INFECÇÃO DE SÍTIO CIRÚRGICO EM OSTEOSSÍNTESE DE FÊMUR: INCIDÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS

INFECCIÓN DEL SITIO QUIRÚRGICO EN LA OSTEOSÍNTESIS FEMORAL: INCIDENCIA Y FACTORES ASOCIADOS RES

RESUMO

Objetivo:

determinar a incidência e os fatores associados da infecção de sítio cirúrgico em osteossíntese de fêmur em uma unidade hospitalar filantrópica no interior de Minas Gerais - Brasil.

Método:

estudo transversal, descritivo e retrospectivo conduzido no período de 2 de fevereiro de 2017 a 31 de março de 2019. Os dados foram extraídos dos prontuários e das fichas de notificação das infecções relacionadas à assistência à saúde.

Resultados:

a incidência de infecções de sítio cirúrgico foi de 5,5%. 46,7% dos pacientes foram reinternados, 26,7% fizeram desbridamento cirúrgico e o tempo médio da internação foi de 13,5±6,2 dias. Não houve registro de óbitos. A profilaxia antimicrobiana foi observada em 80% dos pacientes.

Resultados:

reporte de experiencia de los diez años de implementación del programa de residencia. Los datos se obtuvieron de documentos internos e informes de coordinadores y tutores. Se capacitó a trescientos setenta y dos profesionales. Entre los avances del programa, cabe destacar el incremento en el número de vacantes y especialidades, la consolidación del Reglamento Interno, la gestión computarizada de la información académica, el incentivo a la investigación y el mejoramiento de la asistencia en el ámbito hospitalario.

Conclusão:

o estudo contribuiu para a geração de indicadores de saúde e de avaliação que proporcionaram o rastreamento das infecções de sítio cirúrgico e vigilância ativa para a construção de estratégias de prevenção de eventos adversos institucionais.

DESCRITORES
Fraturas do Fêmur; Infecção da Ferida Cirúrgica; Ortopedia; Notificação de Doenças; Vigilância em Saúde Pública

RESUMEN

Objetivo:

determinar la incidencia y los factores asociados a la infección del sitio quirúrgico en osteosíntesis femoral en una unidad hospitalaria filantrópica del interior de Minas Gerais - Brasil.

Método:

estudio transversal, descriptivo y retrospectivo realizado en el periodo comprendido entre el 2 de febrero de 2017 y el 31 de marzo de 2019. Los datos se extrajeron de las historias clínicas y de los formularios de notificación de infecciones relacionadas con la atención sanitaria.

Resultados:

la incidencia de infecciones del sitio quirúrgico fue del 5,5%. El 46,7% de los pacientes reingresaron, el 26,7% fueron sometidos a desbridamiento quirúrgico y la duración media de la estancia fue de 13,5±6,2 días. No había registro de muertes. La profilaxis antimicrobiana se observó en el 80% de los pacientes.

Conclusión:

el estudio contribuyó a la generación de indicadores de salud y evaluación que proporcionaron el seguimiento de las infecciones del sitio quirúrgico y la vigilancia activa para la construcción de estrategias de prevención de eventos adversos institucionales.

DESCRIPTORES
Fracturas del Fémur;; Infección de la Herida Quirúrgica; Ortopedia; Notificación de Enfermedades; Vigilancia en Salud Pública

ABSTRACT

Objective:

to determine the incidence and associated factors of surgical site infection in femoral osteosynthesis in a philanthropic hospital unit in the interior of Minas Gerais - Brazil.

Method:

cross-sectional, descriptive, retrospective study conducted from February 2, 2017, to March 31, 2019. Data were extracted from medical records and health care-related infection notification forms.

Results:

the incidence of surgical site infections was 5.5%. 46.7% of the patients were readmitted, 26.7% had surgical debridement and the mean length of stay was 13.5±6.2 days. No deaths were reported. Antimicrobial prophylaxis was observed in 80% of the patients.

Conclusion:

the study contributed to the generation of health and evaluation indicators that provided the tracking of surgical site infections and active surveillance for the construction of strategies to prevent institutional adverse events.

DESCRIPTORS
Femoral Fractures; Surgical Wound Infection; Orthopedics; Disease Notification; Public Health Surveillance

INTRODUÇÃO

A infecção do sítio cirúrgico (ISC) em cirurgias limpas para redução aberta de fraturas do fêmur e do quadril é considerada um evento adverso que eleva as taxas de readmissão hospitalar, do uso de antibióticos, da morbimortalidade, da permanência hospitalar e dos custos financeiros da instituição^(1-2). Estudos internacionais apontam a prevalência de ISC em fratura de fêmur de 3,6% a 4,8%^(2-5), enquanto nacionais mostram uma prevalência de 4,0%, a 4,9%^(1,3).

A ISC é uma das complicações mais prevalentes em cirurgia ortopédica, e sua incidência pode variar muito, dependendo das definições de infecção, localização das fraturas e padrões cirúrgicos⁽⁶⁾. A infecção aumenta a possibilidade de formação de abscesso, osteomielite e problemas de união óssea, que poderão gerar efeitos negativos a longo prazo na mobilidade dos membros não lesionados ou articulações^(2-3,6).

Estudos epidemiológicos geralmente apontam a incidência das ISC em pacientes ortopédicos em geral^(1,7), no entanto, há uma carência de estudos que avaliem a incidência de ISC em pacientes vítimas de fraturas de fêmur e a caracterização dessa população.

A identificação do perfil descritivo, da conduta terapêutica e profilática e dos métodos de vigilância adotados pode contribuir para a prevenção das ISC, que demanda, além de liderança efetiva e suporte institucional, a participação da equipe multidisciplinar, cuja responsabilidade é favorecer a segurança do paciente^(8-9).

Além disso, nas instituições de saúde há uma deficiência de informações da ISC devido à subnotificação dos casos^(6-9). Diante do exposto, objetivou-se determinar a incidência e os fatores associados da ISC em osteossíntese de fêmur em uma unidade hospitalar filantrópica no interior de Minas Gerais.

MÉTODO

Estudo transversal, descritivo e retrospectivo, realizado em uma unidade hospitalar de médio porte, referência em Ortopedia e Traumatologia para a região ampliada de saúde do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Foram incluídos no estudo pacientes =18 anos de ambos os sexos na data do procedimento cirúrgico, submetidos à osteossíntese para tratamento de fraturas do fêmur e posteriormente notificados com ISC. E como fatores de exclusão, pacientes que passaram por tratamento conservador para resolução da fratura e submetidos a procedimentos cirúrgicos em outras estruturas ósseas.

Os dados foram coletados de fontes secundárias, referentes ao período de 2 de fevereiro de 2017 a 31 de março de 2019. O instrumento de coleta de dados foi confeccionado pelos próprios pesquisadores de acordo com os parâmetros estudados no prontuário e nas fichas de notificação das infecções relacionadas à assistência à saúde, realizadas pelo Serviço e Controle de Infecção Hospitalar (SCIH).

O instrumento passou por um pré-teste a fim de verificar as dificuldades de preenchimento e necessidade de introdução ou supressão de variáveis. Ao final da avaliação do pré-teste, foram incluídas as seguintes variáveis no instrumento de coleta de dados: clínicas (diagnóstico médico, tempo de internação, tempo de cirurgia, reinternações no período, leucograma, hemoglobina, necessidade de hemotransfusão, variação da temperatura axilar e comorbidades); evolução clínica (alta, transferência ou óbito); potencial de contaminação quanto à cirurgia (limpa, potencialmente contaminada, contaminada ou infectada); escore de avaliação pré-operatória da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA); prescrição na alta; próteses utilizadas na síntese; uso de antibiótico (profilático e terapêutico); dados microbiológicos; sexo e idade. Para quantificação do total de cirurgias realizadas no tratamento das fraturas do fêmur no período, foi analisado o Livro de Registros Procedimentos Cirúrgicos e o software de gestão hospitalar SPDATA®.

O cálculo amostral foi realizado com base no teorema central dos limites, que descreve a distribuição da média de uma amostra aleatória de uma população não normal com variância finita, calculada por meio de um intervalo de confiança de 95%, resultando em 385 participantes. Os 385 prontuários foram obtidos por meio de sorteio aleatório simples. A perda amostral foi de 32%, devido à falta de informações nos prontuários e, sendo assim, 123 prontuários foram substituídos. A coleta de dados foi realizada por dois pesquisadores que receberam treinamento prévio sobre o instrumento e sobre as fichas e registros utilizados pela instituição para notificação de ISC.

O SCIH da instituição utiliza o instrumento denominado roteiro de busca fonada: egresso cirúrgico para o rastreamento das ISC, que são realizados pela enfermeira do SCIH após 30 dias da alta hospitalar e, em caso de osteossíntese com implante, até três meses após a intervenção cirúrgica. Identificaram-se notificações decorrentes de ligações telefônicas.

Após identificação dos sinais clínicos que podem evidenciar possível acometimento do paciente por ISC, na busca fonada ou diagnóstico médico durante internação, o profissional que faz a ligação é responsável por preencher a ficha de notificação de infecções relacionadas à assistência à saúde. Essa ficha de notificação também foi utilizada neste estudo para complementar o instrumento de coleta de dados.

As variáveis quantitativas foram apresentadas por média (M) ± desvio padrão (DP). As variáveis categóricas foram representadas por frequências absolutas (n) e relativas (%). Utilizou-se o software Statistical Package for the Socia Sciencel® versão 20.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, sob parecer n. 3.133.418.

RESULTADOS

A partir da análise dos prontuários e de acordo com os critérios de exclusão, identificou-se 307 pacientes que foram submetidos a tratamento cirúrgico de fratura do fêmur (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de coleta de dados e critérios de inclusão e exclusão. Diamantina, MG, Brasil, 2019

Para cálculo da incidência de ISC, foram considerados 15 prontuários que possuíam notificações confirmadas de ISC decorrentes de osteossíntese de fêmur. A incidência de ISC foi de 5,5%. Das amostras analisadas, 60% (9) eram homens e 40% (6) eram mulheres. A idade das mulheres variou de 54 a 98 anos (55,9±24,6) e dos homens de 21 a 86 anos (41,9±19,1). O tempo médio de internação foi de 13,5±6,2 dias.

Quanto ao desfecho da internação, observou-se alta hospitalar em 73,3% (11) dos casos e transferências para unidades de maior complexidade em 27,7% (quatro) das internações. Não houve registro de óbitos.

Comorbidades prévias foram identificadas em 60% da amostra e o risco cirúrgico no ato operatório variou de ASA I a III. As topografias das fraturas foram a diafisária, transtrocanteriana, intercondileana, subtrocantérica e colo. O tempo médio do ato cirúrgico em cada tipo de fratura foi de 112±46 minutos.

A Tabela 1 apresenta o perfil clínico e epidemiológico dos participantes da pesquisa.

Tabela 1
Perfil clínico e epidemiológico dos pacientes com infecção de sítio cirúrgico em fratura do fêmur, de acordo com o método e notificação. Diamantina, MG, Brasil, 2019

Variáveis		Ocorrências n (%)	Idade Média M±DP
Comorbidades
	Hipertensão Arterial Sistêmica	6 (40)	-
	Cardiopatia	4 (26,7)	-
	Diabetes Mellitus	3 (20)	-
	Dislipidemia	2 (13,3)	-
	Insuficiência Renal Crônica	1 (6,7)	-
Mecanismo de Fratura
	Acidente Automobilístico	7 (46,6)	34,7±5,4
	Queda da Própria Altura	6 (40)	76,7±6,4
	Queda da Cama	1 (6,7)	67,0±5,8
	Queda de Escada	1 (6,7)	70,0±10,2
ASA
	I	6 (40)	-
	II	3 (20)	-
	III	5 (33,3)	-
	IV e V	-	-
	Sem Registro	1 (6,7)	-
Potencial de contaminação
	Limpa	8 (53,3)	-
	Potencialmente contaminada	2 (13,3)	-
	Contaminada	4 (26,7)	-
	Infectada	-	-
	Sem registro	1 (6,7)	-
Tipo de osteossíntese
	Haste Intra Medular	6 (40)	-
	Fixador Externo	6 (40)	-
	Placas e parafuso	2 (13,3)	-
	Artroplastia Total de Quadril	1 (6,7)	-
Topografia das fraturas
	Diafisária	6 (40)	-
	Transtrocanteriana	4 (26,7)	-
	Intercondileana	2 (13,3)	-
	Subtrocantérica	2 (13,3)	-
	Colo	1 (6,7)	-
Internação
	Alta Hospitalar	11(73,3)	-
	Transferência	4 (27,7)	-
	Óbito	-	-
Reinternações
	Infecção de Ferida Cirúrgica	4 (37)
	Deiscência em Ferida Cirúrgica	3 (27)	-
	Refratura associada à Deiscência de Ferida Cirúrgica e Osteomielite Crônica	2 (18)	-
	Deiscência de Ferida Cirúrgica associada à Osteomielite Crônica	1 (9)	-
	Refratura do Fêmur	1 (9)	-
Prescrição à Alta Hospitalar
	Antibiótico em regime domiciliar	10 (67)	-
	Profilaxia de Trombose Venosa Profunda	4 (27)	-
	Sem registro	1 (6)	-

• Fonte: Autores (2019)

Quanto à média do número de procedimentos cirúrgicos realizados, verificou-se 4,0±3,6 para aqueles com duas ou mais internações, e 1,1±0,4 para participantes com uma internação. No sumário de alta, identificou-se prescrição de antibióticos no momento da alta, para uso em regime domiciliar, medicações sintomáticas e para profilaxia de Trombose Venosa Profunda (TVP).

Quanto à antibiótico profilaxia das ISC no pré-operatório, foi observada administração em 80% (12) dos pacientes. O antibiótico padronizado era a Cefazolina. Não se verificou profilaxia em 20% (três) dos pacientes. Verificou-se que 66,6% (10) dos pacientes que foram notificados após a alta hospitalar fizeram uso de antibióticos, ou seja, em 33,4% (cinco) dos pacientes não havia relato de uso de antibióticos.

A realização do desbridamento foi efetuada em 26,7% (quatro) dos pacientes infectados, a média de desbridamento foi de 2,3±1,8. Em 73,3% (11) dos pacientes não se fez o desbridamento.

Os sinais clínicos associados à ISC foram divididos de acordo com o método de notificação (Tabela 2).

Tabela 2
Sinais clínicos observados nos pacientes com ISC em fratura do fêmur, de acordo com o método e notificação. Diamantina, MG, Brasil, 2019

Sinais Clínicos	Notificação/ Internação Hospitalar n (%)	Sinais Clínicos	Notificação/ Busca Fonada n (%)
Exsudado seroso ou sanguinolento	6 (100)	Exsudado seroso	1(11,1)
Edema, hiperemia e aumento da temperatura local	5 (83,3)	Dor local	2(22,2)
Exsudato purulento, amarelado ou esverdeado	2 (33,3)	Dor local	2(22,2)
Área endurecida ou flutuante no local	2 (33,3)	Dor local	2(22,2)
Rebaixamento sensório e vômitos	1 (16,6)	Dor local	2(22,2)

• Fonte: Autores (2019)

Na investigação laboratorial, identificaram-se registros de infecção em 33,3% (cinco) dos pacientes. Os registros das culturas detectaram 20% de Staphylococcus aureus, 20% de Staphylococcus ssp., 20% de Escherichia coli, 40% de Enterobacter ssp. e 20% de Edwardsiella ssp (Tabela 3).

Tabela 3
Aspectos microbiológicos dos participantes diagnosticados e terapia antimicrobiana adotada em pacientes com fratura de fêmur. Diamantina, MG, Brasil, 2019

Paciente	Micro-organismo	Antibiograma (resistência)	Terapia Antimicrobiana
P1	Staphylococus aureus	Eritromicina, Teicoplamina	Clindamicina, Gentamicina, Cefepime, Ciprofloxacino
P2	Staphylococus ssp Coagulase Negativa	Penicilina, Cefalotina, Eritromicina, Ciprofloxacino, Ampicilina	Clindamicina, Gentamicina, Oxacilina, Rifampicina
P3	Escherichia coli	Cefalotina, Clindamicina, Penicilina	Oxacilina, Clindamicina
	Enterobacter ssp
P4	Edwardsiella ssp	Eritromicina, Ampicilina, Gentamicina, Sulfazotrim, Aztreonam, Cefalotina, Penicilina, Clindamicina, Cefuroxima	Clindamicina, Ciprofloxacino, Vancomicina, Cefepime
	Escherichia coli	Penicilina, Cefotaxima, Tetraciclina, Clindamicina, Nitrofurantoína, Ampicilina, Cefalotina, Ácido Nalidíxico, Sulfazotrim, Norfloxacino
P5	Sem Crescimento Bacteriano	-	Ciprofloxacino, Clindamicina

• Fonte: Autores (2019)

Verificou-se que 53,3% (oito) dos pacientes necessitaram de hemotransfusão de concentrado de hemácias (escore de hemoglobina variou entre 5,5 a 10,2 g/dL) e que 33% (cinco) apresentaram leucocitose (leucócitos totais entre 11.100-16.200 mm3).

A investigação dos marcadores inflamatórios evidenciou em oito prontuários valores elevados da proteína C Reativa (maiores que 192 mg/dL). Em 87,5% (sete) dos pacientes, verificaram-se valores elevados (maiores que 123 mm/hora) na velocidade de hemossedimentação. Na análise da variação da temperatura corporal, evidenciou-se elevação da temperatura axilar >37,8 °C em 13,3% (dois) dos pacientes.

DISCUSSÃO

O rastreamento de eventos adversos é importante na avaliação da qualidade da assistência por gerar indicadores de risco. Neste estudo, foram identificadas 15 (5,5%) notificações de ISC em fraturas de fêmur. Estudos anteriores corroboraram com esses resultados, quando também pesquisaram um grande número amostral de pacientes com fraturas de fêmur e identificaram uma pequena porcentagem de notificações^(4,6). O método de vigilância por busca fonada contribuiu expressivamente para o aumento da identificação das ISC. O rastreamento diminui as possibilidades de subestimar a incidência das ISC, pois em casos de infecções superficiais, como abscesso cutâneo, o paciente geralmente é acompanhado em regime ambulatorial com antibióticos orais, não necessitando de novas admissões hospitalares^(3,6,9).

No presente estudo predominou o sexo masculino, com uma maior incidência de comorbidades. Estudos anteriores identificaram associações entre a ISC e a presença de doenças crônicas^(1,4). A comorbidade pode aumentar em até 0,35% a chance de ocorrência de ISC^(1,4). No que se refere à prevalência do sexo masculino, a literatura aborda que os homens obtiveram risco cinco vezes mais alto de apresentar ISC, no entanto, ainda é uma lacuna do conhecimento científico e necessita de estudos futuros para justificar a associação⁽⁹⁾.

O tempo médio de internação, neste estudo, foi inferior ao encontrado em um estudo observacional de caso-controle, cujo tempo médio foi de 29±4,3 dias⁽⁴⁾. Outro estudo também encontrou valores superiores, com média de 24,6±5,7 dias para os pacientes infectados; na ausência de infecção, a média era de 15±3,4 dias⁽⁷⁾. Neste estudo, não houve registro de óbitos, no entanto, a instalação de processos infecciosos durante a hospitalização aumenta o risco de mortalidade⁽⁶⁾. O National Healthcare Safety Network (NHSN) retrata que as ISC apresentam a uma taxa de mortalidade de 3%, sendo que este evento adverso corresponde a 75% das infecções relacionadas à assistência à saúde no mundo⁽¹⁰⁾.

O potencial de contaminação das cirurgias mais recorrente, neste estudo, foi a limpa e, à medida que aumenta o potencial de contaminação, a incidência de ISC pode aumentar significativamente (p<0,05)⁽⁹⁾. Desta forma, o monitoramento das ISC, especialmente nas cirurgias limpas, é um indicador de qualidade da assistência prestada, pois pode evidenciar falhas no cuidado e na técnica dos procedimentos cirúrgicos, o que compromete a recuperação. A realização de múltiplos procedimentos cirúrgicos no mesmo local está diretamente associada ao nível de comprometimento das estruturas ósseas, e eleva o risco do desenvolvimento de ISC, assim como a realização de cirurgias prévias no local de sítio cirúrgico^(9-11).

No presente estudo, verificou-se que a média de procedimentos notificados pós-alta foi inferior quando comparados aos notificados em regime hospitalar. Nesse caso, foram necessárias novas admissões hospitalares e um maior número de intervenções cirúrgicas para o tratamento da ISC. Justifica-se esta abordagem em função de que a infecção pós-operatória pode estar relacionada à necessidade de desbridamentos cirúrgicos^(12-15).

O tempo máximo de 158 minutos do ato cirúrgico nas fraturas encontrado neste estudo foi considerado de risco para ISC. Um estudo de coorte verificou que um tempo superior a 120 minutos em artroplastias de quadril apresentou um risco maior de ISC quando comparadas com aquelas com duração entre 60 e 89 minutos⁽⁹⁾. Outro estudo do tipo transversal retrospectivo apontou que, a cada 60 minutos, houve elevação de 64% do risco de ISC⁽⁵⁾. Os autores destacaram ainda que o tempo cirúrgico pode ser influenciado por diversos fatores, como experiência da equipe, disponibilidade de equipamentos, complexidade da fratura, necessidade de desbridamento e dificuldade para posicionamento da prótese⁽⁵⁾. Apesar da dificuldade em modificar esses fatores de risco, eles são essenciais e úteis para aconselhamento pré-operatório de pacientes e seus familiares em relação ao seu próprio perfil de risco para ISC.

Em relação às próteses, diversos autores pesquisaram que a utilização da fixação externa é um fator que elevou a probabilidade do desenvolvimento de ISC, no entanto, sua implantação é a melhor opção de tratamento em muitos casos^{(3-4,6,13,15)}.

Para a prevenção das ISC, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) recomenda a administração de antibiótico profilático em cirurgias ortopédicas com implantes ou manipulação óssea, que deve ocorrer até 60 minutos antes da incisão cirúrgica e a descontinuação do uso em 24 horas⁽¹⁶⁾.

Apesar de este estudo não ter realizado mensuração do tempo de aplicação do antibiótico profilático em relação ao ato cirúrgico, foi evidenciada administração de Cefazolina em 80% dos pacientes. A Cefazolina profilática é considerada um fármaco de primeira opção na profilaxia ortopédica^(9,17-19). A hemotransfusão foi necessária em 53% dos pacientes, com os valores de hemoglobina variando entre 7,1g/dL a 14,1g/dL. O histórico de anemia e hemoglobina pré-operatória inferior a 12g/dL para homens e 11g/dL em mulheres é um fator de risco para ISC, além de elevar o risco de mortalidade, pneumonia pós-operatória e o tempo de internação hospitalar⁽²⁾. A realização de hemotransfusão eleva em três vezes o risco de ocorrência de ISC, e sua necessidade deve ser avaliada considerando medidas de prevenção de infecção^(2,9,20).

No que diz respeito às readmissões hospitalares, verificou-se ISC devido à deiscência em ferida cirúrgica; nova fratura associada à deiscência e à osteomielite crônica. Um estudo retrospectivo evidenciou que as doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo corresponderam a 8,5% das reinternações por complicações cirúrgicas, incluindo osteomielite, transtornos osteomusculares pós-procedimentos e da continuidade óssea⁽¹²⁾.

Foi identificado um baixo número de registros de realização de exames laboratoriais para investigação microbiológica nas ISC⁽⁵⁾. É importante destacar que muitas das infecções foram notificadas após a alta, o que contribuiu para o baixo percentual deste registro laboratorial. Um estudo também identificou pequeno número na realização desses exames, e justificou que as infecções superficiais dispensam a realização do exame microbiológico⁽⁹⁾.

Quanto aos agentes etiológicos, os resultados deste estudo foram divergentes daqueles encontrados na literatura, que revelaram uma alta prevalência de Staphylococcus aureus nas infecções de cirurgias ortopédicas^(3-6,9,21). Dos microrganismos identificados, foi encontrada a espécie Edwardsiella ssp, bactéria encontrada em meio aquático de ambientes de água doce ou salobra. Um estudo internacional retrospectivo de caso controle identificou que a Edwardsiella tarda apresentou taxa de mortalidade de 44,6% em pacientes com infecção em partes moles, associando a bacteremia à ingestão de animais aquáticos contaminados⁽²²⁾.

A resistência antimicrobiana foi observada a uma ampla classe de antibióticos, constituindo em um problema de saúde pública^(16,23-24). Estima-se que nos Estados Unidos da América, 39% a 51% dos micro-organismos causadores de ISC apresentam resistência aos antibióticos profiláticos padrão na prática clínica⁽⁸⁾. A resistência antimicrobiana está relacionada ao uso inadequado de antibióticos, sobretudo ao tempo de duração e intervalo de tempo da antibioticoterapia^(16,23).

Identificou-se neste estudo, através do sumário de alta, que 67% dos pacientes receberam prescrição de antibiótico em regime domiciliar, e 27% obtiveram prescrição apenas de medicações sintomáticas e para profilaxia de Trombose Venosa Profunda (TVP). O Ministério da Saúde destaca que a profilaxia de TVP deve ser realizada em pacientes que passaram por cirurgia de grande porte e sua prescrição deve ser estendida após a alta hospitalar por um período de 28 a 30 dias em idosos⁽¹⁷⁾. Recentes estudos também alertaram para o estímulo da deambulação precoce durante a internação como medida preventiva de TVP, lesões por pressão e atelectasias^(21,24).

Autores destacaram que a deambulação precoce eleva as chances de alta hospitalar precoce e, consequentemente, menor exposição a infecções hospitalares⁽²⁴⁾. Em relação à prescrição de antimicrobianos, a ANVISA recomenda que a profilaxia deva ser descontinuada 24 horas após a realização da cirurgia, no entanto, este estudo evidenciou a manutenção das prescrições até o momento da alta e se estendia até o uso em domicílio⁽¹⁶⁾.

As limitações deste estudo se referem às dificuldades de coleta de dados dos prontuários por se apresentarem incompletos ou ilegíveis.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo sugeriram que a incidência das ISC pode não ter definido a real incidência de infecções em osteossíntese de fêmur, sobretudo devido às subnotificações e inconsistências na vigilância pós-alta. Sugere-se que os fatores associados às ISC, como potencial de contaminação, tipo de osteossíntese, topografia da fratura, uso de próteses, antibióticos, dados microbiológicos, mecanismos de fraturas e comorbidades sejam inseridos nos protocolos pré, intra e pós cirúrgico da instituição. Tais variáveis incluídas no protocolo de cirurgias seguras podem contribuir não somente para a geração de indicadores para a prática institucional, mas também para a resolução de lacunas relacionadas às ISC, em virtude de ser ainda desafio para a comunidade científica.

Folhas de verificação, como instrumento da qualidade, são sugeridas para complementar o checklist cirúrgico no protocolo de cirurgias seguras da instituição, uma vez que o rastreamento das ISC e vigilância ativa contribuem para a construção de estratégias de prevenção, a partir da identificação de eventos adversos ocorridos na instituição. Este estudo pode contribuir ainda para subsidiar estudos analíticos futuros, que podem aprofundar o conhecimento e o impacto das ISC associadas à fratura de fêmur.

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

• Vieira DAR, Cristianismo RS, Campos FF, Costa MCP da, Lucas TC. Infecção de sítio cirúrgico em osteossíntese de fêmur: incidência e fatores associados. Cogit. Enferm. [Internet]. 2021 [acesso em “colocar data de acesso, dia, mês abreviado e ano”]; 26. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v26i0.76087.

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Editado por

Editora associada: Luciana Alcântara Nogueira

Contribuição dos autores:

Contribuições substanciais para a concepção ou desenho do estudo; ou a aquisição, análise ou interpretação de dados do estudo - Vieira DAR, Cristianismo RS, Lucas TC; Elaboração e revisão crítica do conteúdo intelectual do estudo - Campos FF, Costa MCP da, Lucas TC; Aprovação da versão final do estudo a ser publicado - Vieira DAR, Cristianismo RS, Campos FF, Costa MCP da, Lucas TC. Todos os autores aprovaram a versão final do texto.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Out 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  26 Ago 2020
• Aceito
  24 Mar 2021