FATORES ASSOCIADOS A NÃO ADESÃO TERAPÊUTICA EM PESSOAS COM HIPERTENSÃO QUE PROCURARAM ASSISTÊNCIA POR EMERGÊNCIA

RESUMO:

Objetivo:

analisar fatores associados à não adesão terapêutica em pessoas com Hipertensão Arterial que procuraram serviços de pronto atendimento por emergência e/ou complicação hipertensiva.

Método:

estudo transversal realizado entre dezembro de 2019 a outubro de 2020, com 238 pessoas residentes em um município de médio porte do Sul do Brasil, mediante aplicação da Escala de Adesão Terapêutica de Oito Itens de Morisky. Na análise se utilizou Regressão Logística Múltipla.

Resultados:

86 (36,1%) participantes foram considerados não aderentes. Foi observada maior chance de não adesão em pessoas com menos de 60 anos (Odds Ratio=2,04), que buscaram assistência nos serviços de pronto atendimento nos três anos em estudo (Odds Ratio=5,08) e que tinham vínculo com profissionais da Atenção Primária à Saúde (Odds Ratio=1,96).

Conclusão:

reconhecer os fatores associados com a não adesão à terapêutica possibilitará aos profissionais realizar intervenções educativas e assistir as pessoas com hipertensão de acordo com suas necessidades, prevenindo/postergando complicações.

DESCRITORES:
Enfermagem; Hipertensão; Adesão à; Medicação; Atenção Primária à; Saúde; Serviços Médicos de Emergência.

ABSTRACT

Objective:

to analyze factors associated with therapeutic non-adherence among individuals with Arterial Hypertension who seek emergency care and/or assistance due to hypertensive complications.

Method:

this is a cross-sectional study conducted from December 2019 to October 2020 with 238 people living in a medium-sized municipality from southern Brazil using Morisky’s 8-Item Medication Adherence Scale. Multiple Logistic Regression was used in the analysis.

Results:

a total of 86 (36.1%) participants were considered as non-adherent. A higher change of non-adherence was observed in people younger than 60 years of age (Odds Ratio=2.04), who sought emergency services in the three years under study (Odds Ratio=5.08), and who had a bond with Primary Health Care professionals (Odds Ratio=1.96).

Conclusion:

acknowledging the factors associated with non-adherence to the therapy will allow professionals to conduct educational interventions and assist people with hypertension according to their needs, thus preventing/postponing complications.

DESCRIPTORS:
Nursing; Hypertension; Adherence to Medication; Primary Health Care; Emergency Medical Services.

RESUMEN

Objetivo:

analizar factores asociados a la no adhesión a la terapia en personas con Hipertensión Arterial que asisten a servicios de urgencia por emergencias y/o complicaciones derivadas de la hipertensión.

Método:

estudio transversal realizado entre diciembre de 2019 y octubre de 2020 con 238 residentes en un municipio de mediano porte del sur de Brasil, utilizando la Escala de Adherencia Terapéutica de 8 ítems de Morisky. En el análisis se utilizó Regresión Logística Múltiple.

Resultados:

se consideró que 86 (36,1%) participantes no cumplían con la terapia. Se observó una mayor probabilidad de no adhesión en personas menores de 60 años (Odds Ratio=2,04), que buscaron asistencia en los servicios de urgencia en los tres años en estudio (Odds Ratio=5,08) y que tenían una relación con profesionales de Atención Primaria de la Salud (Odds Ratio=1,96).

Conclusión:

reconocer los factores asociados a la no adhesión a la terapia permitirá que los profesionales realicen intervenciones educativas y asistan a las personas con hipertensión arterial según sus necesidades, previniendo/posponiendo complicaciones.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Hipertensión; Adhesión a la Medicación; Atención Primaria de la Salud; Servicios Médicos de Emergencia.

HIGHLIGHTS

1. 1. Dos que procuraram pronto atendimento, 36% não eram aderentes a terapêutica.

2. 2. Não adesão apresentou associação com ter menos de 60 anos

3. 3. Procura frequente de serviços de PA associou-se com não adesão

4. 4. Ter vínculo com profissionais da atenção primária associou-se com não adesão

HIGHLIGHTS

1. 1. Dos que procuraram pronto atendimento, 36% não eram aderentes a terapêutica.

2. 2. Não adesão apresentou associação com ter menos de 60 anos

3. 3. Procura frequente de serviços de PA associou-se com não adesão

4. 4. Ter vínculo com profissionais da atenção primária associou-se com não adesão

INTRODUÇÃO

Estima-se que 1,13 bilhão de indivíduos têm Hipertensão Arterial (HA), a maioria residente em países de baixa e média renda, sendo que apenas um em cada cinco mantém a doença sob controle¹. Apesar das diversas políticas públicas, sua prevenção e controle seguem sendo um desafio para os sistemas de saúde em todo o mundo (alta prevalência e custos elevados) ², sendo considerada o principal fator de risco de morbimortalidade para doenças cardiovasculares e renal crônica³. Contribuem para isto o envelhecimento populacional⁴, dificuldade para diagnosticar⁵ e acompanhar adequadamente estas pessoas, e a não adesão às ações de autocuidado e ao tratamento prescrito⁶ por grande parte das pessoas acometidas.

A não adesão à terapêutica medicamentosa (ATM) - ingestão na dose e/ou horário incorretos, esquecimento ou interrupção precoce do tratamento - é um dos principais motivos do descontrole pressórico⁷. Trata-se portanto, de um processo complexo⁸ e contínuo que apresenta entraves correlacionados às conjunturas sociodemográficas, esquema posológico, aos sistemas de saúde, à pessoa e à própria condição³,⁹.

O comportamento de não adesão é comumente encontrado, inclusive entre indivíduos com conhecimento sobre sua importância⁸, daí a necessidade de explorar e identificar precocemente os fatores que podem influenciá-lo ³. Isto poderá mitigar a morbimortalidade cardiovascular, o número de hospitalizações, e o surgimento e progressão de complicações, favorecendo a qualidade de vida das pessoas acometidas¹⁰.

Os estudos abordando a não ATM por pessoas com HA comumente são realizados no âmbito da atenção primária à saúde (APS)⁷-⁹,¹¹-¹⁵. Não foram localizados estudos com pessoas que necessitaram procurar serviços de saúde por apresentarem agudização ou complicações da doença e a possível relação com a adesão ou não à terapêutica medicamentosa. No entanto, no caso de condições crônicas, o grau de adesão e a manutenção ou não de hábitos de vida saudáveis, tem relação com quadros de descompensação e também com o surgimento de complicações. Deste modo, a investigação do nível de ATM por pessoas com descompensação ou complicações da HA e dos fatores envolvidos nesta questão, pode favorecer a identificação de informações singulares para subsidiar a elaboração de estratégias e intervenções mais efetivas na prevenção de agravos cardiovasculares³,⁹-¹⁰.

Diante do exposto, definiu-se como objetivo do presente estudo, analisar fatores associados à não adesão terapêutica de pessoas com HA que procuraram serviços de pronto atendimento por emergência e/ou complicação hipertensiva.

MÉTODO

Estudo exploratório analítico realizado junto a pessoas com HA que procuraram um dos três serviços públicos de urgência e emergência de um município de médio porte do Sul do Brasil, por descontrole pressórico ou complicações da doença. O município possuía população estimada de 430 mil habitantes, 85% de cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF). Para a assistência à saúde, a rede pública conta com 34 Unidades Básicas de Saúde (UBS), dois hospitais (municipal e universitário), duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) municipais e o Pronto atendimento do Hospital Universitário (PA-HU).

Os dados foram coletados pela pesquisadora principal, no período de dezembro de 2019 a outubro de 2020. Inicialmente foram levantados todos os atendimentos realizados entre janeiro de 2018 à fevereiro de 2020 nos três serviços PA e identificados aqueles cuja queixa remetia a um dos códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) previamente estabelecidos. Os CID considerados para inclusão no estudo foram os relacionados com HA (I10, I15 e I15.9), HA e Diabetes Mellitus (DM) (E10 a E10,9; E11 a E11-9; E13 a E13-9; E14 a E14.9; R73.9) e complicações (I11; I11.0; I11.9; I12; I12.0; I12.9; I13; I13.0; I13.1; I13.2; I13.9; G45; G45.8; I64; I21; I21.0; I21.1; I21.2; I21.3; I21.4; I21.9; O11; I20; I20.8; I20.9).

Os critérios de elegibilidade ao estudo foram: ter 18 anos ou mais, residir no município e, no período em estudo, ter registro de duas ou mais entradas motivadas por condições relacionadas aos códigos previamente estabelecidos. Por sua vez, não foram incluídos os casos de óbito e os usuários que não faziam uso de medicação anti-hipertensiva; e excluídos os que não devolveram o questionário respondido ou que o responderam de forma incompleta (mais de três questões não respondidas) e os que não atenderam ao chamado telefônico após pelo menos cinco tentativas em dias e horários diferentes.

O tamanho amostral foi definido a partir do número total de pessoas (N=962) que buscaram duas ou mais vezes atendimento nas UPA por complicações agudas da HA (850 pessoas) ou de HA e DM associadas (112 pessoas), considerando uma variabilidade máxima de 50%, erro de estimativa de 6% e poder de confiança de 95%, que acrescido de 10% para possíveis perdas, resultou em uma amostra mínima de 221 pessoas.

Para identificação dos possíveis participantes foi preparada uma relação única no Microsoft Office Excel 2021^® contendo: nome do usuário por ordem alfabética, data de nascimento, número do prontuário, serviço de saúde que procurou, data e hora dos atendimentos e o respectivo CID e, posteriormente, foram identificados os elegíveis. Um total de 296 pessoas foram selecionadas como possíveis participantes e destas, 22 não atenderam ao chamado telefônico, 17 referiram não fazer uso de medicação anti-hipertensiva e 14 não aceitaram participar do estudo. Das 243 que aceitaram, três não devolveram o questionário respondido e duas devolverem o questionário com preenchimento incompleto, resultando em uma amostra efetivamente estudada de 238 pessoas.

Na seleção dos participantes adotou-se a técnica de amostragem aleatória proporcional por conglomerado, considerando o ano do atendimento e a unidade de saúde procurada. Em seguida, mediante acesso ao sistema gestor do município, foram consultados os prontuários eletrônicos e coletadas informações referentes ao endereço residencial e telefônico, UBS de referência, situação familiar, escolaridade, cor da pele, estado conjugal e religião.

O convite para participar do estudo foi realizado mediante contato telefônico no período de junho a outubro de 2020. Nesta ocasião, em decorrência da pandemia por coronavírus, foram oferecidas duas possibilidades de participação: preenchimento e envio do formulário via WhatsApp^® e entrevista por telefone a ser realizada em dia e horário de preferência do participante. As entrevistas tiveram duração média entre 15 e 20 minutos e foram realizadas todas pela mesma pesquisadora.

Um total de 167 entrevistas foram realizadas por ligação telefônica e 71 usuários responderam os questionários pelo link enviado no aplicativo de mensagens.

O instrumento utilizado na coleta de dados foi constituído de duas partes: a primeira abordando características sociodemográficas (sexo; idade; escolaridade; renda familiar mensal; cor da pele; ocupação; estado conjugal e arranjo familiar); perfil de saúde (diagnóstico de HA estabelecido; tempo de diagnóstico, comorbidades; número de medicamentos de uso contínuo; frequência do monitoramento da pressão arterial; presença de alguém para ajudar no controle da pressão); utilização dos serviços de saúde (número de entradas em serviços de PA; ano das entradas; diagnóstico no atendimento; se faz consulta na UBS; se participou do Programa de Hipertensão e Diabetes (HIPERDIA) na atenção básica; se possui vínculo com profissional da UBS; consulta com cardiologista nos últimos 12 meses e posse de plano de saúde).

A segunda parte do instrumento foi constituída pela Escala de Adesão Terapêutica de Oito Itens de Morisky (MMAS-oito), validada para o português ¹⁶, a qual possui oito perguntas com respostas dicotômicas (Sim/Não), considerada como desfecho, a ATM. Escore igual a oito pontos indica “alta adesão”, entre seis e sete - “moderada adesão” e inferior a seis, “baixa adesão”⁴,¹⁶. Na análise considerou-se não aderentes os usuários com baixa adesão (ATM <6) e aderentes os que apresentaram alta ou moderada adesão (ATM ≥6).

Os dados foram digitados, organizados e categorizados em uma planilha do Microsoft Office Excel 2021^® e analisados no programa R, por meio de Regressão Logística Múltipla. Para a seleção de variáveis no modelo, empregou-se o método Forward-Backward Stepwise.A medida de associação entre as variáveis explicativas foi a Odds Ratio (OR), considerando-se como desfecho a variável aleatória com distribuição binomial, Y: Adesão Terapêutica Medicamentosa (ATM) -se score for ≥ seis houve ATM ou se < 6 não houve ATM (risco).

Para a verificação da qualidade do modelo de regressão final ajustado, utilizou-se o teste de Hosmer e Lemeshow (H-L), além da obtenção de medida de área sob a curva Receiver Operating Characteristic (ROC) “area under the ROC curve” (AUC) e verificação gráfica do comportamento dos resíduos via envelope simulado da distribuição binomial.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Parecer nº 4.609.444/2021).

RESULTADOS

O escore médio de ATM obtido foi 5,92 pontos (desvio-padrão de 1,93 pontos), sendo que 86 pessoas (36,1%) foram consideradas não aderentes à terapêutica medicamentosa. Dentre as 152 (63,9%) aderentes, apenas 41 (26,9%) apresentaram alta adesão, as outras 111 pessoas (73,1%) apresentaram adesão moderada.

Destaca-se que a amostra em estudo foi constituída em sua maioria, por pessoas do sexo feminino, da cor branca, com mais de 60 anos, mais de oito anos de estudo, com companheiro e sem vínculo empregatício. Em relação às condições de saúde, mais da metade, 123 (51,9%) pessoas, tem diagnóstico de HA há mais de dez anos e a maioria tem comorbidades, faz uso diário de mais de três medicações e raramente verifica a pressão arterial (Tabela 1).

Tabela 1
Variáveis sociodemográficas e clínicas segundo a adesão ou não à terapêutica medicamentosa de pessoas que buscaram serviços de pronto atendimento por agudização e/ou complicações da hipertensão arterial sistêmica. Maringá, PR, Brasil, 2020

Adesão Terapêutica Medicamentosa
Variáveis	Não	Sim	Total
	n (%)	n (%)	n (%)
Sexo (n=238)
Masculino	33(13,9)	53(22,3)	86(36,1)
Feminino	53(22,3)	99(41,6)	152(63,9)
Raça/Cor (n=237)
Branca	61 (25,6)	112 (47,1)	173 (72,7)
Não Branca	25 (10,5)	39 (16,4)	64 (26,9)
Idade (n=238) (anos)
18 - 59	47 (19,7)	60 (25,2)	107 (45,0)
≥ 60	39 (16,4)	92 (38,7)	131 (55,0)
Escolaridade (n=238) (anos)
≤ 8	35 (14,7)	66 (27,7)	101 (42,4)
> 8	51 (21,4)	86 (36,1)	137 (57,6)
Renda familiar mensal (em salários mínimos) (n=227)
≤ 1	10 (4,4)	14 (6,2)	24 (10,6)
> 1	72 (31,7)	131 (57,7)	203 (89,4)
Ocupação (n=230)
Não ativo/não empregado	46 (20,0)	96 (41,7)	142 (61,7)
Ativo/Empregado	40 (17,4)	48 (20,9)	88 (38,3)
Estado conjugal (n=238)
Com companheiro (a)	55 (23,1)	86 (36,1)	141 (59,2)
Sem companheiro (a)	31 (13,0)	66 (27,7)	97 (40,8)
Arranjo familiar (n=238)
Sozinho	11 (4,6)	14 (5,9)	25 (10,5)
Mora com alguém	75 (31,5)	138 (58,0)	213 (89,5)
Diagnóstico estabelecido (n=238)
Não	4 (1,7)	4 (1,7)	8 (3,4)
Sim	82 (34,5)	148 (62,2)	230 (96,6)
Tempo de diagnóstico em anos (n=237)
≤ 10	45 (19,0)	69 (29,1)	114 (48,1)
> 10	40 (16,9)	83 (35,0)	123 (51,9)
Comorbidades (n=237)
Não	12 (5,1)	13 (5,5)	25 (10,5)
Sim	73 (30,8)	139 (58,6)	212 (89,5)
Números de medicamentos de uso contínuo (n=238)
≤ 2	34 (14,3)	40 (16,8)	74 (31,1)
≥ 3	52 (21,8)	112 (47,1)	164 (68,9)
Periodicidade do monitoramento da pressão arterial (n=238)
Semanal	27 (11,3)	60 (25,2)	87 (36,6)
Raramente	59 (24,8)	92 (38,7)	151 (63,4)
Alguém ajuda no controle da pressão arterial (n=238)
Não	43 (18,1)	70 (29,4)	113 (47,5)
Sim	43 (18,1)	82 (34,5)	125 (52,5)

Fonte: Os autores (2020).Nota: No total de cada variável foi considerado apenas respostas válidas.

Observa-se na Tabela 2 que 143 (60,1%) participantes tiveram duas entradas nos serviços de PA. Isto ocorreu com mais frequência no mesmo ano, em pessoas que não tinham a condição “ser hipertenso” cadastrada na UBS, que fez consulta com cardiologista no último ano, que tem alguma forma de vínculo com os profissionais da UBS e que tem plano de saúde.

Tabela 2
Adesão terapêutica e caracterização dos atendimentos nos serviços de saúde por pessoas que buscaram pronto atendimento por agudização e/ou complicações da hipertensão arterial sistêmica. Maringá, PR, Brasil, 2020

	Adesão Terapêutica Medicamentosa
Variáveis	Não	Sim	Total
	n (%)	n (%)	n (%)
Motivo das entradas (n=238)
Hipertensão primária e/ou secundária	69 (29,0)	110 (46,2)	179 (75,2)
Complicações da hipertensão	17 (7,1)	42 (17,6)	59 (24,8)
Número das entradas (n=238)
2	55 (23,1)	88 (37,0)	143 (60,1)
≥ 3	31 (13,0)	64 (26,9)	95 (39,9)
Ano(s) em que ocorreram as entradas (n=238)
Em um único ano	47 (19,7)	88 (37,0)	135 (56,7)
Em dois anos	33 (13,9)	59 (24,8)	92 (38,7)
Nos três anos	6 (2,5)	5 (2,1)	11 (4,6)
Diagnóstico de hipertensão cadastrado na UBS (n=238)
Não	53 (22,3)	77 (32,1)	130 (54,6)
Sim	33 (13,9)	31,3 (31,3)	108 (45,4)
Já passou por consulta na UBS (n=238)
Não	6 (2,5)	15 (6,3)	21 (8,8)
Sim	80 (33,6)	137 (57,1)	217 (91,2)
Já participou do HIPERDIA (n=237)
Não	64 (27,0)	106 (44,7)	170 (71,7)
Sim	22 (9,3)	45 (19,0)	67 (28,3)
Vínculo com profissionais da UBS (n=238)
Não	22 (9,2)	54 (22,7)	76 (31,9)
Sim	64 (26,9)	98 (41,2)	162 (68,1)
Passou pelo cardiologista no último ano (n=238)
Não	34 (14,3)	55 (23,1)	89 (37,4)
Sim	52 (21,8)	97 (40,8)	149 (62,6)
Possui plano de saúde (n=238)
Não	41 (17,2)	70 (29,4)	111 (46,6)
Sim	45 (18,9)	82 (34,5)	127 (53,4)

Fonte: Os autores (2020).UBS: Unidades Básicas de SaúdeNota: No total de cada variável foram consideradas apenas respostas válidas.

A tabela 3 mostra que pessoas com menos de 60 anos e as que procuraram o serviço de PA nos três anos em estudo tiveram, respectivamente, duas e cinco vezes mais chances de não ter ATM. Ainda, não ter vínculo com profissionais das UBS constituiu fator de proteção para não adesão, visto que indivíduos que tiveram contato com profissional na UBS apresentaram, aproximadamente, duas vezes mais chances de não ter ATM.

Tabela 3
Significância, Odds Ratio e, respectivos, intervalos de confiança dos fatores associados ao desfecho: Não Adesão Terapêutica Medicamentosa, considerando o modelo final ajustado (n=223). Maringá, PR Brasil, 2020

Variáveis	OR* (IC 95%)	p-valor
Idade (anos)
≥ 60	0,49 (0,27-0,903)	0,022
< 60		-
Entrada (anos)
Em três	5,08 (1,22-26,06)	0,031
Em dois	-	0,537
Apenas um		-
Número de medicamentos
≥ 3	-	0,087
< 3
Vínculo com Profissional da Unidade Básica de Saúde
Não	0,51 (0,26-0,97)	0,045
Sim		-

Fonte: Os autores (2020).
• ^*
  OR: Odds Ratio, IC: Intervalo com 95% de Confiança.

DISCUSSÃO

A maior proporção de baixa e média ATM entre os participantes do estudo corrobora meta-análise que incluiu apenas estudos que utilizaram o MMAS-8, e identificou que mais de 45% das pessoas com HA não eram aderentes ⁸. Ensaio clínico que avaliou a efetividade da orientação de alta e dos contatos telefônicos, constatou 90 dias depois, que menos de 20% dos participantes apresentavam alta adesão medicamentosa ¹⁷.

O problema da não ATM é constatado em diferentes partes do mundo. Na África Subsaariana por exemplo, a prevalência de baixa e média adesão foi de 64,4% ¹², no Nepal foi 72,0% ¹⁹ e na China 72,5% ⁴. Estes resultados reiteram a amplitude dos desafios assistenciais frente ao planejamento de estratégias que favorecem o monitoramento e as ações de estímulo a adesão direcionadas às pessoas com HA.

A literatura nacional aponta dados discordantes sobre a prevalência de ATM, além de classificação diferente, a depender do instrumento de medida utilizado. Por exemplo, no Nordeste, 12,8% das 421 pessoas com hipertensão acompanhadas pela ESF apresentaram alta adesão ⁷, mas em outro estudo nesta mesma região, os autores consideraram a taxa de adesão insatisfatória ¹⁸, enquanto no Sudeste foi considerada satisfatória ¹¹.

A identificação de relação inversa entre idade e não adesão, corrobora resultados de estudo de coorte realizado na Coréia¹⁰. Também no Centro-Oeste do Brasil, estudo com 1548 pacientes acompanhados em um Serviço Multidisciplinar de Tratamento da Hipertensão constatou menor adesão à terapêutica entre aqueles com menos de 60 anos ²⁰. É possível que os idosos assim como as pessoas que não trabalham, disponham de maior tempo para se dedicarem ao controle da condição e inclusive para utilizarem os serviços de saúde⁹, visto que melhores níveis de ATM em pessoas inativas ou desempregadas têm sido identificados ⁷.

Ainda, é provável que entre os idosos, a ATM seja reflexo de um maior tempo de convivência com a HA, maior conhecimento acerca da condição e seus riscos, e receio de complicações mais graves ou até mesmo da morte, visto já terem experienciado as consequências da não adesão ⁴. Ademais, no início da doença, sobretudo nas pessoas mais jovens, existe a possibilidade de os sintomas, especialmente os que limitam as atividades diárias, não estarem presentes ¹⁹. Isto faz com que estes indivíduos não se reconheçam como tendo uma condição crônica, levando-os a não seguir corretamente ou até mesmo abandonar o tratamento.

Referente as variáveis relacionadas às equipes e ao sistema de saúde e adesão à terapêutica, é importante considerar que as consultas e ações educativas nos serviços de saúde ocorrem em horário comercial coincidindo com o turno de trabalho de grande parcela da população em idade produtiva ⁹. Logo, não trabalhar - mais comum em idosos - favorece o acesso às ações e aos próprios serviços de saúde, além de maior disponibilidade para o manejo da condição crônica, o que pode influenciar no nível de adesão ao tratamento anti-hipertensivo.

Já o fato dos resultados do presente estudo evidenciarem associação significativa entre vínculo dos usuários com os profissionais de saúde e não ATM é no mínimo instigante. Contudo, embora os profissionais de saúde tenham papel importante junto às pessoas com doenças crônicas - informando, esclarecendo dúvidas, apoiando e incentivando-as para o autocuidado -, a adequada adesão a terapêutica é responsabilidade de quem possui a condição. Isso desafia gestores e profissionais de saúde no sentido de buscarem meios que possam contribuir para dirimir este problema. Neste sentido, ressaltamos a importância de os profissionais valorizarem mais os momentos de interação com os usuários para identificarem, com maior propriedade, os fatores que em maior ou menor grau podem interferir nesta adesão e, a partir destas informações, estabelecerem, junto com os usuários, prioridades e metas que possam ser alcançadas a curto, médio e longo prazo.

Pesquisa realizada com 270 pessoas com HA internados por complicação cardiovascular, constatou melhor adesão entre aquelas que não procuraram o serviço de emergência ou, que no período de dois anos, procuraram apenas uma vez ²¹. Outras pesquisas também constataram baixa adesão nos usuários com HA que mencionaram ter apresentado urgência hipertensiva no último ano ⁷, assim como maior risco de complicações e aumento de hospitalizações ¹³.

Ainda neste contexto, a ATM se mostrou um preditor de controle da pressão arterial, visto que um terço dos participantes com HA que eram aderentes ao tratamento, não mantinha os níveis pressóricos sob controle ¹¹. Já em pacientes idosos, a não ATM apresentou associação com polifarmácia, presença de DM e reinternações precoces ²². A constatação de que pessoas que buscaram os serviços de PA nos três anos, têm, aproximadamente, cinco vezes mais chances de não ter ATM, evidência a relação entre não adesão e descontrole da condição, corroborando o que é apontado na literatura.

No Sul do Brasil também foi identificado que quem não havia passado por consultas na APS, apresentou maior chance de não aderir à farmacoterapia e de apresentar descontrole pressórico ²³. Vale ressaltar que o descontrole pressórico demanda maior procura por serviços de saúde, o que constitui oportunidade de vinculação entre os usuários e profissionais. Contudo, estes precisam aproveitar estes contatos para, mediante assistência diferenciada, identificar os fatores que dificultam o controle da hipertensão.

Estudo realizado com 270 pacientes internados em decorrência de uma complicação cardiovascular também não identificou associação entre a ATM e estar cadastrado no Hiperdia. Porém, constatou melhor adesão entre aqueles que compareceram entre quatro a seis consultas de enfermagem ao ano e que haviam recebido orientações de saúde nos últimos seis meses ²¹. Observa-se que apesar de ações voltadas para a promoção da saúde e prevenção de agravos serem idealizadas e recomendadas ³, elas ainda configuram importante desafio à integralidade do cuidado e à Rede de Atenção existente ²⁴.

Um acompanhamento contínuo e centrado no paciente favorece a ATM e melhora da condição clínica. Ensaio clínico constatou que a proporção de ATM foi três vezes maior no grupo intervenção do que no controle ¹⁷. Interessante observar que este resultado é, em certa medida, contrário ao encontrado neste estudo, visto que vínculo com profissionais da UBS não resultou em maior adesão terapêutica.

Para que as pessoas com hipertensão possam fazer escolhas conscientes sobre os hábitos necessários ao controle da condição, elas necessitam ser motivadas, informadas e devidamente instrumentalizadas sobre a doença, possíveis complicações e tratamentos, assim como sobre modos de prevenção ¹⁴. Isto porque inúmeros fatores podem ter impacto significativo sobre o comportamento de uso de medicamentos, entre os quais se encontram a presença de efeitos colaterais, dificuldades na administração dos mesmos e restrições financeiras ²⁵.

No presente estudo, a escolaridade não apresentou associação com o nível de ATM, o que difere do que frequentemente é encontrado na literatura ⁴,⁷,⁹,²⁶. A pouca escolaridade interfere no letramento em saúde ⁹ - capacidade da pessoa para ler e interpretar as informações escritas¹⁴ em bulas e receituários médicos e até mesmo para compreender o manejo da condição, a partir dos planos de cuidados estabelecidos.

Nesta direção, estudo realizado com 500 indivíduos com HA e DM na Colômbia constatou que não conseguir ler informações escritas sobre o manejo da condição e não receber informações sobre os benefícios dos medicamentos prescritos foram apontados como causa dos baixos níveis de adesão encontrados, os quais por sua vez, estavam fortemente relacionadas com o nível de escolaridade e conhecimento ¹⁴. Observa-se, portanto, a necessidade de se considerar os diferentes fatores que podem influenciar na ATM, em especial aqueles relacionados às informações oferecidas pelos profissionais de saúde e até mesmo o nível de compreensão dos pacientes.

Em relação às condições da doença, observou-se que os participantes que faziam uso de três ou mais medicamentos também apresentaram melhores níveis de ATM, tal como identificado em outros estudos ⁷,¹⁰,¹². Talvez isto se deva ao fato de a pessoa acreditar que, quanto maior o número de medicamentos, maior é a gravidade da enfermidade e por isto ficam mais atentas e se dedicam mais ao manejo de sua condição de saúde, com o intuito de restabelecer o bem-estar e qualidade de vida ¹⁰.

Contudo, evidencia-se que quanto maior o número de medicamentos de uso contínuo, maior a dificuldade de tomá-los corretamente, resultando em menor ATM, o que justifica o movimento contrário à polifarmácia e incentivo a monoterapia ²⁷. Nesta direção, revisão com meta-análise evidenciou a importância da monoterapia na melhor adesão e desfecho clínico (com a redução de consultas ambulatoriais e de emergências, e internações) em pessoas com HA²⁶. Cabe destacar que em estudo realizado a partir da consulta a prontuários de 135 pessoas com hipertensão acompanhadas em uma UBS no sul do Brasil, constatou que a proporção daqueles com descompensação de sua condição de saúde foi menor entre os que faziam uso da monoterapia do que entre os com terapia dupla ²⁸.

Ressalta-se que a elevada proporção de não ATM, a recorrência de complicações agudas da HA e a pouca ou nenhuma influência dos serviços de saúde sobre estas condições, evidenciam a urgente necessidade de inovação na assistência prestada às pessoas com HA na APS. Os serviços de telemonitoramento e o envio de mensagem por telefonia móvel constituem possibilidades de intervenções a serem consideradas ¹⁸ e inclusive sugeridas na última Diretriz Brasileira de Hipertensão. Elas já se mostraram efetivas em diferentes países e condições ¹⁷, ²⁹-³⁰, mas ainda são pouco utilizadas no Brasil.

No contexto assistencial da APS, os enfermeiros são envolvidos com a gestão organizacional e a mediação do trabalho das demais categorias profissionais, além de responsáveis por muitas outras atividades. Contudo, como possuem capacidade técnica e é o profissional mais acessível à população, em especial às pessoas com condições crônicas ²¹, a relação/vínculo com o usuário e a educação em saúde devem constituir foco prioritário de sua atuação. É essencial oportunizar a essas pessoas, acesso a um cuidado de enfermagem centrado na integralidade da assistência, favorecendo a ATM. Ademais, a integração entre os diferentes pontos da rede de Atenção à saúde pode favorecer a identificação precoce da população que procura os serviços de PA por complicações agudas da HA, possibilitando que ela seja assistida de forma diferenciada na APS.

As limitações do estudo relacionam-se ao delineamento transversal, por não permitir estabelecer relações de causalidade e o fato das informações clínicas terem sido obtidas por autorrelato, e, portanto, sujeitas ao viés de recordação. Ademais, o fato de as entrevistas terem sido realizadas por contato telefônico, pode ter comprometido algumas respostas, mas esta era a estratégia possível na ocasião, devido às medidas de distanciamento social impostos para reduzir o avanço da pandemia causada pelo SARS-CoV-2.

CONCLUSÃO

A não adesão à terapêutica medicamentosa em pessoas que procuraram os serviços de PA por crise hipertensiva e/ou complicações, apresentou associação com idade inferior a 60 anos, ter vínculo com profissionais da APS e procura pelos serviços de PA nos três anos em estudo.

Os resultados encontrados podem subsidiar discussões entre gestores e profissionais de saúde, em especial os enfermeiros que por vezes atuam como líderes de equipe, quanto à importância da implementação de intervenções educativas, assistência e ações de monitoramento com foco na não adesão terapêutica como estratégia de prevenção dos fatores de risco e complicações decorrentes da hipertensão. Neste sentido, destaca-se a relevância de se estabelecer indicadores e metas a serem alcançados junto aos usuários com HA residentes no território de abrangência de cada UBS / Estratégia Saúde da Família.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editora associada: Dra. Luciana Nogueira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  16 Jun 2022
• Aceito
  09 Dez 2022