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DA SOLIDÃO À COOPERAÇÃO: ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DE TRABALHADORES DE ENFERMAGEM DE TERAPIA INTENSIVA

RESUMO

Objetivo:

conhecer as estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelos trabalhadores de enfermagem de Unidades de Terapia Intensiva para a manutenção da saúde mental.

Método:

estudo qualitativo descritivo, com trabalhadores de enfermagem de três Centros de Cuidados Intensivos de um estado do sul do Brasil. Dados coletados entre junho de 2019 e julho de 2021 por meio de entrevista semiestruturadas e submetidos à análise temática de conteúdo.

Resultados:

desvelaram-se estratégias de enfrentamento individuais baseadas em situações geradoras de sofrimento. Evidenciou-se a solidão do trabalho, resultado dos descompassos entre os espaços terapêuticos oferecidos pela instituição e as demandas dos trabalhadores. Por fim, identificou-se a possibilidade de ressignificação da solidão em cooperação por meio das estratégias coletivas como caminho para enfrentamento do sofrimento no trabalho e como fator protetor de maior eficácia.

Conclusão:

podem-se promover ações coletivas de enfrentamento e atividades que fortaleçam a união e cooperação das equipes de enfermagem em terapia intensiva.

DESCRITORES:
Enfermagem; Saúde do trabalhador; Profissionais de enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva; Adaptação Psicológica

ABSTRACT

Objective:

to know the coping strategies developed by intensive care unit nurse practioners to maintain mental health.

Method:

qualitative descriptive study, with nursing workers from three Intensive Care Centers in a southern state of Brazil. Data collected between June 2019 and July 2021 through semi-structured interviews and submitted to thematic content analysis.

Results:

individual coping strategies based on situations that generate suffering were unveiled. The loneliness of work was evidenced because of the mismatches between the therapeutic spaces offered by the institution and the demands of the workers. Finally, the possibility of re-signifying loneliness in cooperation through collective strategies was identified as a path to face suffering at work and as a protective factor of greater effectiveness.

Conclusion:

collective coping actions and activities that strengthen the union and cooperation of intensive care nursing teams can be promoted.

DESCRIPTORS:
Nursing; Occupational Health; Nurse Practitioners; Intensive Care Units; Adaptation; Psychological

RESUMEN

Objetivo:

conocer las estrategias de afrontamiento desarrolladas por los trabajadores de enfermería de las Unidades de Cuidados Intensivos para el mantenimiento de la salud mental.

Método:

estudio cualitativo descriptivo, con trabajadores de enfermería de tres Centros de Cuidados Intensivos de un estado del sur de Brasil. Datos recogidos entre junio de 2019 y julio de 2021 mediante entrevistas semiestructuradas y sometidos a análisis de contenido temático.

Resultados:

se desarrollaron estrategias de afrontamiento individuales basadas en situaciones de riesgo de soborno. Se evidenció la solidez del trabajo, resultado de los desajustes entre los espacios terapéuticos ofrecidos por la institución y las demandas de los trabajadores. Por último, se identificó la posibilidad de resignificar la solidaridad en la cooperación mediante las estrategias colectivas como camino para enfrentar el sufrimiento en el trabajo y como factor protector de mayor eficacia.

Conclusión:

se pueden promover acciones colectivas de afrontamiento y actividades que fortalezcan la unión y cooperación de los equipos de enfermería en cuidados intensivos.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Salud laboral; Enfermeras practicantes; Unidades de Cuidados Intensivos; Adaptación Psicológica

INTRODUÇÃO

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é uma unidade fechada dentro do hospital, que tem como característica o cuidado destinado a pacientes em estado crítico de vida, os quais necessitam de assistência permanente e especializada. O que requer acompanhamento das mudanças técnicas e tecnológicas pelos profissionais de enfermagem a fim de que estejam sempre atentos ao quadro clínico de pacientes com maior gravidade11 Silva GAV da, Silva G de SA da, Silva RM da, Andolhe R, Padilha KG, Costa ALS. Stress and coping among nursing professionals of Intensive and Semiintensive Care Units. J Nurs UFPE online. [Internet]. 2017 [acesso em 12 ago 2021]; 11(Supl. 2):922-31. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/13461/16152.
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. O cuidado a esses pacientes exige dos profissionais de enfermagem uma assistência ininterrupta e demanda atenção, destreza e agilidade na execução da assistência22 Souza V de, Cortez EA, Carmo TG do. Educational measures to minimize occupational hazards in the ICU nursing staff. Rev Fund Care Online. [Internet]. 2017 [acesso em 04 ago 2021] ;9(2):583-591. Disponível em: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v9i2.583-591.
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.

A complexidade do trabalho de enfermagem em UTI dá destaque à interface entre trabalho e subjetividade. Sabe-se que a atividade laboral repercute na saúde e, às vezes, no processo de adoecimento dos indivíduos, movimentando sentimentos de prazer e de sofrimento33 Lamb FA, Beck CLC, Coelho APF, Bublitz S, Aozane F, Freitas PH. Defensive strategies of nursing workers in the pediatric emergency room. Rev Rene. [Internet]. 2017 [acesso em 20 jul 2021];18(4):453-60. Disponível em: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2017000400005.
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. Segundo a Psicodinâmica do Trabalho, corrente de pensamento francesa fundada pelo médico psiquiatra Christophe Dejours, as vivências de prazer se estabelecem ante as retribuições simbólicas proporcionadas pelo trabalho. Já as vivências de sofrimento são resultado do contraste entre o trabalho real e as expectativas do trabalhador44 Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré; 2015..

Em face dessa questão, os trabalhadores elaboram estratégias de enfrentamento, definidas como mecanismos por meio dos quais os indivíduos tentam minimizar as vivências de sofrimento. As estratégias individuais se estabelecem em nível psíquico com base no impulso inconsciente de adaptação, porém sem potencial de modificação da realidade. As estratégias coletivas, por sua vez, são empreendidas pelo coletivo de trabalho e oferecem mais possibilidades para transformar a organização do trabalho44 Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré; 2015.-55 Dejours C, Abdouchelli E, Jayet C. Psicodinâmica do Trabalho - contribuições da escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2011..

Os profissionais de enfermagem utilizam diferentes mecanismos na tentativa de mitigar os impactos que o sofrimento causa em seu aparelho psíquico. A importância das estratégias de enfrentamento na enfermagem se fortalece no fato de que o modo como esses trabalhadores enfrentam as adversidades do trabalho pode interferir na assistência prestada ao paciente e sua família66 Camponogara S, Miorin JD, Dias GL, Rodrigues I de L, Vasconcelos LS, Pinheiro ALU. Death of hospitalized children: defensive and coping strategies of the nursing team. Revista M. [Internet]. 2020 [acesso em 11 ago 2021]; 5(9):161-72. Disponível em: https://doi.org/10.9789/2525-3050.2020.v5i9.161-172.
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, sobretudo, na UTI, onde os quadros clínicos são graves ou potencialmente graves.

Porém, para além disso, é importante destacar que o enfrentamento efetivo do sofrimento é importante para a saúde mental do próprio trabalhador de enfermagem. Espera-se que o trabalho na enfermagem seja um dispositivo de construção de identidade e sentido para aquele que trabalha. Que seja promotor de satisfação e saúde, e não de sofrimento. Portanto, é relevante o entendimento de como o trabalho, a saúde e a subjetividade se interseccionam na enfermagem, sobretudo, em ambientes críticos, como as UTI’s.

Por fim, a literatura reforça a necessidade de que pesquisas sejam realizadas com o intuito de investigar as estratégias de enfrentamento empreendidas por profissionais de saúde em seu cotidiano de trabalho, incluindo os de enfermagem66 Camponogara S, Miorin JD, Dias GL, Rodrigues I de L, Vasconcelos LS, Pinheiro ALU. Death of hospitalized children: defensive and coping strategies of the nursing team. Revista M. [Internet]. 2020 [acesso em 11 ago 2021]; 5(9):161-72. Disponível em: https://doi.org/10.9789/2525-3050.2020.v5i9.161-172.
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-77 O’Dowd E, O’Connor P, Lydon S, Mongan O, Connolly F, Diskin C, et al. Stress, coping, and psychological resilience among physicians. BMC Health Services Research. [Internet]. 2018 [acesso em 13 ago 2021];18(1):730. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12913-018-3541-8.
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. Nesse sentido, este estudo tem como objetivo conhecer as estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelos trabalhadores de enfermagem de UTI’s para a manutenção de sua saúde mental.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo descritivo cujos achados emergem de um estudo matricial multicêntrico. Os cenários de pesquisa foram UTI’s de dois hospitais filantrópicos e um hospital público universitário, todos de grande porte e de referência para suas macrorregiões do Rio Grande do Sul, Brasil.

Os participantes foram profissionais de enfermagem (enfermeiros e técnicos em enfermagem) destas instituições. Os critérios de elegibilidade para esta pesquisa foram: ser trabalhador de enfermagem lotado no quadro de funcionários permanentes das UTI’s e estar em exercício na unidade há, pelo menos, seis meses, tempo considerado para adaptação do trabalhador. Foram excluídos os funcionários que estivessem afastados do trabalho ou em férias no período em que os dados foram coletados em cada instituição.

A população elegível foi composta por 332 profissionais de enfermagem. Ao todo, 12 trabalhadores participaram do estudo. Os participantes foram selecionados por meio de um sorteio aleatório simples com base nas listas de funcionários disponibilizadas pelas instituições. A população não foi estratificada no momento do sorteio, pois o objetivo era conhecer o objeto de estudo na perspectiva do indivíduo que exercia a enfermagem em UTI’s. Como cinco participantes se recusaram a participar do estudo, foi realizado um novo sorteio, procedimento esse que era feito nesses casos.

Ao ser sorteado, o profissional era abordado em seu local de trabalho pela equipe de pesquisa ou via aplicativo por meio de troca de mensagens, momento em que o convite era realizado. No decorrer da coleta de dados, após a entrevista com o décimo segundo trabalhador, foi constatada a saturação teórica dos dados, que balizou o encerramento da etapa de campo.

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas individuais, entre os meses de junho de 2019 e julho de 2021. Durante esse período, houve o advento da pandemia de Covid-19, causada pelo Sars-CoV-2. Houve suspensão de trânsito de discentes e pesquisadores nas dependências do hospital, o que paralisou a etapa de campo por alguns meses.

Antes da pandemia, 10 entrevistas haviam ocorrido de forma presencial, nas dependências das instituições, em locais confortáveis, seguros e privativos para os depoentes e pesquisadores. Durante a pandemia, foi necessário conduzir as últimas duas entrevistas de maneira online por meio da plataforma Google Meet, que possibilita interlocução entre as pessoas com trocas simultâneas de imagem e vídeo.

As entrevistas presenciais foram conduzidas por três estudantes do último ano de Enfermagem previamente capacitadas. As entrevistas online foram conduzidas pela coordenadora do projeto. Após registrar dados sociolaborais (sexo, idade, formação, unidade de lotação e tempo de atuação no setor), conduziram-se entrevistas com base em um roteiro semiestruturado que investigava as percepções dos trabalhadores sobre seu trabalho, sua vida, sua saúde e sobre as relações entre estes aspectos, buscando compreender as estratégias de enfrentamento.

As entrevistas tiveram duração média de 30 minutos. Foram audiogravadas, com anuência dos participantes e transcritas na íntegra. Os dados foram submetidos à análise temática de conteúdo, a qual se desenvolve em três fases: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos dados e interpretação88 Bardin L. Análise de conteúdo. 8. ed. Portugal: Geográfica Editora; 2011..

Primeiramente, foi realizada uma leitura exaustiva para apropriação do conteúdo, possibilitando a seleção dos depoimentos pertinentes para responder ao objetivo do estudo. Depois, foi empregada técnica de cores na decomposição do material por unidades de sentido. Estas foram organizadas e agrupadas conforme afinidade semânticas, dando origem a duas categorias analíticas. A interface dos dados com a literatura possibilitou conclusões que responderam ao objetivo do estudo.

Os participantes desse estudo foram identificados com a letra “T” (que inicia a palavra “trabalhador”), seguido de um numeral correspondente à ordem das entrevistas e à unidade proveniente do participante. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética com parecer número 3.346.134.

RESULTADOS

Em relação às características sociolaborais, dos 12 participantes, um foi do sexo masculino. A idade variou de 28 a 59 anos, sendo que a média foi de 38 anos. Oito participantes atuavam na UTI Adulto, três na UTI Neonatal e um atuava em mais de uma unidade (Adulto e Cardiológica). Quanto à formação, oito eram técnicos de enfermagem e quatro eram enfermeiras, sendo que todos possuíam pós-graduação em Terapia Intensiva. O tempo de atuação no atual setor variou de nove meses a 28 anos, sendo que a média foi 6,37 anos.

A seguir, serão apresentadas as categorias analíticas que emergiram da análise de conteúdo: Solidão no trabalho: uso de estratégias individuais de enfrentamento pelos trabalhadores de enfermagem de UTI e; Da solidão à cooperação: estratégias coletivas como um caminho para o enfrentamento do sofrimento no trabalho.

Solidão no trabalho: uso de estratégias individuais de enfrentamento pelos trabalhadores de enfermagem de UTI

Os dados da primeira categoria analítica sugerem a utilização de estratégias de enfrentamento individuais no trabalho. As estratégias individuais foram densamente referidas pelos participantes e sinalizam para o enfrentamento individual do sofrimento. Entre as estratégias, destacaram-se: subordinação; autocobrança; tentativa de separação entre a vida profissional e a vida pessoal; aceitação; banalização; distanciamento; autocontrole; resiliência. O Quadro 1 apresenta depoimentos que ilustram o uso dessas estratégias:

Quadro 1
Estratégias individuais de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores de enfermagem de Unidades de Terapia Intensiva. Palmeira das Missões, RS, Brasil, 2021

Os depoimentos que ilustram o Quadro 1 evidenciam que há sofrimento psíquico relacionado ao trabalho, enfrentado por parte importante dos profissionais mediante mecanismos individuais. Somado a isso, evidenciam-se a falta de espaços para a fala, a escuta e o atendimento psicoemocional. O trabalhador de enfermagem de UTI vive uma genuína solidão, o que potencializa seu sofrimento e fragiliza sua saúde mental:

[...] a gente guarda, guarda e a gente que fica doente. Às vezes na correria a gente sai com muita coisa daqui [...]. (T10, UTI Adulto)

Eu sou uma pessoa que sou de guardar e não de falar, então eu vou guardando... guardando... e chega uma hora que explode. [...] Eu chego em casa sempre na hora do banho, eu choro [...]. (T11, UTI Neo)

Indo ao encontro destas lacunas encontradas, depara-se com relatos de entrevistados que se sentem desamparados psicologicamente pela instituição de trabalho:

[...] Tem acompanhamento psicológico, mas eles não te escutam. Eles fazem dinâmica e não escutam o que você tem para falar. Eles não dão espaço. (T4, UTI Adulto)

Esses tempos veio a psicóloga e eu até falei: “Bá, nós podíamos falar com a psicóloga!”. Só que não tem como. [...] É aquela coisa... é em grupo, aquela coisa de ser individual não tem. (T11, UTI Neo)

Portanto, os dados tornam possível inferir que há vivências de sofrimento no trabalho, ante as quais os profissionais de enfermagem, muitas vezes, empreendem estratégias individuais de enfrentamento para a manutenção da sua saúde mental. No entanto, a solidão no trabalho se expressou nos depoimentos, agravada pela ausência de espaços de fala e escuta.

Da solidão à cooperação: estratégias coletivas como um caminho para o enfrentamento do sofrimento no trabalho

A segunda categoria analítica revela o uso de estratégias de enfrentamento coletivas no trabalho, ou seja, estratégias desenvolvidas pelo grupo, para o bem-estar coletivo. Apesar das estratégias individuais serem usuais nos cenários investigados, os depoimentos mostraram que há algumas iniciativas, protagonizadas pelos participantes, que buscam no coletivo mecanismos mais concretos de transformação do sofrimento. Uma destas estratégias se expressa pelo manejo e organização das rotinas e do processo de trabalho:

[...]a gente lança todos os dias uma escala diferente para as meninas não ficarem com os mesmos pacientes a semana inteira. Porque às vezes tem pacientes que exigem mais delas. [...] (T1, UTI Adulto)

Já tive funcionários com filhos com câncer, que tive que dar uma segurada, sentar e conversar, aí tive que administrar leito. Veio uma paciente com as mesmas características da filha da pessoa, não vou deixar, aí a gente maneja. Já tive filhos de funcionários aqui dentro, já tive pai de funcionário que morreu aqui dentro. [...] (T5, UTI Adulto)

O manejo dos conflitos e das relações interpessoais também foi identificado no estudo como fazendo parte das estratégias coletivas de enfrentamento, sendo eficaz para o enfrentamento dos elementos estressores do cotidiano laboral:

Já sei lidar com “xiliquinho” médico, com a equipe nem se fala. Acho que a gente vai criando maturidade, vai percebendo que algumas coisas não precisam ser levadas para a frente, então a gente aprende também a lidar com fofocas entre colegas e técnicos de enfermagem. Eu acho que a gente tem que se manter muito neutro nas conversações ali, nas fofocas, para não desviar nosso senso de justiça. (T5, UTI Adulto)

[...] quando a gente tem problema com a equipe, a gente chama toda a equipe, tenta ver a opinião deles também. Nem sempre a gente consegue, nem sempre é possível fazer isso. [...] Às vezes tem resistência, mas a gente tenta em dupla, eu e a minha colega, resolver o problema (T10, UTI Adulto)

Ações coletivas que visavam melhorar o trabalho da equipe também foram interpretadas como sendo estratégias coletivas de enfrentamento, pois com base nestas ações se fortaleciam vínculos e, consequentemente, otimizava-se o clima no ambiente de trabalho:

Se tem intercorrência, a gente recebe bastante ajuda, a equipe é bem unida, raramente tu vai ficar sozinho. [...] Eu sentei no computador e uma colega veio e perguntou: “o que tu precisa?”, então eu disse: “preciso terminar de evoluir e preciso fechar os meus balanços [hídricos]”, e ela: “me dá uma pasta que eu vou te ajudar!”. Assim que procede, um ajuda o outro, então tu nunca vai ficar sozinha, tem sempre ajuda. (T2, UTI Adulto)

A gente procura trabalhar da melhor forma possível. O dia que está mais tranquilo, a gente sempre se organiza e faz um lanchinho, um cafezinho. Cada uma traz alguma coisa para tornar o dia mais agradável. Quando tem alguém de aniversário, a gente faz alguma coisinha [...] (T3, UTI Neo)

Ao término desta categoria analítica, é possível observar que, apesar da solidão e do enfrentamento individual ocorrer em muitas circunstâncias, há iniciativas por parte dos profissionais de enfermagem que buscam encontrar no coletivo meios de lidar com o enfrentamento das adversidades. Essas iniciativas podem representar um contraponto à solidão e sinalizar caminhos mais efetivos de defesa contra o sofrimento.

DISCUSSÃO

A primeira categoria analítica sinaliza para as estratégias de enfrentamento individuais empreendidas pelos profissionais de enfermagem de UTI’s. Primeiramente, evidenciou-se a subordinação como uma postura utilizada no sentido de evitar os enfrentamentos com outros membros da equipe multidisciplinar, sobretudo, após experiências em que os profissionais sofreram retaliações. Estudo australiano evidenciou que comportamentos interpessoais negativos, como o bullying no local de trabalho, são recorrentes no contexto de profissionais de enfermagem. Tolerar e normalizar estes comportamentos reforça a aceitação dos mesmos, como se fossem elementos inerentes às relações de poder no ambiente laboral99 Hawkins N, Jeong S, Smith T. Negative workplace behavior and coping strategies among nurses: a cross-sectional study. Nurs Health Sci. [Internet]. 2021 [acesso em 25 jul 2021]; 23(1):123-35. Disponível em: https://doi.org/10.1111/nhs.12769.
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.

A autocobrança também se destacou como um comportamento empreendido pelos profissionais ante as demandas e exigências do trabalho. A autocobrança impõe ao trabalhador a necessidade de adaptação constante ao meio de trabalho1010 Moura R dos S, Saraiva FJC, Santos RM dos, Rocha KR da SL, Barbosa VM da S, Calles AC do N, et al. Nursing stress levels in Intensive Care Units. J Nurs UFPE online. [Internet]. 2019 [acesso em 20 ago 2021]; 13(3):569-77. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/download/236549/31527.
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, podendo ser prejudicial à sua qualidade de vida quando em demasia1111 Sangaletti J, Ceretta LB, Soratto MT. Anxiety of nurses of the family health strategy. RIES. [Internet]. 2018 [acesso em 07 ago 2021]; 7(1):234-48. Disponível em: https://doi.org/10.33362/ries.v7i1.910.
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e, nesses casos, não reverterá benefícios ao profissional, ao trabalho e à instituição.

Os trabalhadores enfatizaram, também a tentativa de manter as situações vivenciadas no trabalho distante da rotina familiar. Há certa precaução de os trabalhadores de enfermagem hospitalar em não partilhar vivências desgastantes do trabalho com seus familiares, o que expressa uma tentativa de protegê-los e, também de afastar o pensamento do que é vivenciado dentro do setor33 Lamb FA, Beck CLC, Coelho APF, Bublitz S, Aozane F, Freitas PH. Defensive strategies of nursing workers in the pediatric emergency room. Rev Rene. [Internet]. 2017 [acesso em 20 jul 2021];18(4):453-60. Disponível em: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2017000400005.
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. Resultado semelhante foi encontrado em estudo com profissionais de enfermagem de unidades de internação pediátrica66 Camponogara S, Miorin JD, Dias GL, Rodrigues I de L, Vasconcelos LS, Pinheiro ALU. Death of hospitalized children: defensive and coping strategies of the nursing team. Revista M. [Internet]. 2020 [acesso em 11 ago 2021]; 5(9):161-72. Disponível em: https://doi.org/10.9789/2525-3050.2020.v5i9.161-172.
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Nesse sentido, é importante resgatar a Psicodinâmica do Trabalho. Considera-se que a subjetividade do indivíduo é resultado de diferentes estímulos presentes em sua vida, incluindo o trabalho e a vida em sociedade. Portanto, a cisão da psique com base na vida laboral e na vida privada é uma ruptura utópica, pois não há mecanismos que possibilitem essa ação55 Dejours C, Abdouchelli E, Jayet C. Psicodinâmica do Trabalho - contribuições da escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2011..

A aceitação e a banalização dos elementos estressores do trabalho também foram evidenciadas neste estudo. Percebe-se que os profissionais de enfermagem tendem a negar os sentimentos de desprazer despertos ante as particularidades que envolvem o ambiente de trabalho e a realização do cuidado1212 Cordenuzzi O de CP, Lima SBS de, Prestes FC, Beck CLC, Silva RM da, Pai DD. Strategies used by nursing staff in situations of workplace violence in a haemodialysis unit. Rev Gaúcha Enferm. [Internet]. 2017 [acesso em 15 ago 2021]; 38(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.02.58788.
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O que vai ao encontro de achados de pesquisa realizada com profissionais de enfermagem africanos, nos quais as vivências de sofrimento eram aceitas e compreendidas como elementos inerentes ao seu trabalho1313 Lartey JKS, Osafo J, Andoh-Arthur J, Asante KO. Emotional experiences and coping strategies of nursing and midwifery practitioners in Ghana: a qualitative study. BMC Nursing. [Internet]. 2020 [acesso em 23 jul 2021];19:92. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12912-020-00484-0.
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. Em outro estudo, profissionais de enfermagem entendiam que a aceitação contribuía para reduzir a tensão emocional sobre situações que, na sua perspectiva, eram imutáveis1414 Antoniolli L, Echevarría-Guanilo ME, Rosso LH de, Fuculo Junior PRB, Pai DD, Scapin S. Coping strategies of the nursing team acting in a burn treatment center. Rev Gaúcha Enferm. [Internet]. 2018 [acesso em 19 ago 2021]; 39:e2016- 0073. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2016-0073.
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Os profissionais destacaram, também o distanciamento emocional em relação aos pacientes e suas famílias, pois acreditavam que o estreitamento de vínculos potencializa o sofrimento em face da morte. No entanto, os próprios profissionais admitiram que esta estratégia resultava na prestação de um cuidado impessoal. Nesse sentido, sabe-se que o desgaste emocional pode comprometer o autocontrole das emoções do profissional de enfermagem, tornando sua personalidade fria1515 Alcantara EH de, Almeida VL de, Nascimento MG, Andrade MBT de, Dázio EMR, Resck ZMR. Perception of nursing staff professionals about the care of patients in palliative care. Rev. enferm. Cent-Oeste Min. [Internet]. 2018 [acesso em 05 ago 2021]; 8:e2673. Disponível em: https://doi.org/10.19175/recom.v8i0.2673.
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Estudo realizado com profissionais de enfermagem de emergência pediátrica evidenciou que eles sentiam a necessidade de afastamento emocional e afetivo em relação aos pacientes e familiares para fugir de situações de sofrimento33 Lamb FA, Beck CLC, Coelho APF, Bublitz S, Aozane F, Freitas PH. Defensive strategies of nursing workers in the pediatric emergency room. Rev Rene. [Internet]. 2017 [acesso em 20 jul 2021];18(4):453-60. Disponível em: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2017000400005.
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. Outro estudo, realizado com enfermeiras iranianas, revelou que a fuga em relação às situações de sofrimento era uma estratégia de enfrentamento frequentemente empreendida. No entanto, esta estratégia, muitas vezes, acarreta prejuízos na qualidade do cuidado prestado1616 Betriana F, Kongsuwan W. Grief reactions and coping strategies of Muslim nurses dealing with death. Nurs Crit Care. [Internet]. 2020 [acesso em 15 ago 2021]; 25(5):277-283. Disponível em: https://doi.org/10.1111/nicc.12481.
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A última estratégia de enfrentamento individual evidenciada foi a resiliência, considerada uma estratégia importante para mitigar o esgotamento emocional1717 Delgado C, Upton D, Ranse K, Furness T, Foster K. Nurses’ resilience and the emotional labour of nursing work: An integrative review of empirical literature. Int J Nurs Stud. [Internet]. 2017 [acesso em 20 ago 2021]; 70:71-88. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.02.008.
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. Prover a resiliência na enfermagem é uma necessidade. A promoção de uma força de trabalho de enfermagem resiliente pode impactar positivamente não apenas na saúde mental dos trabalhadores, mas também na qualidade do atendimento prestado1818 Wei H, Roberts P, Strickler J, Corbett RW. Nurse leaders’ strategies to foster nurse resilience. J Nurs Manag. [Internet]. 2019 [acesso em 17 jul 2021]; 27(4):681-87. Disponível em: https://doi.org/10.1111/jonm.12736.
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A despeito de todas as estratégias individuais empreendidas pelos trabalhadores de enfermagem das UTI’s, há sofrimento e solidão no trabalho. De acordo com a Psicodinâmica do Trabalho, as estratégias de enfrentamento individuais, por serem resultado de movimentos psíquicos adaptativos dos indivíduos, restringem-se a “anestesiar” as vivências de sofrimento, contudo, sem transformá-las44 Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré; 2015.. Pesquisa realizada com profissionais de enfermagem evidenciou que estratégias de enfrentamento mais orientadas para o gerenciamento das situações que causavam sofrimento estiveram associadas a maior bem-estar psicológico quando comparadas às estratégias evitativas (ou seja, as que se pautavam na fuga e na evitação)1919 Lee TS-H, Tzeng W-C, Chiang H-H. Impact of coping strategies on nurses’ well-being and practice. J Nurs Scholarship. [Internet]. 2019 [acesso em 19 ago 2021]; 51(2):195-204. Disponível em: https://doi.org/10.1111/jnu.12467.
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O empreendimento predominante de estratégias individuais em razão da ausência ou ineficiência de espaços de fala e escuta conduz os profissionais de enfermagem ao sentimento de solidão. A ausência de suporte organizacional faz com que os trabalhadores sintam o impacto negativo das demandas emocionais de sua profissão1313 Lartey JKS, Osafo J, Andoh-Arthur J, Asante KO. Emotional experiences and coping strategies of nursing and midwifery practitioners in Ghana: a qualitative study. BMC Nursing. [Internet]. 2020 [acesso em 23 jul 2021];19:92. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12912-020-00484-0.
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. Faltam espaços para a escuta do sofrimento, e a instituição não consegue atender de maneira adequada às demandas dos trabalhadores.

É necessário estabelecer programas dentro da instituição de saúde que acolham o trabalhador e forneçam apoio social, visando o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento saudáveis. Ações que valorizem o vínculo e/ou afeto podem ser o alicerce para que a resi1iência seja trabalhada nas pessoas2020 Quadros A de. Resilience in the oncological nursing care services: the challenge for developing professional skills. Saúde Redes. [Internet]. 2018 [acesso em 10 ago 2021]; 4(2):129-42. Disponível em: https://doi.org/10.18310/2446-4813.2018v4n2p129-142.
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Isso direciona para a segunda categoria analítica na qual estes vínculo e afetos justamente se destacaram como subsídios para que os profissionais elaborassem, finalmente, suas estratégias de enfrentamento coletivas, ou seja, àquelas capazes de modular a organização do trabalho e transformar as vivências de sofrimento, ou ainda, transcender a solidão e chegar à cooperação. As estratégias coletivas necessitam do consenso do grupo e dependem de condições externas ao indivíduo55 Dejours C, Abdouchelli E, Jayet C. Psicodinâmica do Trabalho - contribuições da escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2011.. Essas estratégias são uma forma de resistência do grupo às vivências de sofrimento e contribuem para a coesão do coletivo de trabalho44 Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré; 2015..

A organização das rotinas e do processo de trabalho é um desses exemplos, mostrando que a gestão do cuidado leva em conta, dentre muitos fatores, a proteção do grupo. Faz-se o espaço coletivo pela relação de cooperação e pertencimento dos seus integrantes, manifestações de confiança mútua e de reconhecimento2121 Glanzner CH, Olschowsky A, Duarte M de LC. Defensive strategies of Family Health Teams to suffering in the work. Cogitare Enferm. [Internet]. 2018 [acesso em 09 ago 2021]; 23(2):e49847. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v23i1.49847.
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A gestão e manejo dos conflitos também se mostrou uma estratégia importante. O fortalecimento das estratégias coletivas exige relações interpessoais bem-consolidadas2222 Azevedo BDS, Nery AA, Cardoso JP. Occupational stress and dissatisfaction with quality of work life in nursing. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2017 [acesso em 25 ago 2021]; 26(1):e3940015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-07072017003940015.
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. A gestão das relações tanto com superiores como entre os pares é parte integrante do sistema de apoio aos trabalhadores de saúde1313 Lartey JKS, Osafo J, Andoh-Arthur J, Asante KO. Emotional experiences and coping strategies of nursing and midwifery practitioners in Ghana: a qualitative study. BMC Nursing. [Internet]. 2020 [acesso em 23 jul 2021];19:92. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12912-020-00484-0.
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.

Os vínculos de amizade e colaboração também são considerados importante estratégia de enfrentamento, o que vai ao encontro de resultados de outros estudos33 Lamb FA, Beck CLC, Coelho APF, Bublitz S, Aozane F, Freitas PH. Defensive strategies of nursing workers in the pediatric emergency room. Rev Rene. [Internet]. 2017 [acesso em 20 jul 2021];18(4):453-60. Disponível em: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2017000400005.
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,66 Camponogara S, Miorin JD, Dias GL, Rodrigues I de L, Vasconcelos LS, Pinheiro ALU. Death of hospitalized children: defensive and coping strategies of the nursing team. Revista M. [Internet]. 2020 [acesso em 11 ago 2021]; 5(9):161-72. Disponível em: https://doi.org/10.9789/2525-3050.2020.v5i9.161-172.
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. Em espaços de discussão e reflexão do trabalho é possível estabelecer a partilha e a cooperação, o que leva à forma diferenciada de enfrentamento e de transformação da organização do trabalho. Ou seja, ao compartilhar situações do dia a dia, o coletivo consegue construir estratégias de defesa contra o sofrimento no trabalho2121 Glanzner CH, Olschowsky A, Duarte M de LC. Defensive strategies of Family Health Teams to suffering in the work. Cogitare Enferm. [Internet]. 2018 [acesso em 09 ago 2021]; 23(2):e49847. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v23i1.49847.
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.

Concorda-se que as estratégias de enfrentamento são importantes para a manutenção da saúde mental no trabalho no contexto da enfermagem em terapia intensiva. Em nível de gestão, elas podem ser potencializadas por meio da melhoria do sistema de suporte social e psicológico aos trabalhadores2323 Al Barmawi MA, Subih M, Salameh O, Sayyah NSY, Shoqirat N, Jebbeh RA-AEA. Coping strategies as moderating factors to compassion fatigue among critical care nurses. Brain Behav. [Internet]. 2019 [acesso em 14 ago 2021];9(4):e01264. Disponível em: https://doi.org/10.1002/brb3.1264.
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. Além disso, em nível de gestão, podem-se promover os espaços de encontro, interlocução e troca entre os profissionais de enfermagem. Como exemplo, reuniões de equipe em que o compartilhamento de percepções e experiências também tenham espaço para socialização, e em que os indivíduos tenham espaço para a fala e escuta. O fortalecimento destes dispositivos poderá auxiliar na maximização das estratégias coletivas e, consequentemente, na transformação da solidão em cooperação.

Este estudo possui limitações relacionadas, principalmente, à etapa de campo interceptada pela pandemia da Covid-19. A descontinuidade da coleta de dados foi resultado da realocação de muitos profissionais para as unidades destinadas ao atendimento à Covid. Além disso, a impossibilidade de finalizar as entrevistas de modo presencial somada às dificuldades de acesso às unidades críticas pode ter limitado as entrevistas não apenas em número, mas também em profundidade. No entanto, o material empírico obtido nas 12 entrevistas permitiu a saturação teórica dos dados e, portanto, o alcance do objetivo do estudo.

CONCLUSÃO

Os trabalhadores de enfermagem utilizavam estratégias de enfrentamento em seu cotidiano laboral. Em maior intensidade, as individuais, capazes de aliviar momentaneamente o estresse e o sofrimento, mas sem potencial de transformação dos fatores que os geram. As estratégias coletivas, no entanto, podem ser mais efetivas para a organização do processo de trabalho e fortalecimento do grupo, ações que eles precisavam empreender entre si devido à ineficiência dos espaços terapêuticos dentro e fora do trabalho.

Em nível institucional, os resultados deste estudo podem auxiliar a gestão, chefias de enfermagem e trabalhadores do serviço a idealizar e promover ações coletivas de enfrentamento e atividades que fortaleçam a união da equipe multiprofissional por meio de educação permanente. A socialização destes dados pode auxiliar o serviço a criar espaços onde haja promoção de saúde no ambiente de trabalho, e onde seja valorizada a expressão individual e coletiva de problemas e pensamentos, consolidando o vínculo entre gestão, chefias e trabalhadores, para que estes se sintam amparados em momentos de fragilidades e que, a partir disso, novas formas de enfrentamento individual e coletivo possam ser construídas, tornando o trabalhador protagonista da construção do seu bem-estar pessoal.

AGRADECIMENTOS

Trabalho apoiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC-CNPq 2020-2021) e pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (FIPE-UFSM 2021).

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Editora associada: Luciana Nogueira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2021
  • Aceito
    29 Abr 2022
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