RISCO DE SUICÍDIO ENTRE ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA

RESUMO:

Objetivo:

descrever os índices de risco de suicídio em estudantes de enfermagem de diferentes nacionalidades em uma universidade pública.

Método:

estudo transversal que ocorreu de agosto a novembro de 2019, Ceará - Brasil. Foram incluídos alunos com idade igual ou maior que 18 anos, matriculados, sendo os critérios de exclusão: vínculo inativo por licença médica ou trancamento do curso. Utilizou-se o Índice de Risco de Suicídio para coleta de dados. Realizou-se os testes: Qui-Quadrado; Teste exato de Fisher e Mann-Whitney.

Resultados:

dos 192 participantes, 28,6% não tinham fatores religiosos/espirituais suscetíveis de frenar o ato suicida, 12,5% possuíam história familiar de suicídio, 2,6% tinham plano suicida. Detectou-se associação entre sexo e risco de potencial suicida (p>0,000). Houve diferença nos escores do risco de potencial suicida em relação ao sexo (p>0,000), nacionalidade (p>0,000) e estado civil (p=0,043).

Conclusão:

o estudo contribui para reflexão sobre o suicídio, detecção precoce, e compreensão dos impactos na universidade.

DESCRITORES:
Enfermagem; Suicídio; Tentativa de Suicídio; Universidades; Saúde Mental.

ABSTRACT

Objective:

to describe the suicide risk rates in Nursing students from different nationalities in a public university.

Method:

a cross-sectional study conducted between August and November 2019 in Ceará, Brazil. The students included were those aged at least 18 years old and duly enrolled; the exclusion criteria were as follows: inactive link due to medical leave or course cancellation. The Suicide Risk Index was used for data collection. The following tests were performed: Chi-square; Fisher’s Exact and Mann-Whitney.

Results:

of the 192 participants, 28.6% did not have religious/spiritual factors susceptible of stopping the suicidal act, 12.5% had a family history of suicide, and 2.6% had suicide plans. An association was detected between gender and suicidal potential risk (p>0.000). There was a difference in the suicidal potential risk in relation to gender (p>0.000), nationality (p>0.000) and marital status (p=0.043).

Conclusion:

the study contributes to a reflection on suicide, to early detection and to understanding the impacts in the university.

DESCRIPTORS:
Nursing; Suicide; Attempted Suicide; Universities; Mental Health.

RESUMEN

Objetivo:

describir los índices de riesgo de suicidio en estudiantes de Enfermería de distintas nacionalidades en una universidad pública.

Método:

estudio transversal desarrollado entre agosto y noviembre de 2019 en Ceará, Brasil. Se incluyó a estudiantes con una edad mínima de 18 años y debidamente inscritos en la carrera; los criterios de exclusión fueron los siguientes: vínculo inactivo por licencia médica o cancelación del curso. Se utilizó el Índice de Riesgo de Suicidio para la recolección de datos. Se realizaron las siguientes pruebas: Chi-cuadrado; Prueba exacta de Fisher y Mann-Whitney.

Resultados:

de los 192 participantes, el 28,6% no presentaba factores religiosos/espirituales susceptibles de detener el acto suicida, el 12,5% tenía antecedentes familiares de suicidio y el 2,6% tenía planes suicidas. Se detectó una asociación entre sexo y riesgo de potencial suicida (p>0,000). Hubo una diferencia en las puntuaciones del riesgo de potencial suicida en relación con el sexo (p>0,000), la nacionalidad (p>0,000) y el estado civil (p=0,043).

Conclusión:

el estudio contribuye en la reflexión sobre el suicidio, la detección precoz y la comprensión de los efectos en la universidad.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Suicidio; Intento de Suicidio; Universidades; Salud Mental.

HIGHLIGHTS

1. Evidenciar a temática de suicídio entre universitários de enfermagem.

2. Compreender os fatores que levam à tentativa e/ou suicídio.

3. Prevenção do sofrimento psíquico no processo formativo dos profissionais enfermeiros.

4. Estratégias de acolhimento e enfrentamento ao suicídio.

HIGHLIGHTS

1. Evidenciar a temática de suicídio entre universitários de enfermagem.

2. Compreender os fatores que levam à tentativa e/ou suicídio.

3. Prevenção do sofrimento psíquico no processo formativo dos profissionais enfermeiros.

4. Estratégias de acolhimento e enfrentamento ao suicídio.

INTRODUÇÃO

O suicídio é um grave problema de saúde pública¹. Apesar de terem a mesma importância, é preciso compreender que as pessoas que praticam o suicídio encontram-se em condições distintas de quem empreendeu uma tentativa. A ideação suicida é a condição na qual o indivíduo possui pensamentos de como realizar o ato de se matar e tirar a própria vida ². Por sua vez, a tentativa de suicídio se refere a qualquer comportamento suicida não fatal ou danoso, como intoxicação autoprovocada, lesão autoprovocado intencionalmente. O suicídio é entendido como uma ação premeditada, instaurada e finalizada por alguém com consciência ou desejo de ocasionar o próprio óbito².

Atualmente, as lesões autoprovocadas constituem um dos grandes problemas para os serviços de saúde³. Estima-se que o suicídio contabilize mais de 700.000 mortes por ano no mundo, sendo a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo em 2019¹. Recentemente, a faixa etária que contempla os índices de suicídio entre os jovens tem preocupado e alertado sobre a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas, pois nesta fase da vida os índices de crescimento de suicídio chegaram a ocupar a segunda causa de morte entre pessoas de 19 a 25 anos, sendo essa, comumente, a faixa etária que está inserida nas universidades⁴.

A vida universitária está associada a rotinas que podem ser prejudiciais à saúde, como má alimentação, sono e repouso ineficaz. É muito comum que estudantes de graduação desenvolvam transtornos psicológicos e tenham alterações preexistentes agravadas⁵.

Sabe-se que universitários apresentam diversos fatores de risco que podem colaborar com o sofrimento e adoecimento mental: isolamento social e o uso abusivo de substâncias, como álcool, níveis elevados de ansiedade, depressão e estresse considerados fatores psicológicos de risco para suicídio e escores mais baixos em autoestima e propósito na vida possuem relação com o aumento do suicídio entre estudantes de graduação colaborando para o adoecimento psíquico ⁶-⁸.

Contudo, a condição de stress que se estabelece sobre estudantes de enfermagem é ainda maior e vai desde o medo de cometer erros durante o processo de aprendizagem junto a pacientes, até a ausência de tempo para socializar com família e amigos em função da carga excessiva de atividades acadêmicas, o que acarreta insegurança, ansiedade e instabilidade emocional⁵.

Uma pesquisa feita no Distrito Federal do Brasil com 1.567 universitários de enfermagem, de instituições particulares detectou que: maior parte era adulto jovem, sexo feminino e que 11,55% universitários tentaram suicídio, índices elevados foram evidenciados no primeiro, terceiro e quarto semestre da graduação. Destes, 36,5% exibiram ideação depressiva, 33,7% sinais de depressão e ausência de esperança e 56,4% perduravam com pensamentos suicida⁵.

Neste sentido, este estudo se reveste de importância, pois contribui para evidenciar a temática de suicídio entre universitários de enfermagem, estimular o debate, alertar a comunidade acadêmica e refletir sobre possíveis estratégias de manejo e enfrentamento do suicídio. Ademais, esta investigação é útil para propor intervenções e programas que objetivem a promoção da saúde mental, e orientar políticas de saúde pública sobre prevenção do suicídio. Desse modo, o presente estudo se propõe identificar os índices de risco de suicídio em estudantes de enfermagem em uma universidade pública internacional.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal com abordagem quantitativa, desenvolvido com estudantes de enfermagem da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) localizada na região do Nordeste do Brasil, entre os meses de agosto a novembro de 2019.

A UNILAB é uma universidade ligada ao Ministério da Educação do Brasil, sediada em Redenção, estado do Ceará. Ela tem como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisas em diversos campos de saberes e promover a extensão universitária, tendo como missão formar profissionais para contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países constituintes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), particularmente os países africanos.

Para o cálculo do tamanho amostral foi utilizada a fórmula para população finita. Considerados o total da amostra de 376 estudantes, adotou-se prevalência de 50%, adotando-se erro amostral de 5% e grau de confiança de 95%. Assim, obteve-se o total de 192 estudantes para integrar a amostra. Para garantir essa representação proporcional entre estudantes nacionais e internacionais, foi realizada a estratificação calculando o peso relativo de cada um dos estratos na população, obtendo-se a seguinte conjuntura: 62 estudantes estrangeiros e 130 estudantes brasileiros. A seleção da amostra foi não probabilística.

Adotou-se como critério de inclusão alunos com idade igual ou maior que 18 anos, regularmente matriculados no curso de enfermagem da instituição. E os seguintes princípios de exclusão: estudante de graduação que se encontrasse com vínculo inativo por licença médica ou trancamento do curso no período da coleta.

Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram Índice de Risco de Suicídio (IRIS) e um formulário sociodemográfico. O IRIS é um instrumento validado que tem como objetivo a avaliação psicométrica em três dimensões específicas, sendo respectivamente a sociodemográfica (sexo, idade e religiosidade), o contexto (isolamento, perda recente marcante, doença física, abuso, doença psiquiátrica grave, história de internamento psiquiátrico e história familiar de suicídio) e a esfera suicida (história pessoal de comportamento suicidário). Ao final se atribui um escore de zero a 20 por meio do qual é possível classificar o entrevistado em Risco reduzido (< cinco), Risco intermédio (≥ cinco e < 10) e Risco elevado (≥ 10)⁹.

O questionário sociodemográfico foi elaborado com base em determinantes sociais e visa suprir pontos pertinentes à pesquisa como idade, semestre de ingresso, nacionalidade, estado civil, orientação sexual, cor/raça, religião, se realiza algum tipo de atividade de lazer, com que frequência se sente só, renda mensal média e com quem mora, sendo realizadas perguntas objetivas de múltipla escolha¹⁰. Para entendimento da variável econômica desse estudo, o valor do salário mínimo considerado foi de R$ 998,00 (novecentos e noventa e oito reais)¹¹.

A coleta de dados ocorreu nas dependências da própria universidade por um dos membros da equipe de pesquisa, por meio de entrevista individual, em local adequado a fim de resguardar a privacidade do participante e o sigilo absoluto das respostas fornecidas como determina a resolução nº 510, de 07 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde.

Os dados foram armazenados em um banco elaborado no programa Microsoft Excel, a análise se deu por meio do programa SPSS versão 26.0 e em seguida foram explorados quanto às frequências absolutas e relativas e as medidas de tendência central e dispersão. Para a análise das variáveis categóricas foram utilizados o teste do Qui-Quadrado e o Teste exato de Fisher. Já para as variáveis contínuas, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. O nível de significância adotado para o estudo foi p < 0,05, sendo as informações apresentadas através de tabelas.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Integração internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB) sob o nº 3.349.257.

RESULTADOS

Participaram do estudo 192 estudantes, sendo 160 mulheres (83,3%) e 32 (16,7%) homens, com idade média de 23,47 (Desvio padrão: 4,14) anos, variando entre 18 e 58 anos. Os dados referentes ao perfil dos universitários são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos estudantes da Universidade pública Internacional. Redenção, CE, Brasil, 2019

Variável	n	%
Sexo
Feminino	160	83,3
Masculino	32	16,7
Cor/Raça
Parda	98	51,0
Negra	69	35,9
Branca	22	11,5
Amarela	3	1,6
Nacionalidade
Brasil	130	67,7
Guiné-Bissau	39	20,3
Angola	15	7,8
Cabo Verde	4	2,1
São Tomé e Príncipe	3	1,6
Moçambique	1	0,5
Orientação Sexual
Heterossexual	172	89,6
Homossexual	12	6,3
Bissexual	5	2,6
Não informado	3	1,6
Estado civil
Solteiro	179	93,2
Casado	8	4,2
União estável	5	2,6
Religião
Catolicismo	97	50,5
Protestantismo	45	23,4
Outra	33	17,2
Mulçumano	7	3,6
Ateu	7	3,6
Espiritismo	3	1,6

Fonte: Os autores (2019).

Quanto aos dados considerados para o índice do risco de suicídio, 55 (28,6%) afirmaram não existir fatores de natureza religiosa ou espiritual suscetíveis de frenar o ato suicida. Do total, 31 (16,1%) viviam sós, 55 (28,6%) relataram perda marcante recente, 18 (9,4%) afirmaram abuso atual de álcool ou substâncias, 21 (10,9%) relataram doença psiquiátrica grave, 24 (12,5%) história familiar de suicídio e cinco (2,6%) tinham plano de suicídio. Foi encontrada associação estatisticamente significante entre sexo e risco de potencial suicida. Os dados são demonstrados na Tabela 2.

Tabela 2
Associação entre o risco suicida em relação às características sociodemográficas. Redenção, CE, Brasil, 2019

Variáveis	n (%)	Risco de suicídio		p-valor
		Reduzido n (%)	Intermediário/Elevado n (%)
Sexo
Feminino	160 (83,3)	148 (92,5)	12 (7,5)	0,0001
Masculino	32 (16,7)	17 (53,1)	15 (46,9)
Nacionalidade
Nacional	130 (67,7)	115 (88,5)	15 (11,5)	0,1831
Internacional	62 (32,3)	50 (80,6)	12 (19,4)
Estado Civil
Com companheiro(a)	179 (93,2)	152 (84,9)	27(15,1)	0,1522
Sem companheiro(a)	13 (6,8)	13(100)	0 (0)
Renda
Menor que 1 salário	97 (50,5)	82 (84,5)	15(15,5)	0,6791
Igual ou maior que 1 salário	95 (49,5)	83 (87,4)	12(13,4)
Sono
Menor que 8 horas	163 (84,9)	137(84,6)	26 (16,0)	0,0862
Igual ou maior que 8 horas	29 (15,1)	28 (96,6)	1 (3,4)
Atividade em tempo livre
Sim	124 (64,6)	106 (85,5)	18 (14,5)	0,8331
Não	68 (35,4)	59 (86,8)	9 (13,2)

• ¹
  Teste Qui-quadrado;
• ²
  Teste Exato de Fisher.
Fonte: Os autores (2019).

Apontou-se diferença estatisticamente significativa nos escores do risco de potencial suicida em relação ao sexo, nacionalidade e estado civil. A comparação entre o escore de risco de suicídio é apresentada na Tabela 3.

Tabela 3
Comparação entre os escores de Risco de suicídio em relação às características sociodemográficas. Redenção, CE, Brasil, 2019

Variáveis	Escores de Risco de Suicídio				p-valor
	n	Média	Desvio Padrão	Mediana
Sexo
Masculino	32	4,09	0,22	4,00	0,000
Feminino	157	2,28	0,28	2,00
Nacionalidade
Nacional	130	2,13	0,27	2,00	0,000
Internacional	62	3,52	0,49	4,00
Estado Civil
Sem companheiro(a)	179	2,67	0,26	2,00	0,043
Com companheiro(a)	13	1,31	0,41	1,00
Orientação sexual
Heterossexual	172	2,69	3,49	2,00	0,514
Homossexual/Bissexual	17	2,53	1,46	2,00
Renda
Menor que 1 salário	97	2,76	0,35	2,00	0,249
Igual ou maior que 1 salário	95	2,39	0,34	2,00
Sono
Menor que 8 horas	163	2,58	0,23	2,00	0,096
Igual ou maior que 8 horas	29	2,59	1,01	2,00

• ¹
  Teste U de Mann-Whitney.
Fonte: Os autores (2019).

DISCUSSÃO

O suicídio é um problema expressivo com prognósticos inquietantes e que tem se transformado em um tema de debates e reflexão em saúde pública¹². Ele acomete de formas diferenciada os homens e mulheres. Assim, neste estudo, foi identificada uma maior proporção de homens com risco de suicídio classificado como intermediário ou elevado, se comparado com as mulheres. Observa-se um quantitativo maior de mortes entre homens e um predomínio de tentativas entre as mulheres¹³-¹⁴.

Sabe-se que os homens apresentaram risco 3,8 vezes maior de morte por suicídio que mulheres no Brasil ⁴. Entre homens, a taxa de mortalidade no Brasil por suicídio em 2019 foi de 10,7 por 100 mil, enquanto entre mulheres esse valor foi de 2,9 ⁴. Esta relação pode ser explicada devido ao fato de os homens apresentarem maior agressividade, desígnio de morrer, utilização de métodos mais fatais, maior acesso a armas de fogo e outros objetos letais, maior suscetibilidade aos impactos de instabilidades econômicas entre homens e dificuldades no manejo dos sentimentos⁴.

As pessoas que realizam a tentativa de suicídio ou até culminar o ato de consumação suicida, não possuem um padrão. Inicialmente, detecta-se os jovens/adolescentes em uma faixa etária de 15-24, estudantes, maioria mulheres¹⁵. No ambiente universitário, um estudo apontou que: estudantes de enfermagem que passam por dificuldades financeiras, necessidade de mudar de cidade para frequentar o curso, sensação de solidão, histórico de tentativa de suicídio e de depressão podem ter adoecimento mental e ideação suicida¹⁶.

Além disto, é valido salientar que pessoas migrantes são mais propensas a tentarem suicídio, pois estas pessoas tendem a vivenciar maiores conflitos, sensação de perda e isolamento social, dificuldades no manejo e enfrentamento com situações estressantes diárias, como por exemplo, a vivência de um novo contexto e realidade distante de uma rede de apoio e familiares¹⁷. Sendo assim, o suicídio como multifatorial, necessita de estratégias e intervenções assertivas, principalmente em uma universidade internacional que recebe estudantes de diversas nacionalidades.

No presente estudo, pessoas sem companheiro apresentaram maior escore de risco de suicídio do que pessoas com companheiro. Nesse contexto, as estatísticas sinalizam para existência de maior número de casos de tentativa de suicídios em pessoas jovens e sua maioria, por conseguinte na condição de solteiros que referenciam preditores de risco, como o isolamento que experimentam na ausência de apoio emocional frente aos sentimentos de frustação, tristeza ou desespero¹⁸. No que tange o risco de suicídio entre universitários de enfermagem, constatou-se que os que estavam sem companheiro tiveram maior propensão ao ato, provavelmente o fato de ter um parceiro pode significar existência de bom relacionamento e vínculo de apoio social, disposição para buscar ajuda resultando em uma melhor adaptação²⁰.

Uma pesquisa transversal analítica, realizada com 637 estudantes de uma Universidade Federal de Mato Grosso detectou que 9,9% dos universitários tiveram ideias suicidas e, na análise bivariada, as variáveis classe econômica, orientação sexual, prática religiosa, tentativas de suicídio na família e entre amigos, consumo de álcool e sintomas depressivos apresentaram associação com ideação suicida²¹.

Vários fatores podem estimular a ideação suicida em universitários: demanda exaustiva de estudos; divergências nas relações interpessoais; dificuldades de adaptação ao contexto acadêmico; questões de adaptações a novos contextos para cursar uma graduação, pois muitas vezes tem-se a necessidade de mudança de local, dentre outros ¹². Todo este contexto “novo” ocasiona sentimentos de angústias e solidão, culminando no sofrimento na condição de ser estudante universitário.

Na presente pesquisa, não foi identificada diferença estatística entre os escores de estudantes heterossexuais e homossexuais/bissexuais, entretanto, é válido salientar que um fator que pode instigar pensamentos suicidas consiste na orientação sexual e identidade de gênero. Um estudo realizado com universitários, no que concerne a orientação sexual, a ideação suicida estava significativamente associada entre os homossexuais e entre os bissexuais (p=0,008 e p<0,001) respectivamente²⁰.

Outro estudo feito com 251 alunos de diferentes cursos da área da saúde de uma instituição federal de Ensino Superior, detectou que 41,07% dos participantes que se autodeclararam homossexuais revelaram ideação suicida, diferentemente dos que se autodeclararam heterossexuais, que tiveram 21,99% de ideação suicida²¹.

Não ser heterossexual aponta maior vulnerabilidade ao suicídio entre sujeitos autodeclaradas homossexuais e bissexuais, pois há diversos fatores que suscitam a ideação suicida: presença de estados depressivos, a ansiedade, homofobia internalizada, agressões verbais e físicas, preconceitos e estigmas pela sociedade, diminuição do espaço de socialização, entre outros que levam os homens ao sofrimento psíquico, o que pode culminar na manifestação do comportamento suicida²².

Para tentar minimizar a ideação suicida, algumas pessoas buscam o apoio religioso. Contudo, no presente estudo, cerca de um quarto dos estudantes afirmaram não existir fatores de natureza religiosa ou espiritual que fossem capazes de impedir o ato suicida. Estudo mostra que, com relação a prática religiosa, os que não tinham a referida, a razão de prevalência da ideação suicida foi maior em comparação aqueles que referiram ter (p<0,001)²³. Outro estudo sinaliza que na ausência de religião, houve maior ocorrência de comportamento suicida em todas as fases²⁴.

É válido enfatizar que embora não se possa afirmar que a participação religiosa possa ser um fator que impeça o ato do suicida, ressalta-se que não é possível negar que a participação em atividades religiosas como prática de oração e meditação seja um fator que contribua para inibir o comportamento de ordem suicida. A religião possibilita um cenário interpessoal através de um elo harmônico entre os indivíduos, melhorando, assim, a qualidade de vida e reduzindo a ideação suicida. O fato de o estudante ter alguma crença pode ajudar no enfrentamento das situações de desesperança, tristeza e dor²⁵. Entretanto, quando os sujeitos não se enquadram dentro dos dogmas religiosos, pode acontecer o aumento do sofrimento mental e da ideação suicida, pois o sujeito nega o seu ser.

Os resultados apresentados reforçam os debates acerca da insuficiência de intervenção pública na saúde mental dos universitários, tornando-os vulneráveis e desassistidos, podendo induzir ao pensamento suicida e provavelmente à morte²⁶. No ambiente universitário, a ideação e tentativa de suicídio entre graduandos é um assunto debatido, problematizado e pesquisado de forma incipiente¹².

Estudo tem demonstrado que atitudes negativas em relação ao comportamento suicida estão associadas ao despreparo sobre prevenção do suicídio por parte dos profissionais, estigmatização (e discriminação) e baixo nível de atendimento²⁷. A identificação e prevenção de casos potenciais de suicídio demandam a quebra de tabus e da mecanização dos serviços de saúde, a sensibilidade no momento da acolhida e do atendimento, a capacitação de profissionais acerca do assunto e o estabelecimento de protocolos para análise das condições subjetivas do indivíduo³.

Percebe-se que o suicídio é multicausal, necessita de aprofundamento em como estas variáveis estão correlacionadas e como o enfrentamento e manejo pode acontecer. Urge a necessidade de intervenções intersetoriais que englobem os diversos dispositivos de saúde, órgãos públicos, organizações sociais, universidades, faculdades, entre outros, que possam realizar atividades de prevenção e detecção precoce do suicido. O suicídio como problema de saúde pública requer participação ativa de governantes, autoridades, profissionais e cidadãos para que aconteça enfrentamento e manejo adequado e efetivo. Diante disto, pode-se pensar na intensificação do apoio psicológico, encontros, palestras, simpósios, cursos, atividades culturais e de lazer, entretenimento, entre outras estratégias.

Como limitações aponta-se o método transversal que não permite inferir associações causais; amostragem não probabilística; estudo feito somente em uma universidade e um curso. Pesquisas com desenho prospectivos e longitudinais são indicadas para detecção e compreensão do fenômeno da ideação suicida, bem como estudos que avaliem intervenções para promoção da saúde mental em estudantes de enfermagem.

CONCLUSÃO

Este estudo descreveu que estudantes de enfermagem do sexo masculino, internacionais e que viviam sem companheiros possuíam os índices de risco de suicídio mais elevados. Desse modo, evidencia-se a necessidade da construção de estratégias de acolhimento e enfrentamento ao suicídio, promoção da saúde mental e prevenção do sofrimento psíquico no processo formativo dos profissionais enfermeiros. A comunidade acadêmica necessita estar preparada para debater e problematizar este assunto de forma a diminuir sua prevalência e incidência, por meio de uma escuta qualificada, de ações e condutas direcionadas com o intuito de fortalecer os vínculos e minimizar tal situação.

É necessário compreender os fatores interligados às causas que levam os universitários a cometerem a tentativa e/ou suicídio e às práticas cientificas criadas para beneficiar a comunidade universitária. Além disto, o estudo contribui para a área da enfermagem, na perspectiva de que os acadêmicos e profissionais possam se apropriar do conhecimento acerca do suicídio e desenvolver práticas e intervenções na prevenção do suicídio, promoção da saúde mental, detecção precoce além de refletir com criticidade sobre os impactos que a tentativa e/ou suicídio têm no contexto acadêmico proporcionando uma mudança na práxis.

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Editora associada: Dra. Luciana Nogueira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  15 Fev 2022
• Aceito
  03 Nov 2022