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AS DIMENSÕES DE DECOLONIALIDADE, PLURALIDADE E ECUMENICIDADE DO PENSAR TEOLÓGICO: O POTENCIAL CRÍTICO-LIBERTADOR DAS RELIGIÕES NA AMÉRICA LATINA

The D imensions of Decoloniality, Plurality and Ecumenicity in Theological Thinking: the Critical-Liberating Potential of Religions in Latin America

RESUMO

O artigo tem como objetivo realçar a importância das dimensões de decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade para o processo de aprofundamento da teologia latino-americana, em sua perspectiva libertadora, tendo em vista o desenvolvimento do potencial crítico-libertador das religiões e das espiritualidades do continente latino-americano. Utilizando o método da análise qualitativa da bibliografia referente a tais temas, o estudo parte de uma apresentação das categorias decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade, e faz, em seguida, uma abordagem descritiva e sumária da diversidade religiosa na América Latina e sua relação com questões socioculturais do continente, numa análise da questão religiosa latino-americana no contexto atual de globalização. Na sequência, numa perspectiva hermenêutica, explora aspectos da teologia latino-americana que impulsionam as dimensões decolonial, pluralista e ecumênica. A pesquisa conclui que as dimensões de decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade são fundamentais para os processos de afirmação da identidade sociocultural e religiosa dos povos latino-americanos, ressignificando conteúdos de suas fés e suas crenças e explicitando suas especificidades contextuais. Isso potencializa as religiões no continente para ações construtoras da justiça social, a promoção da vida humana e a defesa da criação e abre novos desafios para a teologia latino-americana.

PALAVRAS-CHAVE
Religiões; Sociedades latino-americanas; Decolonialidade; Princípio pluralista; Ecumenicidade

ABSTRACT

The article aims to highlight the the importance of the dimensions of decoloniality, plurality and ecumenicity for the process of deepening Latin American theology, in its liberating perspective, considering the development of the critical-liberating potential of religions and spiritualities of the Latin American continent. Using the method of qualitative analysis of the bibliography related to such themes, the study starts from a presentation of the categories of coloniality, plurality and ecumenicity, and then makes a descriptive and summary approach to religious diversity in Latin America and its relationship with sociocultural issues on the continente, with an analysis of the Latin American religious issue in the current context of globalization. Then, from a hermeneutic perspective, it explores the possibilities of a Latin American theology that is decolonial, pluralistic and ecumenical. The research concludes that decoloniality, plurality and ecumenicity are fundamental for the affirmation of the sociocultural and religious identity of Latin American peoples, re-signifying the contents of their faiths and beliefs and making their contextual specificities explicit. This empowers religions on the continent for actions that build social justice, the promotion of human life and the defense of creation and opens new challenges for Latin American theology.

KEY WORDS
Religions; Interreligious Dialogue; Decoloniality; Pluralist Principle; Ecumenicity

Introdução

O objetivo deste estudo é oferecer elementos para o debate teológico sobre a potencialidade das expressões religiosas do continente latino-americano e suas possibilidades de empoderamento, dentro das demandas que confrontam as perspectivas ideológicas coloniais, tão fortemente presentes nas sociedades da região. Essa tarefa é feita a partir da identificação das dimensões de decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade que situam as religiões, nos diferentes contextos socioculturais da região, como atores públicos de processos sociais nos quais exercitam o diálogo e a cooperação na promoção da vida e a defesa da criação. Com isso, indicamos algumas implicações para o processo de aprofundamento da teologia latino-americana, em sua perspectiva libertadora.

Após sintetizar os aspectos básicos das dimensões chaves de nossa reflexão – decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade –, destacaremos aspectos da questão religiosa no contexto da atual globalização sociocultural e econômica, fenômeno ambíguo, que pode gerar interações positivas entre os povos, mas também fragilizar os valores locais, num prolongamento da história de colonização. Regida pelo mercado, a globalização dá continuidade a projetos colonizadores que geram situações de injustiça, pobreza e sofrimento de toda ordem. Nessas situações, emergem variadas questões na relação entre religião e sociedade, especialmente a ambiguidade da força social das experiências religiosas, na medida em que ela pode se dar para justificar ou para transformar o status quo estabelecido.

Metodologicamente, ressaltamos três perspectivas, articuladas entre si, e realçadas na sequência dos passos de nossa análise: a) a decolonial, de fundamental importância para o aprofundamento da teologia latino-americana em sua raiz libertadora, que questiona padrões culturais e religiosos que dificultam a afirmação de valores constitutivos da identidade do ser latino-americano; b) a visão de pluralidade, que valoriza a diversidade cultural e religiosa do continente, apresenta fundamentos teóricos que visam fortalecer e desenvolver posturas de inclusividade, reconhecendo que as diferenças não se constituem como polos negativos, ameaçadores, mas são riquezas e possibilidades para se compreender a realidade; c) e a ecumenicidade, como cultura que estrutura uma visão aberta e global da vida, reconhecendo o valor teológico dos variados credos, explicitando, assim, a necessidade de se pensar um ecumenismo em sentido amplo na América Latina, que articule processos socioculturais, espirituais e religiosos na construção da oikoumene de justiça, de paz, e de defesa da integridade da criação.

1 A semântica latino-americana de decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade

A proposta sistematizada de um pensamento decolonial tem origem no final dos anos 1990, com intelectuais latino-americanos de diversas universidades do continente e dos Estados Unidos, que formaram o grupo de trabalho interdisciplinar sobre “Modernidade/Colonialidade” (DUBE, S.; DUBE, I. B.; MIGNOLO, 2004DUBE, S.; DUBE, I.B.; MIGNOLO, W. D. (Coords.). Modernidades coloniales: otros passados, historias presentes. Cidade do México: El Colegio de México, 2004.; WALSCH, 2005WALSH, C. (Ed.). Pensamiento crítico y matriz (de)colonial: reflexiones latino-americanas. Quito: Universidade Andina Simón Bolívar/Avya-Yala, 2005.; DUSSEL, 2013DUSSEL, E. Descolonização epistemológica da teologia. Concilium, Petrópolis, v. 350, n. 2, p. 19-30, 2013.). Entendem a “colonialidade” como modelo hegemônico cognitivo que sobrevive ao colonialismo e ao imperialismo constituindo-se e retroalimentando-se como “lado obscuro da modernidade” (MIGNOLO, 2008MIGNOLO, W. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF , Niterói, n. 34, p. 287-324, 2008., p. 288). Atualmente, o colonialismo é considerado extinto como evento histórico, como atuação dos reinos ou das relações Estado-nação (RASCHIETTI, 2022RASCHIETTI, S. A missão em questão: a emergência de um paradigma missionário em perspectiva decolonial. Petrópolis: Vozes, 2022., p. 110), mas não o projeto colonial, que se expressa em geral na informalidade, de modo nebuloso e quase imperceptível em sua influência no poder, no saber e no ser dos povos latino-americanos. Assim é o capitalismo financeiro, que age por meio de estruturas de classificação, submissão e exploração dos povos. Como alternativa, a decolonialidade é proposta como subversão do atual poder colonial, visando afirmar a dignidade, a liberdade e a soberania dos povos por um construir um “projeto decolonial” que incide em todos os âmbitos da sociedade, como a política, a economia, a religião.

Em linhas gerais, as visões decoloniais enfatizam a crítica aos processos de encobrimento e silenciamento das culturas historicamente marginalizadas e a necessidade de se ressaltar o valor dessas culturas para a produção do conhecimento. A perspectiva ou giro decolonial são expressões que se distinguem do “pós-colonial” ou do “descolonial”, que se tornaram mais comuns em variados círculos. Diz Catherine Walsh a favor da expressão “decolonial”:

suprimir o ‘s’ e nomear ‘decolonial’ não é promover um anglicismo. Pelo contrário, é marcar uma distinção com o significado em espanhol [português] de ‘des’. Não pretendemos simplesmente desarmar, desfazer, ou reverter o colonial [...]. A intenção, antes, é apontar e provocar uma posição – uma postura e atitude contínuas – de transgredir, intervir, emergir e influenciar. O decolonial denota, então, um caminho de luta contínua em que podemos identificar, tornar visíveis e favorecer ‘lugares’ de exterioridade e construções alternativas

(WALSH, 2009WALSH, C. Interculturalidad, Estado, Sociedad: luchas (de)coloniales de nuestra época. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar/Abya Yala, 2009., p. 14-15).

O referido giro possui um sentido estratégico que revela interpelações políticas e epistemológicas, com caráter propositivo e prático, de reconstrução de culturas, instituições e relações sociais, tendo em perspectiva o empoderamento de grupos subalternos e construções críticas alternativas e plurais. As proposições conceituais desses estudos culturais visam realçar a decolonialidade do poder, do saber e do ser e estão vinculadas a ações concretas no âmbito cultural e político. O “decolonial” indica uma desobediência epistemológica sem a qual “não será possível o desencadeamento epistêmico e, portanto, permaneceremos no domínio da oposição interna aos conceitos modernos e eurocentrados, enraizados nas categorias de conceitos gregos e latinos e nas experiências e subjetividades formadas dessas bases” (MIGNOLO, 2008MIGNOLO, W. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF , Niterói, n. 34, p. 287-324, 2008., p. 288).

A afirmação do projeto decolonial requer o reconhecimento da pluralidade, contra toda tentativa de hegemonia e homogeneização do saber e do ser. A pluralidade é constitutiva da vida humana e social, formando estilos de vida e paradigmas culturais para regiões inteiras. Ela tem expressões em todos os âmbitos da vida, como a cultura, a economia, a política, a religião. Na América Latina, este processo se intensifica a partir da segunda metade do século 20, quando mudanças significativas, sobretudo no campo cultural e religioso, os torna mais plurais e complexos, com influências da globalização econômica, da mobilidade humana, da urbanização, da secularização, entre outros.

É importante observar o fato de que a pluralidade está ligada à valorização da diversificação religiosa que se dá verticalmente na medida em que se multiplicam novos grupos religiosos, em geral dissidentes, e também horizontalmente, a partir de aspectos políticos, culturais e ideológicos que perpassam os grupos e as instituições religiosas, pluralizando-os internamente. As expressões de fé tradicionais – sobretudo do cristianismo e dos povos originários em suas múltiplas formas – mesclam-se com práticas religiosas contemporâneas. Em alguns ambientes há uma hibridização do universo religioso pela interação de elementos de diferentes tradições, uma religiosidade difusa e plural que indica o afrouxamento das fronteiras rígidas das instituições históricas, expressando menor importância aos referentes ancorados na tradição familiar e na herança cultural.

Isso causa tensões e conflitos na interação e convivência das diferenças, tanto socioculturais quanto religiosas. Daqui surge o desafio de exercitar a disponibilidade para entender a alteridade, desfazendo-se de posturas que se radicalizam e absolutizam um determinado sistema de vida sociocultural ou religioso. A afirmação da pluralidade requer superar uma dificuldade estrutural chave: — a pretensão de hegemonia e a centralização do poder que desvalorizam propostas alternativas à explicitação sociocultural e religiosa dos povos.

Entramos, assim, na terceira categoria chave da nossa pesquisa: — a ecumenicidade. A dimensão de ecumenicidade realça elementos-chave da vivência religiosa e humana como: (a) a alteridade conjuntiva que engloba as relações interpessoais, coletivas, subjetivas, corpóreas e cósmicas; (b) o respeito e a afirmação da diferença; e (c) o diálogo e cooperação prática e ética em torno da busca da justiça em relação a grupos empobrecidos e subjugados pelas mais diferentes formas de dominação. Desse modo, ecumenicidade é um estilo de vivência e convivência, ou vivência na/pela convivência, onde unidade e diversidade se requerem mutuamente. Procede do termo ecumenismo, que por sua vez é originário do termo grego oikoumene.

Por algum tempo entendeu-se ecumenismo apenas as relações no interior do movimento ecumênico originário nos inícios do século 20, que visava o entendimento comum da fé cristã nas diferentes igrejas (WOLFF, 2019bWOLFF, E. Caminhos do ecumenismo no Brasil: história, teologia, pastoral. São Paulo: Paulus/Paulinas; São Leopoldo: Sinodal, 2019b., p. 69-149). Hoje, amplia-se o universo semântico de ecumenismo, apontando as relações também entre culturas e credos (VIGIL; TOMITA; BARROS, 2007VIGIL, J. M. Teologia do Pluralismo Religioso: para uma releitura pluralista do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006.). O fundamental é que por ecumenicidade indicam-se respeito e convivência num mundo plural, cultural e religiosamente. A aproximação, o diálogo e a cooperação entre as diferenças no mundo plural contribuem para que possam reconstruir seus princípios fundantes e identidades. Daí a ênfase na pluralidade e no diálogo justo como condição imprescindível para se construírem identidades autênticas, relacionais, e se reverem suas contribuições para o mundo, dentro dos critérios da justiça, da paz e da sustentabilidade da vida, levando em conta os diferenciais de poder entre cada expressão cultural e religiosa.

Essas contribuições condizem com o projeto decolonial para o Continente, na afirmação da legitimidade das expressões plurais da vida dos povos. A ecumenicidade, em função de seu caráter relativizador e crítico às formas de pensamento único, aos autoritarismos e totalitarimos, afirma o valor da pluralidade que rompe com as tendencias coloniais que se pretendem hegemônicas. Ela impulsiona processos de liberdade sociopolítica e decolonial que afirmam sociedades democráticas, consolidam direitos humanos e ambientais, criticam as variadas formas de dominação, e propõem alternativas às lógicas econômicas excludentes. Nesse processo, é importante observar a contribuição das religiões e das espiritualidades ao apontarem, para um sentido de transcendência dos esforços decoloniais vividos nos contextos sociais, políticos e econômicos, como processos de afirmação da justiça num mundo plural, dos direitos humanos e da terra, da cidadania e da dignidade dos pobres. Decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade reforçam espaços de consciência social, coexistencialidade, alteridade, humanização, multiplicidade, cordialidade e integração cósmica (RIBEIRO, 2020RIBEIRO, C. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.).

2 A questão religiosa na América Latina hoje

Diante das perspectivas apresentadas em nossa pesquisa, destacamos alguns sintomas sociais do quadro religioso na América Latina e que desafiam o fazer teológico, considerando o foco que estamos analisando. A indicação de tais sintomas está ancorada, por suposto, em análises anteriores dos processos internos do contexto de cada situação social descrita e das causas estruturais dos fenômenos em questão, sobretudo as de natureza socioeconômica. Os limites deste estudo não permitem a explicitação de tais análises, mas consideramos necessária a indicação de alguns aspectos para pavimentar nossas reflexões em torno das dimensões de decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade na tarefa teológica. Destacaremos sobretudo, aspectos relacionados à globalização da pobreza e à ambiguidade da força social das experiências religiosas, ora como fator de legitimação, ora como questionamento e desestabilização do status quo.

2.1 Aspectos da globalização da pobreza

Os processos de globalização sociocultural e econômica que marcam as sociedades atuais, possibilitam a interação entre os povos e o intercâmbio em diversos âmbitos, como o econômico, o cultural, o tecnológico e científico, entre outros. Porém, também podem impor padrões de comportamento que fragilizam as forças e as identidades locais (HINKELAMMERT, 2014HINKELAMMERT, F. Mercado versus direitos humanos. São Paulo: Paulus, 2014.). A globalização, como um conjunto de processos que, a partir do século 20 transformam a formação social vigente, abarcam a dimensão ecológica, a divisão social do trabalho e a geopolítica, afetando diretamente a compreensão do tempo e do espaço e os imaginários acerca dos diferentes aspectos da vida social (WALLERSTEIN, 2004WALLERSTEIN, I. World-Systems Analysis: an Introduction. Durham & London: Duke University Press, 2004.).

Esse processo globalizador se desenvolve, numa perspectiva imperial, por um conglomerado de forças econômicas, políticas e simbólicas que convergem para um domínio total na sociedade, exercido globalmente por elites de forte poder econômico e militar, sem fronteiras e sem limites (HARDT; NEGRI, 2001HARDT, M.; NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001.). “Esse esvaziamento do democrático, que é no fundo a anulação do político, é justamente o espaço onde se insere a possibilidade imperial. O democrático fica sem fundamento, passa a ser um significante vazio, fica sem uma ancoragem na realidade” (MIGUEZ; RIEGER; MO SUNG, 2012MIGUEZ, N.; RIEGER, J.; MO SUNG, J. Para além do espírito do Império: novas perspectivas em política e religião. São Paulo: Paulinas, 2012., p. 27).

E isto é o que se constata nos países da América Latina. Dentre as consequências, temos, entre outras, os bolsões de pobreza, a perda de costumes que caracterizam as identidades locais e nacionais, a absorção de cosmovisões que se distanciam do universo simbólico regional, e de categorias e linguagens estranhas à comunicação vivida no cotidiano das comunidades. Tais fatores expressam, não obstante os movimentos políticos e culturais críticos, uma mutilação da consciência, da inteligência e do espírito latino-americano. É a continuidade da história colonizadora sob novas formas, novos processos políticos, econômicos e culturais que, por séculos, tem considerado negativamente os povos do “sul do mundo”, como seres inferiores ou mesmo um “não ser” (DUSSEL, 1977DUSSEL, E. Para uma ética da libertação latino-americana: acesso ao ponto de partida da ética. São Paulo: Loyola, 1977.) em relação aos povos ricos, notoriamente europeus e norte-americanos. É fato que as resistências e ações contra-hegemônicas são diversas e se dão, especialmente nos entrelugares e interstícios das culturas (BHABHA, 2001BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.).

Associadas aos aspectos políticos e econômicos, a grave crise ecológica, complexa e multifacetada, causada pelo desmatamento, extração de minérios, poluição dos rios e do solo, ações das indústrias, entre outros fatores, incluindo dimensões que estão para além da ambiental, desestabilizam o ciclo natural da vida com a perda da biodiversidade dos ecossistemas, com implicações drásticas para as futuras gerações nos diferentes países. A grande maioria dos problemas ambientais resulta de projetos econômicos que motivam ações predatórias da natureza, e “o ‘progresso’ na ótica capitalista entra num círculo vicioso que serve mais à morte que à vida” (WOLFF, 2015WOLFF, E. Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016: compromisso dasigrejas pela vida no planeta. Encontros Teológicos, Florianópolis, v. 72, n.3, p. 13-25, out. 2015., p. 23).

Nesse contexto, as populações pobres sofrem ainda mais com as consequências negativas e excludentes do mercado global. A atual digitalização do trabalho reestrutura o mundo laboral e muitas pessoas perdem seus empregos ou seus espaços de sociabilidade. O sistema as tem à margem da sociedade, sem acesso aos recursos básicos para uma vida digna, jogadas nas ‘periferias existenciais e geográficas’ da história e das grandes cidades. Privadas de segurança social e econômica, as pessoas pobres são privadas também da segurança ecológica, como água potável e o saneamento básico, o que as torna vítimas de doenças como febre tifoide, cólera, dengue, hepatite A, leptospirose, e tantas outras.

Com a pandemia do novo coronavírus e a COVID 19, expressou-se o esgotamento do sistema político e econômico em âmbito global, com a morte de milhões de pessoas (XAVIER; DELFINO, 2020XAVIER, D. J.; DELFINO, C. A. Pensar, sentir e agir: interpelações e perplexidades no contexto da pandemia do novo coronavírus. Caminhos de Diálogo, Curitiba, v. 8, n. 13, p. 177-192, dez. 2020.), e se agravaram os fatores destrutivos da vida da humanidade como um todo, com consequências mais intensas entre os agrupamentos pobres da sociedade (SANTOS, 2020SANTOS, B. S. A cruel pedagogia do vírus. São Paulo: Boitempo, 2020.). Juntou-se a isso o comportamento negacionista em diversos planos, com o uso arquitetado de desinformação pelas fake news e situações de violência em diversos níveis. Além disso, nos países latino-americanos se agudizou a polarização ideológica, política, de gênero e religiosa, com implicações socioculturais, emocionais e espirituais, especialmente para os grupos sociais mais vulneráveis e subalternalizados.

Nesse contexto, o fato religioso que, de longa data, tem caráter também político, se destaca. Este quadro ganha maior relevância com o fortalecimento de discursos religiosos fundamentalistas e conservadores, terreno fértil onde são semeados projetos políticos de extrema direita, marcadamente excludentes e violentos (CUNHA, 2020CUNHA, M. Fundamentalismos, crise da democracia e ameaças aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para ação. Salvador: Koinonia, 2020. E-book. Disponível em https://fld.com.br/wp-content/uploads/2020/11/FundamentalismosPT.pdf. Acesso em: 06 nov. 2023.
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). As parcelas pobres das populações tornam-se alvo de promessas messiânicas que se propõem a suprimir suas necessidades.

Estas questões são centrais para as religiões e aparecem constantemente na América Latina, sobretudo nas situações complexas, difíceis, geradoras de sofrimento e de ameaças à vida digna. Pergunta-se sobre como Deus se manifesta nesse continente, quais são os seus sinais e como discerni-los. As diferentes tradições religiosas buscam responder tais questões dentro de um variado leque de possibilidades. No entanto, causa perplexidade o fato de que a vivência religiosa não influi decisivamente para a superação dos dramas sociais como a fome, a violência, a xenofobia, o feminicídio, a gravidade das questões ecológicas, entre outros. Ou seja, a vinculação religiosa não incide para mudanças nas estruturas sociopolíticas que sustentam relações injustas nas sociedades atuais.

Por esta e por outras razões, está em questão a experiência religiosa nesse continente. Cabe perguntar se ela atinge a essência da vida das pessoas e dos povos, fortalecendo a esperança, o potencial crítico-libertador e mecanismos de empoderamento, ou se ela é utilizada para justificar projetos ideológicos que idolatram o dinheiro, o mercado e as estruturas de poder, sacrificando pessoas e o meio ambiente para esse fim (INSTITUTO TRICONTINENTAL DE PESQUISA SOCIAL, 2022INSTITUTO TRICONTINENTAL DE PESQUISA SOCIAL. Fundamentalismo e imperialismo na América Latina: ações e resistências. Dossiê 59: São Paulo, ITC, 2022. E-book. Disponível em https://thetricontinental.org/wp-content/uploads/2022/12/20221214_D59_PT_Web.pdf. Acesso em 06 nov. 2023.
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, p. 21). Urge discernir e fortalecer entre as experiências religiosas as que qualificam o viver dos fiéis, pelo que se supõe um vínculo real com o divino, transcendente, Deus, e colocam o ser humano em dinâmicas geradoras de dignidade, justiça e paz. Tal discernimento requer a superação das concepções teológicas sobre Deus e o ser humano que historicamente são legitimadoras de projetos colonizadores e da negação do valor da diversidade religiosa do continente.

2.2 O caráter ambíguo das experiências religiosas

Até recentemente, em todos os países da América Latina a religião cristã e os sistemas políticos e ideológicos estavam oficialmente vinculados, numa associação entre colonização política, economia, cultura e a profissão de fé, de modo que “a cosmologia cristã foi elevada ao grau de legitimidade inconteste e sua teologia e cosmovisão foram impostas como condição de realidade última e universal” (AMARO, 2022AMARO, F. R. Um giro epistemológico nos estudos sobre religião: a decolonialidade do sagrado, Revista TEL, Irati, v. 13, n. 1, p. 151-171, 2022., p. 153). Deslegitimavam-se outras formas de compreender o mundo e a realidade social mediadas pelo contato com o sagrado. Desse modo, não houve colonização apenas do território e das riquezas naturais, mas também das mentes e dos espíritos, por “um processo de colonialidade do sagrado, que ultrapassou o próprio processo colonialista, perdurando ao longo dos séculos nas cosmovisões dos indivíduos e das sociedades” (AMARO, 2022AMARO, F. R. Um giro epistemológico nos estudos sobre religião: a decolonialidade do sagrado, Revista TEL, Irati, v. 13, n. 1, p. 151-171, 2022., p. 153). Especialmente os povos autóctones foram inferiorizados em suas crenças e práticas religiosas, consideradas expressões de misticismos primitivos e irracionalidade.

Mesmo no atual processo de secularização das sociedades latino-americanas, permanece um vínculo entre religião e sociedade. Treze dos vinte países latino-americanos fazem referência à invocação a Deus nos preâmbulos de suas constituições1 1 Exceto Cuba, Haiti, Uruguai, República Dominicana, Chile, Colômbia e México. e nove deles se pronunciam oficialmente sobre uma determinada religião (ORO; URETA, 2007ORO, A. P., URETA, M. Religião e política na América Latina: uma análise da legislação dos países. Horizontes antropológicos, Porto Alegre, v. 13, n. 27, p. 281-310, jun. 2007., p. 285. 292-294)2 2 Dos 20 países, três adotam o regime de religiões de Estado (Argentina, Bolívia e Costa Rica), seis adotam o regime de separação Igreja-Estado com dispositivos particulares em relação à Igreja Católica (Guatemala, El Salvador, Panamá, República Dominicana, Peru e Paraguai), e 11 países adotam o regime de separação Igreja e Estado (México, Haiti, Honduras, Nicarágua, Cuba, Colômbia, Venezuela, Equador, Brasil, Chile e Uruguai). . Ainda hoje a religião tende a legitimar ideologias dominantes que negam as pressões exercidas pelas classes sociais privilegiadas, os fatores ideológicos dos estrangeirismos, o branqueamento da população e o poder exercido pelo sexo masculino (MOURA DA SILVA, 2010MOURA DA SILVA, E. “Religião: da fenomenologia à história”. In: MOURA DA SILVA, E; BELLOTTI, K. K.; SILVEIRA CAMPOS, L. (Orgs.), Religião e sociedade na América Latina. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2010. p. 11-15., p. 14). O que é ideológico torna-se naturalizado na perspectiva colonial por estruturas de poder e padrões de comportamento que afirmam uma pretensa superioridade de raça, nação, ciência, cultura, religião (MIGNOLO, 2020MIGNOLO, W. Histórias locais/projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: UFMG, 2020.; QUIJANO, 2000QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. Buenos Aires: Groupe Décolonial de Traduccion, 2000.; WALSH, 2009WALSH, C. Interculturalidad, Estado, Sociedad: luchas (de)coloniales de nuestra época. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar/Abya Yala, 2009.).

Há, por suposto, uma interação profunda entre vivência religiosa e social. Princípios de fé influenciam nas cosmovisões, e processos econômicos, políticos e culturais podem ter vínculos com elementos religiosos. No cristianismo, por exemplo, isso não é contraditório, considerando que, com a doutrina da encarnação do Verbo (Jo 1,14), o humano em Jesus é o ponto de partida para compreender e se relacionar com o divino e para situar-se na realidade que nos cerca. Assim, a vivência religiosa se desenvolve no interior da vida social, de modo que a compreensão de Deus, da graça e dos demais conteúdos teológicos e de fé, influencia na visão que se tem do mundo, da história e da sociedade. E o vice-versa é procedente: a compreensão deste mundo influencia na percepção das realidades atemporais. As igrejas, e suas ações evangelizadoras, nunca estiveram isoladas das condições sociais e históricas de seu desenvolvimento institucional, doutrinal e espiritual. “A pluralidade e a fragmentação religiosa, portanto, são frutos da própria dinâmica social contemporânea” (STEIL, 2008STEIL, C. A. Oferta simbólica e mercado religioso na sociedade global. In: MOREIRA, A.; DIAS DE OLIVEIRA, I. (Orgs.). O Futuro da Religião na Sociedade Global. São Paulo: Paulinas/UCG, 2008., p.7).

Essa interação, contudo, não é sem ambiguidades e contradições. Na América Latina, situações de injustiça questionam os sistemas religiosos. Se há vínculo entre graça e natureza, há também entre santidade e pecado. Este tem expressão social mais intensa, enraizado nas estruturas socioculturais, políticas e econômicas, com graves consequências para as camadas sociais pobres formadas por pessoas desempregadas e subempregadas, moradoras das ruas, grupos que sofrem a discriminação social, racial, sexista e formam a multidão dos ‘descartáveis’. Há tempos, tais situações são vistas como “veias abertas da América Latina” (GALEANO, 1971GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1971.), que expressam a imoralidade e a iniquidade do mercado global e dos aparelhos estatais que o legitimam, das injustiças nas relações entre pessoas e povos, e do colonialismo presente em praticamente todos os âmbitos da vida social e religiosa.

Esse fato desafia a experiência religiosa dos povos latino-americanos. A religião pode desenvolver aí um jogo duplo: de legitimação do status quo ou de questionamento. Historicamente, o primeiro jogo, tem sido o mais expressivo, sendo a religião usada para justificar pecados sociais. Como rito formal, os credos têm sido tão opressores quanto os sistemas econômicos e políticos dos grupos hegemônicos, o que tem acontecido de várias formas, como o espiritualismo abstrato, que não possibilita uma tomada de consciência das causas estruturais das injustiças; a concepção de um deus disciplinador e vingativo, que intensifica tensões e conflitos nas consciências já atribuladas pelas vicissitudes do cotidiano; ou pelo institucionalismo disciplinador que impõe normas doutrinárias sem expressar as riquezas do mistério.

Os símbolos religiosos continuam atraindo tanto fiéis ansiosos por vivências espontâneas e autênticas da fé quanto por quem usa ideologicamente a religião com objetivos políticos e econômicos. Grupos que fortalecem a religião do mero conforto e do consolo ideológico sem criticidade e profecia, afirmam-se com uma estética sem ética e uma imagética que descaracteriza o real do cotidiano pessoal e social. Com isso, manifesta-se uma incredulidade religiosa: o deus das ideologias não é o Deus no qual as pessoas crentes buscam forças nas lutas cotidianas. O deus do sistema sociocultural, político, econômico e religioso é averso ao Deus da fé que cada crente vive existencialmente. As pessoas buscam um Deus que lhes sustente o viver, suporte e liberte das angústias, os empodere na realização das esperanças. A religiosidade de natureza ideológica propõe uma concepção fantasiosa do divino e da salvação, movida pelo pragmatismo político e materialista que retira o Transcendente do horizonte existencial das pessoas e das comunidades de fé.

Em relação à perspectiva desestabilizadora do status quo, é importante realçar, embora seja farta a bibliografia correspondente, a função desempenhada por parcelas significativas das igrejas. É importante ressaltar que, a partir dos anos de 1960, setores das Igrejas cristãs, tanto católica quanto protestantes, participam de forma crítica e propositiva nos processos sociopolíticos e culturais do continente latino-americano (RIBEIRO, 2020RIBEIRO, C. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.). Há ricas experiências religiosas, nas variadas tradições, que mantêm vivas e recriam constantemente as forças criativas do poder questionador e desestabilizador das formas de dominação social, em especial no tocante à defesa dos direitos humanos e da terra e ao reforço da cidadania e da democracia (SANTOS, 2013SANTOS, B. S. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2013.).

Considerando que as grandes questões que afetam a humanidade e toda a criação requerem indicações teológicas consistentes, é de fundamental importância rever o papel das religiões e das espiritualidades na América Latina, sobretudo nos processos de estabelecimento da paz, da justiça e da sustentabilidade da vida em suas múltiplas formas, o que demanda uma teologia cristã que realce as dimensões decolonial, pluralista e ecumênica.

3 O valor da visão decolonial para a tarefa teológica

A consequência do que foi acima considerado, é que pessoas e comunidades de fé na América Latina precisam posicionar-se criticamente sobre pontos de vista, conceitos e linguagens religiosas sobre o sagrado, fé, Deus, construídos em outros contextos. Não se trata de rejeitar as propostas religiosas veiculadas pelos diferentes sistemas religiosos que se originam em outras latitudes. Se tal fato acontecesse, a América Latina não seria um continente cristão em nossos dias. Porém, a acolhida do que é proposto em termos de fé deve acontecer valorizando os contextos socioculturais, que incidem na compreensão e tradução da fé com categorias e linguagens enraizadas nas vivências das comunidades locais.

Isso exige que na América Latina hoje, pensar, crer e viver religiosamente aconteça por uma ruptura epistemológica com padrões impostos na compreensão da fé e da realidade sociocultural. Essa ruptura se dá pelo agenciamento de uma perspectiva decolonial do sagrado, com o resgate de concepções e experiências místico-religiosas presentes no cotidiano das pessoas e das comunidades, suas cosmovisões e cosmopercepções alternativas ao racionalismo norte/eurocêntrico (AMARO, 2022AMARO, F. R. Um giro epistemológico nos estudos sobre religião: a decolonialidade do sagrado, Revista TEL, Irati, v. 13, n. 1, p. 151-171, 2022., p. 159). Trata-se de uma ecologia do saber e do crer, aberta à pluralidade das experiências místico-religiosas dos povos desse continente, suas identidades religiosas plurais e suas vivências locais. Valoriza-se, assim o modo próprio de crer de indígenas, negros/as, caboclos/as, latino-americanos/as e imigrantes, dentro de tradições e sabedorias não-europeias ou não ocidentalizadas. É importante observar que a teologia latino-americana da libertação antecipou, segundo suas condições históricas de possibilidade, sólidos agenciamentos decoloniais, ainda que não os tenha apresentado sob essa nomenclatura (RIBEIRO, 2020RIBEIRO, C. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.).

No âmbito teológico, como já referido, encontramos raízes de um pensar decolonial da fé no viés libertador da teologia, construída na perspectiva da libertação a partir dos anos de 1960 do século 20. Esta perspectiva se construiu com tensões e proposições criativas no âmbito sociopolítico e eclesial (BARROS, 2022BARROS, M. et al. (Orgs.). 50 anos de teologias da libertação: memória, revisão e perspectivas e desafios. São Paulo: Recriar, 2022.). Por um lado, ela desafia as igrejas à uma contribuição na superação dos problemas sociais, políticos e ambientais. Por outro, tal visão favorece uma revisão de categorias, linguagens e perspectivas da doutrina eclesial, considerando os contextos socioculturais e religiosos dos povos latino-americanos. A perspectiva decolonizadora do pensar a fé, expressa com nitidez na teologia latino-americana da libertação, enfatiza o compromisso com a superação das injustiças e dinâmicas opressivas/colonizadoras, projetando uma nova realidade sociocultural no horizonte do Reino. Nisso ressalta-se a necessidade de crítica do papel desempenhado pelo cristianismo nos processos de colonização e catequização dos povos, cuja marca de intolerância, violência e discriminação das outras religiões e culturas é presente até hoje.

3.1 Reafirmação das raízes autóctones

A colonização colocou o ser latino-americano, aqui pensado concretamente, sem idealizações ou essencialismos, em um nível inferior ao do conquistador. E, ainda hoje, essa inferioridade se mantém porque é medida com a produtividade capitalista e os valores morais dos países ricos da Europa e da América do Norte. O projeto decolonizador visa afirmar o valor das identidades latino-americanas, sua diversidade e suas potencialidades, situando as pessoas e os povos deste continente em seus próprios territórios, saberes e contextos. As identidades se afirmam com vontade política e projetos de uma nova realidade social, e nascem de um apelo humanizador e crítico, como uma vocação libertária e tarefa histórica. Elas se constituem com “espírito de amor à autoctonia – e, por conseguinte, de contestação à dominação, à hegemonia, à prepotência” (VIGIL; CASALDÁLIGA, 1996VIGIL, J.M., CASALDÁLIGA, P. Espiritualidade da libertação. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 53). Para isso, faz-se necessário re-situar o humano latino-americano dando relevância à sua alteridade – ‘outreidade’ – em três principais âmbitos:

a) individual/pessoal, afirmando o valor de sua alteridade étnica, cultural e religiosa. Isso faz com que os povos indígenas, por exemplo, se autodenominem a partir de seus territórios, onde constroem suas identidades e sua dignidade; os afro-latinos, que em alguns países compõem a maioria ou metade da população, revalorizem seus saberes, sua arte, suas cores, suas danças, suas comidas, suas rezas; as classes populares se afirmem em suas diversidades, como um modo de ser negro, crioulo ou branco, com sua cultura, sua linguagem, suas expressões e suas crenças.

b) Experiencial/sapiencial, reforçando valores e sabedorias originais. Isto se dá no conhecimento da realidade, expressando perspectivas hermenêuticas próprias, sem reproduzir pontos de vistas impostos e categorias abstratas desconectadas da própria realidade. O conhecimento da realidade acontece a partir das vivências concretas, contextualizadas nos processos políticos, culturais, econômicos e religiosos. Ele expressa a condição de ser sujeito da própria história e, portanto, em sua capacidade de interpretação, com categorias e linguagens que produzem uma ruptura epistemológica capaz de expressar a heterogeneidade cultural do continente.

c) Político/estratégico. Isto se efetiva no desenvolvimento de processos de cooperação política, econômica e cultural entre os povos latino-americanos para fortalecimento mútuo e estreitamento das relações de avizinhamento, amizade e compromisso com projetos comuns de empoderamento político e cultural de médio e longo prazo. As sociedades latino-americanas precisam estar estruturadas politicamente para se situarem com identidade própria na geopolítica, estabelecendo parcerias entre si e com nações de outros continentes. Tal política exige lideranças capazes de unir pessoas e povos com base a projetos de transformação e crescimento humano local e global.

Com esta perspectiva, não se trata de afirmar regionalismos, mas de somar esforços para, a partir da América Latina, contribuir com todos os povos na construção de sociedades abertas, pautadas em critérios de equidade e na afirmação da soberania das nações. Trata-se de novas relações políticas que visem projetos comuns, fundamentais para a convivência pacífica, a construção da justiça e a integridade da criação. Para isso, muito contribui a cooperação inter-religiosa promovendo os direitos inalienáveis das pessoas e dos povos, base do seu desenvolvimento integral e da sua soberania.

3.2 Desafios para a teologia latino-americana

A identidade latino-americana afirmada na perspectiva decolonial influi num modo de pensar a teologia colhendo a situação real em que as pessoas e os diferentes grupos se encontram, assumindo as causas sociopolíticas, culturais e humanizadoras e os meios para realizá-las. Nesse contexto desvela-se o significado das coisas às pessoas crentes, nas quais elas se confrontam com as questões fundamentais da própria existência e do mundo, aprofundam o sentido da realidade, da história, de si mesmas, definem os seus valores absolutos. Aí identificamos alguns desafios decoloniais, associados ao propósito de visualização de novas práticas dialogais e de novas interpretações teológicas do quadro de diversidade religiosa do continente.

O primeiro é a crítica à visão de um pensamento único, seja no campo global das relações políticas, econômicas e socioculturais e religiosas que marcam a dominação Norte-Sul, seja no campo das relações institucionais, coletivas, de governo, entre outras, que regem a vida social. Aqui, questiona-se o “centrocentrismo” (SANTOS, 2010SANTOS, B. S. A gramática do tempo. São Paulo: Cortez, 2010., p. 433), presente nas concepções científicas das diferentes esferas do saber. Ele está associado às formas de racismos, machismos, xenofobias e homofobia que inibem processos de contextualização e de recontextualização de identidades culturais, e se colocam como monopólio regulador das consciências e das práticas sociais, em geral patriarcais e heteronormativas.

O segundo é o questionamento da visão de universalismo das ciências e da ética, incluindo aqui o labor teológico. Isto porque tal visão dissimula a particularidade que a produção de conhecimento e a normatização de valores possuem. Em geral, os conhecimentos produzidos nas esferas acadêmicas são marcadamente masculinos, brancos e das elites econômicas, encobrindo saberes locais e particulares, em especial dos afro-latinos e dos agrupamentos pobres e subalternos na sociedade. A teologia, ressaltada a dimensão decolonial, precisa enfrentar o desafio de dar visibilidade no âmbito acadêmico-científico, aos saberes dos povos tradicionais. No processo de construção de conhecimento, tal perspectiva precisa estar articulada com a noção de “aprender a desaprender”, e ser marcada por certa “desobediência epistêmica” (MIGNOLO, 2008MIGNOLO, W. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF , Niterói, n. 34, p. 287-324, 2008.), como se referem os estudos culturais decoloniais. Daqui a importância de desenvolver uma análise crítica da pretensão de supremacia da racionalidade formal técnico-científica em relação às formas de subjetividade, aos conhecimentos vivenciais, holísticos e integradores e ao corpo como fonte de expressão e sabedoria.

O terceiro é uma avaliação criteriosa da forma meramente conceitual da produção do conhecimento em detrimento das perspectivas narrativas, enredadas no cotidiano, nos entrelugares da cultura e nas expressões da corporeidade. A fundamentação de tal crítica requer uma conexão com saberes tradicionais, conhecimentos alternativos e visões de mundo de grupos subalternos.

O quarto é a revisão da noção de indivíduo desprovida da interação constituinte do humano com a comunidade, a história, a natureza e o cosmo. Enfrenta-se aqui o desafio de fazer um exame apurado da ideologia das identidades fixas. Isto porque as análises antropológicas mais apuradas mostram que as identidades são, em geral, fluidas, híbridas e permanentemente criadas e recriadas nos mais diferentes processos de fronteirização das experiências da vida (RIBEIRO, 2021RIBEIRO, C. O princípio pluralista em resumo. São Paulo: Saber Criativo, 2021., p. 25-27).

Tais desafios para uma reflexão teológica latino-americana, se enfrentados, a tornam um instrumento decolonial e facilitador da compreensão do quadro de pluralismo religioso e da ação dialógica e comunicativa entre culturas, espiritualidades e religiões. Elas cooperam com processos críticos e propositivos visando uma perspectiva autóctone. Tal é a base para uma perspectiva decolonial da teologia, associada aos elementos descritos a seguir.

3.3 O aprofundamento decolonial

O enfrentamento dos desafios acima apresentados exige o desenvolvimento de elementos epistemológicos que caracterizam a visão teológica decolonial, especialmente no tocante ao seu método e à hermenêutica latino-americana, dentre os quais destacamos: a) O primado da práxis que expressa a opção pelas pessoas pobres e os agrupamentos subalternizados, como compromisso evangélico, o que gera uma nova linguagem religiosa e teológica, fruto da relação dialética entre práxis e teoria presente na metodologia desse pensar teológico; b) Uma análise científica da realidade sociocultural, política, econômica e ambiental, com as mediações que as ciências podem oferecer à teologia; c) A consciência do condicionamento sociocultural e econômico da teologia e da ação das igrejas, com a crítica de ambos a partir da ótica das minorias sociais. Faz-se apurada crítica aos processos que mantem as estruturas coloniais de poder, de saber e de ser, visando o empoderamento de grupos subalternos, especialmente de mulheres, indígenas, afro-americanos e LGBTQIA; d) A reflexão teológica está a serviço da transformação da sociedade, fortalece ideais da paz, de justiça e da integridade da criação, com indicações concretas de caminhos a serem percorridos para isso; e) Tem-se ciência do lugar da economia e da política na reflexão teológica para, entre outros aspectos, estabelecer uma crítica ao messianismo do mercado e da tecnologia e vislumbrar alternativas sociais e econômicas justas e ecologicamente sustentáveis (RIBEIRO, 2020RIBEIRO, C. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020., p. 171-198).

Esses elementos de um pensar socio-teológico decolonial são bases importantes para contribuir nos processos de transformação das realidades injustas e opressoras dos povos latino-americanos, fortalecendo o compromisso das religiões por sociedades igualitárias, democráticas e com efetiva justiça social. Projeta-se uma nova realidade sociocultural no horizonte do Reino da “vida em abundância” (Jo 10,10), com a inclusão da diversidade religiosa e espiritual dos povos locais. Há que se realçar aqui o princípio do bem-viver e a utopia da terra sem males. “Bem-viver” é uma expressão da sabedoria dos povos indígenas da Amazônia que expressa a comunhão com todas as realidades da criação e, simultaneamente, a abertura para o Transcendente (GILONNA JÚNIOR; RAMOS DE SOUZA, 2021GILONNA JÚNIOR, R.; RAMOS DE SOUZA, J.E. Desenvolvimento do bem viver junto aos povos tradicionais. Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 7, n. 2 p. 250-261, 2021.; ACOSTA, 2016ACOSTA, A. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária, 2016.). O significado dessa expressão indica “harmonia no âmbito pessoal, social, com a natureza, com o divino, cosmovisão marcada pela interligação entre território e natureza, cultura e religiosidade/espiritualidade, individualidade e comunidade, a centralidade do caráter relacional transcendente do ser humano e do conjunto da Criação” (SÍNODO PARA A AMAZÔNIA, 2019SÍNODO PARA A AMAZÔNIA. Documento final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, 2019. Disponível em: http://secretariat.synod.va/content/sinodoamazonico/pt/documentos/documento-final-do- sinodo-para-a-amazonia.html. Acesso em: 06 nov. 2023.
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, n. 9). Tal visão tem conexão com a utopia da terra sem males dos povos Guaranis, pela harmonia e justiça nas relações interpessoais e com a criação; e se conecta também com a visão holística própria das culturas e religiosidades das comunidades afro-latinas.

Isso significa que as expressões religiosas, em diferentes tradições, possuem potencial crítico libertador que fortalece a defesa dos direitos humanos e da terra. Esse fato revigora a utopia e a esperança dos povos latino-americanos em suas lutas e em seus sonhos, desejos e frustrações. Nesse contexto, forjam-se novas noções sobre Deus, a igreja, a missão, que se expressam com categorias e linguagens acessíveis à comunidades locais. Provoca-se um redimensionamento dos tratados da fé cristã, propondo, por exemplo, uma cristologia afro-latíndia, cuja ideia de redenção não é enfatizada por meio da morte sacrificial de Jesus na cruz, mas nasce de uma fé confiante e despojada mediante o amor de Deus: “Isso não diminui o valor salvífico da auto-entrega de Jesus em seu martírio e da força do exemplo que tem sua paixão. Mas abre a fé cristã a um reconhecimento de uma ação divina muito além do Cristianismo” (BARROS, 2009BARROS, M. O sabor da festa que renasce: para uma Teologia Afro-latíndia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2009., p. 125).

Outras áreas da teologia também são trabalhadas em perspectiva decolonial: na eclesiologia, explora-se as formas comunitárias de viver dos povos latinos, as relações de igualdade e o caráter democrático das lideranças das comunidades afro e indígenas; nos sacramentos, desenvolve-se o valor que as comunidades populares dão ao encontro, às festas e ao desfrutar da comida, com espontaneidade e leveza dos ritos. Novas concepções de realidade e presença podem expressar a recepção de Jesus na Eucaristia, sem obrigar o uso do conceito transubstanciação; na missiologia, mudanças na concepção dos objetivos de do método da missão enfatizam a natureza profética da ação das igrejas, inserida nas iniciativas de transformação das situações de sofrimento humano e de depredação do meio-ambiente. Enfim, a fé cristã compreendida em perspectiva decolonial revigora tanto a dogmática quanto a doutrina social, desenvolvendo um pensar da fé que sustente posturas antirracista, anti-machista, anti-xenofóbica, comprometidas com a justiça e com o respeito das diferenças. É um pensar da fé marcado pela alegria da esperança em Deus e pela dimensão lúdica mesmo em meio ao sofrimento (LIMA E SILVA, 2010LIMA E SILVA, S. R. de. Abriendo caminos, Teología Feminista y Teología Negra Feminista Latinoamericana. Revista Magistro, Duque de Caxias, v. 1, n. 1, 2010. Disponível em: http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/magistro/article/view/1055/618. Acesso em: 04 jun. 2023.
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).

Para além das fronteiras do universo cristão, várias percepções podem ser apresentadas como contraponto à visão colonial. O líder indígena Ailton Krenak, por exemplo, realça a experiência de uma consciência coletiva como canal de conhecimento e orientação de escolhas:

É uma forma de preservar nossa integridade, nossa ligação cósmica. Estamos andando aqui na Terra, mas andamos por outros lugares também. A maioria dos parentes indígenas faz isso. É só você olhar a produção dos mais jovens que estão interagindo com o campo da arte e da cultura, publicando, falando. Você percebe neles essa perspectiva coletiva. Não conheço nenhum sujeito de nenhum povo nosso que saiu sozinho pelo mundo. Andamos em constelação

(KRENAK, 2020KRENAK, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., p. 39).

Outro exemplo é dado por Luís Antônio Simas e Luís Rufino, quando propõem que se realce, a partir das tradições afro-brasileiras, a noção de encantamento. Ela traz

[...] o princípio da integração entre todas as formas que habitam a biosfera, a integração entre o visível e o invisível (materialidade e espiritualidade) e a conexão e relação responsiva/responsável entre diferentes espaços-tempos (ancestralidade). Dessa maneira, o encantado e a prática do encantamento nada mais são que uma inscrição que comunga desses princípios.

O encantamento dribla e enfeitiça as lógicas que querem apreender a vida em um único modelo, quase sempre ligado a um senso produtivista e utilitário. Daí o encanto ser uma pulsação que rasga o humano para lhe transformar em bicho, vento, olho d’água, pedra de rio e grão de areia. O encanto pluraliza o ser, o descentraliza, o evidenciando como algo que jamais será total, mas sim ecológico e inacabado

(SIMAS; RUFINO, 2020SIMAS, L. A.; RUFINO, L. Encantamento: sobre política de vida. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2020. E-book., p. 7.9).

A sabedoria e a mística que se expressam nesses textos explicitam a riqueza da cultura local, da fé e das crenças, questionando leituras do sagrado e do divino que se propõe como exclusivas e superando os fundamentalismos e os conflitos entre os credos. Urge fortalecer os processos de abertura dos sistemas religiosos ao diálogo e à ressignificação do ser religioso no continente latino-americano. São esses processos que sustentam a proposta decolonial e a requerem como fundamentação do seu desenvolvimento.

4 A importância da noção de pluralidade para o fazer teológico

A decolonização do pensar, do saber e do ser, que supera toda pretensão de homogeneidade e toda tendência à uniformidade, é base para a afirmação da pluralidade. Na teologia cristã, esta concepção aparece originalmente com as reflexões sobre o pluralismo religioso (VIGIL, 2006VIGIL, J. M. Teologia do Pluralismo Religioso: para uma releitura pluralista do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006., p. 331-346), das sociedades atuais, reconhecendo a diversidade como “dom precioso que enriquece a humanidade e a convida a um aprofundamento espiritual novo e mais profundo” (BARROS, 2009BARROS, M. O sabor da festa que renasce: para uma Teologia Afro-latíndia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2009., p. 31). Tal concepção está presente em diferentes autores e autoras e é base conceitual para a expressão princípio pluralista, que parece ter um caráter, de certa forma, inédito na América Latina (RIBEIRO, 2020RIBEIRO, C. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.).

É fato que a nomenclatura, especialmente por sua sonoridade e constituição, nos remete à ideia do ‘pluralismo de princípio’, como nos indicam os teólogos Claude Geffré (2004)GEFFRÉ, C. Crer e interpretar: a virada hermenêutica da teologia. Petrópolis: Vozes, 2004., Jaques Dupuis (1999)DUPUIS, J. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999., John Hick (2005)HICK, H. Teologia cristã e pluralismo religioso: o arco-íris das religiões. Juiz de Fora: PPCIR-UFJF, 2005., entre outros. Para eles, além do pluralismo religioso “de fato”, como uma das marcas da realidade social, o pluralismo de princípio seria uma plataforma teológica que reconhece e valoriza a realidade do pluralismo religioso como vontade e automanifestação divinas. A ultimidade revela-se por meio da diversidade de culturas e religiões.

O princípio pluralista contempla essa perspectiva e desenvolve sua ecumenicidade impulsionando o diálogo e aproximações inter-religiosas. Todavia, ele é mais amplo, uma vez que também se constitui em um instrumento científico de avaliação da realidade social e cultural, sobretudo para melhor compreensão das diferenças, religiosas ou não, que se forjam nos entrelugares das culturas e nas malhas complexas do cotidiano. Esse princípio se constitui em, ao menos, duas bases: como um instrumento científico de avaliação da realidade social e religiosa, sobretudo para melhor compreensão das diferenças que se forjam nos entrelugares sociorreligiosos e nas malhas complexas do cotidiano; e como elemento hermenêutico que reforça a dialogicidade. O princípio pluralista, portanto

é um instrumento hermenêutico de mediação teológica e analítica da realidade sociocultural e religiosa que procura dar visibilidade a experiências, grupos e posicionamentos que são gerados nos “entrelugares”, bordas e fronteiras das culturas e das esferas de institucionalidades. Ele possibilita divergências e convergências novas, outros pontos de vistas perspectivas críticas e autocríticas para diálogo, empoderamento de grupos e de visões subalternas e formas de alteridade e de inclusão, considerados e explicitados os diferenciais de poder presentes na sociedade

(RIBEIRO, 2020RIBEIRO, C. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020., p. 5).

Tal princípio contribui para a compreensão do que é de fundamental importância, que a diversidade religiosa latino-americana seja valorizada e realçada em suas nuances, fronteirizações e movimentos internos. Nesse contexto, sob as lentes do princípio pluralista, pode-se mais atentamente perceber a intensificação dos trânsitos religiosos, seja como migração de uma religião para outra ou como uma recomposição simbólico-cultural de diferentes sistemas de crenças. Isso ocorre em distintos tipos de expressão religiosa: (a) o que afirma determinada pertença e admite experimentar outras expressões religiosas; (b) o que, por motivos pessoais nem sempre confessáveis, declara uma religião, mas exerce outra; (c) o que harmoniza e integra em si mesmo mais de uma tradição religiosa; (d) o que não adere a uma religião específica, mas transita por mais de uma; e (e) aquele que, mesmo mantendo a sua pertença religiosa, articula elementos simbólico-rituais de outras religiões.

O princípio pluralista permite compreender essas expressões em suas dinâmicas de alteridade, rechaçando universalismos reificados e idealizações. Exemplificam isso os povos indígenas, que sempre vivenciam suas experiências religiosas com estreito vínculo com a natureza e as culturas de suas tribos; e as religiões e espiritualidades afro-latinas, que procuram reconstituir pedaços da África em seus espaços sagrados, como forma de superar as restrições encontradas pelos povos negros para se estabelecerem social e culturalmente nas sociedades do continente. E nos meios populares vive-se um universo religioso plural, no qual mesmo se a religião oficial é considerada, tem-se elementos próprios da vida dos féis que lhes falam mais diretamente sobre Deus do que doutrinas e ritos institucionais.

4.1 Mudança do lugar epistêmico

O princípio pluralista ressalta a necessidade de mudança de lugar epistêmico, assumindo as realidades das culturas religiosas afro, indígenas e das classes populares. Para isso, é preciso destacar a contribuição de suas comunidades, especialmente por desfrutarem da tensão criativa entre ritualidade e racionalidade. Assim se observa nas devoções populares de cunho existencial e espontâneo, que articulam as subjetividades do mundo religioso latino-americano e a racionalidade cristã ocidental. Essa mudança do lugar teológico, com revisão do método e da hermenêutica do pensar da fé, é capaz de acolher traços significativos da diversidade religiosa com vistas à uma teologia interfés. Destaca-se a importância de fazer teologia a partir da realidade das camadas populares subalternalizadas, considerando que elas contribuem criativamente, com suas próprias experiências e símbolos, para a compreensão da fé cristã. Elas enfatizam, por exemplo, a primazia da vivência comunitária, a prioridade da experiência prática no testemunho de fé sobre as lógicas doutrinais e formais, a ênfase no despojamento e na autodoação em contraposição às formas cristológicas sacrificialistas. São elementos importantes na afirmação do princípio pluralista da teologia.

A episteme pluralista da fé cristã pode servir-se do círculo hermenêutico desenvolvido na teologia latino-americana: parte-se das perguntas que as realidades e as experiências práticas dos cristãos fazem à própria fé e ao Evangelho; passa-se pelo crivo da crítica, para identificar sua validade e ajudar a enquadrá-las na realidade; ganha-se a inteligência da fé; por fim, volta-se à prática, fortalecida pela utopia e pela inteligentia fidei (BOFF, 1998BOFF, C. Teologia e prática: teologia do político e suas mediações. Petrópolis: Vozes, 1998.; BRIGHENTI, 2022BRIGHENTI, A. O método ver, julgar e agir: da ação católica à teologia da libertação. Petrópolis: Vozes, 2022.). Esse processo metodológico e hermenêutico oferece elementos que podem e precisam ser continuados e aprofundados no pensar decolonial e pluralista da fé cristã.

4.2 A perspectiva plural como valor teológico e de fé

O sagrado configura-se como pano de fundo dos diferentes sistemas religiosos e espirituais, como um substrato numinoso presente em todas as expressões de fé e crença. Isso é o que legitima um sistema religioso, propondo horizontes de sentido à realidade e à vida de seus fiéis. Desse modo, não se justificam as pretensões de hegemonia e de superioridade religiosa, e urge que as religiões desenvolvam uma postura horizontal e inclusiva, comprometida com o combate do preconceito e da xenofobia religiosa. Questionando as práticas colonialistas no âmbito econômico, político e cultural, afirma-se o princípio pluralista também no âmbito religioso. O objetivo é superar a pretensão exclusivista e homogeneizadora de um credo sobre os outros, o que historicamente tem sido causa de animosidades, tensões e conflitos entre as comunidades religiosas na América Latina e em todo o mundo.

Desse modo, as religiões podem ser uma resposta das comunidades de fé frente aos desafios atuais ao: a) enfrentar os efeitos negativos da globalização, os quais buscam impor padrões de comportamento baseados na cultura mercadológica que imperam nos processos de urbanização, na midiatização e digitalização das relações, na arte e na própria religião; b) romper com as desigualdades sociais estruturantes nas sociedades latino-americanas, afirmando a necessidade de socialização de saberes e visões de mundo diversas; c) transformando as demandas individuais em pautas coletivas; d) ressignificando identidades e integrando-as nos processos sociais de empoderamento para o enfrentamento das questões sociais, políticas, econômicas e ecológicas prementes em nosso tempo.

Há diferentes caminhos a serem percorridos para isso, com destaque para as necessidades de: a) compreender o valor da pluralidade como condição socioantropológica de toda religião, que se forma a partir das várias tradições de que é tributária; b) entender que o reconhecimento da realidade pluriétnica e pluricultural do continente leva a reconhecê-la também como plurirreligiosa. Isso significa “reconhecer o outro e apreciá-lo ‘como outro’, com a sua sensibilidade, as suas opções mais íntimas, o seu modo de viver e trabalhar” (FRANCISCO, 2020FRANCISCO, Papa. Carta encíclica Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Paulinas, 2020a., n. 27); c) fortalecer o diálogo e a cooperação entre as diferentes formas de crer, como enriquecimento mútuo nos caminhos do Mistério. No atual contexto mutante e plural, não tem lugar os confessionalismos exclusivistas que pretendem abarcar a totalidade do sentido das coisas; d) fazer valer na América Latina o princípio da liberdade religiosa e da laicidade do Estado. Há uma carga social discriminatória, às vezes apoiada por instrumentos legais, que pesa sobre certos grupos religiosos que são alvo de suspeitas e de acusações, tendo seus direitos de livre expressão cerceados (ORO; URETA, 2007ORO, A. P., URETA, M. Religião e política na América Latina: uma análise da legislação dos países. Horizontes antropológicos, Porto Alegre, v. 13, n. 27, p. 281-310, jun. 2007., p. 305). Certas práticas religiosas, como as mediúnicas (afro-americanas, kardecistas, espíritas), ainda encontram dificuldades de se expressar livremente, por serem acusadas de caráter mágico, charlatanismo, prática ilegal de medicina, tornando-se vítimas de discriminação e de perseguição.

Percorrer esses caminhos leva a desenvolver posturas de inclusividade religiosa, reconhecendo que as diferenças não são ameaças, mas riquezas e possibilidades para compreender a superabundância do Mistério que envolve toda a realidade. Isso propõe uma nova forma de entender o ecumenismo, ampliando seu significado, seus sujeitos e seus objetivos.

5 A dimensão da ecumenicidade e o pensar teológico

O processo decolonizador da fé e a afirmação do princípio pluralista exigem que o pensar teológico latino-americano seja ecumênico. Tradicionalmente, sobretudo no contexto católico-romano, o termo ‘ecumenismo’ tem sido usado para expressar a busca da unidade cristã. Na perspectiva do princípio pluralista, retoma-se o sentido etimológico do vocábulo grego oikoumene, indicando a ‘casa comum’, onde convivem as diversas expressões culturais e de fé dos povos numa interação entre elementos socioculturais e religiosos. Isso significa que a unidade cristã interage com iniciativas de intercâmbio entre as diferentes compreensões deste mundo e da Realidade Última, o Transcendente, Deus.

Há, portanto, uma ressignificação da noção de ecumenismo, alargando seu universo semântico: de um lado, expressa a continuidade dos esforços por unidade na fé cristã; de outro, amplia a semântica do termo para além do universo cristão. É possível, então, pensar um ecumenismo inter-religioso pela busca do Sentido Último; um ecumenismo social pelos esforços comuns de promoção da justiça social, da dignidade humana, da paz e da integridade da criação; um ecumenismo intercultural pelo encontro das diferentes formas de ser e de viver nos diferentes países latino-americanos; um ecumenismo cristão, pelo testemunho comum do Evangelho. Dessas várias perspectivas ecumênicas, focamos o ecumenismo na perspectiva inter-religiosa, onde a fé cristã interage com outras formas de crer em vista da oikoumene latino-americana.

5.1 Prática ecumênica e desafios sociais

Neste contexto, os processos de globalização, ao mesmo tempo que apresentam desafios para uma convivência pacífica, justa e igualitária entre as diferenças socioculturais e religiosas, também possibilitam uma interação entre essas diferenças, aproximando pessoas e povos, suas culturas e suas crenças. Nesse quadro estão: a) as malhas da urbanização, que facilitam às diferentes culturas e religiões conviverem num mesmo espaço, ainda que entre tensões, mas com ricas possibilidades de diálogo, intercâmbios e cooperação; b) a cultura pós-moderna, que não mais admite ideias e doutrinas totalizadoras da realidade, o que leva muitos aos sincretismos religiosos; c) a mobilidade humana e cultural, que influi na reconfiguração da compreensão e vivência da própria fé, bem como no encontro entre fés e mesmo no trânsito religioso de muitas pessoas.

O desafio que precisa ser enfrentado é o de justificar teologicamente o ecumenismo na América Latina. A teologia ecumênica desenvolvida no continente tem enfatizado perspectivas sociais, políticas, econômicas e culturais. Não obstante alguns ensaios de uma teologia ecumênica — tanto no sentido cristão (WOLFF, 2019aWOLFF, E. Methodological principles for a Latin American ecumenical theology. Gregorianum, Roma, v. 100, n. 3, p. 537-558, 2019a.; SINNER, 2004VON SINNER, R. Hermenêutica ecumênica para um cristianismo plural. Reflexões sobre contextualidade e catolicidade. Estudos Teológicos, São Leopoldo, n. 44, p. 26-57, 2004.), quanto em sentido amplo (TEIXEIRA, 2007TEIXEIRA, F. A teologia do pluralismo religioso na América Latina. In: TOMITA, E.; VIGIL, J. M., Teologia pluralista libertadora intercontinental. São Paulo: Paulinas; Panamá: ASETT, 2007. p. 21-40.; TOMITA; BARROS; VIGIL, 2007TOMITA, L.; BARROS, M.; VIGIL, J. M. (Orgs.) Pluralismo e libertação: por uma teologia latino-americana pluralista a partir da fé cristã. São Paulo: Loyola, 2005, p. 85-86.) — é ainda preciso estabelecer elementos metodológicos e hermenêuticos que assegurem uma leitura teológica convincente da diversidade religiosa do continente e das iniciativas de diálogo que aí acontecem.

Esse esforço precisa acontecer na perspectiva decolonial e afirmando o princípio pluralista, acima considerados, como instrumentos para ler as experiências de cooperação e de diálogo entre as diferentes expressões religiosas. Nossa hipótese é que a perspectiva ecumênica elimina ou atenua tendências de apologia conflitiva, sectarismo, fundamentalismo e exclusivismo nas doutrinas e nas práticas religiosas. Deus é sempre maior do que qualquer noção teológico-doutrinal, podendo estar em todas e além de todas. Daí a importância de um olhar pluralista e ecumênico das religiões.

Uma teologia ecumênica, em sentido amplo, produz mudanças e identificação de desafios no interior de cada sistema religioso. No âmbito cristão, ela impulsiona o redimensionamento, visto acima, dos tratados nucleares da fé, como a cristologia, a graça, a eclesiologia, os sacramentos, a missiologia, explicitando sua dialogicidade com outras formas de crer e reforçando experiências de gratuidade, alteridade, respeito mútuo e partilha.

O importante é que esse novo pensar teológico seja epistemologicamente contextualizado, capaz de dar sentido às realidades locais que formam o cotidiano dos povos. As diversas tradições religiosas dos povos originários, como também outras expressões de fé populares, são capazes de ressignificar identidades e valores locais.

Tal possibilidade é mais explícita nos meios populares, onde as instituições religiosas têm dificuldades para acompanhar ou protagonizar os processos de ressignificação e de busca de novos caminhos. Nessa perspectiva, as diversas religiões e espiritualidades contribuem para recuperar e fortalecer os valores identitários do ser latino-americano, valorizar os saberes dos povos originários e revigorar sua estima e empoderamento. E isso incide no meio social, nas lutas para superar situações de injustiça e dor, ressentimentos e posturas sociais anti-humanistas. As experiências de fé podem ser elementos agregadores, de comunicação afetiva e construtiva de processos comunitários, de promoção da paz, da justiça e do cuidado da criação. Tornam-se, assim, meios pelos quais a ação divina dignifica as pessoas e os povos no mundo em que vivem, os processos salvíficos se dão com os meios da condição cultural e espiritual dos diferentes tempos e contextos.

5.2 Um ecumenismo crítico e profético

Os esforços que valorizam a capacidade de diálogo e de sensibilidade ecumênica e aqueles que destacam a importância pública das religiões, partem da concepção de que o ecumenismo é uma forma de as religiões se fortalecerem mutuamente na crítica dos elementos sociais que não favorecem processos de vida digna, justa e igualitária entre pessoas e povos, que não defendem a criação (SANTA ANA, 2010SANTA ANA, J. D. Diálogos inter-religiosos: dificuldades e promessas. In: SOCIEDADE DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (Org.). Religiões e Paz Mundial. São Paulo: Paulinas, 2010. p. 99-117., p. 99-117).

Desse modo, o ecumenismo é profético, como um julgamento crítico de relações pessoais e sociais, de ações e de estruturas que incidem na vivência concreta do conjunto das populações. Juntas, as diferentes religiões se fortalecem contra tendências de serem usadas como mecanismo ideológico de dominação, que embora utilizando-se de metodologias, linguagens e conteúdos aparentemente úteis à fé das populações, na prática jogam contra elas. Os sistemas religiosos precisam estabelecer consensos de discernimento dos desvios e equívocos das manifestações do sagrado. Devem rejeitar cultos prestados a um deus que não se incomoda com a situação de quem é injustiçado/a, pois trata-se de um ídolo, manipulável segundo os interesses de quem lhe presta culto. Devem interditar o uso do nome de Deus com finalidade ideológica.

Assim, as várias expressões religiosas do continente identificam juntas as contribuições valiosas que podem apresentar para os povos latino-americanos. No contexto católico-romano, o magistério do Papa Francisco apresenta importantes caminhos nessa direção, como o cuidado da Casa Comum — Laudato si’(2015), a Fraternidade Universal e a amizade social — Fratelli Tutti (2020) e o Pacto Educativo Global. Os diferentes credos existentes na América Latina têm algo a contribuir nessas propostas, a partir de suas concepções do Mistério (Querida Amazônia, n. 32.37.38). Esse esforço ecumênico contribui para o estabelecimento de processos políticos que assegurem a convivência humana com base aos princípios de justiça, da ética e do bem comum.

Considerações finais

Em nossa pesquisa, procuramos oferecer elementos teológicos para os debates no campo dos estudos de religião sobre a potencialidade das expressões religiosas do continente latino-americano, considerando as visões e as tarefas decoloniais, pluralistas e ecumênicas. O que esteve em questão foram as possibilidades de reordenamento crítico e de empoderamento dos grupos religiosos, inserindo-os em processos que questionam as perspectivas ideológicas coloniais, os mecanismos sociais que geram injustiça, pobreza e exclusão, o enrijecimento das culturas autoritárias e de violência, as crises ecológicas que hoje vivemos no continente e em todo o mundo. Ao mesmo tempo, se realçou o valor da pluralidade e da ecumenicidade, dimensões caras ao fazer teológico.

Ao apresentar os resultados de nossa pesquisa, procuramos demostrar que as perspectivas de decolonialidade, pluralidade e ecumenicidade são fundamentais para os processos de afirmação da identidade sociocultural e religiosa dos povos latino-americanos, ressignificando conteúdos de suas fés e suas crenças, explicitando suas especificidades contextuais. Isso potencializa as religiões no continente para ações construtoras da justiça social, a promoção da vida humana e a defesa da criação e contribui para que se possa visualizar novos desafios para a teologia latino-americana. No campo teórico e metodológico, consideramos que a pesquisa oferece elementos para o aprofundamento das bases conceituais da teologia latino-americana, em especial os seus enfoques socioculturais e políticos e suas ênfases libertadoras.

Para isso, é mister afirmar o valor das lógicas plurais que marcam o ser religioso latino-americano. Com lentes teológicas policromáticas, realçamos o seu potencial crítico-libertador que fortalece a esperança, promove comportamentos e atitudes proféticas que defendem e promovem a vida dos povos e da natureza em geral, afirmam a utopia do Bem-viver, da Terra Sem Males, a oikoumene da justiça, da paz e da integridade da criação.

  • 1
    Exceto Cuba, Haiti, Uruguai, República Dominicana, Chile, Colômbia e México.
  • 2
    Dos 20 países, três adotam o regime de religiões de Estado (Argentina, Bolívia e Costa Rica), seis adotam o regime de separação Igreja-Estado com dispositivos particulares em relação à Igreja Católica (Guatemala, El Salvador, Panamá, República Dominicana, Peru e Paraguai), e 11 países adotam o regime de separação Igreja e Estado (México, Haiti, Honduras, Nicarágua, Cuba, Colômbia, Venezuela, Equador, Brasil, Chile e Uruguai).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2023
  • Aceito
    26 Out 2023
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