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PADRÃO ESPACIAL DA MALÁRIA EM POPULAÇÕES INDÍGENA E NÃO INDÍGENA NO ESTADO DO PARÁ

PATRÓN ESPACIAL DE LA MALARIA EN POBLACIONES INDÍGENAS Y NO INDÍGENAS DEL ESTADO DE PARÁ

RESUMO

Objetivo

analisar o padrão espacial da malária nas populações indígena e não indígena no estado do Pará.

Método

estudo ecológico, com análise de 379.511 casos de malária notificados ao Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica – Malária, no período 2010 a 2015, no estado do Pará. Os dados foram georreferenciados com auxílio do programa QGIS versão 3.14 e interpolados através do Estimador de Densidade Kernel, para criação de mapas digitais. Realizou-se cálculo e análise da Incidência Parasitária Anual de malária nas mesorregiões do Pará.

Resultados

mostraram-se maiores Índices Parasitários Anuais em populações indígenas quando comparados aos não indígenas, com Incidência Parasitária Anual=163,05/1.000 habitantes e 165,27/1.000 habitantes entre indígenas, e 17,26/1.000 habitantes e 14,26/1.000 habitantes em não indígenas.

Conclusão

a distribuição territorial da malária é desigual nas mesorregiões considerando a condição de ser ou não indígena, o que sugere necessidade de valorizar as especificidades culturais locorregionais, para direcionar ações de controle mais resolutivas.

DESCRITORES
Análise Espacial; Malária; Povos Indígenas; Monitoramento Epidemiológico; Saúde Pública

RESUMEN

Objetivo

analizar el patrón espacial de la malaria en las poblaciones indígenas y no indígenas del estado de Pará.

Método

estudio ecológico, en el cual se analizaron 379.511 casos de malaria notificados al Sistema de Información de Vigilancia Epidemiológica – Malaria, entre 2010 y 2015 en el estado de Pará. Los datos se geo-referenciaron con la ayuda del programa QGIS, versión 3.14, y se los interpoló a través del Estimador de Densidad Kernel, a fin de crear mapas digitales. Se calculó y analizó la Incidencia Parasitaria Anual de la malaria en las meso-regiones de Pará.

Resultados

se obtuvieron Índices Parasitarios Anuales más elevados en poblaciones indígenas en relación con las no indígenas, con valores de Incidencia Parasitaria Anual de 163,05/1.000 habitantes y 165,27/1.000 habitantes entre indígenas, y de 17,26/1.000 habitantes y 14,26/1.000 habitantes en no indígenas.

Conclusión

la distribución territorial de la malaria es desigual en las meso-regiones si se considera la condición de ser indígena o no, lo que sugiere que necesario valorizar las especificidades culturales loco-regionales para direccionar acciones de control más resolutivas

DESCRIPTORES
Análisis Espacial; Malaria; Pueblos Indígenas; Monitoreo Epidemiológico; Salud Pública

ABSTRACT

Objective

to analyze the spatial pattern of malaria in the indigenous and non-indigenous populations in the state of Pará.

Method

an ecological study with analysis of 379,511 cases of malaria notified to the Malaria Epidemiological Surveillance Information System from 2010 to 2015 in the state of Pará. The data were geo-referenced with the aid of the QGIS program, version 3.14, and interpolated by using the Kernel Density Estimator, in order to create digital maps. The Annual Parasite Incidence of malaria in the meso-regions of Pará was calculated and analyzed.

Results

higher Annual Parasite Indices were found in indigenous populations when compared to those found in non-indigenous populations, with Annual Parasite Incidence values of 163.05/1,000 inhabitants and 165.27/1,000 inhabitants among indigenous individuals, and 17.26/1,000 inhabitants and 14.26/1,000 inhabitants among non-indigenous individuals.

Conclusion

the territorial distribution of malaria is unequal in the meso-regions, considering the condition of being indigenous or not, which suggests the need to value the cultural loco-regional specificities in order to direct more resolute control actions.

DESCRIPTORS
Spatial Analysis; Malaria; Indigenous Peoples; Epidemiological Monitoring; Public Health

INTRODUÇÃO

A malária ainda configura um grave problema de saúde pública no mundo, sobretudo nos países situados em áreas tropicais(11 Tannous S, Ghanem E. A bite to fight: front-line innate immune defenses against malaria parasites. Pathog Glob Health. [Internet]. 2018 [acesso em 15 jun 2020]; 112(1). Disponível em: https://dx.doi.org/10.1080/2F20477724.2018.1429847.
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). A incidência da doença está ligada a fatores ambientais, sociodemográficos, biológicos e político-organizacionais, ocasionando impacto no âmbito social e econômico em populações que vivem sob risco, principalmente, àquelas expostas a condições precárias de habitação e saneamento(22 Braz RM, Barcellos C. Analysis of the process of malaria transmission elimination with a spatial approach to incidence variation in the brazilian Amazon, 2016. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2018 [acesso em 15 jun 2020]; 27(3). Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742018000300010.
https://doi.org/10.5123/s1679-4974201800...
).

Estima-se que, no ano de 2018, aproximadamente 228 milhões de pessoas no mundo foram acometidas pela malária, com 405 mil óbitos, dos quais 94% estão concentrados na região africana(33 World Health Organization (WHO). World Malaria Report 2019 [Internet] Geneva: WHO; 2019. [acesso em 21 jun 2020]. Disponível em: https://www.who.int/malaria/publications/world-malaria-report-2019/en/.
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). O Brasil, em 2019, notificou cerca de 156 mil casos(44 Pan American Health Organization (PAHO). World Health Organization. Epidemiological Update: Malaria in the Americas in the context of COVID-19 pandemic [Internet]. Washington, DC: PAHO/WHO; 2020. [acesso em 21 jun 2020]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52288/EpiUpdate10June2020_eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
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), sendo a região Amazônica considerada a mais endêmica para a doença no território nacional, concentrando em torno de 99% dos registros(55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Descrição do processo de monitoramento dos testes de diagnóstico rápido de malária, Brasil, 2014 a 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. [acesso em 30 jun 2020]; 50(12). Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/abril/01/2018-066.pdf.
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), o que configura uma dinâmica diferenciada de adoecimento em virtude dos determinantes ambientais e da dificuldade de acesso da população aos serviços de saúde(66 Lapouble OMM, Santelli ACF e S, Muniz-Junqueira MI. Situação epidemiológica da malária na região amazônica brasileira, 2003 a 2012. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2015 [acesso em 21 jun 2020]; 38(4). Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v38n4/300-306/pt.
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). A região Norte do Brasil apresenta diversidade populacional(77 Lira T de M, Chaves M do PSR. Comunidades ribeirinhas na Amazônia: organização sociocultural e política. Interações [Internet]. 2016 [acesso em 21 jun 2020]; 17(1). Disponível em: https://doi.org/10.20435/1518-70122016107.
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) e características demográficas e socioeconômicas peculiares, sendo pioneira em casos de malária no país(55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Descrição do processo de monitoramento dos testes de diagnóstico rápido de malária, Brasil, 2014 a 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. [acesso em 30 jun 2020]; 50(12). Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/abril/01/2018-066.pdf.
http://portalarquivos2.saude.gov.br/imag...
).

O estado do Pará em 2018 registrou cerca de 21.189 casos, e em 2019 identificou-se redução em relação ao ano anterior, com aproximadamente 15.107 casos notificados. Já no primeiro semestre do ano de 2020, o estado notificou 8.355 casos, configurando queda de 45% em relação ao mesmo período de 2019. A análise da distribuição de casos no espaço geográfico permitiu visualizar maior concentração nos municípios localizados na região Sul do estado, onde habita expressiva população indígena(88 Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA). Pará registra queda de 45% nos casos de malária no primeiro semestre. [Internet]. 2020 [acesso em 28 fev 2021]. Disponível em: http://www.saude.pa.gov.br/para-registra-queda-de-45-nos-casos-de-malaria-no-primeiro-semestre/.
http://www.saude.pa.gov.br/para-registra...
).

O Pará é um dos estados amazônicos com maior incidência da malária(66 Lapouble OMM, Santelli ACF e S, Muniz-Junqueira MI. Situação epidemiológica da malária na região amazônica brasileira, 2003 a 2012. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2015 [acesso em 21 jun 2020]; 38(4). Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v38n4/300-306/pt.
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), e contempla em seu território grupos populacionais considerados mais vulneráveis ao adoecimento, por residirem em áreas rurais, sobretudo, às proximidades de várzeas, a exemplo dos indígenas(99 Mendes AM, Lima M da S, Maciel AGP, Menezes RA de O, Eugênio NCC. Malaria among indigenous peoples on the Brazil-French Guiana border, 2007-2016: a descriptive study. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2020 [acesso em 30 jun 2020]; 29(2). Disponível em: https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200012.
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).

A presença de epidemias entre povos nativos, a exemplo da malária, pode gerar instabilidade epidemiológica e heterogeneidade no risco de contaminação e na distribuição espacial, em razão das especificidades ambientais, culturais e socioeconômicas, peculiares em terras indígenas(99 Mendes AM, Lima M da S, Maciel AGP, Menezes RA de O, Eugênio NCC. Malaria among indigenous peoples on the Brazil-French Guiana border, 2007-2016: a descriptive study. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2020 [acesso em 30 jun 2020]; 29(2). Disponível em: https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200012.
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). Somado a isso, identifica-se que as atividades de prevenção são escassas e os programas de controle não são baseados em evidências científicas, dispensando assim recursos com eficácia limitada às populações em risco(99 Mendes AM, Lima M da S, Maciel AGP, Menezes RA de O, Eugênio NCC. Malaria among indigenous peoples on the Brazil-French Guiana border, 2007-2016: a descriptive study. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2020 [acesso em 30 jun 2020]; 29(2). Disponível em: https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200012.
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-1010 Mendes AM, Leite MS, Langdon EJ, Grisotti M. The challenge of providing primary healthcare care to indigenous peoples in Brazil. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2018 [acesso em 21 jun 2020]; (42). Disponível em: https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.184.
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).

Em busca de evidências científicas relacionadas à temática, na literatura nacional e internacional, constatou-se a necessidade de aprofundar estudos de geoespacialização da malária, para identificação de áreas de maior risco de transmissão, sobretudo em populações indígenas do estado do Pará, na perspectiva de que tais resultados possam ter efeito no controle de doenças, na formulação de políticas públicas, na condução das ações e na tomada de decisão pelos gestores de saúde(1111 Chiaravalloti-Neto F. O Geoprocessamento e Saúde Pública. Arq Ciênc Saúde [Internet]. 2016 [acesso em 20 abr 2021]; 23(4). Disponível em: https://doi.org/10.17696/2318-3691.23.4.2016.661.
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). Assim, o presente estudo tem por objetivo analisar o padrão espacial da malária nas populações indígena e não indígena no estado do Pará.

MÉTODO

Trata-se de um estudo ecológico, realizado no estado do Pará, localizado na região Norte do Brasil, cuja população estimada para 2020 foi de 8.690.745 habitantes, distribuídos em 144 municípios(1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Brasil/Pará. [Internet]. 2021 [acesso em 28 fev 2021]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/panorama.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/pa...
). Segundo o Censo 2010, o estado contabilizou 39.081 indígenas(1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os indígenas no Censo Demográfico 2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. [Internet]. 2012 [acesso em 25 fev 2021]. Disponível em: https://indigenas.ibge.gov.br/images/indigenas/estudos/indigena_censo2010.pdf.
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). A população do estudo constituiu-se de 379.511 casos de malária notificados no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Malária (SIVEP – Malária), no período de 2010 a 2015, dos quais 356.881 foram em não indígenas e 22.630 em indígenas. A eleição do recorte temporal foi motivada pela disponibilidade dos dados, obtidos junto à Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (SESPA).

Foram estudadas as variáveis: ano de notificação, local de infecção e número de casos na população indígena e não indígena do estado. A esses dados, foram acrescidas informações da população do Pará por ano obtidas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A análise espacial foi realizada em cinco etapas. A primeira foi realizada com dados de domínio público referentes às bases de dados cartográficas, obtidas no SIRGAS 2000 (Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas 2000), e populacionais disponibilizados pelo IBGE; e os dados epidemiológicos referentes à notificação de casos em indígenas e não indígenas disponibilizados pelo SIVEP – Malária do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), utilizando o sistema do Centro Nacional de Endereço para Fins Estatísticos (CNEFE – IBGE).

Na segunda etapa foi realizada a depuração dos casos de malária utilizando o software Excel® 2019, objetivando obter maior consistência, completude e diminuir as chances de redundância no banco de dados. Após a depuração, foi criado um Banco de Dados Geográfico (BDGeo) dos casos notificados.

Na terceira etapa, o banco de dados georreferenciados foi manipulado com a utilização do programa QGIS, versão 3.14, para elaboração dos mapas temáticos, possibilitando a identificação de áreas geográficas com maior ocorrência da doença.

Na quarta etapa, foi aplicado o Estimador de Densidade Kernel (EDK), método de análise exploratória de dados espaciais que possibilita fácil e rápida visualização de localidades expostas, identificando diferentes graus de intensidade de casos nas áreas estudadas. Neste estudo, optou-se pelo agrupamento dos dados dos municípios de acordo com as mesorregiões estabelecidas no estado do Pará (Figura 1), definidas a partir das características socioeconômicas e ambientais.

Figura 1
Divisão do estado do Pará segundo as mesorregiões. Belém, PA, Brasil, 2020

A quinta etapa consistiu no cálculo e análise da Incidência Parasitária Anual (IPA) em indígenas e não indígenas no estado do Pará, estratificado por mesorregião, a partir da expressão: número de exames positivos de malária/população total residente no ano de análise x 1.000. Para tanto, os dados foram classificados em três categorias: área de baixo risco (IPA 0 a 9,9); área de médio risco (IPA 10 a 49,9); e, área de alto risco (IPA>50)(1414 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Dia mundial da malária: 25 de abril. In: Monitoramento dos casos de arboviroses urbanas transmitidas pelo Aedes Aegypti (dengue, chikungunya e zika), Semanas Epidemiológicas 1 a 16, 2020 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [acesso em 12 fev 2021]; 51(17): 19-30. Disponível em: http://plataforma.saude.gov.br/anomalias-congenitas/boletim-epidemiologico-SVS-17-2020.pdf.
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).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Curso de Enfermagem da Universidade do Estado do Pará, sob o parecer nº 1.802.305.

RESULTADOS

Foram analisados 379.511 casos de malária, dos quais 356.881 foram registrados entre não indígenas e 22.630 entre indígenas. Na Tabela 1, identifica-se que na população indígena os índices parasitários se mostraram bem superiores quando comparados aos da população não indígena, em todo o período estudado. Nos anos 2010 e 2011, os valores de IPA ficaram superiores aos demais anos para os dois grupos étnicos, com 163,05/1.000 habitantes e 165,27/1.000 habitantes entre os indígenas, e 17,26/1.000 habitantes e 14,26/1.000 habitantes para os não indígenas, respectivamente.

Tabela 1
Distribuição dos casos e Índices Parasitários Anuais de malária, em população indígena e não indígena, no Pará, no período 2010 – 2015. Belém, PA, Brasil, 2020

A aplicação do EDK (Figura 2) possibilitou visualizar a distribuição dos casos nas mesorregiões. Nos anos 2010-2012, visualiza-se maior ocorrência entre não indígenas no Marajó, no Sudoeste e no Nordeste Paraense, e entre indígenas, na mesorregião Sudoeste. A partir de 2013, houve progressiva redução de casos nos dois grupos populacionais.

Figura 2
Mapas com distribuição de densidade dos casos de malária, em população indígena e não indígena, obtidos por meio do Estimador de Densidade Kernel, no estado do Pará, no período 2010 – 2015. Belém, PA, Brasil, 2020

A Figura 3 mostra a variação do índice parasitário da malária ao longo dos anos estudados, exibindo diferenças importantes entre os grupos. Nota-se que, entre os não indígenas, as mesorregiões Marajó e Sudoeste apresentaram maiores índices no período 2010-2012. Em 2014, a incidência ficou aproximada nas duas mesorregiões, registrando-se elevação no Nordeste Paraense, no ano de 2011. A Metropolitana de Belém apresentou baixa incidência em todo o período.

Figura 3
Série temporal da Incidência Parasitária Anual de malária, em população indígena e não indígena, nas mesorregiões do estado do Pará, no período 2010 – 2015. Belém, PA, Brasil, 2020

Entre os indígenas, destacou-se a mesorregião Sudoeste com taxas bastantes elevadas no período 2010-2012, havendo declínio a partir de 2013. Nas demais mesorregiões, a ocorrência de malária apresentou dinâmica, de certa forma regular, com risco de adoecimento reduzido para esse grupo étnico (Figura 3).

A Figura 4 apresenta classificação de IPA alto na mesorregião Marajó; médio no Sudoeste; e baixo nas mesorregiões Baixo Amazonas, Sudeste, Nordeste e Metropolitana de Belém, em população não indígena. Há que se destacar a mesorregião Nordeste com IPA baixo, nos anos 2012-2015. O Marajó e o Sudoeste apresentaram as maiores variações, identificando-se IPA alto nos anos 2010-2012, médio em 2013 e baixo em 2014-2015, no Marajó, e para o Sudoeste, alto em 2010-2011, médio em 2012-2014 e baixo em 2015.

Figura 4
Distribuição espacial da Incidência Parasitária Anual de malária, em população indígena e não indígena, nas mesorregiões do estado do Pará, no período 2010 – 2015. Belém, PA, Brasil, 2020

Nos povos indígenas, o comportamento do IPA apresentou classificação alta no Sudoeste e média no Baixo Amazonas, nos primeiros cinco anos, e baixa no Nordeste, em todo o período. Na mesorregião Sudeste, ao longo dos anos, o IPA oscilou, com classificação alta no ano de 2011, média em 2010-2012 e baixa em 2013-2015. Ressalta-se, ainda, cifras baixas nas mesorregiões Marajó e Metropolitana de Belém, como consequência da inexistência de população indígena no território (Figura 4).

DISCUSSÃO

A distribuição espacial da IPA de malária no estado do Pará, ao longo da série histórica estudada, apresentou-se com diferenças marcantes, tanto em relação ao espaço geográfico das mesorregiões, como na incidência entre os grupos populacionais, essencialmente, ao comparar a sua ocorrência na população geral com o adoecimento entre indígenas.

A análise espacial realizada na população não indígena permitiu evidenciar a forte expressividade da malária em regiões com baixas condições socioeconômicas, correspondentes às mesorregiões Marajó e Nordeste Paraense, assim como em áreas de grandes projetos desenvolvimentistas, a exemplo da construção de hidroelétricas e da exploração mineral, na mesorregião Sudoeste. Tais projetos produzem alterações ambientais capazes de modificar a diversidade e a densidade dos vetores da malária, ocasionando o aumento no risco de transmissão(1515 Guimarães RM, Valente BC, Faria PA, Stephanelli LL, Chaiblich JV, Arjona FBS. Deforestation and malaria incidence in the legal Amazon Region between 1996 and 2012. Cad Saúde Colet [Internet]. 2016 [acesso em 20 abr 2021]; 24(1). Disponível em: https://doi.org/10.1590/1414-462X201500040125.
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).

A mesorregião Marajó apresenta características de vida muito peculiares e os municípios exibem baixos padrões de qualidade nos indicadores sociais e econômicos. As mazelas sociais, a baixa escolaridade, os hábitos de vida e a precarização de políticas públicas contribuem, sobremaneira, para o perfil epidemiológico que agrega grande número de casos da doença(1616 Junior SGL, Pamplona VMS, Corvelo TCO, Ramos EMLS. Quality of life and the risk of contracting malaria by multivariate analysis in the Brazilian Amazon region. Malar J [Internet]. 2014 [acesso em 15 jul 2020]; 13(86). Disponível em: https://doi.org/10.1186/1475-2875-13-86.
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).

Trata-se de uma mesorregião que exibe baixa capacidade de geração de emprego, tornando a população local dependente dos programas sociais de transferência de renda do governo. O quantitativo de escolas na mesorregião é inferior à demanda por educação. A população convive com deficientes condições sanitárias, com esgotamento sanitário a céu aberto, ineficaz tratamento da água, inadequado acondicionamento e despejo de lixo e uma economia baseada em atividades vinculadas à pecuária, particularmente, a bubalina, extrativismo nas áreas de floresta e pequena agricultura, possibilitando a formação de pequenos povoados, localizados às margens de rios e igarapés(1717 Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (FAPESPA). Radar de Indicadores das Regiões de Integração 2018. [Internet]. 2018 [acesso em 15 jul 2020]. Disponível em: http://www.fapespa.pa.gov.br/Menu/161.
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).

Quando se discute a incidência da malária no Marajó, conforme o mapeamento detectou, é importante compreendê-la também sob a conjuntura sociocultural. A região é entrecortada por rios e igarapés, aspectos hidrográficos que fazem do transporte fluvial quase que o meio exclusivo para deslocamento dos moradores locais. É predominante na região a população ribeirinha, que utiliza águas dos rios e igarapés para sua higiene pessoal, dos alimentos, dos utensílios, e para atividades pesqueiras e extrativistas, ao entardecer e ao anoitecer, e se expõe aos horários de pico de picadura dos vetores(1818 Wolfarth-Couto B, Silva RA da, Filizola N. Variability in malaria cases and the association with rainfall and rivers water levels in Amazonas State, Brazil. Cad Saude Publica [Internet]. 2019 [acesso em 20 abr 2021]; 35(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311x00020218.
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).

Os resultados deste estudo estão em consonância com outras pesquisas(1616 Junior SGL, Pamplona VMS, Corvelo TCO, Ramos EMLS. Quality of life and the risk of contracting malaria by multivariate analysis in the Brazilian Amazon region. Malar J [Internet]. 2014 [acesso em 15 jul 2020]; 13(86). Disponível em: https://doi.org/10.1186/1475-2875-13-86.
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,1919 Lopes TMR, Ventura AMR da S, Guimarães RJ de OS e, Guimarães LHR. Situação epidemiológica da malária em uma região de Garimpo, na região da Amazônia brasileira, no período de 2011 a 2015. Revista Eletrônica Acervo Saúde [Internet]. 2019 [acesso em 20 abr 2021]; (25). Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e759.2019.
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) que ratificaram a persistência da transmissão da endemia na mesorregião do Marajó, sobretudo em virtude dos determinantes biológicos (alta concentração de vetores, agente etiológico e população vulnerável), ambientais (elevado índice pluviométrico, dimensão da malha hídrica e cobertura vegetal), econômicos (abertura de estradas, construção de hidrelétricas, ocupação do solo) e sociais (mobilidade populacional, numerosos grupos de pessoas residindo em habitações precárias).

O estado do Pará, em razão de suas especificidades geográficas, naturais, ecológicas (com densas florestas, umidade e temperatura elevadas), apresenta condições favoráveis para a ocorrência não somente da malária, mas de muitas outras doenças, em razão das características ambientais favoráveis à proliferação do vetor malarígeno, facilitando sua transmissão e disseminação(1919 Lopes TMR, Ventura AMR da S, Guimarães RJ de OS e, Guimarães LHR. Situação epidemiológica da malária em uma região de Garimpo, na região da Amazônia brasileira, no período de 2011 a 2015. Revista Eletrônica Acervo Saúde [Internet]. 2019 [acesso em 20 abr 2021]; (25). Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e759.2019.
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). Essas especificidades podem explicar o fato desse estado ser considerado endêmico para a doença. Ainda na perspectiva de associação da malária às características do espaço geográfico, estudo com análise espacial realizado no estado de Rondônia concluiu que o território tem se mostrado determinante para a perpetuação da doença no estado(2020 Rodrigues A de F, Escobar AL, Souza-Santos R. Análise espacial e determinação de áreas para o controle da malária no estado de Rondônia. Rev Soc Bras Med Trop [Internet]. 2008 [acesso em 20 jul 2020]; 41(1). Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0037-86822008000100011.
https://doi.org/10.1590/S0037-8682200800...
).

Outro aspecto a ser ressaltado que, certamente, interfere no dinamismo da malária no território paraense, são as características das habitações, tipo palafitas, construídas em áreas de várzeas, em contato direto com a mata e os rios, muito peculiar no Marajó, Nordeste e Sudoeste Paraense – portanto, um ambiente propício para a proliferação da malária(2121 Gomes M do SM, Menezes RA de O, Vieira JLF, Mendes APM, Silva G de V, Peiter PC, et al. Malaria in the borders between Brazil and French Guiana: social and environmental health determinants and their influence on the permanence of the disease. Saúde Soc [Internet]. 2020 [acesso em 20 abr 2021]; 29(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0104-12902020181046.
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-2222 Recht J, Siqueira AM, Monteiro WM, Herrera SM, Herrera S, Lacerda MVG. Malaria in Brazil, Colombia, Peru and Venezuela: current challenges in malaria control and elimination. Malar J [Internet]. 2017 [acesso em 20 abr 2021]; 16(273). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12936-017-1925-6.
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). Ratificam ainda os achados deste estudo evidências que apontam as questões socioeconômicas como agravantes dos casos de malária na região, contribuindo para determinação e perpetuação do cenário epidemiológico da doença(1616 Junior SGL, Pamplona VMS, Corvelo TCO, Ramos EMLS. Quality of life and the risk of contracting malaria by multivariate analysis in the Brazilian Amazon region. Malar J [Internet]. 2014 [acesso em 15 jul 2020]; 13(86). Disponível em: https://doi.org/10.1186/1475-2875-13-86.
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,2121 Gomes M do SM, Menezes RA de O, Vieira JLF, Mendes APM, Silva G de V, Peiter PC, et al. Malaria in the borders between Brazil and French Guiana: social and environmental health determinants and their influence on the permanence of the disease. Saúde Soc [Internet]. 2020 [acesso em 20 abr 2021]; 29(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0104-12902020181046.
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).

Na análise da variação de IPA na população não indígena, identifica-se classificação em padrão médio nos anos 2010 e 2011 na mesorregião do Nordeste, que congrega diversos municípios com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal abaixo da média nacional. Trata-se de uma mesorregião cujo crescimento econômico está pautado em recursos naturais, no pioneirismo do extrativismo, da agricultura, no manejo de gado de baixo rendimento, e ultimamente na exploração mineral, eventos esses propulsores das modificações antrópicas no ambiente(2323 Cordeiro IMCC, Rangel-Vasconcelos LGT, Schwartz G, Oliveira FA. Nordeste Paraense: panorama geral e uso sustentável das florestas [Internet] Belém: EDUFRA; 2017 [acesso em 25 jul 2020]. 323 p. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1073621/nordeste-paraense-panorama-geral-e-uso-sustentavel-das-florestas-secundarias.
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).

Em relação aos povos indígenas, identificou-se elevada incidência parasitária na mesorregião Sudoeste Paraense, que pode estar relacionada ao baixo nível de desenvolvimento socioeconômico, condições deficientes de habitação e hábitos de vida peculiares como a caça, que os leva à exposição aos vetores. Após contaminados, há fácil e rápida disseminação da doença nas aldeias, fator agravante diante da dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Essas circunstâncias foram frisadas em estudos(99 Mendes AM, Lima M da S, Maciel AGP, Menezes RA de O, Eugênio NCC. Malaria among indigenous peoples on the Brazil-French Guiana border, 2007-2016: a descriptive study. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2020 [acesso em 30 jun 2020]; 29(2). Disponível em: https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200012.
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,1616 Junior SGL, Pamplona VMS, Corvelo TCO, Ramos EMLS. Quality of life and the risk of contracting malaria by multivariate analysis in the Brazilian Amazon region. Malar J [Internet]. 2014 [acesso em 15 jul 2020]; 13(86). Disponível em: https://doi.org/10.1186/1475-2875-13-86.
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) como determinantes para a manutenção dos elevados números de casos em grupos indígenas.

Estudo realizado no Amazonas concluiu que a população indígena apresentou maior risco de adoecimento por malária em comparação à população não indígena, em todo o estado. A taxa de incidência da doença entre os indígenas se mostrou 15 vezes maior que na população não indígena, confirmando pesquisas anteriores que revelaram a vulnerabilidade desse grupo à doença, ressaltando como fator condicionante o baixo nível de desenvolvimento socioeconômico(2424 Terrazas WCM, Sampaio V de S, Castro DB de, Pinto RC, Albuquerque BC de, Sadahiro M, et al. Deforestation, drainage network, indigenous status, and geographical differences of malaria in the State of Amazonas. Malar J [Internet]. 2015 [acesso em 30 jul 2020]; 14(379). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12936-015-0859-0.
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).

Sabe-se que aos indígenas é garantido legalmente o direito à diferença na educação e na saúde, tendo em vista tratar-se de povos etnicamente distintos. Contudo, há grandes fragilidades no planejamento e na implementação de ações assistenciais para essa população. Por isso, é importante o investimento na área, a fim de que estratégias específicas sejam adotadas, como a formação de técnicos especialistas para atender às especificidades desses povos, fortalecendo as práticas em saúde, a tomada de decisões e o direcionamento de estratégias que valorizem a cultura local(2525 Wenczenovicz TJ. Saúde Indígena: reflexões contemporâneas. Cad. Ibero-Am. Dir. Sanit. [Internet]. 2018 [acesso em 30 jul 2020]; 7(1). Disponível em: https://doi.org/10.17566/ciads.v7i1.428.
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).

A necessidade de equipe especializada para atenção à saúde indígena é apresentada em estudo(1010 Mendes AM, Leite MS, Langdon EJ, Grisotti M. The challenge of providing primary healthcare care to indigenous peoples in Brazil. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2018 [acesso em 21 jun 2020]; (42). Disponível em: https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.184.
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), ao ratificar que as ações isoladas para essas populações não têm levado a resultados positivos, já que não atendem satisfatoriamente suas necessidades. Ao invés disso, produzem progressiva precarização na saúde indígena pela baixa qualidade do serviço ofertado.

O investimento para qualificar a assistência à saúde ofertada aos indígenas é essencial para o controle da malária nas aldeias, entretanto, destaca-se que a oscilação nos índices parasitários pode também estar associada à dinâmica das relações antrópicas(1919 Lopes TMR, Ventura AMR da S, Guimarães RJ de OS e, Guimarães LHR. Situação epidemiológica da malária em uma região de Garimpo, na região da Amazônia brasileira, no período de 2011 a 2015. Revista Eletrônica Acervo Saúde [Internet]. 2019 [acesso em 20 abr 2021]; (25). Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e759.2019.
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). Os expressivos resultados identificados no Sudoeste podem estar relacionados a aspectos que exibem potencial de disseminação do vetor: urbanização desorganizada; aumento populacional; migração de indivíduos suscetíveis para áreas não endêmicas; desmatamento; e desenvolvimento de grandes projetos de exploração e ocupação da Amazônia(2626 Vitor-Silva S, Siqueira AM, Sampaio V de S, Guinovart C, Reyes-Lecca RC, Melo GC de, et al. Declining malaria transmission in rural Amazon: changing epidemiology and challenges to achieve elimination. Malar J [Internet]. 2016 [acesso em 20 abr 2021]; 15(266). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12936-016-1326-2.
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).

Este cenário é realidade na mesorregião Sudoeste, que convive, permanentemente, com a presença de grandes projetos agropecuários, industriais e de mineração, responsáveis pela migração acelerada e desordenada, levando as pessoas à exposição ao vetor malárico, favorecendo a perpetuação e algumas vezes o aumento da incidência(2626 Vitor-Silva S, Siqueira AM, Sampaio V de S, Guinovart C, Reyes-Lecca RC, Melo GC de, et al. Declining malaria transmission in rural Amazon: changing epidemiology and challenges to achieve elimination. Malar J [Internet]. 2016 [acesso em 20 abr 2021]; 15(266). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12936-016-1326-2.
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).

Evento análogo aconteceu no município de Colniza, no Mato Grosso(2727 Maciel GBML, Espinosa MM, Atanaka-Santos M. Epidemiologia da malária no município de Colniza, estado de Mato Grosso, Brasil: estudo descritivo do período de 2003 a 2009. Epidemiol. Serv. Saúde. [Internet]. 2013 [acesso em 20 jul 2020]; 22(3). Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742013000300011.
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), em que se atribuiu o aumento dos casos de malária aos projetos de mineração, construção de rodovias, assentamentos e ocupação irregular, presença de moradias insalubres, desmatamento e um grande projeto de construção de uma usina de biodiesel.

Nesse sentido, o estado do Pará, por suas peculiaridades geográficas e culturais, e por contemplar inúmeros projetos agrícolas, agropecuários e hidrelétricos, que afetam sobremaneira o meio ambiente e, por conseguinte o habitat de vetores, configura-se como espaço territorial propício à perpetuação da malária, conforme se identificou no comportamento distinto, nas diferentes mesorregiões.

A utilização do geoprocessamento possibilitou o mapeamento da doença em todo o estado, oferecendo informações com potencial para a avaliação de riscos e o planejamento de ações de saúde. O uso da técnica de Kernel permitiu identificar áreas com maior concentração de casos de malária, que por sua vez, apresentam maior risco para a transmissão do agravo.

Este estudo apresenta limitações pelo uso de dados secundários, passíveis de incompletude, subnotificação e registro inadequado, atribuível ao possível déficit de treinamento dos profissionais. Outra limitação diz respeito à análise por mesorregião, inferindo os achados ao grupo de municípios que a compõem. Estudos mais estratificados são recomendados para identificação de municípios, aldeias e comunidades com maior acometimento pela doença. Pontua-se, ainda, a utilização de dados exibindo certo lapso temporal, o que não invalida os achados, tendo em vista a manutenção das variantes de transmissão da doença.

CONCLUSÃO

Os achados do estudo permitiram identificar a heterogeneidade do padrão espacial da malária nas populações indígena e não indígena no estado do Pará, bem como índices parasitários significativos para a população indígena, o que evidencia a vulnerabilidade desse grupo étnico em relação à doença. Tais achados sugerem a necessidade de considerar, além dos fatores ambientais, as diferenças culturais que permeiam os grupos humanos, para implementação de medidas de controle.

As técnicas de geoprocessamento adotadas possibilitaram, ainda, o mapeamento da doença nos diferentes grupos étnicos e a identificação de áreas prioritárias para o controle e prevenção da malária no estado, que poderão subsidiar a formulação de estratégias e ações visando maior controle e vigilância da endemia.

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO

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Editado por

Editora associada: Cremilde Aparecida Trindade Radovanovic

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2020
  • Aceito
    02 Maio 2021
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