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CARTOGRAFIA DOS SERVIÇOS DE ACOLHIMENTO AO ACADÊMICO EM SOFRIMENTO PSÍQUICO NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS

RESUMO

Objetivo:

mapear os serviços de acolhimento em saúde mental ofertados aos acadêmicos pelas universidades públicas brasileiras.

Método:

pesquisa documental apresentada como cartografia das universidades públicas presenciais brasileiras. Os dados foram coletados de agosto a outubro de 2019 no site do Ministério da Educação, segundo as variáveis: informações sobre o serviço de acolhimento, modalidade de acesso, atividades ofertadas, distribuição geográfica das universidades que ofertam o serviço no Brasil.

Resultados:

das 107 universidades, 73 referem ter um serviço de acolhimento em saúde mental, e destas, 43 informam a modalidade de acesso, sendo a maioria o agendamento, e os tipos de atividades desenvolvidas, com respeito ao Plantão Psicológico.

Considerações Finais:

com o aumento de sofrimento psíquico entre acadêmicos, é missão da academia dialogar e acolher essa demanda. O estudo contribui alertando para a necessidade da expansão desses serviços.

DESCRITORES
Saúde Mental; Serviços de Saúde para Estudantes; Universidades; Estresse Psicológico; Acolhimento

ABSTRACT

Objective:

to map the welcoming services in Mental Health offered to students by Brazilian public universities.

Method:

a documentary research study presented as a cartography of the Brazilian public universities that offer in-person courses. The data were collected from August to October 2019 on the Ministry of Education website, according to the following variables: information about the welcoming service, access modality, activities offered; and geographic distribution of the universities offering the service in Brazil.

Results:

of the 107 universities, 73 report having a welcoming service in Mental Health and, of these, 43 indicate the access modality, mostly through appointment scheduling, and the types of activities developed with respect to Psychological Emergency Care.

Final Considerations:

with the increase in psychological distress among students, it is the university’s duty to be an interlocutor and welcome this demand. The study contributes by warning about the need to expand these services.

DESCRIPTORS
Mental Health; Health Services for Students; Universities; Psychological Stress; Welcoming

RESUMEN

Objetivo:

mapear los servicios de recepción en Salud Mental que ofrecen las universidades públicas de Brasil a sus estudiantes.

Método:

investigación documental presentada en la forma de una cartografía de las universidades públicas con carreras presenciales de Brasil. Los datos se recolectaron entre agosto y octubre de 2019 en el sitio web del Ministerio de Educación, de acuerdo con las siguientes variables: información sobre el servicio de recepción, modalidad de acceso, actividades ofrecidas y distribución geográfica de las universidades que ofrecen el servicio en Brasil.

Resultados:

de las 107 universidades, 73 informan tener un servicio de recepción en salud mental y, de estas, 43 indican la modalidad de acceso, la mayoría por medio de cita previa, y los tipos de actividades que se desarrollan, con respecto a la Psicología de emergencia.

Consideraciones Finales:

dado el incremento en los índices de padecimiento psicológico entre los estudiantes, la misión de las universidades es ser interlocutores y receptores de dicha demanda. El aporte del estudio es advertir acerca de la necesidad de expandir estos servicios.

DESCRIPTORES
Salud Mental; Servicios de Salud para Estudiantes; Universidades; Estrés Psicológico; Recepción

INTRODUÇÃO

A vida universitária compõe um ciclo vital de muitos brasileiros, geralmente na fase da adolescência e/ou juventude. Esse período que, a depender da graduação, pode durar no mínimo de quatro a seis anos, é marcado por vivências individuais e coletivas que demandam conhecimento científico, desenvolvimento de habilidade técnica e competência relacional, condições estressoras que podem repercutir em desequilíbrio emocional(11 Ali MR, Ashraf BN, Shuai C. Teachers’ conflict-inducing attitudes and their repercussions on students’ psychological health and learning outcomes. Int. J. Environ. Res. Public Health [Internet] 2019 [acesso em 07 ago 2020]; 16 (14). Disponível em: https://doi.org/10.3390/ijerph16142534.
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).

Esse contexto revela que a vida de um acadêmico requer disciplina, posicionamento crítico e rigor científico com desenvolvimento de atividades, em sua maioria de forma solitária, para o aprimoramento intelectual, sobretudo pela leitura sistematizada, análise e produção de textos dentro de normas metodológicas e técnicas(22 Severino AJ. Metodologia do trabalho científico. 24. ed. São Paulo: Cortez; 2017.). A saída do ambiente familiar para o espaço universitário com interações sociais diversas exige habilidades sociais e acadêmicas que podem ter influências negativas no aproveitamento estudantil e desenvolver sofrimento psíquico(33 Borro NPV. Habilidades sociais e saúde mental: caracterização de universitários da FOB-USP [dissertação]. Bauru (SP): Faculdade de Odontologia de Bauru; 2016 [acesso em 07 ago 2020]. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/25/25143/tde-05092016-150334/publico/NuriaPriscilaValentiniBorro_Rev.pdf.
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).

Essa realidade traz responsabilidades que podem colaborar para a existência do sofrimento, tais como: cuidado de si mesmo e dos próprios pertences; administração da renda, trabalho para se sustentar; estabelecer vínculos de amizade; residir com pessoas desconhecidas; aprender a negociar divisão de tarefas em repúblicas; modificar a forma de estudar visando buscar mais conhecimento para suprir as exigências acadêmicas, atividades em grupos diversos, e aprendizado para o mundo do trabalho; como também o desenvolvimento da oratória e comunicação nas apresentações públicas (seminários, roda de conversa, educação em saúde em comunidades) e diversas formas de avaliação(44 Cacialli DO. The unique role and special considerations of mental health professionals on threat assessment teams at institutions of higher education. Int J Law Psychiatry [Internet]. 2019[acesso em 07 ago 2020];62. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1016/j.ijlp.2018.10.005.
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).

Fatores acadêmicos e de carreira se constituem como possíveis estressores e risco para a saúde mental e explicam, parcialmente, a alta prevalência de transtornos mentais entre acadêmicos(55 Arino DO, Bardagi MP. Relação entre fatores acadêmicos e a saúde mental de estudantes universitários. Rev Psicol em Pesqui [Internet] 2018 [acesso em 07 ago 2020]; 12(3). Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/psicologiaempesquisa/article/view/23791#:~:text=Um%20total%20de%20640%20estudantes,experi%C3%AAncia%20acad%C3%AAmica%20e%20a%20autoefic%C3%A1cia.
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). No Brasil, a prevalência de Transtorno Mental Comum entre acadêmicos é maior que na população geral, e as características associadas ao sofrimento psíquico entre eles estão relacionadas aos aspectos do processo formativo (séries do curso e percepção negativa do ambiente) e aspectos da saúde (hábitos prejudiciais à saúde e problemas de saúde); já aqueles com apoio social apresentam menor sofrimento psíquico(66 Graner KM, Cerqueira AT de AR. Revisão integrativa: sofrimento psíquico em estudantes universitários e fatores associados. Cien Saude Coletiva [Internet]. 2019 [acesso em 07 ago 2020];24(4):1327–1346. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018244.09692017.
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).

O sofrimento psíquico mais comum entre universitários está relacionado aos transtornos ansiosos. Ao analisar prontuários de 1.237 alunos atendidos em serviços de saúde mental da faculdade onde estudavam, pesquisa(77 Campos CRF, Oliveira MLC, Mello TMVF de, Dantas C de R. Academic performance of students who underwent psychiatric treatment at the students’ mental health service of a Brazilian university. Sao Paulo Med J [Internet]. 2017 [acesso em 07 ago 2020]; 135(1):23–28. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/1516-3180.2016.017210092016.
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) identificou que 33,2% deles foram diagnosticados com transtornos fóbico-ansiosos, ficando abaixo somente da frequência de diagnósticos de depressão (39,1%). Tal dado evidencia a necessidade de estudos que permitam compreender e intervir sobre o fenômeno.

Intervenções que favoreçam a suplantação ou minoração do sofrimento psíquico-emocional entre os acadêmicos nas universidades é favorável para o desenvolvimento do discente. As universidades devem analisar essa problemática a partir do perfil de seus estudantes, com atenção aos momentos considerados cruciais ao longo do curso, e articular estratégias para assessorar o discente a encarar as adversidades do cotidiano acadêmico.

O Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), em seu Art. 3º, traz a necessidade de implementação do Programa de forma articulada com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, visando o atendimento de estudantes regularmente matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino superior(88 Brasil. Decreto n. 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, [Internet]. 20 jul. 2010 [acesso em 30 mar 2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7234.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). As ações de assistência estudantil previstas incluem a atenção à saúde, a qual abrange a saúde mental.

Considerando os dados, é relevante à universidade investir em projetos que viabilizam ao acadêmico o acolhimento do sofrimento psíquico. Para tanto, é necessária a divulgação da existência dos serviços, sua forma de acesso e ações desenvolvidas por diversos meios de comunicação (online, presencial via informação realizada pelo corpo docente e/ou Diretório/Centro acadêmico), de modo que o acadêmico se sinta à vontade e seguro para acessar o serviço.

Diante dessas inquietações, o estudo tem como objetivo geral mapear os serviços de acolhimento em saúde mental ofertados aos acadêmicos pelas universidades públicas brasileiras; e como objetivos específicos identificar as formas de acesso aos serviços e conhecer as ações neles desenvolvidas.

MÉTODO

Trata-se de pesquisa documental apresentada como cartografia. Considera-se como um documento qualquer informação sob a forma de textos, imagens, sons, sinais em papel/madeira/pedra, gravações, pinturas, incrustações e outros. Em que pese a pesquisa documental, o desafio principal é a capacidade do pesquisador em selecionar, tratar e interpretar a informação, visando compreender a interação do objeto de pesquisa com sua fonte(99 Fachin O. Fundamentos de metodologia. 5. ed. São Paulo: Saraiva; 2017.).

A cartografia é a área do conhecimento que objetiva compreender a diversidade de fatores que compõem a dimensão real, buscando traduzir de uma forma inteligível(1010 Menezes PML de, Fernandes M do C. Roteiro de Cartografia. São Paulo: Oficina de Textos; 2013.) por meio de representação gráfica cujo produto final é o mapa. Para construção do desenho cartográfico, buscou-se as universidades públicas das cinco regiões do Brasil. Os dados foram coletados no período de agosto a outubro de 2019, no site oficial do Ministério da Educação, e-MEC – Instituto Nacional de Pesquisa Anísio Teixeira(1111 Ministério da Educação INEP (BR). Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior Cadastro e-MEC. [Internet] 2019 [acesso em 22 ago 2019]. Disponível em: http://emec.mec.gov.br.
http://emec.mec.gov.br...
).

Foram incluídas para compor o escopo do estudo universidades públicas, em situação regular no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, com serviços de acolhimento em saúde mental. Incluiu-se as universidades por corresponder à categoria administrativa com as maiores exigências do Ministério da Educação (MEC), a exemplo da existência do tripé ensino-pesquisa-extensão. Foram excluídas as universidades que atuavam na modalidade de Educação a Distância (EAD), visto que o ensino presencial favorece o maior contato com o estudante.

Após o levantamento, constatou-se que o Brasil possui 108 universidades públicas, incluindo cinco municipais, 40 estaduais e 63 federais. Dentre essas, foi excluída uma, pertencente à categoria administrativa estadual, devido sua modalidade de ensino se configurar como EAD, o que totalizou 107 que atuavam na modalidade presencial, submetidas à investigação por meio de seus sites para verificar a oferta de serviços de acolhimento em saúde mental. A partir disto, identificou-se que 73 (68%) informam que ofertavam serviços de acolhimento em saúde mental e 34 (32%) não dispuseram de informação sobre a oferta do serviço.

A coleta de dados seguiu com as 73 universidades, utilizando um formulário elaborado pelos pesquisadores e preenchido durante acesso ao site da universidade e pesquisa dos documentos específicos de assistência estudantil. Buscou-se a caracterização das universidades (nome da instituição, modalidade administrativa, localização regional) e responder às seguintes questões sobre o serviço de acolhimento em saúde mental: Quais as formas de acesso ao serviço? Quais as ações desenvolvidas no serviço? As informações sobre o serviço estão claras e completas?

Os dados foram armazenados em um banco de dados no programa Microsoft Excel®, sistematizados por meio da estatística a partir de cálculos de distribuição e frequência simples e relativa, e apresentados em gráficos e figuras segundo as variáveis: informações sobre o serviço de acolhimento, modalidade de acesso, atividades ofertadas, distribuição geográfica das universidades que ofertam o serviço no Brasil, para melhor visualização e análise do fenômeno investigado.

Considerando que os dados foram obtidos em documentos de domínio público, não houve necessidade de a pesquisa ser aprovada por um Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Na Figura 1, apresenta-se o elemento gráfico que indica o caminho para a coleta de dados e elaboração de desenho cartográfico dos Serviços de Acolhimento em Saúde Mental a acadêmicos (SASM), caracterizando as modalidades de acesso e as atividades ofertadas pelo SASM. Os dados evidenciaram que das 73 universidades (três municipais, 19 estaduais e 51 federais) que referem possuir o serviço, 43 (59%) divulgam essas informações de forma clara e completa em seus sites, como os acadêmicos podem acessar os serviços e quais atividades são disponibilizadas. Além da indicação da existência do serviço, nenhuma outra informação estava disponível no site das 30 (41%) universidades restantes.

Figura 1
Elemento Gráfico Hierárquico da visita ao site das Universidades Públicas Brasileiras em busca da oferta de Serviço de Acolhimento em Saúde Mental a Acadêmicos – SASM, as modalidades de acesso e as atividades desenvolvidas. Maceió, Alagoas, Brasil, 2019.

No que se refere à modalidade de acesso (Figura 2), das 43 universidades que fazem a divulgação no site, em 28 (65%) é feita por agendamento, 14 (32,5%) têm serviço com atendimento de demanda espontânea e uma (2,5%) possui as duas modalidades.

Figura 2
Número de Universidades Públicas Brasileira que informam em seu site a modalidade do acesso ao Serviço de Acolhimento em Saúde Mental a acadêmicos. Maceió, Alagoas, Brasil, 2019

As atividades ofertadas pelos serviços das universidades (Figura 3), devido ao grande número de atividades e nomenclaturas de cada instituição, foram agrupadas em quatro tipos conforme as especificidades das atividades: Plantão Psicológico (incluiu consultas, escuta psicológica, plantão de acolhimento, plantão psicológico, pronto atendimento em psicologia e suporte imediato, apoio psicológico, assistência psicológica, acolhimento e atendimento psicológico e social); Práticas Integrativas e Complementares (PICs) e atividades em grupo (PICs, oficinas temáticas, atividades esportivas, culturais e artísticas); Psicoterapia Breve (intervenção clínica, intervenção psicopedagógica individual ou em grupo, psicanálise e grupos de apoio terapêutico); e Atividades de Prevenção (oficinas e minicursos, palestras, rodas de conversa, mobilizações, campanhas, grupos operativos, eventos de discussão científica e profissional, campanhas, grupos socioeducativos, workshops de apoio acadêmico, ações de promoção da saúde mental).

Figura 3
Tipos de atividades ofertados pelo Serviço de Acolhimento em Saúde Mental a acadêmicos. Maceió, Alagoas, Brasil, 2019

A atividade ofertada com a maior frequência foi o Plantão Psicológico, que acontece em 26 universidades, seguida pela PICs e atividades em grupo que ocorrem em 19, Psicoterapia em 14 e seis universidades com atividades de prevenção. A soma das atividades ofertadas ultrapassa o número de universidades pelo fato de algumas ofertarem mais de um tipo de atividade.

A distribuição dos SASM nas universidades do país está representada na Figura 4. Cada região possui a apresentação das universidades por categoria administrativa (municipal, estadual, federal). Cada categoria possui três números separados por barra, que correspondem, respectivamente, ao número de universidades existentes, número de universidades que ofertam o serviço e número de universidades que informam a modalidade de acesso e o tipo de atividade. As colunas na escala de cinza representam a modalidade de acesso e as coloridas, as atividades ofertadas.

Figura 4
Cartografia do Acolhimento de Acadêmico em Sofrimento Psíquico nas Universidades Públicas Brasileiras. Maceió, Alagoas, Brasil, 2019

A cartografia mostra a existência de 16 universidades públicas na região Norte do país, das quais nove (56.25%) informam possuir o SASM em seus sites. A região Nordeste contém 33 universidades públicas; destas, 25 (75,75%) informam possuir o serviço. No Centro-Oeste, das nove universidades públicas, seis (66,67%) informam possuir o serviço. Na região Sudeste, são 28 universidades públicas; 21 (75%) informam possuir o serviço. Na região Sul, das 21 universidades públicas, 12 (57,14%) informam possuir o serviço.

Contudo, se considerarmos o número de universidades que informam a modalidade de acesso e o tipo de atividade ofertada em seu site, o número total cai de 73 para 43: dois na região Norte, três no Centro-Oeste, 18 no Sudeste, nove no Nordeste e 11 no Sul. Das 107 universidades públicas presenciais, 34 não possuem o SASM e 30 não informam a modalidade e o tipo de atividade, ou seja, a inexistência do SASM ou informação incompleta acontece em 64 instituições, o que representa 68,48% das universidades públicas presenciais.

DISCUSSÃO

O estudo revela que 73 das 107 universidades informam em seu site que oferecem o SASM. Esse fato pode estar vinculado ao cumprimento do Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e inclui a atenção à saúde do acadêmico(88 Brasil. Decreto n. 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, [Internet]. 20 jul. 2010 [acesso em 30 mar 2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7234.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Em seu Art. 3º, o referido decreto afirma que o PNAES deverá ser implementado de forma articulada com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, visando o atendimento de estudantes regularmente matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino superior.

Ao observar como se apresenta a comunicação sobre o SASM nos sites das universidades, foram encontradas dificuldades na localização desses conteúdos. Em alguns sites, havia links específicos para acessar o serviço, contudo, em outros, foi necessário utilizar a ferramenta de busca dentro do site com palavras-chaves (acolhimento, saúde mental, sofrimento psíquico, psicoterapia) para encontrar informações sobre o serviço. Das 73 universidades que possuem o serviço, 43 divulgam a modalidade de acesso e os tipos de atividade ofertadas.

O site de uma universidade contribui para que os gestores ampliem a disponibilidade de acesso à informação aos usuários de forma eficiente e adequada, evitando eventuais obstáculos ao utilizar o serviço. Os conteúdos de comunicação, para serem efetivos, precisam ter transparência – fácil compreensão; concisão – conteúdo curto e conciso, oferecendo qualidade de informação; interesse – ser relevante, capaz de chamar atenção assim que visualizado; proximidade – conhecer o seu público-alvo e se comunicar no mesmo nível das pessoas que o compõem; e persuasão – convencer o leitor que o serviço ofertado é bom(1212 Patel N. Redação publicitária: o que é e 12 dicas para criar textos melhores [Internet]. 2019 [acesso em 20 nov 2019]. Disponível em: https://neilpatel.com/br/blog/redacao-publicitaria/.
https://neilpatel.com/br/blog/redacao-pu...
). As dificuldades do acesso à informação da manutenção dos sites institucionais sugerem a falta de direcionamento e planejamento da comunicação dentre as universidades públicas, refletindo um problema maior: a necessidade de formulação de políticas que alterem o patamar de atuação dos departamentos de comunicação das universidades(1313 Alves CA. Mapeamento das políticas de comunicação nas universidades federais: análise de contexto e relação com as estratégias de ação institucional [Internet].2013 [acesso em 03 ago2020]. Disponível em: http://www.compolitica.org/home/wp-content/uploads/2013/05/GT-07-Poli%CC%81ticas-de-Comunicac%CC%A7a%CC%83o-Cristiano-Alvarenga-Alves.pdf.
http://www.compolitica.org/home/wp-conte...
).

Ainda nesse ímpeto, os serviços de comunicação precisam internalizar o conceito de que a base da cidadania se assenta também no direito à informação(1414 Torquato G. Tratado de comunicação organizacional e política. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning; 2010.). Nesse sentido, a maioria das universidades públicas brasileiras não garante o direito à informação aos acadêmicos no que se refere aos serviços em seus sites. A informação, a educação e a comunicação são instrumentos fundamentais para a democratização do conhecimento e desenvolvimento das práticas em saúde(1515 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Curso básico de vigilância sanitária: unidade 7 - Informação, Educação e Comunicação em Saúde.[Internet] Fortaleza: NUTEDS/UFC, 2015 [acesso em 30 mar 2020]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/3179/1/Texto_de_Impressao_Anvisa_Unidade_07.pdf.
https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/A...
). Dessa forma, contribuem para a construção da consciência sanitária, uma vez que a informação poderá servir para a prevenção dos riscos e a promoção da saúde da comunidade acadêmica.

A modalidade de acesso aos serviços é feita, em sua maioria, por agendamento, seguida pela demanda espontânea e uma universidade com as duas modalidades. Compreende-se a necessidade de organização da capacidade do serviço e a função terapêutica do agendamento para significância do processo de acompanhamento e cura. Contudo, esses serviços deveriam ofertar a possibilidade da demanda espontânea no acolhimento e/ou em casos de crise, já que algumas situações de sofrimento psíquico são imprevisíveis e necessitam de acolhimento imediato, continuidade no cuidado ou requerer, inclusive, encaminhamento para outros serviços(1616 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea. [Internet] Brasília: Ministério da Saúde; 2013[acesso em 09 out 2020]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_demanda_espontanea_cab28v1.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Esse momento de sofrimento em que se sente desamparado, desprotegido, ameaçado, fragilizado, é fundamental para a criação e fortalecimento de vínculo e adesão ao tratamento, por esse motivo, é importante o acesso ao serviço conforme demanda espontânea.

Para a área da saúde, a valorização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) fortalece o desenvolvimento de iniciativas de saúde criativas, inovadoras e ousadas. Diversas plataformas digitais são parte (e não via) da comunicação entre pessoas, são atores das redes sociais(1717 França T, Rabello ET, Magnago C. Digital media andplatforms in the permanent health education field: debates and proposals. Saúde debate [Internet]. 2019 [acesso em 07 ago2020];43. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-11042019000500106&tlng=pt.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). A utilização das TIC tem por objetivo facilitar o acesso aos serviços, tornando ágeis e humanizados o agendamento e o acolhimento das demandas de saúde, que podem ser utilizadas pelos usuários que estão em sofrimento de maneira discreta e sigilosa.

A vivência do sofrimento mental entre acadêmicos, num contexto de disputas, é uma experiência solitária. Seu efeito negativo é atribuído, basicamente, ao peso desempenhado pelas circunstâncias sociais na vida do estudante(1818 Venturini E, Goulart MSB. Universidade, solidão e saúde mental. Rev Interfaces [Internet]. 2016 [acesso em 11 nov 2019]; 4(2): 94-115. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistainterfaces/article/view/18985.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/rev...
). Para esses autores, o acadêmico, ao desempenhar suas atividades discentes, o mal-estar vivido ao longo da experiência de formação configura-se surpreendentemente como uma situação de intensa solidão. Pode-se inferir que, quando a informação está incompleta ou inexiste o serviço, disponível na mídia eletrônica, as universidades se tornam corresponsáveis pela manutenção e agravamento do sofrimento vivenciado pelo acadêmico em sua formação e dificultam/impedem o cuidado em saúde mental.

Estão presentes nas universidades atividades individuais e em grupo. As individuais aparecem em maior frequência, reflexo do caráter individual do sofrimento psíquico pregado pelo modelo biomédico e o paradigma manicomial. Percebe-se uma modificação do paradigma de assistência em saúde mental e evolução no atendimento a favor do modelo de atenção psicossocial, como a inclusão das PICs, apesar das atividades de prevenção terem sido as de menor oferta. As PICs, incentivadas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), na explicação de seus processos de adoecimento e de saúde, consideram o indivíduo em sua dimensão global, ao mesmo tempo em que não perdem de vista sua singularidade(1919 Belasco IC, Passinho RS, Vieira VA. Práticas integrativas e complementares na saúde mental do estudante universitário. Arq. bras. psicol. [Internet]. 2019 [acesso em 24 jul 2020]; 71(1): 103-111. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672019000100008&lng=pt&nrm=iso.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
), colaboram na visão de integralidade da atenção à saúde e estampam que algumas universidades acompanham as modificações do atendimento em saúde mental.

O Ministério da Educação/INEP(2020 Ministério da Educação (BR). Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES. Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação Presencial e à Distância. [Internet] Brasília: Ministério da Educação; 2017 [acesso em 09 out 2020]. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_cursos_graduacao/instrumentos/2017/curso_autorizacao.pdf.
http://download.inep.gov.br/educacao_sup...
) tem cobrado das Instituições de Ensino Superior (IES), por meio do Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação presencial e a distância, a implantação de dispositivos de atendimento psicopedagógico aos estudantes. A obrigatoriedade do atendimento no processo de avaliação das instituições estimula a inserção do serviço nas IES e consequentemente amplia o acesso dos estudantes e a atenção à questão que interfere na continuidade do acadêmico no curso e, posteriormente, no desenvolvimento do país e no índice da População Economicamente Ativa.

Embora a distribuição do número das universidades das regiões brasileiras seja desigual, a cartografia da oferta dos SASM evidenciou que o serviço existe em mais da metade das universidades. As duas regiões que mais possuem universidades públicas (Nordeste e Sudeste) são, como suposto, as que possuem maior oferta de serviços de acolhimento em saúde mental. A região centro-oeste é a única a não seguir essa lógica, pois é a região com menor quantidade de universidades públicas, porém é a terceira, proporcionalmente, que mais oferta serviços de saúde mental aos acadêmicos.

As regiões mais impactadas pela diferença entre o número de universidades e as que fornecem informações sobre a modalidade de acesso e o tipo de atividade foram as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Essas regiões concentram as mais novas universidades públicas do país, resultado do processo de expansão e reestruturação das instituições federais, com o objetivo de ampliar o acesso à rede pública e contribuir para a redução das assimetrias regionais(2121 Ministério da Educação (BR). A democratização e expansão da educação superior no país 2003 –2014 [Internet]. Brasília: Ministério da Educação; 2014 [acesso em 27 mar 2020]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16762-balanco-social-sesu-2003-2014&Itemid=30192.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). Acredita-se que essas IES demandam um período para implementação do ensino/pesquisa/extensão e organização do seu arcabouço de serviços e ações, em prol de alcançar de forma integral as necessidades dos acadêmicos e a qualidade educacional.

Como limitação, este estudo tratou apenas de dados associados às universidades públicas, havendo assim a necessidade de novos estudos que abranjam as instituições privadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cartografia dos serviços de acolhimento em saúde mental ofertados aos acadêmicos pelas universidades públicas no Brasil evidenciou a existência do serviço em 73 IES, destas, 43 informaram em seus sites a modalidade de acesso e o tipo de atividade.

Os serviços exclusivos para acadêmicos ofertados pelas universidades, além de obrigatórios, são imprescindíveis para a manutenção da saúde mental e cura do sofrimento psíquico vivenciado por eles ao longo da vida acadêmica. Da mesma maneira, a ausência de informação sobre as modalidades de acesso e os tipos de atividades desenvolvidas não dirige o acadêmico ao serviço, sendo um agravante para a busca do cuidado e para um acolhimento efetivo, o que pode impactar no processo de formação dos acadêmicos em sofrimento.

Com o aumento de sofrimento psíquico entre acadêmicos e a necessidade de acolher essa demanda, é missão da academia dialogar sobre esse tema e promover serviços de atenção ao sofrimento, como um recurso potencializador da prevenção de agravos. Desvelar os sujeitos doloridos é promover o seu protagonismo e fortalecer, através do princípio da reciprocidade, a sua base institucional, normativa e cuidativa.

Este estudo contribui sinalizando às universidades que não oferecem o serviço, a necessidade de pensar na sua construção e efetivação, atendendo às demandas de saúde do acadêmico, conforme orientação do Decreto n° 7.234. Além disso, alerta às universidades que possuem o serviço, mas não apresentam de forma clara a modalidade de acesso e as ações desenvolvidas, a necessidade de reavaliar a comunicação e divulgação das informações para a comunidade universitária.

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

  • Rodrigues KC do C, Medeiros LR de, Queiroz AM de, Florencio RMS, Silva AF da, Borges AM. Cartografia dos serviços de acolhimento ao acadêmico em sofrimento psíquico nas universidades públicas brasileiras. Cogitare Enferm. [Internet]. 2022 [acesso em “colocar data de acesso, dia, mês abreviado e ano”]; 27. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v27i0.75756.

REFERÊNCIAS

Editado por

Editora associada: Susanne Elero Betiolli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2020
  • Aceito
    15 Jul 2021
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