EFICÁCIA DE UMA INTERVENÇÃO EDUCATIVA PARA PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES NO CATETER VENOSO PERIFÉRICO

RESUMO

Objetivo

avaliar a eficácia de uma intervenção educativa de prática baseada em evidências na prevenção de complicações no cateter venoso periférico.

Método

estudo observacional com intervenção educativa para profissionais de enfermagem de um hospital de Minas Gerais, Brasil, sobre as técnicas de flushing, push-pause e locking. Amostragem por conveniência: 181 cateteres no grupo pré-intervenção e 157 no pós-intervenção. Avaliaram-se a incidência de complicações e comparação pelos testes do Qui-quadrado e exato de Fisher.

Resultados

a incidência de complicações no grupo pós-intervenção foi: 4,5% para obstrução (p=0,000), 10,8% para remoção acidental (p=0,265) e 1,9% para flebite (p=0,847). A utilização das técnicas de flushing, push-pause e locking resultaram em significativa redução na incidência de obstrução.

Conclusão

a intervenção educativa possibilitou conhecimento atualizado e a implementação do flushing, push-pause e locking nas práticas de enfermagem. O estudo é uma contribuição para o planejamento de intervenção de enfermagem para reduzir a ocorrência de obstrução.

DESCRITORES:
Enfermagem; Cateterismo Periférico; Obstrução do Cateter; Segurança do Paciente; Prática Clínica Baseada em Evidências

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the effectiveness of an evidence-based practice educational intervention in preventing peripheral venous catheter complications.

Method

observational study with educational intervention for nursing professionals of a hospital in Minas Gerais, Brazil, about flushing, push-pause and locking techniques. Convenience sampling: 181 catheters in the pre-intervention group and 157 in the post-intervention group. The incidence of complications was evaluated and compared by the Chi-square and Fisher’s exact tests.

Results

the incidence of complications in the post-intervention group was: 4.5% for obstruction (p=0.000), 10.8% for accidental removal (p=0.265) and 1.9% for phlebitis (p=0.847). The use of the flushing, push-pause and locking techniques resulted in a significant reduction in the incidence of obstruction.

Conclusion

the educational intervention enabled updated knowledge and the implementation of flushing, push-pause and locking in nursing practices. The study is a contribution to nursing intervention planning to reduce the occurrence of obstruction.

DESCRIPTORS:
Nursing; Catheterization; Peripheral; Catheter Obstruction; Patient Safety; Evidence-Based Practice.

RESUMEN

Objetivo:

evaluar la eficacia de una intervención educativa basada en la evidencia para prevenir las complicaciones del catéter venoso periférico.

Método

estudio observacional con intervención educativa para los profesionales de enfermería de un hospital de Minas Gerais, Brasil, sobre las técnicas de lavado, empuje-pausa y bloqueo. Muestreo de conveniencia: 181 catéteres en el grupo pre-intervención y 157 en el grupo post-intervención. La incidencia de complicaciones y la comparación se evaluaron mediante los tests de Chi-cuadrado y exacto de Fisher.

Resultados

la incidencia de complicaciones en el grupo posterior a la intervención fue del 4,5% para la obstrucción (p=0,000), del 10,8% para la extracción accidental (p=0,265) y del 1,9% para la flebitis (p=0,847). El uso de las técnicas de enjuague, empuje-pausa y bloqueo dio lugar a una reducción significativa de la incidencia de la obstrucción.

Conclusión

la intervención educativa permitió la actualización de los conocimientos y la implementación del flushing, push-pause y locking en las prácticas de enfermería. El estudio es una contribución a la planificación de la intervención de enfermería para reducir la aparición de la obstrucción.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Cateterismo Periférico; Obstrucción del Catéter; Seguridad del Paciente; Práctica Clínica Basada en la Evidencia.

INTRODUÇÃO

A administração endovenosa de medicamentos é um dos cuidados de enfermagem mais realizados nos pacientes em contexto hospitalar, sendo operacionalizada com o recurso de cateteres venosos centrais ou periféricos curtos do tipo agulhado ou sobre agulha. O cateter venoso periférico curto agulhado é indicado para administração de medicamento de dose única, podendo permanecer até oito horas para administrar a segunda dose. Já o cateter curto sobre agulha é o dispositivo de escolha para terapêutica de até sete dias. Ambos os cateteres venosos periféricos curtos são contraindicados para administrar medicamentos irritantes, vesicantes, com pH≤5 ou ≥9(¹-⁴). A remoção desses cateteres ocorre na ausência de complicações a cada 72horas ou 96horas, conforme protocolo institucional, ou por indicação clínica na presença de sinais e/ou sintomas de complicações como flebite, infiltração, obstrução, remoção acidental ou infecção⁴-⁵.

O cateter venoso periférico, quando comparado aos cateteres venosos centrais, é de baixo custo, de fácil e rápida inserção e não requer paramentação cirúrgica. No entanto, o processo de punção venosa periférica e a permanência de um cateter no lúmen da veia do paciente envolve um cuidado de enfermagem complexo. Exige conhecimentos, competências e habilidades específicas do profissional para avaliação e tomada de decisão sobre indicação e escolha do tipo de cateter a ser inserido, além de intervenções de enfermagem individualizadas para o paciente durante a permanência. O resultado de enfermagem esperado é prevenir e reduzir as taxas de complicações, independentemente do fator gerador, e prestar um cuidado com qualidade e que assegure bem-estar aos pacientes⁴-⁵.

Aproximadamente 90% dos pacientes internados em hospital recebem infusão de medicamentos e outros fluidos pela via endovenosa. Existe o risco de desenvolver algum tipo de complicação associada ao cateter ou local de inserção e nas áreas adjacentes antes de completar a terapia endovenosa com taxas de complicações que variam entre 1,8% e 55,5%, que resultam na remoção e inserção de um novo cateter²,⁶-⁹.

A obstrução do cateter venoso periférico é uma complicação com incidência que alcança valores de 26,5%¹,⁶,⁸,¹⁰-¹¹. Ela pode ser identificada quando há resistência no fluxo de infusão e/ou inexistência de refluxo de sangue pelo cateter, sendo causada pela formação de um coágulo de sangue ou precipitação de medicamentos no lúmen do cateter, ou por problemas mecânicos. Em geral, não há reversão da permeabilidade do cateter, sendo necessária a sua remoção⁸.

Para manutenção da permeabilidade do cateter venoso periférico e, consequentemente, reduzir as falhas e prevenir a obstrução, é indicada a técnica de flushing associada à técnica pulsátil (push-pause). Deve-se utilizar seringa maior que 10ml preparada manualmente ou pré-preparadas com solução fisiológica 0,9% (SF 0,9%), antes e após a administração de medicamentos endovenosos. É imprescindível, também, realizar ao término do flushing pulsátil a técnica de locking para manter pressão positiva no sistema (extensor intermediário e cateter) e, assim, evitar o retorno de sangue para o lúmen do cateter e, consequentemente, a obstrução⁴,⁶,¹²-¹³.

A flebite é uma das complicações mais estudadas, com incidência entre 11,5% e 36,7%¹-²,⁸-⁹. Ela é classificada de acordo com seu agente causal em bacteriana, mecânica ou química, evoluindo com um processo inflamatório facilmente identificado pela presença de sinais/sintomas clínicos nos tecidos próximos ao local de inserção do cateter, como dor, hiperemia, calor, edema, cordão fibroso palpável em estágios mais avançados e, nos casos mais graves, com a presença de secreção purulenta, caracterizando um evento adverso não intencional⁸,¹⁴.

A infiltração é uma complicação resultante da infusão de medicamentos endovenosos nos tecidos próximos ao local de inserção do cateter, com risco de causar lesão tecidual. A incidência de infiltração apresenta variação entre 3,8% e 19,2% conforme a utilização ou não de escalas¹-²,⁷-⁸,¹⁰,¹⁵.

A ocorrência de complicações relacionadas ao uso e permanência do cateter venoso periférico pode colocar em risco a segurança e o bem-estar dos pacientes¹-²,⁸. Portanto, é necessário que a equipe de enfermagem inicialmente avalie a rede venosa do paciente, a terapêutica endovenosa prescrita, o tempo previsto de terapia e as preferências do paciente. Em um segundo momento, o profissional deve realizar a seleção e inserção do cateter e implementar os cuidados, a fim de minimizar os riscos de complicações durante a sua permanência. Posteriormente, é essencial a gestão dos cuidados na remoção e pós-remoção do cateter, além da educação do paciente/acompanhante, que perpassa toda a assistência. É recomendável, também, que o profissional de enfermagem reflita sobre suas práticas, implemente protocolos fundamentados nas melhores evidências científicas, e em consonância com as características dos pacientes, da equipe de enfermagem e realidade da instituição¹,³,¹⁶-¹⁷.

Verifica-se, especialmente nos casos de pacientes cuja rede venosa é de difícil punção, onde ocorrem, muitas vezes, três ou mais tentativas de punção sem êxito, que o uso de tecnologias de imagem, como ultrassom para avaliação da rede venosa periférica e para orientar a punção venosa pelas equipes de terapia endovenosa e/ou enfermeiros com competências específicas contribuiu para aumentar a taxa de sucesso na inserção do cateter e reduzir o trauma vascular periférico, melhorando a segurança e os resultados em saúde ³,¹⁸.

Nessa acepção, implementar estratégias educacionais para o desenvolvimento de habilidades nos profissionais de enfermagem, relacionadas aos cuidados decorrentes da inserção e permanência do cateter venoso periférico são essenciais para prevenir e reduzir as complicações previsíveis/preveníveis e os eventos adversos, a fim de garantir um cuidado de enfermagem de qualidade⁷,¹⁶.

Portanto, conhecer os resultados dos indicadores de qualidade sensíveis aos cuidados de enfermagem no âmbito do processo de cuidados do paciente com cateter venoso periférico é fundamental para subsidiar o planejamento e a implementação de intervenções de enfermagem, com vistas à prevenção de complicações e redução de danos, viabilizando, assim, uma transferência de conhecimentos fundamentada em evidências científicas e em consonância com o contexto. Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia de uma intervenção educativa de prática baseada em evidências na prevenção de complicações no cateter venoso periférico.

MÉTODO

Foram realizados dois estudos observacionais independentes, com observação de dois grupos em momentos distintos. As coortes foram intercaladas por uma intervenção educativa direcionada aos profissionais de enfermagem, responsáveis pelo manejo do cateter venoso periférico.

O estudo foi desenvolvido num serviço de clínica médica (27 leitos) de um hospital de ensino (114 leitos) em Minas Gerais - Brasil, que atende pacientes de alta complexidade, para tratamentos clínicos e cirúrgicos.

Adotou-se amostragem por conveniência cuja coleta de dados ocorreu durante 30 dias consecutivos. A amostra da primeira parte do estudo - grupo pré-intervenção - foi composta por 75 pacientes adultos (20 de novembro a 20 de dezembro de 2018) e a segunda etapa -grupo pós-intervenção - por 98 pacientes (2 a 31 de janeiro de 2020). O período de coleta dos dados da segunda etapa foi escolhido por conveniência dos pesquisadores, considerando o tempo necessário para avaliar se os profissionais haviam incorporado a intervenção educativa nas práticas de enfermagem.

Foram critérios de inclusão nos grupos pré e pós-intervenção: pacientes com idade ≥18 anos; em uso de cateter venoso periférico curto; do tipo sobre agulha; e para administração de medicamentos endovenosos e hemocomponentes. Foram excluídos em ambos os grupos os pacientes com cateter venoso central. Os pacientes foram incluídos no estudo a partir da inserção do primeiro cateter no serviço de clínica médica e acompanhados até o desfecho da internação (alta, óbito ou transferência) em ambos os grupos. Cabe mencionar que os pacientes fizeram uso de um ou mais cateteres durante o período de coleta dos dados, e podiam ser portadores de mais de um cateter concomitantemente.

Os dados do grupo pré e pós-intervenção foram registrados em instrumento próprio, que foi adaptado para os objetivos do presente estudo¹¹, contendo a idade dos pacientes (anos), tempo de internação, e variáveis relacionadas ao cateter venoso periférico, como calibre (gauge), local de inserção, tempo de permanência do cateter (horas) e complicações, tais como: flebite; flebite pós-remoção; infiltração; obstrução; e remoção acidental do cateter.

Em ambos os grupos, a idade e tempo de internação foram obtidos por meio do prontuário do paciente a fim de identificar a homogeneidade entre eles. Para acessar os dados relacionados ao cateter com maior fidelidade, dois pesquisadores realizavam a avaliação diária dos pacientes no local de inserção e remoção do cateter ao final dos plantões diurno e noturno, para identificação de sinais de complicações.

Para padronizar a avaliação nos estudos pré e pós-intervenção, utilizou-se as escalas portuguesas de flebite e infiltração¹⁴-¹⁵. Além disso, consideraram-se, também, outras fontes secundárias, diferentes do prontuário do paciente para registro das complicações decorrentes do uso do cateter, ou seja, os registros de enfermagem no prontuário do paciente, ou os relatos do paciente/acompanhante. Essas fontes foram necessárias, pois a fixação do cateter na pele era realizada com fita branca não estéril, semelhante à fita adesiva, dificultando, muitas vezes, a avaliação pelo pesquisador. A obstrução e remoção acidental dependiam essencialmente da avaliação durante os cuidados e registro de enfermagem, uma vez que não havia evidência clínica no local de remoção do cateter para o pesquisador identificar tais complicações.

Com base na análise dos resultados do estudo pré-intervenção, elaborou-se uma intervenção educativa que seguiu um protocolo elaborado pelos autores fundamentado numa revisão de literatura, e foi aprovado pela coordenação de enfermagem da instituição.

A revisão de literatura foi realizada nas bases de dados MEDLINE, CINAHL, SciELO e LILACS com os seguintes descritores: flush* OR wash* OR patency AND peripheral venous cateter OR peripheral intravenous OR vascular access device OR peripheral venous access. Foram selecionadas as publicações entre 2008 e 2018 nos idiomas espanhol, inglês, italiano e português. Utilizou-se a técnica de bola de neve para inclusão de estudos referenciados no Guideline da Infusion Nurses Society publicado em 2016 que, após ser revisado, deu origem à nova versão, publicada em 2021⁴ e publicações relevantes que eram de conhecimento dos autores ou não foram identificadas na busca nas bases de dados ou na técnica de bola de neve. Portanto, foram incluídos três guidelines e 16 artigos.

A intervenção educativa foi realizada em duas etapas: 1) três meses a partir da coleta de dados no grupo pré-intervenção (março e abril/2019) e 2) com a realização de simulação clínica de baixa fidelidade. A primeira etapa ocorreu durante o horário de trabalho, num auditório do hospital, em oito seções, com média de 10 profissionais em cada seção. Houve a participação de todos os 78 profissionais de enfermagem conforme planejado pela coordenação de enfermagem. Não houve critérios de exclusão nessa etapa. Realizou-se aula expositiva por meio do programa Microsoft Power Point^® (30 minutos), com ênfase nos resultados das variáveis estudadas no grupo pré-intervenção e nos fatores de risco e cuidados para prevenção das complicações evidenciadas no estudo, os quais foram discutidos à luz das evidências científicas.

O segundo momento teve duração de 60 minutos durante os quais foi realizada a simulação clínica de baixa fidelidade sobre a implementação eficaz das técnicas de flushing, push-pause e locking¹²-¹³ com os seguintes recursos: manequim, cateter venoso peiriférico curto sobre agulha, extensor intermediário de duas vias com pinça tipo clamp (corta fluxo) e luer lock (rosca dupla), seringa de 10ml com luer lock e ampola de soro fisiológico a 0,9% (SF 0,9%). Inicialmente, o pesquisador demonstrava as técnicas e, em seguida, cada profissional as executava sob supervisão direta do pesquisador. Quando necessário, realizavam-se novamente as orientações pertinentes para correção de falhas, e o profissional repetia a técnica até realizar corretamente e relatar segurança na execução. Na última etapa da seção, oportunizou-se espaço para os profissionais esclarecerem suas dúvidas, não elucidadas anteriormente e relataram sobre o aprendizado adquirido, as dificuldades e os benefícios de implementação das técnicas na prática clínica.

Na segunda etapa - grupo pós-intervenção - utilizou-se o mesmo método descrito anteriormente no grupo pré-intervenção em relação aos critérios de inclusão e exclusão dos pacientes, as variáveis de estudo, o instrumento de coleta dos dados, a utilização das escalas para avaliação de flebite e infiltração¹⁴-¹⁵, a avaliação das complicações pelos pesquisadores e o uso de fontes secundárias.

No grupo pós-intervenção, a técnica de flushing, ou seja, a lavagem do cateter foi realizada através da administração manual com uso de seringa de 10ml preenchida com SF 0,9% pelo lúmen do cateter, com um volume equivalente a duas vezes o lúmen do cateter e do extensor intermediário de duas vias, isto é, em torno de 5ml para o cateter venoso periférico⁴,⁹,¹². A técnica push-pause (pulsátil) foi realizada em associação ao flushing por meio da aplicação de uma pressão intermitente e rápida no êmbolo da seringa enquanto era administrado todo o volume de SF 0,9%. A técnica de locking consistiu no fechamento do clamp do extensor intermediário de duas vias simultaneamente ao término da administração dos últimos mililitros de SF 0,9% durante o flushing com a técnica push-pause, ou seja, antes de desconectar a seringa do extensor intermediário de duas vias do cateter⁴,¹²-¹³. Na figura 1 é apresentada a representação esquemática da operacionalização do estudo.

Figura 1
Representação esquemática da operacionalização do estudo, Viçosa, MG, Brasil, 2020

Os dados pré e pós-intervenção foram analisados por meio de estatística descritiva, expressos em frequência relativa, absoluta, medidas de tendência central (média e mediana) e dispersão (desvio-padrão e quartis) e, também, pela estatística inferencial. Utilizou-se o software Statistical Package for the Social Sciences, v. 24. A normalidade da distribuição dos dados foi avaliada com base no teste de Kolmogorov-Smirnov. A média de idade dos participantes foi comparada pelo teste T de Student para amostras independentes. A mediana do tempo de internação dos pacientes foi comparada por meio do teste de Mann-Whitney. Foram calculadas as incidências de complicações antes e após a intervenção educativa. As comparações das variáveis relacionadas ao cateter venoso periférico entre os grupos foram realizadas pelos testes do Qui-quadrado de Pearson e Exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de p<0,05.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa. Parecer n.º 2.965.478/2018.

RESULTADOS

No grupo pré-intervenção foram avaliados 75 pacientes, totalizando 181 cateteres venosos periféricos e no grupo pós-intervenção 98 pacientes, com 157 cateteres. Em relação às características dos pacientes, verificou-se homogeneidade entre os grupos alicerçada na comparação da idade e do tempo de internação. A média de idade dos pacientes foi de 66,9 anos (±17,2) no grupo pré-intervenção e de 65,5 anos (±18,8) no grupo pós-intervenção (p=0,479). Em relação ao tempo de internação, a mediana foi de nove dias (Q₁=5; Q₃=16) entre os pacientes do grupo pré-intervenção e de sete dias (Q₁=4; Q₃=12) entre os pacientes do grupo pós-intervenção (p = 0,204).

Participaram da intervenção educativa os 78 profissionais de enfermagem (10 enfermeiros, 67 técnicos e um auxiliar de enfermagem). Na amostra analisada, 60 (77,0%) eram mulheres com média de idade de 37,5 anos (20 a 66 anos, ±8,9), e 58 (74,5%) trabalhavam na instituição há menos de cinco anos. Em relação à capacitação, 56 (71,8%) profissionais participaram de curso sobre cateter venoso recentemente e 46 (59,0%) sobre flushing em algum momento da formação profissional.

A primeira parte do estudo apontou que a obstrução era a complicação de maior incidência no grupo pré-intervenção (20,4%). Depois de realizada a intervenção educativa, utilizando as técnicas de flushing, push-pause e locking, a incidência de obstrução reduziu de 20,4% para 4,5% (p<0,001). No entanto, verificou-se aumento na incidência de infiltração passando de 9,4% para 17,8% (p=0,023) (Tabela 1).

Tabela 1
Incidência de complicações nos cateteres venosos periféricos nos grupos pré e pós-intervenção. Viçosa, MG, Brasil, 2020

Complicações	Pré-intervenção (n=181)	Pós-intervenção (n=157)	p*
	n (%)	n (%)
Obstrução	37 (20,4)	7 (4,5)	<0,001
Infiltração	17 (9,4)	28 (17,8)	0,023
Remoção acidental	27 (15,0)	17 (10,8)	0,265
Flebite	4 (2,2)	3 (1,9)	0,847
Flebite pós-remoção	3 (1,6)	1 (0,6)	0,627

• ^*
  Teste Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher
Fonte: Autores (2020).

Na análise comparativa das características dos cateteres venosos periféricos que apresentaram, ou não, obstrução, nos grupos pré e pós-intervenção não foram encontradas diferenças em relação ao local de inserção, calibre do cateter e tempo de permanência do cateter (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre o calibre, local de inserção e tempo de permanência do cateter venoso periférico e a ocorrência de obstrução nos grupos pré e pós-intervenção. Viçosa, MG, Brasil, 2020

Variáveis	Pré-Intervenção Obstrução n(%)		p*	Pós-Intervenção Obstrução n(%)		p*
	Sim (n=37)	Não (n=144)		Sim (n=7)	Não (n=150)
Calibre do cateter† (Gauge)
18	-	4 (2,78	0,583	-	1 (0,6)	1,000
20	8 (21,6)	34 (23,6)	0,798	1 (14,2)	60 (40,0)	0,252
22	28 (75,6)	97 (67,3)	0,329	6 (85,7)	88 (58,6)	0,245
24	1 (2,7)	9 (6,2)	0,690	-	1 (0,6)	1,000
Local de inserção do cateter†
Dorso da mão	12 (32,4)	47 (32,6)	0,981	3 (42,8)	46 (30,6)	0,678
Antebraço	17 (45,9)	75 (52,0)	0,582	3 (42,8)	78 (52,0)	0,713
Fossa antecubital	2 (5,4)	4 (2,7)	0,604	1 (14,2)	12 (8,0)	0,461
Braço	6(16,2)	18 (12,5)	0,552	-	14 (9,3)	1,000
Tempo de permanência do cateter† (dias)
≤ 24 horas	5 (13,5)	7 (4,8)	0,129	-	4 (2,6)	1,000
1	8 (21,6)	37 (25,9)	0,766	1 (14,2)	38 (25,3)	0,890
2	13 (35,1)	45 (31,2)	0,799	3 (42,8)	36 (24,0)	0,474
3	7 (18,9)	20 (13,8)	0,612	2 (28,5)	26 (17,3)	0,727
4	4 (10,8)	30 (20,8)	0,242	1 (14,2)	42 (28,0)	0,765
5	-	5 (3,4)	0,628	-	4 (2,6)	1,000

• ^*
  Teste Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher;
• ^†
  Cateter - Cateter Venoso Periférico
Fonte: Autores (2020).

Em relação às variáveis relacionadas à infiltração, verificou-se que em ambas as amostras houve diferença estatisticamente significativa apenas entre o tempo de permanência do cateter igual a 96 horas (quatro dias) e a proporção de cateteres que apresentaram ou não infiltração (p=0,048 e p=0,001 respectivamente) (Tabela 3).

Tabela 3
Associação entre calibre, local de inserção e tempo de permanência dos cateteres venosos periféricos e a ocorrência de infiltração nos grupos pré e pós-intervenção. Viçosa, MG, Brasil, 2020

Variáveis	Pré-Intervenção Infiltração n(%)		p*	Pós-Intervenção Infiltração n(%)		p*
	Sim (n=17)	Não (n=164)		Sim (n=28)	Não (n=129)
Calibre do cateter†(Gauge)
18	-	4 (2,4)	1,000	1 (3,5)	-	0,161
20	3 (17,6)	39 (23,7)	0,766	9 (32,1)	48 (37,2)	0,934
22	12 (70,5)	113 (68,9)	0,886	13 (46,4)	77 (59,6)	0,495
24	2 (11,7)	8 (4,8)	0,239	1 (3,5)	-	0,161
Não informado	-	-		4 (14,2)	4 (3,1)	-
Local de inserção do cateter†
Dorso da mão	6 (35,2)	53 (32,3)	0,803	11 (39,2)	38 (29,4)	0,309
Antebraço	-	6 (3,6)	1,000	14 (50,0)	67 (51,9)	0,852
Fossa antecubital	9 (52,9)	83 (50,6)	0,855	1 (3,5)	12 (9,3)	0,466
Braço	2 (11,7)	22 (13,4)	1,000	2 (7,1)	12 (9,3)	1,000
Tempo de permanência do cateter† (dias)
≤ 24 horas	1 (5,8)	11(6,7)	1,000	1 (3,5)	3 (2,3)	1,000
1	7 (41,1)	38 (23,1)	0,180	11 (39,2)	28 (21,7)	0,087
2	6 (35,2)	52 (31,7)	0,977	8 (28,5)	31 (24,0)	0,793
3	2 (11,7)	25 (15,2)	1,000	7 (25,0)	21 (16,2)	0,412
4	-	34 (20,7)	0,048	1 (3,5)	42 (32,5)	0,001
5	1 (5,8)	4 (2,4)	0,786	-	4 (3,1)	0,904

• ^*
  Teste Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher;
• ^†
  Cateter - Cateter Venoso Periférico
Fonte: Autores (2020).

DISCUSSÃO

A amostra estudada é constituída, na sua maioria, de idosos com média de idade de 66,9 e 65,5 anos (pré e pós-intervenção respectivamente), similar à de outros contextos⁷-⁸,¹⁹. Conhecer o perfil dos pacientes é de extrema importância para o planejamento dos cuidados de enfermagem na punção venosa periférica, pois com o envelhecimento ocorre diminuição do turgor e da elasticidade da pele devido à deficiência de colágeno, além de aumento da sensibilidade capilar, e, consequentemente, do risco de sangramento e formação de hematoma, entre outras alterações²⁰. Tais características são fundamentais para o processo de cuidados, para a tomada de decisão sobre a utilização ou não de garrote/torniquete, para a escolha do tipo de cateter, seleção do calibre e do local da punção venosa, e tipo de cobertura adesiva para fixação do cateter na pele, e sobre a periodicidade da avaliação do local de inserção.

Com relação à complicação mais comum dos cateteres venosos periféricos, a amostra da primeira etapa do estudo mostrou que a obstrução foi o principal incidente com resultados consideravelmente superiores aos descritos pela literatura¹,⁶,⁸. A ocorrência de obstrução resulta em alguns desfechos negativos, como a impossibilidade de administração de medicamentos; o insucesso na desobstrução, por sua vez, resulta na remoção do cateter com consequente aumento nos custos e risco de estresse para paciente e profissional de enfermagem, além do risco de trauma vascular periférico para o paciente devido à necessidade de uma nova punção venosa e aumento do tempo de assistência de enfermagem²¹.

Não foi verificada associação entre obstrução e o calibre e nem entre o local de inserção e os dias de permanência do cateter. Um ensaio clínico diverge desse resultado, pois verificou que a realização do flushing de forma intermitente com SF0,9% aumenta o tempo de permanência do cateter quando comparado com a sua ausência²².

O presente estudo evidenciou uma menor incidência de obstrução (4,5%) após a intervenção educativa sobre as técnicas de flushing, push-pause e locking com seringa de 10ml preparada manualmente com SF 0,9% (p=0,000), corroborando os resultados de outro estudo que utilizou seringas pré-preenchidas com SF 0,9%⁶. Cabe mencionar que no presente estudo não se pode afirmar que as referidas técnicas foram realizadas em todos os momentos recomendados, ou seja, antes, entre e após cada medicamento, hemoderivados/hemocomponentes e punção venosa, pois não foi objeto dessa investigação.

A realização da técnica de flushing pulsátil no cateter com SF 0,9% antes, entre e após a administração de medicamentos é um cuidado de enfermagem que visa avaliar, manter a permeabilidade e prevenir a obstrução do cateter. Para realizar o flushing pulsátil, recomenda-se a utilização de SF 0,9% e um volume equivalente a duas vezes o lúmen do cateter e de suas conexões/extensão⁹,¹². Todavia, o profissional deve considerar alguns fatores em relação ao volume de SF 0,9% ao realizar o flushing: prescrição de restrição hídrica; diagnóstico médico de insuficiência cardíaca ou renal; calibre, tipo e tamanho do cateter; características da solução endovenosa; idade do paciente; coleta de sangue; e administração de soluções viscosas, de contraste ou de hemocomponentes/hemoderivados, pois podem requerem maior volume de SF 0,9% devido à densidade/viscosidade¹².

A incidência de infiltração evidenciada foi similar às taxas de outros estudos¹-²,¹⁰. O monitoramento das condições da pele e tecidos próximos ao cateter é extremamente importante para detectar precocemente a infiltração e a tomada de decisão¹⁵.

Em relação à associação da ocorrência de infiltração e o tempo de permanência, verificou-se uma menor proporção de infiltração entre os pacientes que permaneceram com o cateter instalado por 96 horas em ambos os grupos. O uso de escalas validadas, como a de infiltração poderá auxiliar o monitoramento, a avaliação, a aferição e documentação dos graus de infiltração e detecção precoce dos primeiros sintomas para tomada de decisão, a fim de proceder à remoção do cateter e tratar o evento adverso, se necessário, prevenindo a evolução para graus mais elevados e com maior risco de dano tecidual¹⁵.

Outras investigações são necessárias para analisar a influência do flushing pulsátil na incidência de infiltração, pois houve um aumento significativo (p=0,023) no grupo pós-intervenção (17,7%). Não se identificaram estudos que associaram a técnica de flushing pulsátil aos fatores de risco para infiltração¹⁰. Está técnica é considerada a mais eficiente para limpeza do cateter e prevenção da obstrução e se fundamenta na tensão de cisalhamento da solução na parede do cateter²³. No entanto, um estudo experimental observou que o flushing uniforme produziu menos danos ao endotélio vascular e tecidos circundantes quando comparado ao flushing pulsátil e menor taxa de infiltração¹³.

A baixa incidência de flebite no presente estudo pode ter sido influenciada pela remoção do cateter ao completar 96 horas no local de inserção conforme estabelecido no protocolo da instituição estudada. Em outras pesquisas em contextos similares, a taxa foi de 4,6% a 44%²,¹⁰,²⁴-²⁵. Sugere-se a realização de investigações para avaliar a influência e custo-benefício da remoção programada a cada 96 horas na incidência de flebite e de outras complicações e estudos para validar as escalas de flebite e infiltração para a população brasileira, pois a versão disponível, até o momento, foi validada para a população portuguesa¹⁵-¹⁶.

A remoção acidental do cateter venoso periférico foi outra complicação evidenciada nesta investigação com incidência de 15% e 10,8% (pré e pós-intervenção respectivamente), similar a outros estudos e com taxas entre 3,8 a 10%¹-²,⁷. No entanto, essa complicação raramente é descrita e alvo de análise e discussão nos estudos.

O próprio paciente pode inadvertidamente remover acidentalmente o cateter, especialmente àqueles com idade avançada e diminuição de consciência, com quadros de confusão mental ou, ainda, pelo profissional de enfermagem durante a mobilização do paciente no leito ou na higiene corporal, por exemplo. Ademais, a remoção acidental do cateter pode estar associada à umidade e ao tipo e qualidade da cobertura utilizada na fixação do cateter na pele. Tais fatores podem comprometer a segurança do paciente, pois durante o tempo transcorrido entre a remoção do cateter e a identificação do problema pelo profissional, a terapêutica endovenosa prescrita não é administrada. Outrossim, a remoção inadvertida do cateter sem alinhamento com a pele expõe o paciente ao risco de trauma vascular periférico e risco de comprometimento da integridade da pele e tecidos adjacentes ao local de inserção. A ausência de compressão no local após a remoção do cateter expõe o paciente ao risco de sangramento na área³,¹⁴,²⁶. Portanto, os fatores de risco para a remoção acidental do cateter necessitam serem investigados para subsidiarem recomendações de cuidados para prevenção.

O presente estudo aponta lacunas nas evidências sobre os fatores de riscos para a obstrução do cateter, nomeadamente, em relação a alguns tipos de soluções administradas, pois apresentam maior densidade e viscosidade, como as soluções de contraste, os hemocomponentes/hemoderivados e, ainda, em relação aos respectivos volumes de SF 0,9% necessários para realizar o flushing com eficácia para cada tipo de solução. Portanto, sugere-se a realização de pesquisas para melhorar as evidências e contribuir para as práticas de enfermagem no âmbito do cateterismo venoso periférico.

Como limitações do presente estudo, consideram-se: os dados serem de um único serviço; a amostra não probabilística; a ausência de escalas validadas para a população brasileira para avaliar os sinais/sintomas e os graus de flebite e infiltração. Outras limitações foram: ausência de interobservadores para avaliar os sinais/sintomas das complicações e os respectivos graus de flebite e infiltração; a necessidade de utilizar dados de fontes secundárias diferentes do prontuário sobre a ocorrência de obstrução e remoção acidental (horário da inserção e remoção do cateter), como consultar verbalmente os profissionais de enfermagem responsável pelo paciente ou o próprio paciente/acompanhante, pois nem sempre os dados estavam descritos no prontuário, repercutindo na confiabilidade dos dados; e a não avaliação das características das soluções administradas no cateter também se configura como limitação, pois esse é um importante fator de rico para a ocorrência de complicações.

CONCLUSÃO

A obstrução, associada ao uso de cateter venoso periférico no grupo pré-intervenção, foi a complicação de maior incidência, e a infiltração aumentou significativamente no grupo pós-intervenção.

A intervenção educativa possibilitou mudanças nas práticas de enfermagem com a implementação das técnicas de flushing, push-pause e locking, e os resultados do grupo pós-intervenção revelaram significativa redução na incidência de obstrução do cateter venoso periférico. O conhecimento dos indicadores de resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem e à educação permanente contribuíram para melhorar as práticas de enfermagem e os resultados em saúde.

Como contribuições desta pesquisa, destacam-se a troca de saberes e as mudanças ocorridas nas práticas de enfermagem no serviço pós-intervenção educativa, as quais foram fundamentadas nas melhores evidências disponíveis. Além disso, a pesquisa contribuiu com informações para avaliação e planejamento de intervenção para reduzir a ocorrência de complicações relacionadas ao cateterismo venoso periférico bem como para melhorar a segurança do paciente e a qualidade dos cuidados de enfermagem.

AGRADECIMENTOS

Nossos agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsa de Iniciação Científica (Processo: 40404272719).

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Editora associada: Luciana Nogueira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Nov 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  16 Out 2021
• Aceito
  24 Maio 2022