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CIÊNCIA CIDADÃ

HIGHLIGHTS

  1. Pesquisas centradas nas reais necessidades do cidadão são necessárias

  2. O cidadão carece de ser envolvido no ciclo de pesquisa

  3. A Ciência Cidadã defendo o valor do cidadão como co-pesquisador

  4. Enfermagem precisa se preparar para este modo de co-criar conhecimento

HIGHLIGHTS

  1. Pesquisas centradas nas reais necessidades do cidadão são necessárias

  2. O cidadão carece de ser envolvido no ciclo de pesquisa

  3. A Ciência Cidadã defendo o valor do cidadão como co-pesquisador

  4. Enfermagem precisa se preparar para este modo de co-criar conhecimento

O incentivo participativo do cidadão no que concerne às várias dimensões da vida em sociedade vem acontecendo crescentemente. Várias iniciativas são estimuladas na ótica do envolvimento ativo do cidadão, como é exemplo: na gestão política, na saúde e na ciência.

Na gestão política, o orçamento participativo, que visa a promoção da cidadania ativa e da democracia participativa assente na consulta direta aos cidadãos, dando-lhes oportunidade de proporem e elegerem o que consideram ser de interesse para a sociedade. Na saúde, o estímulo ao modelo de cuidados centrados na pessoa, que procura dar respostas às reais necessidades e preferências do cidadão, saudável ou doente. Na ciência, o paradigma da Ciência Cidadã e Aberta, i.e. “fazer pesquisa com o cidadão”, em vez de pesquisa “para o cidadão”, e ainda a lógica de que o “conhecimento é de todos e para todos”.

Os cuidados centrados no cidadão são uma boa prática, na qual a enfermagem se deve alicerçar. Mas se queremos cuidados centrados no cidadão, precisamos capacitar os pesquisadores a desenvolverem pesquisas centradas nas reais necessidades do cidadão - Patient and Public Involvement in Research. Isto é, o envolvimento do cidadão nas diferentes etapas do ciclo de pesquisa não como participante, mas como co-pesquisador.

A Ciência Cidadã caracteriza-se pela capacidade de envolver os cidadãos (doente, cuidador, cidadão comum) nos processos científicos, refletida na forte cooperação entre estes cidadãos e a comunidade científica. Nesta ótica, ela traz a democratização da ciência, pela inclusão de cidadãos, independentemente da sua formação, condição de saúde ou experiência nos processos de codesign, cocriação e covalidação do conhecimento. Por conseguinte, ela integra também a capacidade de comunicar ciência, num formato simples e acessível, com o objetivo de potencializar a literacia do cidadão.

Com o lastro da Ciência Cidadã surgem novos desafios para todos os pesquisadores, assentes na concepção de uma ciência mais aberta, que visa a abertura de todo o processo científico, engrandecendo a transparência e responsabilidade social e científica, incluindo, por exemplo, a disponibilização em acesso aberto a (meta)dados. Deste modo, esta abordagem de fazer ciência reflete uma ‘umbrella’ flexível de estratégias, que podem ser adaptadas e aplicadas a diversas disciplinas, i.e., na saúde e fora dela, e que na sua essência visam o envolvimento do cidadão nas atividades científicas de forma a construir novos conhecimentos ou produtos.

Estas estratégias favorecem a ciência pela inovação, compreensão e cocriação de resultados verdadeiramente genuínos. Para além de apresentar benefícios para o cidadão dado que fomenta a sua aprendizagem, prazer/satisfação pessoal por colaborar/co-criar na busca de soluções para questões com relevância local, nacional ou internacional e, deste modo, trazer novo conhecimento, inovação e influenciar políticas.

Os projetos da Ciência Cidadã envolvem o cidadão nas diferentes etapas do ciclo de vida dos projetos, que pode ir desde a sua colaboração: i) no delineamento da questão científica; ii) na definição dos métodos a utilizar; iii) na coleta e análise dos dados; iv) e ainda, na comunicação dos resultados da pesquisa. Por isso, na agenda europeia a fundos competitivos, assiste-se a um interesse crescente no que se refere ao envolvimento do doente e, em particular, um interesse centrado no envolvimento do doente e do público em geral11 Gove D, Diaz-Ponce A, Georges J., Moniz-Cook E, Mountain G, Chattat R, et al. Alzheimer Europe’s position on involving people with dementia in research through PPI (patient and public involvement). Aging and Mental Health [Internet]; 22(6):723-729. [cited 2022 jun. 23]. Available from: https://doi.org/10.1080/13607863.2017.1317334.
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Esta dinâmica reflete-se atualmente nas secções das calls a estes fundos competitivos, onde existe, nos formulários de candidaturas, um espaço dedicado à operacionalização desta questão. A título de exemplo, as calls das iniciativas Cost Actions - European Cooperation in Science & Technology (https://www.cost.eu/), têm uma seção específica para os pesquisadores do consórcio exporem como operacionalizarão o envolvimento das partes interessadas, tal como a EU Joint Programme - Neurodegenerative Disease Research (https://www.neurodegenerationresearch.eu/), que também tem dado ênfase a esta dimensão nos projetos que financia, tendo até definido estratégias para a implementação do envolvimento do cidadão nos projetos de pesquisa22 JPND and DenRRoN United Kingdom. (2015). Patient and Public Involvement in JPND Research. In JPND research - EU joit Programme - Neurodegenerative Disease Research: A user-friendly guide for applicants to JPND Calls for proposals. [cited 2022 jun. 23]. Available from: https://shre.ink/m1R4.
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Expressões como “public and patient involvement”, “social responsability”, “responsible research”, “public engagement”, “collaborative research”, “co-creation”, “involvement of stakeholders”, “citizen scientist” refletem a evolução nos métodos de construir ciência e a ruptura com os paradigmas tradicionais de se fazer ciência, ocorrendo uma clara tendência de reorganização desses métodos, em prol da cidadania pela co-edificação da ciência em co-produção (sociedade e pesquisadores). A Ciência Cidadã constitui-se, assim, num método como a ciência está sendo pensada, criada, comunicada e estendida até à sociedade, alinhando os processos e os produtos da ciência com as expectativas, as necessidades e os desafios da sociedade contemporânea.

Com esta ruptura de paradigma, grandes desafios se levantam e novas reflexões urgem, como as questões em torno das dimensões legais e éticas frutos deste envolvimento (dado que este cidadão não é participante, mas sim um cidadão cientista), como também questões relativas ao copyright, propriedade intelectual, acordos sobre partilha de dados e confidencialidade, tal como as próprias limitações e enviesamentos deste paradigma de fazer ciência. Portanto, a disciplina de enfermagem, também precisa se preparar para este modo disruptivo de construir e disseminar o seu conhecimento, sendo que profundas reflexões e metamorfoses dentro dos ecossistemas onde a pesquisa acontece já estão a suceder, sendo este editorial (mais) um contributo para o caminho que nos espera!

Rosa Carla Gomes da Silva

REFERÊNCIAS

  • 1
    Gove D, Diaz-Ponce A, Georges J., Moniz-Cook E, Mountain G, Chattat R, et al. Alzheimer Europe’s position on involving people with dementia in research through PPI (patient and public involvement). Aging and Mental Health [Internet]; 22(6):723-729. [cited 2022 jun. 23]. Available from: https://doi.org/10.1080/13607863.2017.1317334
    » https://doi.org/10.1080/13607863.2017.1317334
  • 2
    JPND and DenRRoN United Kingdom. (2015). Patient and Public Involvement in JPND Research. In JPND research - EU joit Programme - Neurodegenerative Disease Research: A user-friendly guide for applicants to JPND Calls for proposals. [cited 2022 jun. 23]. Available from: https://shre.ink/m1R4
    » https://shre.ink/m1R4
Editora associada: Dra. Luciana Puchalski Kalinke

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2022
  • Aceito
    26 Set 2022
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