in the works of three representative thinkers of Modernity – Feuerbach, Nietzsche and Jung – , and interprets it in the light of the mysticism of Self. Then the perspective thus established is used in order to interpret the mystical dimension present in a concrete fragment of contemporary psychological experience. The strengthening of the conexion between Mysticism of Self and psychological experience opens a fertile dialogical space in the borderland comprising Theology, Philosophy and Psychology.

KEYWORDS
Modernity; Mysticism of Self; Feuerbach; Nietzsche; Jung

Introdução

Talvez não seja impróprio dizer que a experiência analítica, em que pese a enorme diversidade de versões e pressupostos com que se apresenta no panorama conturbado do “século psicológico”, pode ser compreendida como uma modalidade contemporânea do conhecimento de si mesmo que, de suas origens gregas até a hora avançada da revolução psicanalítica, conheceu variadas e contrastantes formas. Cabe ressaltar a dimensão existencial do “conhece-te a ti mesmo”, que, como lembra Paul Ricoeur (RICOEUR 1960RICOEUR, P. Finitude et culpabilité. Livre II. La symbolique du mal. Paris: Aubier-Montaigne, 1960., p. 331), não se reduz a um aumento da circunscrição reflexiva do eu consciente, por ser essencial e indissoluvelmente vinculada a uma transformação qualitativa do sujeito, pela qual se cumpre a máxima do “torna-te o que és”: um convite imperativo a situar-se melhor na existência.

Ricoeur, em sua seminal conclusão de La symbolique du mal, à qual dá o kantiano título de “o símbolo dá a pensar”, propõe à filosofia uma aposta e uma tarefa, no âmbito da realização existencial do “conhece-te a ti mesmo”: “Eu aposto que compreenderei melhor o homem e os laços que unem o ser do homem com o ser de todos os demais seres seguindo as indicações do pensamento simbólico” (RICOEUR, 1960RICOEUR, P. Finitude et culpabilité. Livre II. La symbolique du mal. Paris: Aubier-Montaigne, 1960., p. 330). O hermeneuta francês via no símbolo “uma hierofania, uma manifestação do laço que une o homem ao sagrado” (1960, p. 331), não sendo, portanto, um simples revelador da consciência do eu (ou do eu consciente). Atribuindo ao símbolo a função existencial de enraizamento do ser humano no mundo, mediante a ordenação de suas experiências profundas, Ricoeur descortina a implicação metafísica de sua concepção de símbolo: “O símbolo nos faz pensar que o Cogito está no interior do ser, e não o contrário” (ibid.). Assim sendo, refletindo pela via do símbolo o filósofo francês enfatiza o duplo caráter metafísico e existencial do “conhece-te a ti mesmo”, e o vincula a um laço entre o homem e o sagrado. Não sem razão, portanto, Sônia Viegas – admirável filósofa brasileira, de saudosa memória—via em Le symbole donne a penser um alcance quase místico.1 1 Comunicação pessoal.

Em um estudo a quatro mãos sobre a experiência do Si-mesmo, Olivier Lacombe e Louis Gardet conjugam o aspecto metafísico e o aspecto místico da experiência de autoconhecimento, também apontados por Ricoeur: “Será necessário, mas suficiente, com efeito, que a experiência de si se apreenda em profundidade como experiência do ser que eu sou, para que o nível empírico seja transcendido e que nós tenhamos de falar de uma experiência pelo menos virtualmente metafísica, e não de um simples ‘vivido’ de consciência” (GARDET; LACOMBE, 1981GARDET, L.; LACOMBE, O. L’expérience du Soi. Études de mystique comparée. Paris: Desclée de Brower, 1981., p. 162).2 2 Para uma magistral exposição acerca das relações entre mística e metafísica na tradição ocidental, ver VAZ, 2000. Sublinhemos que se trata de uma experiência, que se amplia em uma forma de vivência especial, metafísica em sua estrutura e mística em seu teor. Talvez pudéssemos traduzir a “experiência do ser que eu sou” como aquela do “êxtase que está associado a estar vivo” (CAMPBELL, 1988CAMPBELL, J. The power of myth (with Bill Moyers). New York: Doubleday, 1988., p. 6), tomando êxtase no duplo sentido de passagem mais além de tudo o que não é essencial a nosso Si-mesmo (o fundo incomunicável de nossa existência pessoal) e passagem mais além do nível racional discursivo (GARDET; LACOMBE, 1981GARDET, L.; LACOMBE, O. L’expérience du Soi. Études de mystique comparée. Paris: Desclée de Brower, 1981., p. 74). Pois o intelecto por si só não desvela as profundidades ontológicas do sujeito – daí a necessidade, segundo Ricoeur, da mediação incontornável do símbolo. Assim, há “uma espécie de apofatismo exigido pela maneira como nós nos apreendemos como sujeito. (...) A mística do Si-mesmo encontra precisamente seu lugar de ancoragem nesse ponto cego do conhecimento espontâneo de nós mesmos” (GARDET; LACOMBE, 1981GARDET, L.; LACOMBE, O. L’expérience du Soi. Études de mystique comparée. Paris: Desclée de Brower, 1981., p. 166-167). A este ponto cego refere-se justamente a noção psicológica de inconsciente, que, portanto, confere à experiência do autoconhecimento uma potencialidade mística.

Já em 1964, em um ensaio sobre o ateísmo moderno, Jean Lacroix entrevia exatamente a possibilidade de uma mística ateia de caráter individual e psicológico, baseada na experiência dos aspectos noturnos da personalidade humana, em que a noite mística é transformada em um radical não-saber e é vivida mediante uma abertura integral, lúcida e sincera ao desconhecido (LACROIX, 1964LACROIX, J. Le sens de l’atheisme moderne. Tournai: Casterman, 1964., p. 54). Não é difícil perceber aqui a referência à noção princeps da experiência analítica, que nas memórias de Jung receberia o nome de “confronto com o inconsciente” (JAFFÉ, 1982JAFFÉ, A. (Ed.). C.G. Jung: memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982., p. 152-176). Na verdade, aquilo que Jean Lacroix vislumbrava já se cumpria efetivamente no interior de uma das linhas heréticas do movimento psicanalítico no século XX, a partir da experiência fundacional de Jung, muito embora a experiência junguiana não possa ser adequadamente compreendida como essencialmente ateísta.

Em sua leitura desse fenômeno cultural, Lacroix afirmava: “A descoberta de si em suas maiores profundezas é o seu próprio fim, mesmo se ela não chega senão ao vazio, ao desnudamento e à solidão” (LACROIX, 1964LACROIX, J. Le sens de l’atheisme moderne. Tournai: Casterman, 1964., p. 54). Tal experiência pode legitimamente ser qualificada como mística, entendendo-se a experiência mística como um ápice da experiência religiosa ou experiência do sagrado, desde que assinalemos à experiência religiosa, implícita ou explicitamente, uma referência ao absoluto. A experiência explícita do absoluto, que define tal ápice, conhece basicamente três modalidades: mística da graça sobrenatural (que tem Deus como termo de referência), mística cósmica (cujo termo de referência é o Todo do universo encarado como totalidade una) e mística da alma (que se refere ao Si-mesmo, entendido como “centro próximo de referência absoluta para cada consciência” [GARDET; LACOMBE, 1981GARDET, L.; LACOMBE, O. L’expérience du Soi. Études de mystique comparée. Paris: Desclée de Brower, 1981., p. 28]). As duas últimas modalidades são místicas naturais ou da imanência, e podem, embora não obrigatoriamente, se inscrever em um horizonte ateísta. Das duas, a que nos interessa aqui é a mística da alma.3 3 Para uma apresentação e breve discussão de um exemplo contemporâneo de mística ateia do Todo (na experiência pessoal do filósofo francês André Comte-Sponville), veja-se BARRETO, 2016, p. 547-553. É a ela que se refere Jean Lacroix ao apontar a forma de mística que percebia emergir no interior do ateísmo moderno.

Para podermos falar de uma mística do Si-mesmo, é preciso que este “centro próximo de referência absoluta para cada consciência” seja pensado e afirmado como distinto da própria consciência e a ela relativamente transcendente; no entanto deve guardar com ela relação dialética de unidade na diferença – caso contrário não se poderia falar rigorosamente de uma referência absoluta para a consciência (a mística da alma não poderia ser uma modalidade de experiência do absoluto, pois este ficaria necessariamente relativizado por uma alteridade simples, não dialética, entre consciência ou eu consciente e Si-mesmo). Além disso, o Si-mesmo deve ser afirmado como desconhecido para a consciência, com relação à qual ele é um centro próximo de referência absoluta. Em outros termos: para o eu consciente, o Si-mesmo é inconsciente.

Pois bem: meu objetivo aqui será simplesmente fundamentar a percepção de Jean Lacroix a respeito de uma mística moderna, de caráter individual e psicológico, apontando para um ideologema4 4 Um ideologema é um “componente irredutível, dentre outros, de uma convicção, fé, ideal, idealização” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, s.v.). Utilizo o termo aqui, sem qualquer conotação crítica ou negativa, para designar este componente tal como aparece no contexto dos pensamentos dos autores abordados. ou esquema comum, presente no pensamento de três autores representativos da modernidade: Ludwig Feuerbach, Friedrich Nietzsche e Carl Gustav Jung. Apesar de articulado de formas reconhecidamente distintas no contexto próprio de cada um dos pensadores, esse ideologema comum apresenta uma base para se compreender a mística do Si-mesmo aludida por Lacroix (embora no caso de Nietzsche e de Jung, pelo menos, a qualificação de ateísmo seja discutível, problemática). Enfatizo, então, que não pretendo oferecer nenhuma contribuição à compreensão de Feuerbach, Nietzsche ou mesmo Jung, e por isso abstenho-me de uma referência mais aprofundada à literatura secundária sobre esses três pensadores. Apenas aproprio-me livremente de um elemento semelhante em seus escritos, com a finalidade de, a partir de tal elemento ou ideologema, pensar a mística do Si-mesmo ou mística da alma segundo certas condições particulares, a saber: seu caráter individual, psicológico e referido à noção de inconsciente. Essas condições permitem sancionar a inscrição da mística do Si-mesmo no interior do horizonte mais amplo da mentalidade moderna, na medida em que esta modalidade de mística, podendo ser compreendida sem referência à categoria da transcendência (que a princípio parece estruturalmente interditada na forma moderna de consciência), tem como exigência mínima a afirmação de uma autotranscendência na imanência. Saliente-se, por fim, que, admitindo a mística do Si-mesmo níveis ou formas distintos, não se pretende aqui uma abordagem compreensiva, mas tão somente uma apreciação sobre um de seus níveis, ao qual a mentalidade moderna não se mostra avessa: o nível da experiência psicológica. Por este mesmo motivo, não abordarei aqui a questão, muito mais problemática, da possível articulação entre mística do Si-mesmo e mística da graça sobrenatural.5 5 Para a meditação das diferenças notáveis entre os vários tipos e níveis da mística permanecem valiosos os Études sur la Psychologie des Mystiques, de Joseph Maréchal (MARÉCHAL, 1938). Reitere-se aqui que, ao tratar do vasto e complexo tema da experiência mística, enfoco apenas a modalidade da mística do Si-mesmo e, nesta, apenas uma versão que permite a aproximação com certos fenômenos que se manifestam na experiência psicológica.

1 Feuerbach

Ludwig Feuerbach representa a verdadeira matriz do ateísmo ocidental moderno, que tem como caráter distintivo o fato de ser um ateísmo de talhe antropológico. Isso significa que o lugar atribuído a Deus na consciência religiosa e na teologia passa a ser interpretado como nada mais do que humano.6 6 Por isso em A essência do cristianismo Feuerbach preferia a designação de sua posição pelo termo antropoteísmo. Tal é a conhecida redução da teologia à antropologia, um dos pilares do pensamento feuerbachiano. Como diz Feuerbach, em uma formulação lapidar: “O ser absoluto, o Deus do Homem, é a sua própria essência” (FEUERBACH, 2007FEUERBACH, L. A essência do cristianismo. Petrópolis: Vozes, 2007., p. 38).7 7 Não sem razão, Max Stirner ironiza Feuerbach, chamando-o de “ateu piedoso”, por ter simplesmente mudado o absoluto de lugar, sem eliminar a própria categoria do absoluto.

Nesta sentença, que traduz o cerne da ideia central do filósofo de Landshut, fala-se da essência do Homem (Wesen; em outras passagens Feuerbach utiliza “gênero”, Gattung). Pois bem: em Feuerbach há uma diferença explícita entre o indivíduo concreto e a sua essência real, e a religião é explicada como o resultado de uma alienação, operada pela projeção inconsciente dos atributos da essência humana em entidades divinas. Ora, tal diferença não é simplesmente abolida após o esclarecimento proposto por Feuerbach (o reconhecimento daquela projeção, com a consequente supressão da alienação religiosa correspondente). Ela é constitutiva da condição humana, possuindo assim um caráter ontológico.8 8 Ao contrário de Freud, portanto, a religião para Feuerbach não é uma ilusão neurótica de caráter infantil, mas uma alienação ontologicamente fundada. Corrigir a alienação não significa abolir a religião tout court, mas transformá-la em uma nova forma de relação com a realidade. Observe-se que o termo “projeção” não é usado por Feuerbach, mas o fenômeno constitutivo da consciência religiosa corresponde ao que essa noção descreve. Isso tem amplas consequências para a questão da religião a partir de um enfoque de inspiração feuerbachiana. Tomemos um fragmento póstumo de Feuerbach, onde a mesma ideia central ganha uma formulação algo diferente:

O homem se encontra conscientemente sobre um fundamento inconsciente (...); ele chama seu a seu corpo, e este lhe é, não obstante, absolutamente estranho; (...) em sua própria casa é ele estrangeiro; desgostos e prazeres, dores e alegrias o afetam e, não obstante, ele não é dono nem proprietário; está colocado em alturas vertiginosas, enquanto que a seus pés se abre um abismo insondável; não sabe nem de seu começo nem de seu fim (...) Ele é não-ele mesmo [Nicht-Selbst] e ele mesmo [Selbst]; o não-eu [Nicht-Selbst] é a base, o fundamento da religião (...) Ele [o homem consciente, Selbst/mhb] tem em seu poder somente o resultado, não o princípio nem as premissas. Ele vê, ouve, sente, pensa tão necessariamente como o sol brilha e a flor floresce. Ele pertence à natureza: é um produto necessário”

(FEUERBACH, 1960FEUERBACH, L. Sämtliche Werke Band 10: Schriften zur Ethik und nachgelassene Aphorismen. Stuttgart: Frommann Verlag Günther Holzboog, 1960., p. 306).

Eis aí o ideologema a que me referi na introdução: trata-se da articulação entre dois polos do sujeito (Selbst e Nicht-Selbst), que postula uma relação de alteridade ou diferença entre consciência (atribuída ao Selbst) e fundamento inconsciente (Nicht-Selbst), e estabelece uma vinculação deste fundamento ao corpo, que é uma extensão da natureza. Essa diferença é afirmada como sendo a base da religião: a experiência religiosa, interpretada a partir desse ideologema, seria a relação de autotranscendência entre Selbst e Nicht-Selbst. A consciência religiosa ingênua e alienada (inconsciente de seu próprio fundamento) chamaria o Nicht-Selbst de “Deus”, mas na verdade (segundo a redução proposta em Feuerbach) tratar-se-ia apenas de um “abismo insondável” humano e imanente, sobre o qual o eu consciente, sujeito da experiência religiosa, estaria posicionado. Então, se a diferença entre o eu individual e sua essência material corpórea (ou entre Selbst e Nicht-Selbst) fosse afirmada como sendo estrutural e insuprimível – e ao que tudo indica Feuerbach assim pensava – e, estaria estabelecida a condição para uma inexaurível relação entre os dois polos subjetivos, entre o eu consciente e seu fundamento inconsciente, seu “centro próximo de referência absoluta”, para falarmos como Gardet e Lacombe. Tal seria o espaço para se pensar uma forma peculiar de experiência religiosa no interior mesmo de uma posição ateia (ou “antropoteísta”) de consciência. E, segundo as coordenadas estruturais desse espaço, abrir-se-ia a possibilidade de uma mística ateia, por meio de um mergulho sem limites no “abismo insondável” ou nas próprias profundezas do homem, como assinalava Jean Lacroix, ao termo do qual, na consumação mística da experiência religiosa ateia, a diferença de si a si mesmo, entre o eu e seu fundamento corporal inconsciente, seria momentaneamente suprimida, e nesse caso verificar-se-ia a experiência mística do Si-mesmo,9 9 Pela pertença do corpo (Nicht-Selbst) à natureza, com a qual ele está em continuidade, seria possível pensar também a modalidade da mística do Todo. Mas não desenvolverei aqui essa possibilidade.

Cabe enfatizar que o próprio Feuerbach não desenvolveu nem se interessou por esta potencialidade religioso-mística implícita em seu ideologema. Em lugar de considerar alguma forma de experiência mística “antropoteísta”, ele aponta para a sua nova filosofia e para a política como substitutos da religião (FEUERBACH, 2002FEUERBACH, L. Princípios da filosofia do futuro. Lisboa: Edições 70, 2002., p. 13-18): a essência humana seria o norte segundo o qual se orientaria a ação política, visando realizar neste mundo e na comunidade humana a integralidade do modo humano de ser. O homem assume a responsabilidade por seu próprio destino, pela solução de seus problemas, pela realização de seus desígnios. Se ampliarmos o pano de fundo da política (termo muito comprometido com a exclusividade da vita activa em sua inserção na exterioridade das situações sociais e coletivas) para considerarmos o campo das relações intersubjetivas em geral, encontraremos a temática da relação Eu-Tu, ausente em Marx, que iria ser lida por Martin Buber em Feuerbach. Esta temática é uma das contribuições mais valiosas que o filósofo de Landshut faz à problemática filosófica subsequente, tornando-o um verdadeiro precursor das correntes personalistas posteriores (CABADA CASTRO, 1975CABADA CASTRO, M. El humanismo premarxista de Ludwig Feuerbach. Madrid: BAC, 1975., p. 40-41).

No entanto, em Feuerbach o “tu” interno permaneceu inexplorado em todas as suas demais virtualidades, entre elas a de uma modalidade de experiência mística aqui apontada. Jean Lacroix percebia uma inspiração aristocrática e nietzschiana na mística ateia que ele pressentia emergir no século XX. Por outro lado, as virtualidades do “Tu” (Nicht-Selbst) interno feuerbachiano, negligenciadas devido à predominância do engajamento político, coincidem com outro aspecto do pressentimento de Lacroix: “poder-se-ia mostrar que uma espécie de percepção pura e imediata do sensível, uma espécie de comunhão com o dado infrarracional constitui hoje, no interior do ateísmo, uma verdadeira reação contra suas formas muito políticas ou muito sociais e podem se desenvolver amanhã em um verdadeiro misticismo ateu” (LACROIX, 1964LACROIX, J. Le sens de l’atheisme moderne. Tournai: Casterman, 1964., p. 55).

Como quer que seja, é importante assinalar, para além do que Feuerbach efetivamente pensou, que o espaço da relação Eu-Tu é indispensável para a realização existencial do “conhece-te a ti mesmo”, que não se dá simplesmente em uma clausura do sujeito abstratamente desligado de suas experiências no mundo humano. Por isso, a relação religiosa individual, psicológica, ateísta e mística na solidão do confronto entre Selbst e Nicht-Selbst pressupõe todo o conjunto da inserção do sujeito no campo essencial das relações humanas.

2 Nietzsche

Em uma famosa passagem de Assim Falou Zaratustra, Nietzsche apresenta o mesmo ideologema que recolhemos em Feuerbach, embora com uma nomenclatura invertida (o que no fragmento póstumo de Feuerbach é designado como Selbst aparece aqui como Ich/Eu, e o que em Feuerbach é denominado como Nicht-Selbst é aqui denominado Selbst):

O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um único sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor.

Instrumento do teu corpo é, também, a tua pequena razão, meu irmão, à qual chamas ‘espírito’, pequeno instrumento e brinquedo da tua grande razão.

‘Eu’ [Ich] – dizes; e ufanas-te desta palavra. Mas ainda maior – no que não queres acreditar – é o teu corpo e a sua grande razão: esta não diz eu, mas faz o eu.

(...)

Instrumentos e brinquedos, são os sentidos e o espírito; atrás deles acha-se, ainda, o [Si mesmo]. O [Si mesmo] procura também com os olhos dos sentidos, escuta também com os ouvidos do espírito.

E sempre o [Si mesmo] escuta e procura: compara, subjuga, conquista, destrói. Domina e é, também, o dominador do eu.

Atrás de teus pensamentos e sentimentos, meu irmão, acha-se um soberano, poderoso, um sábio desconhecido – e chama-se o [Si mesmo]. Mora no teu corpo, é o teu corpo.

(NIETZSCHE, 1983NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983., p. 51)10 10 Tradução modificada (o tradutor optou por verter o alemão Selbst – Si-mesmo – por “ser próprio”). A passagem encontra-se em “Dos desprezadores do corpo”.

A coincidência patente entre os elementos do fragmento póstumo de Feuerbach e da passagem de “Dos desprezadores do corpo” em Nietzsche leva-nos a dar crédito à afirmação de Étienne Gilson de que há Feuerbach em Nietzsche (GILSON, 1979GILSON, E. L’atheísme difficile. Paris: Vrin, 1979., p. 17). Por outro lado, a articulação do ideologema no contexto do pensamento nietzschiano é absolutamente original. Embora por si só os elementos do ideologema permitissem pensar uma modalidade de mística do Si-mesmo da mesma forma que fizemos com Feuerbach (e em conformidade com o pressentimento de Jean Lacroix), a articulação dessa ideia de uma relação entre eu consciente e Si-mesmo/corpo (um “sábio desconhecido”, portanto inconsciente ou “subconsciente”) a outra noção capital do autor de Assim falou Zaratustra descortina um panorama que nem remotamente foi considerado pelo autor de A essência do Cristianismo.

Paul S. Loeb mostra, à luz de uma cuidadosa explicação acerca da coerência interna da ideia do eterno retorno do mesmo em Nietzsche, como o eu, que, nos quadros desta ideia, renasce eternamente para repetir exatamente a mesma experiência vital, pode se comunicar consigo mesmo em ciclos numericamente distintos dentro da recorrência eterna de sua vida:

Dada a concepção de tempo em Nietzsche, portanto, há relações psicológicas substanciais entre meus eus numericamente distintos [mas que fazem uma experiência vital absolutamente idêntica, de acordo com a ideia do eterno retorno do mesmo/mhb]. Além disso, (...) há interessantes relações epistêmicas entre esses eus. Como a minha vida é para mim um anel fluindo incessantemente para frente no qual o ponto final volta eternamente para se tornar o ponto de partida, posso me lembrar de eventos que ainda jazem à frente em meu atual viver aquela [mesma, idêntica/mhb] vida. Portanto, a fonte de minha certeza premonitória é minha certeza mnemônica (...). De fato, como minha vida é eternamente recorrente, sou capaz de imprimir em minha memória mensagens que estarão enterradas no subconsciente de meu eu mais jovem e que se manifestarão sob a forma de sonhos, visões, presságios e vozes premonitórias. A voz que eu escuto é, pois, minha própria voz futura lembrando-me de minha vida eternamente recorrente.

(LOEB, 2010LOEB, P. S. The death of Nietzsche’s Zaratustra. Cambridge: Cambridge University Press, 2010., p. 28)

Como exemplo em Assim falou Zaratustra, Loeb interpreta a visão enigmática que Zaratustra tem de um pastor adormecido, em cuja boca insinua-se uma serpente, que morde sua garganta e o sufoca. Então Zaratustra grita-lhe para morder a cabeça da serpente, cortá-la e cuspi-la fora. Ora, exatamente esta mesma situação acontecerá mais tarde com o próprio Zaratustra. Loeb então afirma que o pastor na visão é um símbolo do futuro eu de Zaratustra (LOEB, 2010LOEB, P. S. The death of Nietzsche’s Zaratustra. Cambridge: Cambridge University Press, 2010., p. 158). Mas a própria visão premonitória indica, de acordo com os pressupostos da interpretação de Loeb, que há um outro sujeito se comunicando ao próprio Zaratustra por meio da visão mesma: o próprio eu eternamente recorrente de Zaratustra que, no entanto, para o Zaratustra que recebe ou sofre a visão naquele momento específico de sua experiência vital, tem o estatuto de um outro que não deixa de ser ele próprio (Zaratustra), ou mais simplesmente de um Si-mesmo.11 11 Seria possível objetar que aqui não se trata do Si-mesmo/corpo, tal como apresentado na passagem de “Dos desprezadores do corpo”, mas do eu (Ich) recorrente de Zaratustra que detém, em virtude de sua experiência passada completa, o conhecimento que comunica ao eu (Ich) atual de Zaratustra – no caso, a ideia do eterno retorno do mesmo. Mas de onde esse eu teria recebido tal ideia? À luz da concepção de Nietzsche de que as ideias e descobertas filosóficas são formadas por inspiração a partir dos instintos fundamentais do Homem, que desempenham o papel de gênios ou daimones (NIETZSCHE, 1974, p. 14-16), a resposta é clara: essa sabedoria instintiva pertence àquele “sábio desconhecido”, o Si-mesmo, que “mora no teu corpo, é o teu corpo”. Portanto, o eu recorrente de Zaratustra seria o porta-voz do Si-mesmo, na verdade sendo indistinguível deste, em virtude de já ter se iniciado em sua sabedoria instintiva. Vale lembrar que Nietzsche interpreta a experiência dos “místicos de toda a espécie” como proveniente da mesma inspiração instintiva (ibid.).

Eis aí a estrutura fundamental implicada na ideia de eterno retorno do mesmo, que nos autoriza a interpretar a experiência do Si-mesmo, em sua escansão nietzschiana, conforme a modalidade da mística da alma estudada por Gardet e Lacombe. De fato, em sua acurada análise da extraordinariamente complexa trama de Assim Falou Zaratustra Loeb mostra convincentemente que, ao atingir a perfeição e pleno amadurecimento pessoais, Zaratustra declara-se finalmente independente de discípulos e herdeiros, e então mergulha “em solitária comunhão com sua própria alma” (LOEB, 2010LOEB, P. S. The death of Nietzsche’s Zaratustra. Cambridge: Cambridge University Press, 2010., p. 146). Tal seria o ápice místico de toda a experiência de Zaratustra, no qual a unificação a si mesmo se consuma, e então ocorre a morte de Zaratustra, que é indissoluvelmente o momento de seu renascimento para um novo ciclo dentro da eterna repetição de sua vida.

Segundo Olivier Lacombe, “o ato de reminiscência (...) pelo qual presente e passado são unidos, o passado que não é mais e o presente que é, esse ato assume de repente um valor ontológico. O tempo é superado pela memória que permite ao eu profundo se revelar; o Si-mesmo se experimenta em sua verdadeira duração supratemporal” (GARDET; LACOMBE, 1981GARDET, L.; LACOMBE, O. L’expérience du Soi. Études de mystique comparée. Paris: Desclée de Brower, 1981., p. 37). Lacombe apresenta esta reflexão a partir da interpretação de uma passagem de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, nela vendo a mesma estrutura temporal (ou supratemporal) da experiência mística do Si-mesmo: uma breve “experiência de imortalidade”. Tal percepção espiritual “se refere ao eu profundo, absoluto, imortal, por oposição ao eu superficial entregue às ‘vicissitudes... e à brevidade da vida’, a qual fornece no máximo simples ocasiões às manifestações excepcionais do eu essencial” (GARDET; LACOMBE, 1981GARDET, L.; LACOMBE, O. L’expérience du Soi. Études de mystique comparée. Paris: Desclée de Brower, 1981., p. 37).

Com uma pequena reflexão podemos mostrar a inteira convergência da posição de Olivier Lacombe com a interpretação de Nietzsche proposta por Paul S. Loeb. Pois dentro da ideia do eterno retorno do mesmo, a distinção simples, unidirecional e linear entre passado, presente e futuro queda fortemente relativizada, uma vez que o que foi (passado, em um ciclo prévio da recorrência eterna da vida) retornará (futuro, no ciclo atual e em ciclos futuros da mesma recorrência eterna da vida), e assim a memória pode ser a fonte da certeza premonitória de algo que ainda jaz no futuro relativo ao presente atual do eu “jovem”, como assinalou Loeb (LOEB, 2010LOEB, P. S. The death of Nietzsche’s Zaratustra. Cambridge: Cambridge University Press, 2010., p. 28). Em suma: memória (associada ao passado) torna-se indistinguível de premonição (associada ao futuro). A enigmática visão de Zaratustra sobre o pastor e a serpente revela-se premonitória a posteriori no presente da mesma situação vivida pelo próprio Zaratustra algum tempo após a visão; e no presente da mesma situação ergue-se a memória da visão passada. A circularidade temporal do eterno retorno do mesmo faz com que a linha do futuro e a linha do passado sejam uma única e mesma linha.12 12 Veja-se o capítulo 3 (“The dwarf and the gateway”) em LOEB, 2010. Consequentemente, vale para Nietzsche o mesmo que Lacombe identifica em Proust e, mais universalmente, na mística do Si-mesmo (e vice-versa): o “eu profundo” (que aqui designamos por “Si-mesmo”) se revela no ato de reminiscência (que, como foi dito, em Nietzsche é igualmente um ato de premonição, dependendo do ponto de vista em que seja considerado na linha – circular – da experiência vivida).

Assim, creio ser legítimo afirmar que o pensamento de Nietzsche oferece um modelo para a interpretação da experiência do Si-mesmo em perspectiva moderna, e o estudo de mística comparada de Gardet e Lacombe permite-nos apontar no modelo nietzschiano a mesma estrutura presente na modalidade da mística da alma. E uma vez que o Si-mesmo é o próprio corpo, esse “sábio desconhecido” que age por meio de seus instintos, dominando e fazendo o eu, também a inspiração nietzschiana na mística ateísta vislumbrada por Jean Lacroix fica justificada.

3 Jung

A memória, como vimos, possui uma potencialidade espiritual que se efetiva na mística do Si-mesmo. Na psicologia analítica de Carl Gustav Jung essa memória será referida à noção de inconsciente coletivo, e a concepção junguiana de Si-mesmo designará tanto o homólogo do “centro próximo de referência absoluta” para o eu consciente na experiência psicológica do processo de individuação, como a totalidade psíquica consciente-inconsciente. Jung estabelecerá a fenomenologia típica dos “símbolos do Si-mesmo”, identificáveis no simbolismo religioso, nos mitos, bem como em certas produções psicológicas de indivíduos modernos.13 13 É sumamente interessante a interpretação psicológica que Jung propõe para o fenômeno contemporâneo dos discos voadores, nele vendo uma atividade do espírito moderno compensatória à sua fragmentação, à sua totalidade perdida em função de seu desenraizamento histórico e estrutural, derivado da ruptura radical com os laços da tradição. Os discos voadores, entendidos apenas como imagens psíquicas coletivas, seriam justamente símbolos do Si-mesmo, da totalidade que se opõe compensatoriamente à fragmentação esquizoide de nosso mundo. (JUNG, 1970a) O Si-mesmo, na concepção junguiana, na medida em que representa a totalidade humana (Feuerbach diria: a essência do Homem), põe em movimento o processo de individuação (o movimento de “tornar-se o que se é”), constituindo-se em sua meta ou finalidade:

Qualquer que seja per se o significado da totalidade humana, do Si-mesmo, empiricamente este Si-mesmo é uma imagem da meta da vida, produzida espontaneamente pelo inconsciente, independentemente dos desejos e temores da consciência. Representa a meta do homem total, a realização de sua totalidade e individualidade com ou sem o consentimento de sua vontade.

(JUNG, 1969JUNG, C. G. Answer to Job. In: Psychology and Religion: West and East. Princeton: Princeton University Press, 1969., § 745)

Na experiência psicológica específica observada e descrita por Jung, o Si-mesmo frequentemente aparece em sua alteridade relativa ao eu consciente, e pode tanto ameaçá-lo, abalando sua sensação de segurança narcísica, quanto arrebatá-lo para aquela experiência mística de um momento de eternidade que, como vimos, Olivier Lacombe atribui à presença do “eu profundo”. Daí o entusiasmo com que Jung acolheu e assimilou a descrição da experiência do sagrado por Rudolf Otto como sendo a experiência do numinoso, que exerce um duplo impacto sobre o sujeito: tanto pavoroso (tremendum) quanto fascinante (fascinosum). A descrição de Otto ajustava-se perfeitamente à observação psicoterapêutica do Si-mesmo por Jung, e a partir de então ele passa a se referir à experiência do Si-mesmo como tendo uma tonalidade afetiva numinosa.

Baseado nas formas típicas de manifestação do Si-mesmo por relação ao eu consciente, Jung não hesita em considerar o arquétipo da totalidade humana como sendo igualmente uma “imagem psicológica de Deus”, e justifica-se assim:

[‘Deus’] é o nome pelo qual designo todas as coisas que atravessam de maneira violenta e temerária o meu caminho voluntariamente traçado, a todas as coisas que perturbam meus pontos de vista, planos e intenções subjetivos e que mudam o curso de minha vida para melhor ou para pior. De acordo com a tradição, chamo o poder do destino neste aspecto positivo ou negativo, visto que sua origem está além de meu controle, ‘Deus’, um ‘Deus pessoal’, pois meu destino significa na verdade eu mesmo, particularmente quando ele se aproxima de mim na forma da consciência moral como uma vox Dei com a qual posso até mesmo conversar e discutir. [Carta de 05/12/1959, a M. Leonard]

(JUNG, 1976aJUNG, C. G. Letters. London: Routledge and Kegan Paul, 1976a. v.2., p. 525)14 14 Lembre-se de passagem que, na antropologia teológica, que pensa o ser humano enquanto imago Dei, há uma correspondência (devidamente pensada respeitando a categoria da transcendência divina) entre o ser humano e Deus. Na cristologia dogmática este problema é referido ao tema da “comunicação dos idiomas”, e é por esta via que talvez pudesse ser encaminhada a reflexão ulterior a respeito das relações entre mística do Si-mesmo e mística da graça sobrenatural, segundo uma perspectiva cristã.

Jung insiste no caráter experiencial, psicologicamente constatável do Si-mesmo, e assinala sua ambiguidade irredutível empiricamente:

‘Si-mesmo’ é algo que podemos verificar psicologicamente. Nós experimentamos ‘símbolos do Si-mesmo’, que não se deixam distinguir dos ‘símbolos de Deus’. Não posso provar que o Si-mesmo e Deus sejam idênticos, embora na prática pareçam idênticos. Em última análise, a individuação é um processo religioso que exige uma atitude religiosa correspondente—a vontade do eu submete-se à vontade de Deus. Para evitar mal-entendidos desnecessários, digo ‘Si-mesmo’ em vez de Deus. Empiricamente também é mais correto. [Carta de 15/06/1955, a Hélène Kiener]

(JUNG, 1976aJUNG, C. G. Letters. London: Routledge and Kegan Paul, 1976a. v.2., p. 265)

Não abordarei aqui os problemas espinhosos levantados para a coerência teórica e epistêmica da psicologia analítica em virtude da problemática noção do Si-mesmo como totalidade humana e da indistinção empírica entre símbolos do Si-mesmo e símbolos de Deus.15 15 Remeto o leitor ao capítulo “Sobre Deus, Homem e mal no pensamento de C.G. Jung”, in BARRETO, 2012, p. 153-190. Atendo-me a meu propósito de pensar uma base psicológica para a mística do Si-mesmo em chave moderna, vale dizer, antropológica, retenho apenas o significado de Si-mesmo como totalidade humana. Este significado está presente em uma passagem de Jung na qual se encontra o mesmo ideologema anteriormente desentranhado em Feuerbach e Nietzsche, ainda que com uma dicção própria:

No campo da medicina, as fantasias são coisas reais que o psicoterapeuta tem que levar em conta muito seriamente de fato. Em última análise, o corpo humano também é constituído da matéria do mundo e é nela que as fantasias se tornam manifestas; de fato, sem ela as fantasias não poderiam ser experienciadas. Sem essa matéria, elas seriam como uma espécie de padrão cristalino em uma solução na qual o processo de cristalização ainda não tivesse começado.

Os símbolos do Si-mesmo emergem na profundeza do corpo e expressam a sua materialidade tanto quanto a estrutura da consciência discriminadora. O símbolo é, portanto, um corpo vivo, corpus et anima (...) A singularidade da psique nunca pode concretizar-se integralmente, e só pode ser concebida aproximativamente, embora ela continue sendo a base absoluta de toda consciência. As ‘camadas’ mais profundas da psique perdem sua singularidade individual na medida em que retrocedem cada vez mais na obscuridade. Quanto mais ‘baixas’, isto é, com a aproximação dos sistemas funcionais autônomos, tornam-se gradativamente mais coletivas, até que se universalizam e se extinguem na materialidade do corpo, isto é, nas substâncias químicas. O carbono do corpo é simplesmente carbono. Consequentemente, ‘no fundo’ a psique é simplesmente ‘mundo’. (...) no símbolo o próprio mundo está falando.

(JUNG, 1968JUNG, C. G. The psychology of the child archetype. In: The archetypes and the collective unconscious. Princeton: Princeton University Press, 1968., §§ 290-291)

Nesta passagem fica mais clara a unidade do Si-mesmo, que abrange corpo e consciência discriminadora. É esta unidade que garante a possibilidade de uma experiência mística de unificação do eu consciente com o Si-mesmo. O enraizamento corporal do Si-mesmo, já assinalado em Feuerbach e Nietzsche, abre-se em Jung a uma continuidade entre o psíquico e o material, base de sua doutrina da sincronicidade que, não sem bons fundamentos, é interpretada como “experiência espiritual” por Roderick Main (MAIN, 2007MAIN, R. Revelations of chance: synchronicity as spiritual experience. Albany: State University of New York Press, 2007.). De passagem, observe-se que o ideologema na versão de Jung, assim como no fragmento póstumo de Feuerbach, permite corroborar a afirmação de Gardet e Lacombe a respeito de que “Mística do Si-mesmo e mística do Todo se apresentam como a sístole e a diástole da mística de imanência da qual elas constituem variações, desde que – bem entendido – a experiência em causa seja suficientemente radical e despojada para merecer o epíteto de mística, e que não se trate apenas de algum ‘sentimento’ de coloração mais ou menos panteísta” (GARDET; LACOMBE, 1981GARDET, L.; LACOMBE, O. L’expérience du Soi. Études de mystique comparée. Paris: Desclée de Brower, 1981., p. 31).

Jung sabia que a individuação, que, como citado anteriormente, ele considera um processo religioso em que a vontade do eu submete-se à vontade de “Deus” (o Si-mesmo), implicava uma referência ao Absoluto, ou, para usar a expressão de Gardet e Lacombe, que o Si-mesmo era um centro próximo de referência absoluta para a consciência. Pensando na dimensão ética da individuação, Jung afirma: “Quando sua própria consciência colide com [a religião ‘oficial’ e a moralidade cívica], têm início suas decisões éticas mais pessoais, com a plena consciência de sua liberdade criativa em observar o código moral ou não” (JUNG, 1970bJUNG, C.G. Good and evil in analytical psychology. In: Civilization in Transition. Princeton: Princeton University Press, 1970b., § 870). A decisão ética de seguir a própria consciência (vox dei) significa justamente, para Jung, a livre submissão da vontade do eu à “vontade de Deus” (a direção que o Si-mesmo sinaliza para a individuação na experiência simbólica, o chamado ou vocação a “tornar-se o que se é”). Isso significa que a individuação é simultânea e indissoluvelmente uma experiência ética e religiosa.16 16 Para a exposição da unidade entre a dimensão ética e a dimensão religiosa no pensamento de Jung, ver BARRETO, 2018, p. 21-40. O “tormento da decisão ética”, que Jung afirma ser “simbolicamente representado pela luta de Jacó com o anjo” (JUNG, 1970bJUNG, C.G. Good and evil in analytical psychology. In: Civilization in Transition. Princeton: Princeton University Press, 1970b., § 869), descortina a referência ao absoluto:

Aí é onde começa sua ética mais pessoal: no confronto sério com o Absoluto, no tomar um caminho condenado pela moralidade vigente e pelos guardiões da lei. E apesar disso pode-se sentir que nunca se foi mais fiel a sua natureza e vocação mais íntimas, e portanto nunca se esteve mais próximo ao Absoluto, porque somente a pessoa e o Onisciente viram a situação concreta pelo lado de dentro, por assim dizer, ao passo que os juízes e os condenadores a veem somente pelo lado de fora.

(JUNG, 1970bJUNG, C.G. Good and evil in analytical psychology. In: Civilization in Transition. Princeton: Princeton University Press, 1970b., § 869)

A referência da interioridade do Si-mesmo ao absoluto, de acordo com a perspectiva que apresentei na introdução, qualifica certas formas ou momentos da experiência da individuação, tal como a concebe Jung (confronto com o Si-mesmo), como uma experiência que pode possuir valência religiosa e mística. Nesses momentos marcantes e excepcionais do confronto com o Si-mesmo, inscritos no processo de individuação, não se trata de um mero acontecer psíquico, no qual o eu consciente pode estar inadvertidamente—isto é, inconscientemente—enredado em uma situação arquetípica comum, sem, portanto, ser afetado pelo sentimento numinoso característico da experiência do sagrado. A experiência desse sentimento pressupõe a percepção consciente de algo estranho, no sentido do alemão Unheimlich, a presença de uma alteridade que é o próprio numen—justamente aquilo que Jung remete à categoria psicológica do Si-mesmo. Trata-se então de um encontro, no verdadeiro sentido da palavra.17 17 Ver adiante o exemplo ilustrativo que apresento.

No entanto, pode causar surpresa o fato de que, a despeito de atribuir ao processo de individuação uma valência religiosa, e insistir tanto sobre o caráter numinoso da assim chamada experiência imediata, Jung não privilegie de modo algum os momentos místicos stricto sensu, psicologicamente falando. Opondo-se à tendência de muitos de seus “discípulos e herdeiros” de buscar uma espécie de atalho para a experiência do Si-mesmo, sob a forma de uma espécie de fuga mística do mundo, Jung insiste no imperativo da inserção mundana do processo de individuação, ao escrever a um discípulo indiano:

O seu ponto de vista parece coincidir com aquele dos nossos místicos medievais, que tentaram dissolver-se em Deus. Vocês todos parecem interessados em como voltar para o Si-mesmo, em vez de procurar o que o Si-mesmo quer que façam no mundo, onde – pelo menos por enquanto – estamos colocados, presumivelmente para determinado fim. O universo não parece existir com a finalidade única de a pessoa negá-lo ou dele fugir. Ninguém pode estar mais convencido da importância do Si-mesmo do que eu. Mas, como um jovem não fica na casa de seu pai, mas vai para o mundo, assim eu não olho para trás para o Si-mesmo, mas o recolho a partir de múltiplas experiências e o reconstituo novamente. O que deixei para trás, aparentemente perdido, eu o encontro em tudo o que me acontece no caminho e o recolho, reconstituindo-o de certo modo.18 18 Sobre o “tornar-se o que se é”, em perspectiva nietzschiana, Oswaldo Giacoia Júnior afirma que ele jamais se plenifica, pois o Si-mesmo “só pode ser recuperado parcialmente, como peças—e de maneira oblíqua, necessariamente desfigurada—em etapas privilegiadas do caminhar” (GIACOIA JR, 2012, p. 264-265). Em perspectiva junguiana, a “maneira oblíqua, necessariamente desfigurada” com que se recuperam as “peças” do Si-mesmo significa que essa recuperação é necessariamente mediada pelos símbolos. O “tornar-se o que se é” é, pois, uma experiência simbólica. (...) Embora o Si-mesmo seja minha origem, é também a meta de minha busca. Quando ele era minha origem, eu não conhecia a mim mesmo, e quando eu de fato aprendi sobre mim mesmo, eu não conhecia o Si-mesmo. Tenho que descobri-lo em minhas ações, onde inicialmente ele aparece sob estranhas máscaras. Esta é uma das razões pelas quais devo estudar o simbolismo, caso contrário arrisco-me a não reconhecer meus próprios pais quando os encontrar de novo após os muitos anos de minha ausência. [Carta de 22/11/1954, ao prof. Arvind U. Vasavada]

(JUNG, 1976, p. 195-196)19 19 “Originalmente todos nós nascemos de um mundo de totalidade, e nos primeiros anos de vida ainda estamos completamente contidos nele. Ali temos todo o conhecimento sem o saber. Mais tarde nós o perdemos, e chamamos progresso quando o relembramos novamente” [Carta de 22/7/1939, a M.R. Braband-Isaac] (JUNG, 1973, p. 275). Sublinhe-se aqui, mais uma vez, o caráter fundamental do ato de reminiscência, que se diferencia de uma recordação ordinária tanto pela intensidade quanto pela qualidade do que é rememorado, indicando a presença do “eu profundo”. Jung diria que essa qualidade da reminiscência aponta para o caráter arquetípico da experiência, que é então qualificada como religiosa, uma experiência do Si-mesmo “em sua verdadeira duração supratemporal”, segundo a expressão de Olivier Lacombe, “experiência imediata” segundo Jung, o que permite inscrevê-la na modalidade da mística do Si-mesmo.

Da mesma forma, e com mais ênfase ainda, Jung responde a um correspondente beneditino, que lhe escrevera a propósito da meta mística unitiva supostamente implicada como finalidade do processo de individuação:

Por mais que eu possa segui-lo no processo de ‘tornar-se inteiro e santo’, ou individuação, não posso subscrever suas afirmações sobre o ‘eu em completa posse de si mesmo’ e o amor universal que tudo reveste, embora elas aproximem o senhor perigosamente do ideal do Yoga: nirdvandva (livre dos opostos). Sei que esses momentos de liberação cintilam no decurso do processo, mas eu os evito, porque sempre sinto em tal momento que me livrei do fardo de ser humano, e que ele cairá sobre mim com peso redobrado. [Carta de 28/03/1955, ao padre Lucas Menz]

(JUNG, 1976aJUNG, C. G. Letters. London: Routledge and Kegan Paul, 1976a. v.2., p. 238)

E, tomando categoricamente distância da aspiração de Nietzsche pelo Übermensch (que em perspectiva junguiana é interpretado como homólogo ao Si-mesmo), Jung afirma: “Nós somos sempre humanos, e não deveríamos esquecer nunca que carregamos todo o fardo de sermos somente humanos” (JUNG, 1976bJUNG, C. G. The Tavistock lectures. In: The symbolic life. Miscellaneous writings. Princeton: Princeton University Press, 1976b. § 169). Em relação à meta da individuação, Jung escreve a um correspondente: “Em última instância nós todos ficamos presos em algum lugar, pois somos todos mortais e permanecemos sendo apenas uma parte do que somos enquanto totalidade. A totalidade que podemos alcançar é muito relativa” [Carta de 11/05/1956, a Rudolf Jung] (JUNG, 1976JUNG, C. G. Letters. London: Routledge and Kegan Paul, 1976a. v.2., p. 297).

Além disso, e desfazendo um equívoco muito comum acerca de sua concepção do processo de individuação, Jung dá ênfase à necessidade do contexto intersubjetivo, da relação humana Eu-Tu como condição necessária para a individuação:

O ser humano que não se liga a outro não tem totalidade, pois só pode alcançar a totalidade através da alma, e a alma não pode existir sem o seu outro lado, que é sempre encontrado em um ‘Tu’. A totalidade é uma combinação de Eu e Tu, e estes mostram ser partes de uma unidade transcendente cuja natureza só pode ser captada simbolicamente (...) Não se trata evidentemente de síntese ou identificação de dois indivíduos, mas da união consciente do eu com tudo aquilo que foi projetado no ‘Tu’. Portanto, a totalidade é o produto de um processo intrapsíquico, que depende essencialmente da relação de um indivíduo com um outro. Estar relacionado abre o caminho para a individuação e a torna possível.

(JUNG, 1966JUNG, C. G. The psychology of the transference. In: The practice of psychotherapy. Princeton: Princeton University Press, 1966., § 454 e nota 16)

Na mesma linha, Jung reforça a dupla condição da individuação, e aponta para os perigos correspondentes:

A individuação tem dois aspectos principais: em primeiro lugar, é um processo interior e subjetivo de integração, e em segundo lugar é um processo de relação objetiva igualmente indispensável. Um não pode existir sem o outro, muito embora seja ora um, ora o outro desses aspectos que prevaleça. Esse duplo aspecto possui dois perigos correspondentes. O primeiro é o perigo de o paciente usar as oportunidades de desenvolvimento espiritual que emergem da análise do inconsciente como um pretexto para se evadir das responsabilidades humanas mais profundas, e para afetar uma ‘espiritualidade’ que não resiste à crítica moral; o segundo é o perigo de que tendências atávicas possam ganhar ascendência e rebaixar a relação a um nível primitivo. Entre esta Cila e aquela Caribdis há uma passagem estreita, e tanto a mística cristã medieval quanto a alquimia muito contribuíram para a sua descoberta.

(JUNG, 1966JUNG, C. G. The psychology of the transference. In: The practice of psychotherapy. Princeton: Princeton University Press, 1966., § 448)

Pode-se ver, portanto, como a individuação, entendida como “tornar-se o que se é”, como realização pessoal da totalidade humana, aquela “unidade transcendente cuja natureza só pode ser captada simbolicamente” (Si-mesmo), é consistentemente vinculada por Jung à exigência de inserção do sujeito no campo essencial das relações humanas, e em especial da relação Eu-Tu, em consonância com o que assinalei ao desenvolver a compreensão da experiência religiosa a partir de Feuerbach. Também em Nietzsche o processo existencial de “tornar-se o que se é”, cadenciado por experiências pessoais marcantes e indeléveis, não se realiza na clausura solipsística do Eu, pressupondo antes o outro ou os outros que compõem necessariamente o espaço da existência comum e da comunicação da própria experiência (GIACOIA JR, 2013GIACOIA JUNIOR, O. Nietzsche: o humano como memória e como promessa. Petrópolis: Vozes, 2013., p. 271). Por outro lado, diferenciando-se da fúria com que o leão nietzschiano destrói os valores tradicionais, Jung diz que a ruptura dos laços com a comunidade e suas convicções e costumes transmitidos pela tradição priva a consciência de suas raízes instintivas, já que tais convicções e costumes “estão profundamente arraigados nos instintos” (JUNG, 1945, § 216). (Lembremos que “instintos” remetem em Jung a “inconsciente coletivo”.) A perda de raízes, por seu turno, “provoca uma hybris na consciência, que se manifesta por uma exagerada autoestima, ou por um complexo de inferioridade” (ibid.).

De toda forma, a mística do Si-mesmo, tomada no nível em que apresenta caráter individual e psicológico, guarda profundas relações com a comunidade humana, não devendo ser entendida de modo reducionista como a realização isolada de um indivíduo excepcional. Novamente Jung: “o processo natural da individuação produz uma consciência da comunidade humana, justamente porque nos faz perceber o inconsciente, que une todos os homens e é comum a toda a humanidade. A individuação é o ‘tornar-se um’ consigo mesmo, e ao mesmo tempo com a humanidade, já que somos uma parte da humanidade” (JUNG, 1945, § 227). Não por acaso, segundo a avaliação de Jung, a mística cristã medieval e a alquimia (que é uma disciplina espiritual, e não meramente uma química pré-científica) perceberam os perigos da vivência espiritual mística. Situando a psicologia analítica na esteira dessa tradição espiritual ocidental, Jung lerá nos testemunhos tradicionais a experiência psicológica do Si-mesmo no processo de individuação, e, inversamente, reconhecerá no processo de individuação em indivíduos modernos a dimensão religiosa e mística de que falam os testemunhos tradicionais, oferecendo então uma versão psicológica e moderna da mística do Si-mesmo.

4 Um exemplo concreto ilustrativo

Para ilustrar o exposto, é apresentada agora brevemente uma vinheta extraída de minha prática clínica.20 20 O paciente autorizou-me a usar o material que se segue. Um jovem de 22 anos, num quadro de depressão profunda e angústia igualmente exponencial, afetado também por sintomas neuróticos comuns, procura-me para fazer um tratamento analítico. Não tem uma vida religiosa, nem temas religiosos lhe interessam—sua formação religiosa limita-se àquele tão comum e mal feito catecismo de infância, logo abandonado ou soterrado pelas experiências e saberes próprios da posição moderna de consciência, que nada têm a ver com a fé religiosa. Sua posição na vida poderia ser descrita como a de um ateísmo prático. Em meio ao processo analítico, para sua surpresa e minha também, ele tem um sonho estranho e desconcertante:

Estou em minha casa, sozinho. De repente, sinto uma presença invisível no ambiente: trata-se da fonte da vida de todo o universo. A princípio sou tomado de um pavor indescritível, como se eu fosse enlouquecer ou ser destruído por aquela presença; depois, aos poucos o pavor se converte em fascínio.21 21 O tremendum et fascinans que Rudolf Otto atribui à experiência do sagrado/numinoso. Sentindo todo o cansaço com minha vida fracassada e pequena, anseio ardentemente por me dissolver naquela fonte de toda vida. Então ouço uma voz, com que essa presença invisível se dirige a mim, e sei que é a voz do Cristo, que me pergunta em tom manso e amoroso: ‘Será que você não entende que tem de ser assim?’ Então compreendo, num átimo de iluminação, que eu deveria preservar minha vida, permanecer neste mundo, mesmo em meio às dores, sofrimentos e fracassos, pois aqui era o lugar que aquela fonte de toda vida me assinalava como o espaço para viver a minha vida.

A situação deste jovem gravemente deprimido assemelha-se àquela vivida por São Silvano do Monte Athos: este monge sofre o tormento angustiado de perceber a distância abissal entre o ideal de uma vida perfeita na santidade e a situação frustrante em que vive efetivamente no mundo, a distância entre o infinito do desejo e a mediocridade de sua realização, que faz o mundo se lhe afigurar como o próprio inferno. É então que Cristo lhe aparece e lhe diz: “Permaneça no inferno, mas não desespere.” (DUQUOC, 1994DUQUOC, Ch. Posfácio. Concilium, v. 254, n. 4, p. 133-139 [651-657], 1994., p. 133 [651]) A simples presença mística dessa palavra sinaliza um sentido que recobre o próprio tormento do santo. O inferno não se desfaz, mas a partir desse instante místico o desespero pode recuar.

A diferença fundamental entre o jovem e o monge santo é que o primeiro não tem uma vida religiosa. Por isso, o teor de seu sonho místico é inesperado e surpreendente.22 22 A propósito da interpretação místico-religiosa de sonhos e outros fenômenos psicológicos, ver KELSEY (1996), WHITE (1953) e MESEGUER (1956). Além disso, no caso do jovem a palavra mística não assumiu a forma do imperativo, uma orientação que é uma ordem, mas sim a forma de uma pergunta endereçada à compreensão, que por isso mesmo respeita radicalmente a liberdade do rapaz deprimido e angustiado.23 23 Jung diz que não devemos sucumbir nem ao bem nem ao mal: “Quando se toca no mal, corre-se o risco de se sucumbir a ele. Ora, o homem, de um modo geral, não deve sucumbir nem mesmo ao bem. Um pretenso bem ao qual se sucumbe perde seu caráter moral, não porque tenha se tornado um mal em si, mas porque determina consequências más, simplesmente porque se sucumbiu a ele. Qualquer que seja a forma que revele o excesso a que nos entregamos, como o álcool, a morfina ou o idealismo, é nociva. Nunca devemos sucumbir à sedução daquilo que é prejudicial. (...) Nada pode poupar-nos do tormento da decisão ética.” In JAFFÉ, 1982, p. 284-285.

A experiência mística do jovem atormentado poderia legitimamente receber uma interpretação de acordo com os pressupostos da mística da graça sobrenatural. Apoiando-se no fato de a voz ouvida ser reconhecida como a voz de Cristo, um teólogo poderia evocar a conhecida passagem de Paulo na epístola aos Gálatas (Gl 2, 20: “Eu vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim”), bem como salientar a percepção de que aquela presença era a fonte da vida de todo o universo, e assim reconhecer na experiência do rapaz uma genuína manifestação do Deus cristão.

Já uma interpretação a partir dos pressupostos de Feuerbach divergiria apenas ao reduzir a presença invisível à manifestação da própria essência humana, que se comunica ao eu consciente deprimido com os resquícios de sua alienação religiosa infantil; quanto ao detalhe da presença invisível ser a fonte da vida de todo o universo, ele poderia ser contemplado pela mudança de foco do segundo momento do pensamento de Feuerbach, em que a noção de essência humana passa a ser subsumida na noção de natureza (tal como no fragmento póstumo apresentado anteriormente), ultrapassando-se assim o refúgio subjetivista do momento estritamente antropológico, e assim teríamos uma posição hermenêutica substancialmente análoga àquela implicada na versão do ideologema em Jung.

A interpretação conforme a matriz nietzschiana veria no sonho místico a intervenção do Si-mesmo que “domina e é também o dominador do eu”, o eu se manifestando aqui como o sonhador no momento em que sonha, e este eu nada mais seria do que uma recorrência mais jovem daquele mesmo Selbst, ainda em processo de atingir a plena consciência de sua relação com a vida. Usando de um estratagema inteligente, o Si-mesmo fala a si próprio como eu onírico com a voz de Cristo, o que poderia significar, em uma perspectiva nietzschiana, que o jovem eu ainda não está maduro para se defrontar com todas as consequências e responsabilidades existenciais da “morte de Deus” e do “mais abissal dentre os pensamentos”, que de início abalou até mesmo o próprio Zaratustra/Nietzsche—a ideia do eterno retorno do mesmo. E, note-se, a intervenção da voz no sonho místico promove a afirmação plena da vida, que inclui as dores e sofrimentos que afligem o jovem sonhador, opondo-se à “morte” prematura e ansiada da dissolução na fonte da vida: ainda não se cumpriram neste ciclo da recorrência da vida no sonhador as condições para a solitária e plena comunhão mística com a própria alma. O Si-mesmo opõe-se ao niilismo suicida, guiado pelo niilismo extático do eterno retorno do mesmo (LOEB, 2010LOEB, P. S. The death of Nietzsche’s Zaratustra. Cambridge: Cambridge University Press, 2010., p. 165).

E um enfoque junguiano limitar-se-ia a considerar o impacto numinoso-terapêutico da experiência mística do Si-mesmo, deixando ao curso do processo de individuação no rapaz a definição acerca dos rumos que sua experiência religiosa poderá tomar: seria um chamado à reconstrução de uma posição cristã a partir dos escombros de uma fé perdida, uma restituição do vínculo interrompido ou mal feito com a tradição? Seria apenas uma momentânea recordação de uma posição passada (como acontece com Fausto, no instante em que vai cometer suicídio), destinada a ser abandonada em definitivo posteriormente? São questões que somente a própria vida poderá responder ao sonhador.

Conclusão

Poderíamos dizer, com Olivier Lacombe, que a experiência mística aqui enfocada significa, em última análise, “uma experiência suprassensível centrada sobre o existir do Si-mesmo, em seu despojamento, não de uma intuição metafísica contemplando as riquezas inteligíveis da essência da alma, nem de uma investigação curiosa sobre os fenômenos da intimidade psicológica”, uma “enstase do ato de conhecer no ato de existir” (GARDET; LACOMBE, 1981GARDET, L.; LACOMBE, O. L’expérience du Soi. Études de mystique comparée. Paris: Desclée de Brower, 1981., p. 161). É importante frisar que uma experiência deste tipo não é o resultado de uma técnica qualquer, mas brota de uma espontaneidade que não é passível de ser submetida a controle. Tal espontaneidade adensa-se em instantes excepcionais, em que a sensação habitual de um fluxo contínuo horizontal do tempo sucessivo é subitamente atravessada pela verticalidade própria que Gaston Bachelard atribuía ao instante poético (BACHELARD, 1986BACHELARD, G. O direito de sonhar. São Paulo: Difel, 1986., p. 183-189), e que podemos estender à totalidade “supratemporal” da experiência mística (lembrando que o místico não permanece em êxtase indefinidamente: a experiência ocorre dentro do tempo).

A questão acerca de um aprofundamento ulterior da unidade ontológica experimentada na mística do Si-mesmo não pode ser tratada aqui. Ela deságua, em última instância, no espinhoso problema do possível ultrapassamento da dimensão da imanência na direção de um plano de transcendência que fosse o fundamento último daquela dimensão. Tal aprofundamento está fora de questão em Feuerbach e Nietzsche. Em Jung, a temerária postulação metafísica do “arquétipo em si”, noumenon irrepresentável e transcendente, distinto da ideia arquetípica, deixa intacta, segundo ele, a “transcendência da premissa teológica” (JUNG, 1976aJUNG, C. G. Letters. London: Routledge and Kegan Paul, 1976a. v.2., p. 23 [Carta de 30/08/1951, ao dr. H]), mas a sobriedade da sua cautela cética consegue prevalecer e proibir a tematização de tal transcendência dentro do espaço epistemológico próprio da psicologia. Assim, em última análise a versão psicológica da mística da alma só pode oferecer o fato incontestável da vivência psíquica do Si-mesmo, com todo o seu possível e convincente impacto “numinoso”. A crença suplementar a respeito do sentido ou referente último dessa vivência não pode ser garantida indubitavelmente por nenhum dos três contextos de pensamento trabalhados em minha exposição. Nos três casos, temos uma decisão teórica que instrui a respectiva interpretação da experiência, com consequências existenciais diretas, e não uma demonstração da necessidade dos respectivos pressupostos. Em Feuerbach, o reducionismo implicado na tese de que Deus nada mais é do que a projeção da essência humana representa uma flagrante transgressão ao interdito metafísico que, por outro lado, ele mesmo subscreve; em Nietzsche, a ideia do eterno retorno do mesmo, a despeito de sua coerência interna, permanece sendo uma hipótese hermenêutica (ou “perspectiva”) oferecida a seus “discípulos e herdeiros”: é perfeitamente possível recusá-la sem contradição, e assumir outra perspectiva acerca da experiência do Si-mesmo e de sua respectiva interpretação; e em Jung, o ceticismo epistêmico previne o ônus de ter de assumir uma tese que não pode ser garantida pela simples vivência psicológica—donde a falácia ou, no melhor dos casos, o mal-entendido implicado na famosa resposta de Jung a John Freeman, quando indagado sobre se acreditava em Deus: “I don’t need to believe. I know.” Como demonstrei em outro lugar (BARRETO, 2012BARRETO, M. H. Pensar Jung. São Paulo: Loyola, 2012., p. 131-151), o “conhecer”/”saber” na resposta de Jung reduz-se à vivência ou experiência imediata dos símbolos psicológicos do Si-mesmo, experiência que não é nem imediata, rigorosamente falando, nem suficiente para estabelecer a existência de Deus como referente real do símbolo do Si-mesmo, vale dizer: da imagem psicológica de Deus.

Portanto, as abordagens dos três pensadores aqui examinados, quando aplicadas para a compreensão da experiência mística, só podem legitimamente se restringir ao nível das místicas da imanência, em especial à mística do Si-mesmo.

O ideologema que recolhi nos escritos de Feuerbach, Nietzsche e Jung permite, por um lado, pensar teoricamente o espaço subjetivo segundo uma forma condizente com as exigências constitutivas da mentalidade moderna (ou do Zeitgeist novecentista), e, por outro, iluminar uma prática em que o conhecimento de si mesmo se revela como uma forma de espiritualidade, que inclui momentos excepcionais pelos quais a experiência contemporânea do “conhece-te a ti mesmo” pode ser descrita como análoga às outras experiências que um estudo de mística comparada (subtítulo do livro de Gardet e Lacombe sobre a experiência do Si-mesmo) refere à modalidade da mística da alma ou do Si-mesmo.

  • 1
    Comunicação pessoal.
  • 2
    Para uma magistral exposição acerca das relações entre mística e metafísica na tradição ocidental, ver VAZ, 2000VAZ, H. C. L. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo: Loyola, 2000..
  • 3
    Para uma apresentação e breve discussão de um exemplo contemporâneo de mística ateia do Todo (na experiência pessoal do filósofo francês André Comte-Sponville), veja-se BARRETO, 2016BARRETO, M. H. Experiência religiosa, ateísmo e modernidade. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 48, n. 3, p. 539-558, 2016., p. 547-553.
  • 4
    Um ideologema é um “componente irredutível, dentre outros, de uma convicção, fé, ideal, idealização” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, s.v.). Utilizo o termo aqui, sem qualquer conotação crítica ou negativa, para designar este componente tal como aparece no contexto dos pensamentos dos autores abordados.
  • 5
    Para a meditação das diferenças notáveis entre os vários tipos e níveis da mística permanecem valiosos os Études sur la Psychologie des Mystiques, de Joseph Maréchal (MARÉCHAL, 1938MARÉCHAL, J. Études sur la Psychologie des Mystiques. Paris: Desclée de Brower, 1938.). Reitere-se aqui que, ao tratar do vasto e complexo tema da experiência mística, enfoco apenas a modalidade da mística do Si-mesmo e, nesta, apenas uma versão que permite a aproximação com certos fenômenos que se manifestam na experiência psicológica.
  • 6
    Por isso em A essência do cristianismo Feuerbach preferia a designação de sua posição pelo termo antropoteísmo.
  • 7
    Não sem razão, Max Stirner ironiza Feuerbach, chamando-o de “ateu piedoso”, por ter simplesmente mudado o absoluto de lugar, sem eliminar a própria categoria do absoluto.
  • 8
    Ao contrário de Freud, portanto, a religião para Feuerbach não é uma ilusão neurótica de caráter infantil, mas uma alienação ontologicamente fundada. Corrigir a alienação não significa abolir a religião tout court, mas transformá-la em uma nova forma de relação com a realidade. Observe-se que o termo “projeção” não é usado por Feuerbach, mas o fenômeno constitutivo da consciência religiosa corresponde ao que essa noção descreve.
  • 9
    Pela pertença do corpo (Nicht-Selbst) à natureza, com a qual ele está em continuidade, seria possível pensar também a modalidade da mística do Todo. Mas não desenvolverei aqui essa possibilidade.
  • 10
    Tradução modificada (o tradutor optou por verter o alemão Selbst – Si-mesmo – por “ser próprio”). A passagem encontra-se em “Dos desprezadores do corpo”.
  • 11
    Seria possível objetar que aqui não se trata do Si-mesmo/corpo, tal como apresentado na passagem de “Dos desprezadores do corpo”, mas do eu (Ich) recorrente de Zaratustra que detém, em virtude de sua experiência passada completa, o conhecimento que comunica ao eu (Ich) atual de Zaratustra – no caso, a ideia do eterno retorno do mesmo. Mas de onde esse eu teria recebido tal ideia? À luz da concepção de Nietzsche de que as ideias e descobertas filosóficas são formadas por inspiração a partir dos instintos fundamentais do Homem, que desempenham o papel de gênios ou daimones (NIETZSCHE, 1974NIETZSCHE, F. Para além do bem e do mal. Lisboa: Guimarães Editores, 1974., p. 14-16), a resposta é clara: essa sabedoria instintiva pertence àquele “sábio desconhecido”, o Si-mesmo, que “mora no teu corpo, é o teu corpo”. Portanto, o eu recorrente de Zaratustra seria o porta-voz do Si-mesmo, na verdade sendo indistinguível deste, em virtude de já ter se iniciado em sua sabedoria instintiva. Vale lembrar que Nietzsche interpreta a experiência dos “místicos de toda a espécie” como proveniente da mesma inspiração instintiva (ibid.).
  • 12
    Veja-se o capítulo 3 (“The dwarf and the gateway”) em LOEB, 2010LOEB, P. S. The death of Nietzsche’s Zaratustra. Cambridge: Cambridge University Press, 2010..
  • 13
    É sumamente interessante a interpretação psicológica que Jung propõe para o fenômeno contemporâneo dos discos voadores, nele vendo uma atividade do espírito moderno compensatória à sua fragmentação, à sua totalidade perdida em função de seu desenraizamento histórico e estrutural, derivado da ruptura radical com os laços da tradição. Os discos voadores, entendidos apenas como imagens psíquicas coletivas, seriam justamente símbolos do Si-mesmo, da totalidade que se opõe compensatoriamente à fragmentação esquizoide de nosso mundo. (JUNG, 1970aJUNG, C.G. Flying saucers. A modern myth. In: Civilization in Transition. Princeton: Princeton University Press, 1970a.)
  • 14
    Lembre-se de passagem que, na antropologia teológica, que pensa o ser humano enquanto imago Dei, há uma correspondência (devidamente pensada respeitando a categoria da transcendência divina) entre o ser humano e Deus. Na cristologia dogmática este problema é referido ao tema da “comunicação dos idiomas”, e é por esta via que talvez pudesse ser encaminhada a reflexão ulterior a respeito das relações entre mística do Si-mesmo e mística da graça sobrenatural, segundo uma perspectiva cristã.
  • 15
    Remeto o leitor ao capítulo “Sobre Deus, Homem e mal no pensamento de C.G. Jung”, in BARRETO, 2012BARRETO, M. H. Pensar Jung. São Paulo: Loyola, 2012., p. 153-190.
  • 16
    Para a exposição da unidade entre a dimensão ética e a dimensão religiosa no pensamento de Jung, ver BARRETO, 2018BARRETO, M. H. Estudos (pós)junguianos. São Paulo: Loyola, 2018., p. 21-40.
  • 17
    Ver adiante o exemplo ilustrativo que apresento.
  • 18
    Sobre o “tornar-se o que se é”, em perspectiva nietzschiana, Oswaldo Giacoia Júnior afirma que ele jamais se plenifica, pois o Si-mesmo “só pode ser recuperado parcialmente, como peças—e de maneira oblíqua, necessariamente desfigurada—em etapas privilegiadas do caminhar” (GIACOIA JR, 2012GIACOIA JUNIOR, O. Nietzsche: o humano como memória e como promessa. Petrópolis: Vozes, 2013., p. 264-265). Em perspectiva junguiana, a “maneira oblíqua, necessariamente desfigurada” com que se recuperam as “peças” do Si-mesmo significa que essa recuperação é necessariamente mediada pelos símbolos. O “tornar-se o que se é” é, pois, uma experiência simbólica.
  • 19
    “Originalmente todos nós nascemos de um mundo de totalidade, e nos primeiros anos de vida ainda estamos completamente contidos nele. Ali temos todo o conhecimento sem o saber. Mais tarde nós o perdemos, e chamamos progresso quando o relembramos novamente” [Carta de 22/7/1939, a M.R. Braband-Isaac] (JUNG, 1973JUNG, C. G. Letters. London: Routledge and Kegan Paul, 1973. v. 1., p. 275). Sublinhe-se aqui, mais uma vez, o caráter fundamental do ato de reminiscência, que se diferencia de uma recordação ordinária tanto pela intensidade quanto pela qualidade do que é rememorado, indicando a presença do “eu profundo”. Jung diria que essa qualidade da reminiscência aponta para o caráter arquetípico da experiência, que é então qualificada como religiosa, uma experiência do Si-mesmo “em sua verdadeira duração supratemporal”, segundo a expressão de Olivier Lacombe, “experiência imediata” segundo Jung, o que permite inscrevê-la na modalidade da mística do Si-mesmo.
  • 20
    O paciente autorizou-me a usar o material que se segue.
  • 21
    O tremendum et fascinans que Rudolf Otto atribui à experiência do sagrado/numinoso.
  • 22
    A propósito da interpretação místico-religiosa de sonhos e outros fenômenos psicológicos, ver KELSEY (1996)KELSEY, M.T. Deus, sonhos e revelação: interpretação cristã dos sonhos. São Paulo: Paulus, 1996., WHITE (1953)WHITE, V. God and the unconscious. Chicago: Henry Regnery Company, 1953. e MESEGUER (1956)MESEGUER, P. El secreto de los sueños: psicologia, metapsiquica, teologia. Madrid: Razón y Fe, 1956..
  • 23
    Jung diz que não devemos sucumbir nem ao bem nem ao mal: “Quando se toca no mal, corre-se o risco de se sucumbir a ele. Ora, o homem, de um modo geral, não deve sucumbir nem mesmo ao bem. Um pretenso bem ao qual se sucumbe perde seu caráter moral, não porque tenha se tornado um mal em si, mas porque determina consequências más, simplesmente porque se sucumbiu a ele. Qualquer que seja a forma que revele o excesso a que nos entregamos, como o álcool, a morfina ou o idealismo, é nociva. Nunca devemos sucumbir à sedução daquilo que é prejudicial. (...) Nada pode poupar-nos do tormento da decisão ética.” In JAFFÉ, 1982, p. 284-285.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2022
  • Aceito
    20 Mar 2023
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