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PROTOCOLOS PARA ATENDIMENTO DE SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: SUBSÍDIOS PARA TRANSFORMAÇÃO DA ASSISTÊNCIA

RESUMO

Objetivo:

analisar as repercussões no atendimento em saúde mental pela implantação de Protocolos de Conduta Assistencial em Unidade Básica de Saúde, em Juiz de Fora - MG - BR.

Método:

estudo histórico-social, realizado no ano de 2018, tendo por fontes diretas, documentos escritos e depoimentos orais, analisadas pelos pressupostos da Reforma Psiquiátrica.

Resultados:

apresentam-se as categorias: a) Reorganização da assistência em saúde mental por implantação de Protocolos de Conduta; b) Processo de referência e contrarreferência entre Unidade Básica de Saúde e serviços de atenção especializada em saúde mental; c) Transformação da assistência em saúde mental.

Conclusão:

protocolos organizaram a rede de atenção em saúde mental, sustentando a capacitação multiprofissional, introduzindo atenção primária à saúde como porta de entrada para acolhimento, tratamento e acompanhamento em saúde mental territorial.

DESCRITORES:
Serviços Comunitários de Saúde Mental; Atenção Primária à; Saúde; Centros de Saúde; Assistência à; Saúde Mental; Equipe de Assistência ao Paciente.

ABSTRACT

Objective:

to analyze the repercussions on mental health care due to the implementation of Care Conduct Protocols in a Basic Health Unit from Juiz de Fora (Minas Gerais - Brazil).

Method:

a historical-social study carried out in 2018, having as direct sources written documents and oral testimonies analyzed according to the assumptions of the Psychiatric Reform.

Results:

the following categories are presented: a) Reorganization of mental health care through the implementation of Conduct Protocols; b) Referral and counter-referral process between Basic Health Units and specialized mental health care services; and c) Transformation of mental health care.

Conclusion:

the protocols organized the mental health care network, supporting multiprofessional training, introducing Primary Health Care as a gateway to welcoming, treatment and monitoring in territorial mental health.

DESCRIPTORS:
Community Mental Health Services; Primary Health Care; Health Centers; Mental Health Care; Patient Care Team.

RESUMEN

Objetivo:

analizar las repercusiones que tiene sobre la atención en salud mental la implantación de Protocolos de Conducta Asistencial en una Unidad Básica de Salud de Juiz de Fora (Minas Gerais - Brasil).

Método:

estudio histórico-social, realizado en 2018, cuyas fuentes directas son los documentos escritos y testimonios orales analizados según los presupuestos de la Reforma Psiquiátrica.

Resultados:

se presentan las categorías: a) Reorganización de la atención en salud mental a través de la implantación de Protocolos de Conducta; b) Proceso de derivación y contraderivación entre la Unidad Básica de Salud y los servicios de atención especializada en salud mental; c) Transformación de la atención en salud mental.

Conclusión:

los protocolos organizaron la red de atención en salud mental, apoyando la formación multidisciplinaria, instaurando la Atención Primaria de la Salud como puerta de entrada para la recepción, el tratamiento y seguimiento de la salud mental del territorio.

DESCRIPTORES:
Servicios Comunitarios de Salud Mental; Atención Primaria de la Salud; Centros de Salud; Atención de la Salud Mental; Equipo de Atención al Paciente.

INTRODUÇÃO

Até a década de 1980, o modelo de atenção à saúde mental no município de Juiz de Fora/Minas Gerais, era pautado exclusivamente na internação em hospitais privados, resultando em uma indústria de poder, produção de lucro, maus tratos e invisibilidade das pessoas em sofrimento psíquico. Consequentemente, a realidade juiz-forana de atenção em saúde mental ficou mundialmente conhecida por integrar o “corredor da loucura”, juntamente com as cidades de Barbacena e Belo Horizonte11 Heckert U. Reforma do sistema assistencial psiquiátrico de Juiz de Fora e região. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, Juiz de Fora. 2015;1(15):62-78.-22 Cordeiro GFT, Ferreira RGS, Almeida Filho AJ, Santos TCF, Figueiredo MAG, Peres MAA. Mental health care in primary health care during the psychiatric pre-reform period. Rev Min Enferm. [Internet]. 2019 [acesso em 11 ago 2021]; 23:e-1228. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1051102.
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Por efeito da forte tradição manicomial, o processo de implantação da Reforma Psiquiátrica (RP) em Juiz de Fora iniciou com importante movimento social de trabalhadores de saúde. As iniciativas reformistas em busca da atenção à saúde mental em âmbito comunitário tomaram força depois de reiteradas denúncias ao Ministério da Saúde (MS) que refletiram no fechamento gradual dos hospitais psiquiátricos. Neste contexto, o ano de 1997 demarca um avanço importante no campo assistencial, através de uma iniciativa de reformulação da assistência em saúde mental, com objetivo de acolher na comunidade as pessoas desospitalizadas22 Cordeiro GFT, Ferreira RGS, Almeida Filho AJ, Santos TCF, Figueiredo MAG, Peres MAA. Mental health care in primary health care during the psychiatric pre-reform period. Rev Min Enferm. [Internet]. 2019 [acesso em 11 ago 2021]; 23:e-1228. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1051102.
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A reformulação da assistência na cidade foi conduzida pelos diretores e coordenadores do Instituto de Saúde Mental, com apoio da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, Ministério da Saúde, profissionais de saúde da Prefeitura, professores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em conjunto com o Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital Universitário, que trouxe como proposta a criação e implantação de Protocolos de Conduta do Sistema Municipal de Saúde Mental de Juiz de Fora (SMSM/JF), cuja intenção era promover a articulação entre os níveis de atenção em saúde, primário, secundário e terciário22 Cordeiro GFT, Ferreira RGS, Almeida Filho AJ, Santos TCF, Figueiredo MAG, Peres MAA. Mental health care in primary health care during the psychiatric pre-reform period. Rev Min Enferm. [Internet]. 2019 [acesso em 11 ago 2021]; 23:e-1228. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1051102.
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O movimento social assim como os autores, trabalhadores e gestores da cidade tiveram participação ativa por meio de reuniões, conferências, fóruns e outros encontros que possibilitaram a desospitalização dos usuários internados em longa permanência.

O mérito estava em investir no atendimento em conformidade com os princípios da universalidade da assistência, equidade no acesso e integralidade das ações, subsidiadas pelo SUS. O objetivo categórico era tornar a Unidade Básica de Saúde (UBS) a porta de entrada, primeira instância de atenção em saúde mental, para acolher, tratar e acompanhar às pessoas em sofrimento psíquico e seus familiares na área de moradia. Os Protocolos consistiam num manual que ficou conhecido como “Livro Verde”, devido à cor de suas páginas e serviam para instrumentalizar a equipe multiprofissional na atenção básica e demais níveis, para atender no contexto da desospitalização e redução de leitos psiquiátricos33 Instituto de Saúde Mental (BR). Protocolos de Conduta do Sistema Municipal de Saúde Mental de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora; 2000..

Em suas folhas encontrava-se um guia de consultas rápidas às principais comorbidades encontradas no processo de desospitalização, nos diferentes níveis e dispositivos assistenciais. Identifica-se um fluxograma geral de atenção à saúde mental nas UBS, o qual direcionava a identificação dos grupos de risco e orientava esquematicamente as condutas: cuidar, encaminhar ou supervisionar. Por fim, havia capítulos específicos que versavam sobre o Serviço de Urgências Psiquiátricas; Entrevista Motivacional; Psicofármacos na Atenção Primária e a Psicologia do Adoecer33 Instituto de Saúde Mental (BR). Protocolos de Conduta do Sistema Municipal de Saúde Mental de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora; 2000..

Para tornar viável o uso dos Protocolos de Conduta como guia para a assistência em saúde mental, foi necessária a articulação entre o novo sistema de atenção em saúde mental, com os Centros Regionais de Referência em Saúde Mental (CRRESAM), e os Programas Especiais de Saúde Mental (PROESAM). Os CREESAM destinavam-se à assistência em saúde mental de nível secundário e funcionavam como instâncias fundamentais no processo de supervisão e acompanhamento nessa especialidade. Tinham objetivos operacionais relacionados às ações de referência e contrarreferência, organizando o fluxo de usuários, bem como supervisionavam as equipes da UBS. Já os PROESAM eram responsáveis pela oferta de tratamentos específicos para cada grupo de transtornos mentais, segundo as patologias classificadas pelo Código Internacional de Doenças (CID 10), a fim de elaborar um projeto terapêutico e definir parâmetros de priorização, relativos à peculiaridade de cada caso. Embora muito se assemelhasse aos ambulatórios psiquiátricos, vistos como ponto de partida o modelo biomédico, possibilitaram um remanejamento da rede33 Instituto de Saúde Mental (BR). Protocolos de Conduta do Sistema Municipal de Saúde Mental de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora; 2000.. Destaca-se que a criação do apoio matricial só vem a se dar anos depois, em 201444 Poço JLC, Amaral AMM. Mental health care in the primary health care system in a system of reference and counter-reference: the case of the Padre Roberto Spawen basic health unit - SUS/Juiz de Fora. Revista APS. [Internet]. 2005 [acesso em 01 abr 2021]; 8(1):25-37. Disponível em: http://www.ufjf.br/nates/files/2009/12/InsercaoSmental.pdf.
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-55 Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017..

As estratégias desinstitucionalizantes empreendidas no município trouxeram subsídios para compreensão da história da saúde mental no Brasil e descreve interfaces propostas pela Atenção Primária à Saúde (APS), relevantes para o processo de difusão de ideias antimanicomiais por gestores e trabalhadores de saúde mental na sociedade, evidenciando tal movimento como anterior às leis nacionais que normatizaram e incentivaram a desinstitucionalização no país.

Ao comemorarmos 20 anos de promulgação da Lei n°.10.216/2001 é fundamental olhar para a construção do campo psicossocial no Brasil. Vivemos um momento político que viabiliza um processo de contrarreforma psiquiátrica, exposto na Resolução do Ministério da Saúde, nº 32/2017(66 Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 32, de 14 de dezembro de 2017. Estabelece as diretrizes para o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). [Internet] 2017 [acesso em 02 abr. 2021]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/gestao-do-sus/articulacao-interfederativa/cit/resolucoes/2017/resolu-o-cit-n-32.pdf/view.
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), que incluiu na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) os hospitais psiquiátricos especializados, dentre outras diretrizes para a sua sustentação, o que torna urgente produções e ações para fomentar as discussões acerca dos direitos humanos das pessoas em sofrimento psíquico. É necessário reafirmar cientificamente a potência dos serviços substitutivos ao manicômio, dentre eles a inclusão da assistência em saúde mental na UBS, consolidada como dispositivo imprescindível na RAPS. Esse estudo tem como objetivo analisar as repercussões no atendimento em saúde mental pela implantação de Protocolos de Conduta Assistencial em Unidade Básica de Saúde, em Juiz de Fora - MG - BR.

MÉTODO

Estudo histórico social desenvolvido sob a perspectiva da História do Tempo Presente que não renuncia aos documentos escritos e considera a história oral como forma de produzir dados de recuperação da história, considerando a memória de quem viveu e participou dos fatos77 Ferreira MM. História, tempo presente e história oral. Topoi. [Internet]. 2002 [acesso em 02 abr. 2021]; 3(5): 314-332. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2237-101X003006013.
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. O corpus documental foi constituído de fontes históricas diretas escritas e orais, e fontes indiretas que subsidiaram a discussão dos resultados.

O recorte temporal compreende o ano de 1997, quando foram implantados os Protocolos de Conduta na UBS da região Oeste de Juiz de Fora, e finaliza em 2001, ano em que foi sancionada a Lei n.º 10.216, que orientou a substituição do modelo de atendimento manicomial para o psicossocial.

O cenário de investigação foi em uma UBS localizada na região Oeste do município de Juiz de Fora, onde foi implantado o projeto-piloto de utilização dos Protocolos de Conduta, que se expandiu para demais UBS da cidade. Na época dessa implantação, o atendimento às pessoas em sofrimento psíquico na UBS era realizado pela equipe de saúde composta por enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistente social, médicos clínicos gerais, psiquiatras, psicólogos e farmacêuticos, além da equipe administrativa.

Os documentos escritos foram constituídos por documentos do SMSM/JF, incluindo os Protocolos de Conduta e documentos relacionados à reformulação da assistência em saúde mental na APS. Com objetivo de evidenciar o fenômeno histórico foram produzidos documentos com fontes orais, a partir de entrevistas com seis participantes, profissionais envolvidos com a implantação dos Protocolos na UBS. Os participantes foram identificados através dos documentos e indicados por profissionais do município, sendo adotados os seguintes critérios de inclusão: ter atuado na gestão dos Protocolos de Conduta do SMSM/JF ou como profissional de saúde na UBS da região Oeste de Juiz de Fora, no período da implantação desses Protocolos. Foram excluídos da pesquisa os profissionais que ingressaram na UBS no marco final do estudo (2001). As fontes indiretas foram constituídas de artigos sobre a temática.

Todos os documentos passaram pelo processo de digitalização e foram organizados em pastas nomeadas de acordo com a temática. Para análise das fontes escritas foi utilizado um Instrumento para exame de fonte escrita, construído pela pesquisadora para auxiliar no tratamento das informações. Consideraram-se as seguintes regras e critérios: pertinência, suficiência, exaustividade, representatividade, homogeneidade, organização do corpus documental por setores88 Barros JDA. A fonte histórica e seu lugar de produção. Cad. Pesq. Cdhis. [Internet]. 2012 [acesso em 02 abr. 2021];25(2):407-429. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/321016619.
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A história oral temática foi a técnica de coleta de dados orais99 Meihy JCSB, Holanda F. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto; 2013.. Entrevistas norteadas por um roteiro semiestruturado foram realizadas de maio a julho de 2018, com duração média de 50 minutos. Posteriormente foram transcritas e validadas pelos participantes, após leitura do material textualizado, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O local das entrevistas foi definido pelos participantes. Para identificação das entrevistas, foi utilizada a letra inicial da sua profissão, seguida do número correspondente à ordem sequencial das entrevistas: enfermeiro (E3), Médico (M4; M5; M6), Assistente Social (AS1); Auxiliar de Enfermagem (AE2).

A análise foi realizada pelos procedimentos conceituados como crítica interna e externa, para eliminar eventuais divergências quanto à origem e conteúdo das fontes e estabelecer os critérios de confiabilidade do estudo99 Meihy JCSB, Holanda F. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto; 2013.. Nessa etapa, realizou-se a triangulação de todas as fontes, a fim de se estabelecer um movimento dialético, possibilitando melhor compreensão dos resultados obtidos. Os dados levantados foram organizados de forma cronológica para que fosse realizada a interpretação da história, de acordo com os objetivos a serem atingidos pela pesquisa.

A última etapa metodológica consistiu na discussão dos dados interpretados à luz de autores que defendem os conceitos que sustentam o movimento de RP e as ações de saúde mental na atenção primária. Emergiram as seguintes categorias: a) Reorganização da assistência em saúde mental através da implantação de Protocolos de Conduta; b) Processo de referência e contrarreferência entre a Unidade Básica de Saúde e os serviços de atenção especializada em saúde mental; c) Transformação da assistência em saúde mental.

O estudo foi provado em Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente, com o parecer nº 4.845.403, datada em 14 de julho de 2021.

RESULTADOS

Reorganização da assistência em saúde mental através da implantação de Protocolos de Conduta

O contexto em que se deu a implantação dos Protocolos na UBS, foi à efervescência da saída das pessoas em sofrimento psíquico dos hospitais psiquiátricos, desbravada pela RP em Juiz de Fora, na década de 198044 Poço JLC, Amaral AMM. Mental health care in the primary health care system in a system of reference and counter-reference: the case of the Padre Roberto Spawen basic health unit - SUS/Juiz de Fora. Revista APS. [Internet]. 2005 [acesso em 01 abr 2021]; 8(1):25-37. Disponível em: http://www.ufjf.br/nates/files/2009/12/InsercaoSmental.pdf.
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. O município foi vanguardista em concentrar esforços para o alcance desta transformação paradigmática, somente possível pelo processo de ação-reflexão-ação dos seus atores sociais.

Os Protocolos foram fundamentais, porque emergiram do contexto da desospitalização. Foi necessário, pois incentivou a elaboração de uma estrutura ambulatorial de atenção eficiente (AS1).

Os Protocolos vieram em um contexto: a Reforma Psiquiátrica e a desospitalização. O atendimento deveria então acontecer para atender essa demanda, sobretudo na atenção específica em saúde mental inserida na atenção primária à saúde (E3).

A demanda de saúde mental sempre foi intensa, e anteriormente à implantação dos Protocolos de Conduta, o sistema era desorganizado (...) este modelo de atendimento se insere na questão maior, que é a desospitalização em saúde mental (M4).

Os Protocolos de Conduta serviam para simplificar o diagnóstico em áreas básicas, gerais. Permitiram o profissional da UBS a identificar aquele paciente que trazia, eventualmente, algum sofrimento psíquico e merecia uma atenção. Assim, ele era encaminhado com um direcionamento e diagnóstico básicos (M5).

Os profissionais da UBS localizada na região Oeste reconheceram que foram necessárias intervenções que viabilizassem o processo de recepção das pessoas em sofrimento psíquico desospitalizadas, pois antes de chegarem à UBS encontravam-se inseridas em um espaço cercado de práticas coercitivas. Neste sentido, a interdisciplinaridade, objetivou a reorganizar a assistência e gestão dos Protocolos de Conduta para inserir a assistência em saúde mental nas atribuições da atenção primária:

Os Protocolos foram criados por uma equipe multidisciplinar (...) discutimos e apresentamos sugestões em relação ao que poderia ser feito, reformulando o sistema (E3).

Havia profissionais de enfermagem, assistente social e médicos. Discutimos e gestamos as linhas gerais das ferramentas que seriam utilizadas, para criar hipóteses diagnósticas a serem utilizadas por profissionais médicos e não médicos, na atenção primária (M4).

A decisão de organização para implantar os Protocolos ocorreu mediante uma reunião, ainda na fase de formulação do sistema (...) participaram profissionais da equipe multiprofissional de quase todas as unidades, para que pudéssemos apresentar sugestões (M5).

Identifica-se a importância do diálogo entre os dispositivos de saúde, sobretudo quando se refere ao diagnóstico situacional de uma população, seus interesses e demandas de cuidado. Antes da criação dos Protocolos, havia uma preocupação de gestores e equipes em conhecer a clientela, seus problemas e necessidades que, no contexto analisado, destaca-se como situação-problema, o sofrimento psíquico.

O processo de referência e contrarreferência entre a Unidade Básica de Saúde e os serviços de atenção especializada em saúde mental

Os participantes reconheceram que os CRRESAM, juntamente com os PROESAM, responsáveis pela assistência especializada em saúde mental na atenção secundária, funcionavam como instâncias fundamentais da rede de atendimento em saúde mental:

Pensamos a forma de referência para as equipes de atenção secundária, os processos de contrarreferência, como se dariam e daí, colocávamos em prática, (...) e se expandiu para o município (M4).

Quando se concebeu uma RP, a ideia era de, não só retirar o paciente do hospital, mas se estabelecer um fluxo adequado, que significava ter uma porta de entrada definida e ter o mecanismo de referência e contrarreferência eficiente (M5).

Os CRRESAM recebiam estes pacientes das UBS (...) a função deles era de tentar definir o quadro do paciente encaminhado, se precisava ficar em atendimento com especialista: se sim, era encaminhado para o PROESAM; se não, ele seria contrarreferenciado em supervisão pelo CRRESAM. No mês seguinte, a equipe levava o caso e fazia a devolutiva explicitando para a equipe de atenção primária o que deveria ser feito (M6).

A referência e contrarreferência são apresentadas pelos participantes com frequência, cabendo destacar, o amadurecimento desses profissionais na tentativa de reorganizar o fluxo assistencial no sistema de saúde, tomando a UBS porta de entrada preferencial para assistência em saúde mental no território, de acordo com a regionalização.

Transformação da assistência em saúde mental

A conexão assumida entre a clínica da saúde mental e a assistência no nível primário de saúde, a partir da implantação e desenvolvimento dos Protocolos de Conduta:

(...) aí está à importância de integrar ações de saúde mental à saúde de forma integral (...) a saúde mental faz parte do atendimento à saúde, é uma especialidade como qualquer outra (M6).

Os Protocolos humanizaram o atendimento, foi possível encaminhar e ter contato, saber o que aconteceu com a pessoa (E3).

Comparando-se o hospital psiquiátrico e a UBS, na UBS ocorreu o acolhimento melhor do que no hospital. Antes de 1990, não havia atendimento na UBS. Chegava-se, ao pronto-socorro com queixas e encaminhava-se ao para o hospital psiquiátrico. Com o atendimento na UBS, as pessoas sequer iam ao hospital (AE2).

Neste sistema, tinha o encaminhamento, onde era marcado, o controle se o paciente era atendido ou não, tínhamos retorno (...) (M4).

Para os pacientes foi muito efetivo. Os Protocolos permitiam abordagens básicas. Se o paciente tinha um perfil mais grave, ele recebia o encaminhamento (para o nível secundário); se o perfil era uma demanda de assistência a nível primário, ele (também) recebia assistência (M5).

Os dados retratam a ampliação do atendimento de atenção à saúde, no sentido do todo, da interlocução de especialidades e demandas dos indivíduos. Somente atingindo esse patamar e senso crítico, os cenários são transformados e adequados à população, antes de quaisquer interesses políticos, paradigmas e legislações. Dessa forma, integra-se a esses conceitos, conforme a luta do movimento social reformista, interesses que se coadunam com as diretrizes e princípios do SUS, como a equidade, regionalidade, acesso a subjetividade humana, a integralidade, a participação social e seus atores.

DISCUSSÃO

A alta hospitalar de um número crescente de pessoas em sofrimento psíquico impulsionou uma discussão que deu início a um processo de articulação de redes e de oferta de apoio para que as UBS tivessem melhor condição de oferecer atenção em saúde mental.

A viabilização da assistência em saúde mental tornou-se possível nesse período, em Juiz de Fora, devido ao engajamento dos profissionais no planejamento e organização de uma estrutura ambulatorial. As mudanças discutidas nos campos jurídico-político e técnico-assistencial oportunizaram a reflexão para transformação do paradigma de assistência em saúde mental, em que o fundamental não foi apenas fechar o manicômio, mas abrir as portas da comunidade para acolher essas pessoas em território de pertencimento, tendo em vista a territorialização das UBS 55 Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017.,1010 Amarante P, Nunes MO. Psychiatric reform in the SUS and the struggle for a society without asylums. Ciênc. Saúde Colet. [Internet]. 2018 [acesso em 02 abr. 2021]; 23(6):2067-2074. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018.
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A criação dos Protocolos se fortificou pela ênfase na atenção primária em saúde mental, discutida pela IV Conferência Estadual de Saúde nos anos 2000, em que se objetivou a construção de uma rede de atenção regionalizada e hierarquizada. A proposta foi concebida a partir das UBS, referenciada aos CRRESAM sob acompanhamento dos PROESAM que, vinculada aos demais níveis de atenção do sistema de saúde, intencionava a promoção e continuidade da assistência33 Instituto de Saúde Mental (BR). Protocolos de Conduta do Sistema Municipal de Saúde Mental de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora; 2000..

A articulação entre os níveis de atenção em saúde, primário, secundário e terciário foi um dos avanços trazidos pelos Protocolos de Conduta, considerando as prerrogativas do SUS.

Em âmbito nacional, a partir das inquietações deflagradas pela RP, as equipes de saúde e a sociedade, para darem conta das transformações assinaladas, precisavam compreender que, ao permanecerem atrelados ao modelo manicomial, suprimiam a cidadania das pessoas em sofrimento psíquico1111 Alves MLF, Guedes HM, Martins JCA, Chianca TCM. Reference and counter reference network for emergency care assistance in a municipality in the countryside of Minas Gerais - Brazil. Rev Med Minas Gerais. [Internet] 2015 [acesso em 02 abr. 2021]; 25(4):469-475. Disponível em: http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150110.
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. A Reforma Sanitária e a RP não foram movimentos independentes e, ainda hoje, suas bases teórico-conceituais se retroalimentam no sentido de proporcionar atendimento igualitário e adequado, a partir da interlocução de rede de serviços1212 Garcia GDV, Zanoti-Jeronymo DV, Zambenedetti G, Cervo MR, Cavalcante MDMA. Healthcare professionals’ perception of mental health in primary care. Rev. Bras. Enferm. [Internet]. 2020 [acesso em 02 abr. 2021]; 73(1):e20180201. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-02011.
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No contexto em que se inseriu a implantação dos Protocolos de Conduta, no ano de 1997, se percebe a intencionalidade de conduzir os serviços de saúde em apoio ao processo de desospitalização, que não era simples em um município no qual o número de clínicas psiquiátricas privadas sustentava o poder econômico de um grupo médico influente1313 Barros S, Nóbrega MPSS, Santos JC, Fonseca LM, Floriano LSM. Saúde mental na atenção primária: processo saúde-doença, segundo profissionais de saúde. Rev. Bras. Enferm. [Internet]. 2019 [acesso em 02 abr. 2021]; 72(6):1609-1617. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0743.
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Na proposta de condução da assistência em saúde mental implantada pela SMSM/JF, o serviço deveria ser planejado e organizado a partir da consideração das variáveis multifatoriais que englobam a subjetividade de cada pessoa. Para isso, era fulcral uma integração de qualidade entre os membros da equipe de saúde, bem como, com os demais serviços da rede55 Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017..

É apontado na literatura que as especificidades e amplitudes de atendimento à saúde mental, por meio da interface com a APS, se complementam e engrandecem seu papel na oferta do cuidado integral, entretanto, ainda é comum a condução do cuidado pela medicalização. Ao olhar o processo aqui estudado é relevante notar a importância de estabelecer a rede de atenção em saúde mental juntamente com a rede de suporte aos profissionais da atenção primária1212 Garcia GDV, Zanoti-Jeronymo DV, Zambenedetti G, Cervo MR, Cavalcante MDMA. Healthcare professionals’ perception of mental health in primary care. Rev. Bras. Enferm. [Internet]. 2020 [acesso em 02 abr. 2021]; 73(1):e20180201. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-02011.
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O município investiu na oferta de assistência em saúde mental de modo que os profissionais tivessem suporte para o atendimento sem, no entanto, conseguir naquele momento preparar as equipes para ações desinstitucionalizantes, processo mais complexo que seria objeto de investimento posteriormente. A aceitação das equipes da UBS em seguir os Protocolos e a forma como os reconhecem como instrumentos para qualificar a atenção em saúde mental, eliminando condutas de reprodução de receitas e encaminhamentos, representa um passo transformador na assistência.

O objeto em estudo reflete uma mudança paradigmática no campo da RP por evidenciar que na percepção dos profissionais envolvidos com a implantação dos Protocolos de Conduta o saber médico deixou de ser único na organização da assistência e os demais membros da equipe ganharam espaço para contribuir na gestão desses Protocolos.

Juiz de Fora deu um passo à frente no campo da assistência em saúde mental, pois a possibilidade de discussão entre os profissionais tornou possível a troca de saberes através da fundamentação teórica que abarca as diversas especialidades o que qualifica os serviços pela horizontalidade nas relações entre os profissionais de saúde, os aproximando do conceito de equipe interdisciplinar1212 Garcia GDV, Zanoti-Jeronymo DV, Zambenedetti G, Cervo MR, Cavalcante MDMA. Healthcare professionals’ perception of mental health in primary care. Rev. Bras. Enferm. [Internet]. 2020 [acesso em 02 abr. 2021]; 73(1):e20180201. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-02011.
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A partir do instante em que ocorre uma transformação da atenção em saúde mental, paradigmática, abrem-se caminhos para substituir o modelo hospitalocêntrico, isolado e coercitivo, por outro multidisciplinar, territorial, comunitário, fazendo emergir nuances que se destacam e são postas como indissociáveis da vida, da saúde e do direito humano.

O trabalho em equipe é um dos desafios para uma assistência de qualidade e deve ser incrementado pela integração e conhecimento das possibilidades e limites de atuações, caracterizando o diálogo interdisciplinar, o qual favorece alternativas que contemplam os direitos humanos no território, através das trocas de experiências no movimento de construção coletiva, o que gera a integralidade do cuidado, sem hierarquização1313 Barros S, Nóbrega MPSS, Santos JC, Fonseca LM, Floriano LSM. Saúde mental na atenção primária: processo saúde-doença, segundo profissionais de saúde. Rev. Bras. Enferm. [Internet]. 2019 [acesso em 02 abr. 2021]; 72(6):1609-1617. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0743.
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Considera-se uma opção científica a possibilidade de incluir as condutas institucionalizantes, o estigma e o preconceito da “doença mental”, entre parênteses, com o objetivo de escutar as vozes dessas pessoas, fora de interpretações estereotipadas e pré-julgamentos, lançando luz nos sujeitos carregados de subjetividades, seus familiares e o não especialista em psiquiatria, essa concepção permite a relação terapêutica, para construção de um plano de liberdade1414 Basaglia F. Escritos selecionados em saúde mental e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Garamound; 2010.-1515 Santos LC, Domingos TS, Braga EM,Spiri WC. Mental health in primary care: experience of matrix strategy in the rural area. Rev. Bras. Enferm. [Internet]. 2020 [acesso em 02 abr. 2021]; 73(1): e20180236. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0236.
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Para garantir o acesso à assistência de saúde, como um dos princípios norteadores do SUS, é preciso pensar em saúde em seu conceito ampliado, é necessário lançar mão da prevenção e a promoção como aliados para a garantia do mesmo. A proposta dos Protocolos era descentralizar o cuidado, e a UBS como porta de entrada se tornando um importante dispositivo do atendimento em rede, o qual se baseava na promoção do cuidado de base territorial22 Cordeiro GFT, Ferreira RGS, Almeida Filho AJ, Santos TCF, Figueiredo MAG, Peres MAA. Mental health care in primary health care during the psychiatric pre-reform period. Rev Min Enferm. [Internet]. 2019 [acesso em 11 ago 2021]; 23:e-1228. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1051102.
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,1010 Amarante P, Nunes MO. Psychiatric reform in the SUS and the struggle for a society without asylums. Ciênc. Saúde Colet. [Internet]. 2018 [acesso em 02 abr. 2021]; 23(6):2067-2074. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018.
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A articulação entre a UBS e os demais níveis de assistência colocados em prática em Juiz de Fora, na atualidade, são reconhecidos como apoio matricial em saúde e têm como foco a produção de saúde e construção compartilhada entre as clínicas. Esse modelo de assistência possibilita as transformações do processo de trabalho através da corresponsabilização do cuidado, entre as equipes que compõem as instâncias de atenção à saúde no território1616 Dantas NF, Passos ICF. The matrix support in mental health in the health unified system of Belo Horizonte: perspective of workers. Trab. Educ. Saúde. [Internet]. 2018 [acesso em 02 abr. 2021];16(1): 201-20. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00097.
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Os profissionais que gestaram os ‘Protocolos’ compreendiam a saúde mental como uma especialidade que demandava cuidados, como qualquer outra clínica. Isto foi possível, dado o fortalecimento do sistema de referência e contrarreferência, hoje nomeado articulação em rede, o qual se caracteriza pela tentativa de organizar o acesso ao sistema secundário de saúde, avaliação, triagem, encaminhamento e ampliação do cuidado aos agravos.

Juiz de Fora inovou no campo da assistência em saúde mental, ao incluir o sofrimento psíquico no arcabouço de necessidades de cuidado ofertado na UBS, identificado como política pública na década de 90. Corrobora com o exposto, a reflexão de que a assistência em saúde mental se mostra efetiva quando oportuniza a liberdade de convivência social, e amplia a troca através do pleno de exercício de democracia no território, possibilitando a produção de sentidos1717 Saraceno B. A reabilitação como cidadania. In: Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. 2. ed. Rio de Janeiro: TeCorá; 2001. p. 111-42..

Os Protocolos de Conduta foram pertinentes para a promoção do acolhimento na área de moradia das pessoas, viabilizando a humanização da assistência e promoção do vínculo como fator fundamental para continuidade do tratamento. Impera a desinstitucionalização em sua dimensão assistencial, que abre espaço no território para assistir além da doença mental, ampliando as ações que colocam como prioridade a subjetividade de cada ser humano no cerne da cena55 Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017..

Os apontamentos ratificam o que vem sendo discutido nos últimos 20 anos, em que mais da metade dos serviços de atenção em saúde mental busca a atuação em rede, através da articulação com a APS, utilizando-se de estratégias de consultoria, algumas relacionadas a intervenções pontuais (consultas), outras voltadas para ações pedagógicas assistenciais, onde a equipe tem a possibilidade de discutir sobre os casos, e garantir a continuidade da assistência1818 Fernandes L, Basilio Nuno, Figueira S, Nunes JM. Saúde mental em medicina geral familiar - obstáculos e expectativas percecionados pelos Médicos de Família. Ciênc. Saúde Colet. [Internet]. 2017 [acesso em 02 abr. 2021];22(3):797-805. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.33212016.
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-1919 Longden E, Read J, Dillon J. Improving Community Mental Health Services: the need for a paradigm shift. Isr J Psychiatry Relat. Sci. [Internet]. 2016 [acesso em 02 abr. 2021]; 53(1):22-30. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28856876/.
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-2020 Franco SO, Büchele, F, Coelho EBS. Os profissionais de saúde mental e a reforma psiquiátrica. Cogitare Enferm [Internet]. 2008 [acesso em 02 abr. 2021]; 13:2. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/12490.
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Desde os anos de 1990 ocorre no Brasil o processo de regulamentação da assistência em saúde mental. Entretanto, apenas em 2001 sua dimensão jurídico-política é ratificada, via o marco legal estabelecido pela Lei nº 10.216, que transformou a Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), de base territorial e pautada no cuidado em liberdade, em uma política de Estado. A atenção psicossocial, por meio do conceito integralidade, estabelece a desinstitucionalização, como norteadora do cuidado às pessoas em sofrimento psíquico e reconhece seus direitos como cidadãos44 Poço JLC, Amaral AMM. Mental health care in the primary health care system in a system of reference and counter-reference: the case of the Padre Roberto Spawen basic health unit - SUS/Juiz de Fora. Revista APS. [Internet]. 2005 [acesso em 01 abr 2021]; 8(1):25-37. Disponível em: http://www.ufjf.br/nates/files/2009/12/InsercaoSmental.pdf.
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A experiência aqui discutida traduz o desafio da construção de uma prática contínua, nem sempre linear, de uma caminhada pelos direitos humanos e cidadania das pessoas em sofrimento psíquico. Apesar de suas limitações no âmbito da complexidade de intervenções multidimensionais, apresentou estratégias utilizadas em um recorte histórico, para a construção contínua de uma clínica antimanicomial cujo território é o espaço gerador de possibilidades2121 Pitta AMF, Guljor AP. The violance of the counter-psychiatric reform in Brazil: on attack on democracy in times of struggle for Humanos Rights and social justice. Cad. CEAS. [Internet]. 2019 [acesso em 02 abr. 2021]; 246:6-14. Disponível em: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n246.p6-14.
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-2222 Silva L, Beck C, Gobatto M, Dissen C, Silva R, Freitas N. Desafios na construção de uma rede de atenção em saúde mental. Cogitare Enferm. [Internet]. 2012 [acesso em 02 abr. 2021]; 17(4):649-54. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v17i4.30361.
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As limitações desse estudo se restringem as novas fontes históricas que podem ser descobertas ou localizadas com o tempo e que podem vir a relacionar novos fatos e ajustes a essa história de luta social, dado que os movimentos sociais são vivos e provém de interlocutores diversos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo é um registro de como o Brasil caminha na direção da assistência reformada em saúde mental e da importância dos gestores, profissionais e usuários no avanço da conquista do território como lugar de cuidado e atenção psicossocial. A interlocução da saúde mental e da atenção básica ampliada pela implantação dos Protocolos de Conduta, deu conta de atender ao paradigma sustentado pela RP, bem como atender às prerrogativas assistenciais do SUS.

A reflexão final é que, antes mesmo do marco da Lei n°.10.216/01, que no ano de 2021 fez 20 anos, a RP se desenvolvia diante do anseio do movimento de luta antimanicomial, desejoso pelo fim da internação indiscriminada e permanente das pessoas em sofrimento psíquico, em Juiz de Fora e, certamente em outros municípios, para a conquista de direitos humanos na sociedade. Para de fato conhecer a RP brasileira, estudos em todas as regiões do país devem ser fomentados para registrar e divulgar tantas lutas que foram e estão sendo travadas no campo da saúde mental desde os primeiros passos da Luta Antimanicomial, e que hoje estão ameaçadas pelo movimento de contrarreforma.

Os resultados possibilitam a reflexão acerca dos desafios para contemplar uma assistência equânime, pois a cultura manicomial não se apresenta como exclusiva dos ambientes de internação psiquiátrica, ela ainda se faz presente na sociedade, e compreensão da construção histórica e seus tensionamentos, para que as práticas coercitivas não se escondam em espaços que tenham como objetivo a reabilitação psicossocial.

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Editora associada: Dra. Luciana Kalinke

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2021
  • Aceito
    16 Jul 2022
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