Acessibilidade / Reportar erro

VIOLÊNCIA INTERPESSOAL CONTRA ADOLESCENTES: ANÁLISE DOS CASOS NOTIFICADOS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

RESUMO

Objetivo:

identificar a frequência de notificação de violência interpessoal contra adolescentes no Espírito Santo - Brasil, e os fatores associados.

Método:

estudo transversal com dados do Sistema de Informação de Agravos e Notificação de 2011 a 2018. As associações foram testadas pelo teste qui-quadrado de Pearson e regressão de Poisson.

Resultados:

a frequência de violência interpessoal foi de 72,2%. O desfecho esteve associado a adolescentes do sexo masculino; com idade de 10 a 12 anos; da raça/cor preta/parda; que não apresentavam deficiências/transtornos; à ocorrência em via pública; aos agressores do sexo masculino e que estavam sob suspeita de consumo de álcool (p< 0,05).

Conclusão:

a violência interpessoal é um agravo de sérias implicações ao longo da vida. Esse estudo contribui para revelar a importância da vigilância de violência, a fim de conhecer a magnitude do agravo, bem como suas características para promoção da saúde, prevenção do evento e intervenção.

DESCRITORES:
Violência; Adolescente; Notificação; Sistemas de Informação em Saúde; Estudos transversais

ABSTRACT

Objective:

to identify the notification frequency of interpersonal violence against adolescents in Espírito Santo, Brazil, and its associated factors.

Method:

a cross-sectional study conducted with data from the Information System on Notifiable Health Problems from 2011 to 2018. The associations were tested by means of Pearson’s chi-square test and Poisson regression.

Results:

the frequency of interpersonal violence was 72.2%. The outcome was associated with male adolescents, aged from 10 to 12 years old, of black/brown race/skin color, with no disabilities/disorders, occurrence on public roads, and male aggressors who were suspected of alcohol consumption (p<0.05).

Conclusion:

interpersonal violence is a problem with severe implications throughout life. This study helps to reveal the importance of surveilling violence in order to know the magnitude of the problem, as well as its characteristics for health promotion, prevention of the events and due intervention.

DESCRIPTORS:
Violence; Adolescent; Notification; Health Information Systems; Cross-Sectional Studies

RESUMEN

Objetivo:

identificar la frecuencia de notificación de casos de violencia interpersonal contra adolescentes en Espírito Santo, Brasil, y los factores asociados.

Método:

estudio transversal realizado entre 2011 y 2018 con datos del Sistema de Información sobre Problemas de Salud de Notificación Obligatoria. Las asociaciones se sometieron a las pruebas chi-cuadrado de Pearson y regresión de Poisson.

Resultados:

la frecuencia de violencia interpersonal fue del 72,2%. El desenlace se asoció con adolescentes varones, de 10 a 12 años de edad, de raza negra/morena y sin discapacidades/trastornos; al igual que con incidentes en la vía pública y agresores del sexo masculino bajo sospecha de consumo de alcohol (p < 0,05).

Conclusión:

la violencia interpersonal es un problema con graves repercusiones a lo largo de la vida. Este estudio contribuye a revelar la importancia de supervisar la violencia con el fin de conocer la magnitud del daño, como también sus características para la promoción de la salud, prevención de los eventos y debida intervención.

DESCRIPTORES:
Violencia; Adolescente; Notificación; Sistemas de Información en Salud; Estudios Transversales

HIGHLIGHTS

  1. Maior prevalência de violência interpessoal contra adolescentes do sexo masculino.

  2. Maior prevalência de violência interpessoal contra adolescentes de raça negra.

  3. A vigilância de violência é essencial para interrupção do ciclo da violência.

HIGHLIGHTS

  1. Maior prevalência de violência interpessoal contra adolescentes do sexo masculino.

  2. Maior prevalência de violência interpessoal contra adolescentes de raça negra.

  3. A vigilância de violência é essencial para interrupção do ciclo da violência.

INTRODUÇÃO

A adolescência é um período marcado pelo rápido desenvolvimento físico, cognitivo, social, emocional e sexual. Durante essa fase, muitos comportamentos de risco são consolidados, exigindo-se atenção especial nas políticas e nos programas voltados para esse público11 World Health Organization. Global accelerated action for the health of adolescents (AA-HA!): guidance to support country implementation. [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2017 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/49095/9789275719985-por.pdf?ua=1
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1...
.

Dentre os maiores riscos que atingem essa faixa etária, está a violência. A violência interpessoal está entre as principais causas de morte em adolescentes e jovens em todo o mundo, causando quase um terço de todas as mortes de adolescentes do sexo masculino em países de baixa e média renda na Região das Américas22 World Health Organization. Adolescent and young adult health. [Internet]. 2022 [access on 2022 sep 10]. Available in: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/adolescents-health-risks-and-solutions.
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
.

Em relação à mortalidade por violência no Brasil, segundo documento produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) utilizando os registros de ocorrências policiais e de autoridades de segurança pública, entre 2016 e 2020 ocorreram 34.918 mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes, sendo a maioria das vítimas os adolescentes de 15 a 19 anos33 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência contra crianças e adolescentes (2019-2021). [Internet]. 2022 [access on 2022 sep 10]. Available in: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/12/violencia-contra-criancas-e-adolescentes-2019-2021.pdf.
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
.

Esse fenômeno tem levado a um aumento expressivo na morbimortalidade, contribuindo para a diminuição da expectativa e qualidade de vida, principalmente entre os jovens e adolescentes, aumentando os cuidados e custos para a saúde e a previdência, o absenteísmo no trabalho e na escola e a desestruturação familiar e pessoal44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [access on 2022 sep 15]. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. A violência sofrida nesse período pode resultar em sérias consequências físicas e psicossociais aos indivíduos, tendo influência diretamente na qualidade de vida desse grupo55 Malta DC, Bernal RTI, Pugedo FSF, Lima CM, Mascarenhas MDM, Jorge A de O, et al. Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciênc saúde coletiva. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 14]; 22:2899-908. Available in: https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
.

A partir da promulgação da Lei n. 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, a legislação brasileira passou a reconhecer a infância e a adolescência como fases de desenvolvimento peculiares, estabelecendo a necessidade de proteção integral à criança e ao adolescente a fim de lhes garantir o desenvolvimento em condições de liberdade e dignidade. Sendo estabelecidas as notificações de suspeitas ou confirmações da violência como compulsórias, devem ser reportadas ao Conselho Tutelar, conforme se estabelece no Artigo nº13 do ECA66 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. [Internet]. 16 June. 1990 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.html
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
.

No setor saúde, em 2001, o MS publicou a Portaria nº 1.968, que estabeleceu a notificação, às autoridades competentes, de casos de suspeita ou de confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes atendidos nas entidades do SUS44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [access on 2022 sep 15]. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Sendo assim, a notificação compulsória de violência interpessoal contra crianças e adolescentes possui como propósito acionar a rede de proteção social, a fim de cessar as formas de abuso e restituir seus direitos77 Lima J de S, Deslandes SF. A notificação compulsória do abuso sexual contra crianças e adolescentes: uma comparação entre os dispositivos americanos e brasileiros. Interface (Botucatu). [Internet]. 2011 [access on 2022 sep 15]; 15:819-32. Available in: https://doi.org/10.1590/S1414-32832011005000040
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201100...
, podendo ser realizada junto a outras instituições, que devem atuar articuladas a ele, como as Delegacias de Proteção da Criança e do Adolescente e o Ministério Público.

Diante das responsabilidades já estabelecidas por lei, é imprescindível que o profissional de saúde tenha um conhecimento amplo sobre a problemática da violência, para cumprir com o seu compromisso ético e legal. Devendo a ele comunicar oficialmente aos órgãos pertinentes, os casos suspeitos ou confirmados de violência contra os adolescentes, com vistas à prevenção do problema, acompanhamento e proteção das vítimas77 Lima J de S, Deslandes SF. A notificação compulsória do abuso sexual contra crianças e adolescentes: uma comparação entre os dispositivos americanos e brasileiros. Interface (Botucatu). [Internet]. 2011 [access on 2022 sep 15]; 15:819-32. Available in: https://doi.org/10.1590/S1414-32832011005000040
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201100...
.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo é identificar a frequência de notificação de violência interpessoal contra adolescentes no Espírito Santo e os fatores associados.

MÉTODO

Estudo epidemiológico, analítico do tipo transversal, utilizando dados das notificações de casos de violência interpessoal registrados no Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN), no estado do Espírito Santo, Brasil, no período de 2011 e 2018. O período de escolha do estudo justifica-se pois somente a partir de 2011, mediante a Portaria nº 104 de 25 de janeiro de 2011, todas as violências passaram a integrar a lista nacional das doenças e agravos de notificação compulsória88 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 104 de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da União, [Internet]. 13 July 2011 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
.

O Ministério da Saúde adota como adolescentes os indivíduos com faixa etária de 10 a 19 anos, conforme definição da Organização Mundial da Saúde44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [access on 2022 sep 15]. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. A definição de caso de violência interpessoal, para fins de notificação, contra adolescentes corresponde ao caso suspeito ou confirmado de todas as formas de violência doméstica/intrafamiliar, extrafamiliar/comunitária, sexual, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbicas44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [access on 2022 sep 15]. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

Para o estudo da violência interpessoal como desfecho, foi utilizado o campo número 54 “A Lesão foi autoprovocada?” da ficha de notificação de violência. Foram considerados como casos de violência interpessoal os campos marcados como “Não”. As variáveis independentes, foram agrupadas em características da vítima, do agressor e do evento.

Em relação às características da vítima foram analisadas as variáveis sexo (masculino; feminino), faixa etária (em anos: 10 a 12; 13 a 17; 18 a 19), raça/cor (branca; preta/parda), deficiências/transtornos (não; sim), zona de residência (urbana/periurbana; rural). No que concerne ao agressor, foi considerada a faixa etária (em anos: zero - 24; 25 ou mais), o sexo (masculino; feminino; ambos), suspeita de uso de álcool (não; sim). Quanto ao evento, foram observadas as seguintes variáveis: local de ocorrência (residência; via pública; outros) violência de repetição (não; sim) encaminhamento (não; sim)

Os dados foram previamente qualificados conforme orientações do instrutivo de notificações de violência interpessoal e autoprovocada44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [access on 2022 sep 15]. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Em seguida, foram analisados por meio do programa estatístico Stata versão 14.1. Os resultados foram apresentados por meio de frequência absoluta e relativa, bem como os intervalos de confiança 95% (IC95%). Para a análise bivariada, foi empregado o teste qui-quadrado de Pearson. Na análise multivariada, para obter a associação entre os casos de violência interpessoal contra adolescentes e as variáveis de exposição, foram calculadas as razões de prevalências (RP), brutas e ajustadas, e seus IC95%, conforme modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Nessa última análise foram incluídas as variáveis que apresentam p <0,20 na análise bivariada. Na análise multivariada não foi incluída a variável independente “encaminhamento”, por se tratar de uma situação ocorrida após o desfecho analisado.

Este estudo faz parte do projeto Violência nos diferentes ciclos de vida no estado do Espírito Santo: uma análise epidemiológica, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo identificado pela inscrição do número de parecer 2.819.597.

RESULTADOS

Entre os anos de 2011 e 2018, dentre os casos de notificação de violência contra adolescentes, 6.348 (72,1%. IC 95% 71,1-73,0) notificações foram de violência interpessoal. A maioria das vítimas eram do sexo feminino (N: 4.070 64,1%), na faixa etária de 13 a 17 anos (N: 3.902 61,5%), raça/cor preta/parda (N: 4.229 76,8%), sem deficiências/transtornos (N: 4.895. 91,6%) e residiam em zona urbana/periurbana (N: 5.775 91,3%).

Quanto à caracterização do agressor, a maior parte apresentava faixa etária de até 24 anos (N: 1.582 51,7%), sexo masculino (N: 4.273 83,6%) e não estava sob suspeita de uso de álcool (N: 2.287 69,6%). Em relação ao evento, mais da metade ocorreu na residência (N: 2.878 53%) e não era de repetição (N: 2.697 56,4%). Os encaminhamentos aconteceram em aproximadamente 5.448 (87%) dos casos (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos casos notificados de violência interpessoal contra adolescentes. Espírito Santo, 2011-2018 (N= 6348)

A Tabela 2 apresenta os resultados da análise bivariada da violência interpessoal contra adolescentes e as variáveis independentes, na qual nota-se relação com todas as variáveis estudadas (p< 0,05).

Tabela 2
Distribuição das características das notificações de violência interpessoal contra adolescentes (N=6.348). Espírito Santo, 2011-2018.

Na análise multivariada (Tabela 3), após o controle das variáveis de confusão, constata-se que a notificação de violência interpessoal contra adolescentes foi 17% maior entre vítimas do sexo masculino (RP =1,17; IC95% 1,14 - 1,21); assim como há uma frequência maior entre os pertencentes à faixa etária entre 10 a 12 anos (RP = 1,17; 1,13 - 1,22); raça/cor preta/parda (RP = 1,10; IC95% 1,06 - 1,13); e que não apresentam deficiências/transtornos (RP = 1,59; IC95% 1,48 - 1,70).

Outro achado foi a maior prevalência de agressores do sexo masculino (RP = 2,49; IC95% 2,32 - 2,68), e, sob suspeita de uso de álcool (RP = 1,15; IC95% 1,11 - 1,19). O local de ocorrência mais comum das violências interpessoais contra adolescentes notificadas foi a via pública (RP = 1,45; IC95% 1,39 - 1,51) quando comparado às residências (Tabela 3).

Tabela 3
Análise bivariada com a razão de prevalências bruta e o modelo multivariado com a razão de prevalências ajustada das variáveis associadas aos casos de violência interpessoal contra adolescentes (N=6348). Espírito Santo, 2011-2018.

DISCUSSÃO

No Espírito Santo entre os anos de 2011 e 2018 foi identificada uma prevalência de 72,1% de notificações de violência interpessoal contra adolescentes, sendo a maior prevalência contra adolescentes do sexo masculino, com idade de 10 a 12 anos, da raça/cor parda/preta e que não possuem deficiência e/ou transtorno, sendo o local de ocorrência em via pública, os agressores do sexo masculino, e sob suspeita de uso de álcool no momento do ocorrido.

O presente estudo constatou que a notificação de violência interpessoal contra adolescentes foi 17% maior entre adolescentes do sexo masculino. De acordo com outros estudos, os meninos se envolvem com maior frequência em eventos violentos em comparação às meninas, seja como vítima ou como agressor99 Azeredo CM, Levy RB, Araya R, Menezes PR. Individual and contextual factors associated with verbal bullying among Brazilian adolescents. BMC Pediatr [Internet]. 2015 [access on 2022 sep 12]; 15:49. Available in: https://bmcpediatr.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12887-015-0367-y
https://bmcpediatr.biomedcentral.com/art...
-1010 Silva AN, Marques ES, Peres MFT, Azeredo CM. Tendência de bullying verbal, violência doméstica e envolvimento em brigas com armas entre adolescentes das capitais brasileiras de 2009 a 2015. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2019 [access on 2022 sep 12]; 35:e00195118. Available in: https://doi.org/10.1590/0102-311x00195118
https://doi.org/10.1590/0102-311x0019511...
. Ainda, vale ressaltar que o resultado fatal da violência interpessoal, ou seja, o homicídio, representa a primeira e a segunda causa de morte, respectivamente, em adolescentes do sexo masculino e feminino no Brasil, sendo maior no sexo masculino em comparação ao sexo feminino1111 Malta DC, Minayo MC de S, Cardoso LS de M, Veloso GA, Renato Azeredo Teixeira RA, Pinto IV, et al. Mortalidade de adolescentes e adultos jovens brasileiros entre 1990 e 2019: uma análise do estudo Carga Global de Doença. Ciência Saúde Colet. [Internet]. 2021 [access on 2022 sep 15]; 26(9). Available in: https://www.scielo.br/j/csc/a/sVhCTzxtpTn8frtTHTDyNLS/abstract/?lang=pt
https://www.scielo.br/j/csc/a/sVhCTzxtpT...
.

Nesse contexto, é importante considerar que o gênero é internalizado por meio da socialização, um processo cultural de incorporação de maneiras de representar o eu e atribuir valor e comportamento no mundo. Dessa forma, a masculinidade é construída a partir das expectativas sociais sobre o que é ser homem, esperando que esses se envolvam em comportamentos de risco, tenham dificuldades para demonstrar ou discutir suas emoções e procurar ajuda. Esse perfil está associado a maiores taxas de violência interpessoal, homicídio suicídio, acidentes de trânsito entre os homens, e outros1212 Pan American Health Organization. Masculinities and Health in the Region of the Americas. [Internet] 2019 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51804
https://iris.paho.org/handle/10665.2/518...
.

Neste estudo, a violência foi mais prevalente na faixa etária de 10 a 12 anos, para ambos os sexos. Embora o desfecho fatal ocorra em adolescentes mais velhos, a literatura aponta que quanto menor a idade da vítima, maior é a ocorrência de violência, sobretudo, doméstica1313 Assis SG de, Avanci JQ, Pesce RP, Pires T de O, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Ciênc saúde coletiva. [Internet]. 2012 [access on 2022 sep 15]; 17:2305-17. Available in: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900012
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
. Vale considerar que agressores exercem uma situação de domínio sobre os mais indefesos. Esses por sua vez, devido à imaturidade emocional muitas vezes possuem dificuldade em reconhecer as situações de violência1414 Siqueira V de B, Leal IS, Fernandes FECV, Melo RA de, Campos MEA de L. Violência psicológica contra mulheres usuárias da atenção primária à saúde. Revista de APS. [Internet]. 2018 [access on 2022 sep 15]; 21(3). Available in: https://doi.org/10.34019/1809-8363.2018.v21.16379
https://doi.org/10.34019/1809-8363.2018....
.

É possível, portanto, compreender que quanto menor a idade, maior a vulnerabilidade, e maior o risco de violência, pois a realização das atividades básicas depende do cuidador1515 Nunes AJ, Sales MCV. Violência contra crianças no cenário brasileiro. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2016 [access on 2022 sep 14]; 21:871-80. Available in: https://doi.org/10.1590/1413-81232015213.08182014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015213...
. Esses fatores associados à dependência física, emocional e financeira, levam o indivíduo que está em situação de violência a depender de uma rede de apoio para denunciá-la.

Em relação à maior proporção de vítimas de raça/cor negra observada nesse estudo, esse achado corrobora com outros estudos na literatura. De acordo com estudo brasileiro que analisou os fatores associados à violência intrafamiliar contra adolescentes, a chance de um adolescente de raça negra sofrer violência foi maior em comparação a adolescentes brancos1616 Antunes JT, Machado ÍE, Malta DC. Fatores de risco e proteção relacionados à violência intrafamiliar contra os adolescentes brasileiros. Rev bras epidemiol. [Internet]. 2020 [access on 2022 sep 14]; 23. Available in: https://doi.org/10.1590/1980-549720200003.supl.1.
https://doi.org/10.1590/1980-54972020000...
. Assim como em outro estudo adolescentes pretos apresentavam maior prevalência de violência interpessoal, como bullying e violência doméstica. Vale ressaltar que os indicadores da pesquisa relativos à violência foram menos frequentes entre adolescentes brancos1717 Malta DC, Stopa SR, Santos MAS, Andrade SSC de A, Oliveira MM de, Prado RR do, et al. Fatores de risco e proteção de doenças e agravos não transmissíveis em adolescentes segundo raça/cor: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev bras epidemiol. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 14]; 20:247-59. Available in: https://doi.org/10.1590/1980-5497201700020006.
https://doi.org/10.1590/1980-54972017000...
.

Decorrente do racismo, existe a perpetuação dos estereótipos sobre o negro na sociedade, associando-o a um indivíduo perigoso ou criminoso, o que pode fazer aumentar a probabilidade de vitimização destes indivíduos, além de fazer perpetuar determinados estigmas existentes1818 Cerqueira, DRC, Moura, RL. Vidas perdidas e racismo no Brasil. [Internet]. 2013 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://www.ipea.gov.br/igualdaderacial/index.php?option=com_content&view=article&id=782.
https://www.ipea.gov.br/igualdaderacial/...
. Esses estereótipos se manifestam através da letalidade da violência contra adolescentes no Brasil. De acordo com os dados apresentados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Unicef, na adolescência 80,0% dos homicídios foram entre aqueles declarados como negros33 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência contra crianças e adolescentes (2019-2021). [Internet]. 2022 [access on 2022 sep 10]. Available in: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/12/violencia-contra-criancas-e-adolescentes-2019-2021.pdf.
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
.

É necessário destacar que as desigualdades sociais entre indivíduos da raça negra, acarretam inúmeras vulnerabilidades, principalmente na saúde, portanto, a raça/cor deve ser compreendida como uma variável social que traz em si a carga das construções históricas e culturais1919 Araújo EM de, Costa M da CN, Hogan VK, Araújo TM de, Dias AB, Oliveira LOA. A utilização da variável raça/cor em Saúde Pública: possibilidades e limites. Interface (Botucatu). [Internet]. 2009 [access on 2022 sep 14]; 13:383-94. Available in: https://doi.org/10.1590/S1414-32832009000400012
https://doi.org/10.1590/S1414-3283200900...
.

Foi encontrada uma menor prevalência de violência contra adolescentes que apresentavam deficiência e/ou transtorno. Esse achado contradiz estudo transversal que relata maior prevalência de violência em vítimas com deficiência e/ou transtorno2020 Pereira VO de M, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violências contra adolescentes: análise das notificações realizadas no setor saúde, Brasil, 2011-2017. Rev bras epidemiol. [Internet]. 2020 [access on 2022 sep 15]; 23. Available in: https://doi.org/10.1590/1980-549720200004.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972020000...
. De acordo com revisão sistemática com metanálise, as chances de crianças e adolescentes com deficiência serem vítimas de violência eram 3,7% maior compara àquelas sem deficiência2121 Jones L, Bellis MA, Wood S, Hughes K, McCoy E, Eckley L, et al. Prevalence and risk of violence against children with disabilities: a systematic review and meta-analysis of observational studies. The Lancet. [Internet]. 2012 [access on 2022 sep 14]; 380(9845):899-907. Available in: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22795511/
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22795511...
. Pessoas com deficiência vivenciam situações constrangedoras e excludentes, além de humilhantes e, tem sido instrumento de uso e abuso da pessoa sem deficiência, seja de abuso físico, moral ou psicossocial2222 Fernandes APC dos S, Denari FE. Pessoa com deficiência: estigma e identidade. Revista da FAEEBA [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 15]; 26(50):77-89. Available in: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/4263/2661
https://www.revistas.uneb.br/index.php/f...
. A divergência do resultado apresentado nesse estudo com a literatura pode ser devido aos adolescentes com deficiência dependerem mais de outros para serem levados aos serviços de saúde, fazendo que ocorra uma maior subnotificação nesse grupo. Mais estudos precisam ser realizados no Brasil para revelar a extensão desse problema.

A violência em via pública se destacou como local de ocorrência da violência, divergindo de estudo realizado em Salvador, que aponta para a residência como maior local de incidência do fenômeno. O fato da via pública se apresentar como principal local de ocorrência no presente estudo, pode se justificar pelos adolescentes começarem a ter maior contato com a violência extrafamiliar, mudando hábitos de vida, passando a sair com maior frequência, frequentar festas e baladas, expondo-se a mais riscos em espaços públicos55 Malta DC, Bernal RTI, Pugedo FSF, Lima CM, Mascarenhas MDM, Jorge A de O, et al. Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciênc saúde coletiva. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 14]; 22:2899-908. Available in: https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
. Dessa forma, adolescentes mais velhos, com idade de 15 a 19 anos, mais suscetíveis às violências praticadas em vias públicas, enquanto adolescentes mais jovens e crianças estão mais susceptíveis à violência doméstica55 Malta DC, Bernal RTI, Pugedo FSF, Lima CM, Mascarenhas MDM, Jorge A de O, et al. Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciênc saúde coletiva. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 14]; 22:2899-908. Available in: https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
.

A presente pesquisa mostra maior prevalência de agressores do sexo masculino quando comparado ao sexo feminino. Esse achado também foi encontrado em estudo, igualmente sobre dados do Sinan, realizados em Salvador no período de 2009 a 2015, que mostrou que a maioria dos agressores nos casos da violência física e sexual eram do sexo masculino, sendo 78,4% e 96,2% respectivamente2323 Andrade C dos SS, Costa MCO, Silva MLCA da, Barreto CSLA. Notificação da violência física e sexual de crianças e adolescentes: o papel do sistema de vigilância de violências e acidentes/VIVA. Rev. Saúde Col. [Internet]. 2018 [access on 2022 sep 15]; 8:46-53. Available in: https://doi.org/10.13102/rscdauefs.v8i1.2974
https://doi.org/10.13102/rscdauefs.v8i1....
.

Nas concepções sociais, ser homem é possuir uma masculinidade viril, agressiva, constituída a partir de significados que associam o ser masculino ao poder. Isso reforça o estereótipo que o homem não deve ter medo, não pode chorar, demonstrar sentimentos e que deve sempre demonstrar coragem. Portanto, a necessidade de afirmar esse estereótipo é manifestada por meio de comportamentos agressivos, o que torna esses homens atores da violência, e alvos dela2424 Souza ER de. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciênc saúde coletiva. [Internet]. 2005 [access on 2022 sep 15]; 10:59-70. Available in: https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000100012
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200500...
.

É importante considerar que a transmissão intergeracional da violência é um fator importante na construção dos homens como autores de violência. De acordo com a literatura, pessoas com história de violência na infância ou que testemunharam violência doméstica são mais propensas a reproduzirem os atos de violência na vida adulta2525 Genç E, Su Y, Durtshi J. Moderating factors associated with interrupting the transmission of domestic violence among adolescents. J Interpers Violence. 2021 [access on 2022 sep 15]; 36(9-10):NP5427-46. Available in: https://doi.org/10.1177/0886260518801018
https://doi.org/10.1177/0886260518801018...
-2626 Kong J, Lee H, Slack KS, Lee E. The moderating role of three-generation households in the intergenerational transmission of violence. Child Abuse Negl. 2021[access on 2022 sep 15]; 117:105117. Available in: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2021.105117
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2021.10...
.

Em relação à suspeita do uso de álcool pelo agressor estar associada a uma maior prevalência de violência interpessoal contra adolescentes, esse achado também foi comum em outros estudos, que identificaram associação significativa entre a ocorrência da violência e o uso de bebida alcoólica2323 Andrade C dos SS, Costa MCO, Silva MLCA da, Barreto CSLA. Notificação da violência física e sexual de crianças e adolescentes: o papel do sistema de vigilância de violências e acidentes/VIVA. Rev. Saúde Col. [Internet]. 2018 [access on 2022 sep 15]; 8:46-53. Available in: https://doi.org/10.13102/rscdauefs.v8i1.2974
https://doi.org/10.13102/rscdauefs.v8i1....
,2727 Ferreira TB, Lopes AOS. Alcoolismo, um caminho para a violência na conjugalidade. Revista Uniabeu. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 15]; 10(24):95-110. Available in: https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RU/article/view/2527/pdf
https://revista.uniabeu.edu.br/index.php...
. Vários modelos têm sido propostos para explicar as complexas relações entre violência ou agressão e consumo de álcool. Múltiplos fatores devem ser considerados a respeito dos efeitos do álcool na ocorrência de violência, tais como, a quantidade ingerida; as normas culturais relacionadas ao uso da violência, incluindo as normas de gênero; aspectos do ambiente em que o álcool é consumido, como fortes associações culturais entre beber e violência, consumo de álcool em contextos em que a violência é mais provável, e maior tolerância à violência quando as pessoas estão bebendo1212 Pan American Health Organization. Masculinities and Health in the Region of the Americas. [Internet] 2019 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51804
https://iris.paho.org/handle/10665.2/518...
.

De acordo com a literatura, o abuso de substâncias aparentemente reduz as inibições em torno da violência, diminuindo o medo de situações de risco e os sentimentos de culpa que surgiriam sem esse consumo2828 Castillo Fernández E, Gómez Sánchez EJ, Mata-Martín JL, Ramírez Ucles I, López Torrecillas F, Castillo Fernández E, et al. Perfil diferencial de trastornos de personalidad en el consumo de drogas y maltrato. Acción Psicol. [Internet]. 2016 [access on 2022 sep 15]; 13(1):31-40. Available in: https://doi.org/10.5944/ap.13.1.17394
https://doi.org/10.5944/ap.13.1.17394...
, dessa forma sugere-se que o que o álcool pode facilitar o comportamento agressivo.

É preciso enfatizar que no Brasil o uso abusivo de álcool é, em parte, incentivado pela cultura do país. Além do mais, configura-se também como um problema de saúde pública por gerar como consequência a desordem familiar, social, física e psíquica, podendo acarretar a violência2727 Ferreira TB, Lopes AOS. Alcoolismo, um caminho para a violência na conjugalidade. Revista Uniabeu. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 15]; 10(24):95-110. Available in: https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RU/article/view/2527/pdf
https://revista.uniabeu.edu.br/index.php...
.

Por fim, no contexto apresentado nesse estudo do adolescente como vítima de violência, é relevante frisar que a literatura aponta que o histórico violência na infância está relacionado a maiores problemas com álcool na vida adulta2929 Hall OT, Phan KL, Gorka S. Childhood adversity and the association between stress sensitivity and problematic alcohol use in adults. J Trauma Stress. 2022 [access on 2022 sep 15]; 35(1):148-58. Available in: https://doi.org/10.1002/jts.22709
https://doi.org/10.1002/jts.22709...
-3030 Ramos-Olazagasti MA, Bird HR, Canino GJ, Duarte CS. Childhood Adversity and Early Initiation of Alcohol Use in Two Representative Samples of Puerto Rican Youth. J Youth Adolesc. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 15]; 46(1):28-44. Available in: https://doi.org/10.1007/s10964-016-0575-2
https://doi.org/10.1007/s10964-016-0575-...
. Portanto, ressalta-se mais uma vez a importância do rompimento do ciclo da violência nos estágios mais recentes da vida, como na infância e na adolescência.

Quanto às limitações da presente pesquisa, em se tratando de um estudo transversal, não é possível ter certeza da causalidade das associações. Ainda, o uso de dados secundários influi na qualidade dos dados obtidos, uma vez que há a subnotificação ainda existente nos serviços, que tem como causas desde a falta de capacitação dos profissionais em identificar e notificar episódios de violências ou o inadequado preenchimento da ficha de notificação, até a atuação insatisfatória dos órgãos competentes no comprimento de medidas e direitos das vítimas.

CONCLUSÃO

Ante a gravidade social e epidemiológica da violência cometida contra adolescentes, estudos sobre tais agressões notificadas ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) poderão contribuir para ampliar o conhecimento relacionado às violências praticadas contra esse grupo e orientar o delineamento de políticas públicas para a sua prevenção.

A partir dos resultados apresentados, conclui-se que a frequência de violência interpessoal contra adolescentes é alta, encontrando-se associada a uma maior ocorrência nas seguintes situações: quando as vítimas são do sexo masculino, indivíduos de 10 a 12 anos de idade, raça/cor negra e/ou parda, não apresentando nenhum tipo de deficiência ou transtorno, com reincidência, e residentes da zona rural; quando o agressor é do sexo masculino e sob suspeita de uso de álcool; e quando o caso de violência ocorre em via pública.

Diante do exposto, para que o enfrentamento à violência se efetive é de suma importância que serviços e instituições atuem de forma articulada e integrada no âmbito da assistência, fazendo-se necessário qualificar cada vez mais as informações para conhecer a magnitude e as características do problema para realizar vigilância, promover saúde e prevenir a ocorrência da violência.

Percebe-se então a necessidade de ampliar a visibilidade e discussão da violência contra os adolescentes para que a sociedade esteja mais comovida acerca desse tema, e para que os profissionais de saúde sejam capacitados e possam identificar, notificar e enfrentar esse agravo, a fim de proporcionar maior qualidade de atendimento.

Espera-se, diante da gravidade epidemiológica e social exposta, que atual estudo possa contribuir para ampliar e delinear políticas públicas voltadas para esse fenômeno de acordo com a legislação vigente, assegurando a proteção e direitos desses indivíduos, não permitindo que o ciclo de vitimização e sofrimento se perpetue.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo pelo financiamento do projeto de pesquisa através do Edital FAPES/CNPq/Decit-SCTIE-MS/SESA Nº 03/2018 - PPSUS.

REFERÊNCIAS

  • 1
    World Health Organization. Global accelerated action for the health of adolescents (AA-HA!): guidance to support country implementation. [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2017 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/49095/9789275719985-por.pdf?ua=1
    » https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/49095/9789275719985-por.pdf?ua=1
  • 2
    World Health Organization. Adolescent and young adult health. [Internet]. 2022 [access on 2022 sep 10]. Available in: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/adolescents-health-risks-and-solutions
    » https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/adolescents-health-risks-and-solutions
  • 3
    Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência contra crianças e adolescentes (2019-2021). [Internet]. 2022 [access on 2022 sep 10]. Available in: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/12/violencia-contra-criancas-e-adolescentes-2019-2021.pdf
    » https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/12/violencia-contra-criancas-e-adolescentes-2019-2021.pdf
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [access on 2022 sep 15]. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf
  • 5
    Malta DC, Bernal RTI, Pugedo FSF, Lima CM, Mascarenhas MDM, Jorge A de O, et al. Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciênc saúde coletiva. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 14]; 22:2899-908. Available in: https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
  • 6
    Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. [Internet]. 16 June. 1990 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.html
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.html
  • 7
    Lima J de S, Deslandes SF. A notificação compulsória do abuso sexual contra crianças e adolescentes: uma comparação entre os dispositivos americanos e brasileiros. Interface (Botucatu). [Internet]. 2011 [access on 2022 sep 15]; 15:819-32. Available in: https://doi.org/10.1590/S1414-32832011005000040
    » https://doi.org/10.1590/S1414-32832011005000040
  • 8
    Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 104 de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da União, [Internet]. 13 July 2011 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html
  • 9
    Azeredo CM, Levy RB, Araya R, Menezes PR. Individual and contextual factors associated with verbal bullying among Brazilian adolescents. BMC Pediatr [Internet]. 2015 [access on 2022 sep 12]; 15:49. Available in: https://bmcpediatr.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12887-015-0367-y
    » https://bmcpediatr.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12887-015-0367-y
  • 10
    Silva AN, Marques ES, Peres MFT, Azeredo CM. Tendência de bullying verbal, violência doméstica e envolvimento em brigas com armas entre adolescentes das capitais brasileiras de 2009 a 2015. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2019 [access on 2022 sep 12]; 35:e00195118. Available in: https://doi.org/10.1590/0102-311x00195118
    » https://doi.org/10.1590/0102-311x00195118
  • 11
    Malta DC, Minayo MC de S, Cardoso LS de M, Veloso GA, Renato Azeredo Teixeira RA, Pinto IV, et al. Mortalidade de adolescentes e adultos jovens brasileiros entre 1990 e 2019: uma análise do estudo Carga Global de Doença. Ciência Saúde Colet. [Internet]. 2021 [access on 2022 sep 15]; 26(9). Available in: https://www.scielo.br/j/csc/a/sVhCTzxtpTn8frtTHTDyNLS/abstract/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/csc/a/sVhCTzxtpTn8frtTHTDyNLS/abstract/?lang=pt
  • 12
    Pan American Health Organization. Masculinities and Health in the Region of the Americas. [Internet] 2019 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51804
    » https://iris.paho.org/handle/10665.2/51804
  • 13
    Assis SG de, Avanci JQ, Pesce RP, Pires T de O, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Ciênc saúde coletiva. [Internet]. 2012 [access on 2022 sep 15]; 17:2305-17. Available in: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900012
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900012
  • 14
    Siqueira V de B, Leal IS, Fernandes FECV, Melo RA de, Campos MEA de L. Violência psicológica contra mulheres usuárias da atenção primária à saúde. Revista de APS. [Internet]. 2018 [access on 2022 sep 15]; 21(3). Available in: https://doi.org/10.34019/1809-8363.2018.v21.16379
    » https://doi.org/10.34019/1809-8363.2018.v21.16379
  • 15
    Nunes AJ, Sales MCV. Violência contra crianças no cenário brasileiro. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2016 [access on 2022 sep 14]; 21:871-80. Available in: https://doi.org/10.1590/1413-81232015213.08182014
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015213.08182014
  • 16
    Antunes JT, Machado ÍE, Malta DC. Fatores de risco e proteção relacionados à violência intrafamiliar contra os adolescentes brasileiros. Rev bras epidemiol. [Internet]. 2020 [access on 2022 sep 14]; 23. Available in: https://doi.org/10.1590/1980-549720200003.supl.1
    » https://doi.org/10.1590/1980-549720200003.supl.1
  • 17
    Malta DC, Stopa SR, Santos MAS, Andrade SSC de A, Oliveira MM de, Prado RR do, et al. Fatores de risco e proteção de doenças e agravos não transmissíveis em adolescentes segundo raça/cor: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev bras epidemiol. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 14]; 20:247-59. Available in: https://doi.org/10.1590/1980-5497201700020006
    » https://doi.org/10.1590/1980-5497201700020006
  • 18
    Cerqueira, DRC, Moura, RL. Vidas perdidas e racismo no Brasil. [Internet]. 2013 [access on 2022 sep 15]. Available in: https://www.ipea.gov.br/igualdaderacial/index.php?option=com_content&view=article&id=782
    » https://www.ipea.gov.br/igualdaderacial/index.php?option=com_content&view=article&id=782
  • 19
    Araújo EM de, Costa M da CN, Hogan VK, Araújo TM de, Dias AB, Oliveira LOA. A utilização da variável raça/cor em Saúde Pública: possibilidades e limites. Interface (Botucatu). [Internet]. 2009 [access on 2022 sep 14]; 13:383-94. Available in: https://doi.org/10.1590/S1414-32832009000400012
    » https://doi.org/10.1590/S1414-32832009000400012
  • 20
    Pereira VO de M, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violências contra adolescentes: análise das notificações realizadas no setor saúde, Brasil, 2011-2017. Rev bras epidemiol. [Internet]. 2020 [access on 2022 sep 15]; 23. Available in: https://doi.org/10.1590/1980-549720200004.supl.1
    » https://doi.org/10.1590/1980-549720200004.supl.1
  • 21
    Jones L, Bellis MA, Wood S, Hughes K, McCoy E, Eckley L, et al. Prevalence and risk of violence against children with disabilities: a systematic review and meta-analysis of observational studies. The Lancet. [Internet]. 2012 [access on 2022 sep 14]; 380(9845):899-907. Available in: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22795511/
    » https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22795511
  • 22
    Fernandes APC dos S, Denari FE. Pessoa com deficiência: estigma e identidade. Revista da FAEEBA [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 15]; 26(50):77-89. Available in: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/4263/2661
    » https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/4263/2661
  • 23
    Andrade C dos SS, Costa MCO, Silva MLCA da, Barreto CSLA. Notificação da violência física e sexual de crianças e adolescentes: o papel do sistema de vigilância de violências e acidentes/VIVA. Rev. Saúde Col. [Internet]. 2018 [access on 2022 sep 15]; 8:46-53. Available in: https://doi.org/10.13102/rscdauefs.v8i1.2974
    » https://doi.org/10.13102/rscdauefs.v8i1.2974
  • 24
    Souza ER de. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciênc saúde coletiva. [Internet]. 2005 [access on 2022 sep 15]; 10:59-70. Available in: https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000100012
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000100012
  • 25
    Genç E, Su Y, Durtshi J. Moderating factors associated with interrupting the transmission of domestic violence among adolescents. J Interpers Violence. 2021 [access on 2022 sep 15]; 36(9-10):NP5427-46. Available in: https://doi.org/10.1177/0886260518801018
    » https://doi.org/10.1177/0886260518801018
  • 26
    Kong J, Lee H, Slack KS, Lee E. The moderating role of three-generation households in the intergenerational transmission of violence. Child Abuse Negl. 2021[access on 2022 sep 15]; 117:105117. Available in: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2021.105117
    » https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2021.105117
  • 27
    Ferreira TB, Lopes AOS. Alcoolismo, um caminho para a violência na conjugalidade. Revista Uniabeu. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 15]; 10(24):95-110. Available in: https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RU/article/view/2527/pdf
    » https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RU/article/view/2527/pdf
  • 28
    Castillo Fernández E, Gómez Sánchez EJ, Mata-Martín JL, Ramírez Ucles I, López Torrecillas F, Castillo Fernández E, et al. Perfil diferencial de trastornos de personalidad en el consumo de drogas y maltrato. Acción Psicol. [Internet]. 2016 [access on 2022 sep 15]; 13(1):31-40. Available in: https://doi.org/10.5944/ap.13.1.17394
    » https://doi.org/10.5944/ap.13.1.17394
  • 29
    Hall OT, Phan KL, Gorka S. Childhood adversity and the association between stress sensitivity and problematic alcohol use in adults. J Trauma Stress. 2022 [access on 2022 sep 15]; 35(1):148-58. Available in: https://doi.org/10.1002/jts.22709
    » https://doi.org/10.1002/jts.22709
  • 30
    Ramos-Olazagasti MA, Bird HR, Canino GJ, Duarte CS. Childhood Adversity and Early Initiation of Alcohol Use in Two Representative Samples of Puerto Rican Youth. J Youth Adolesc. [Internet]. 2017 [access on 2022 sep 15]; 46(1):28-44. Available in: https://doi.org/10.1007/s10964-016-0575-2
    » https://doi.org/10.1007/s10964-016-0575-2

Editado por

Editora associada:

Dra. Claudia Palombo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2022
  • Aceito
    01 Maio 2023
Universidade Federal do Paraná Av. Prefeito Lothário Meissner, 632, Cep: 80210-170, Brasil - Paraná / Curitiba, Tel: +55 (41) 3361-3755 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: cogitare@ufpr.br