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PERCEPÇÕES DE ENFERMEIROS DE UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE QUANTO A ATUAÇÃO FRENTE AOS CASOS DE DEPRESSÃO

RESUMO:

Objetivo:

compreender a atuação do profissional enfermeiro frente aos casos de depressão em unidades básicas de saúde.

Método:

pesquisa qualitativa, realizada no ano de 2020, por meio de entrevista aberta, com 15 enfermeiros atuantes em unidades básicas de saúde de um município da região Centro Oeste brasileira. As entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo.

Resultados:

foi possível evidenciar que os enfermeiros possuem dificuldades multifatoriais para atender aos casos de depressão. Entretanto, apontam estratégias que indicam caminhos para qualificar sua prática clínica, como a importância da capacitação profissional e fortalecimento do trabalho em equipe, no intuito que estejam preparados e habilitados para oferecer uma assistência de enfermagem efetiva e humanizada às pessoas com depressão.

Conclusão:

mesmo diante dos desafios deflagrados, a continuidade das ações de enfermagem direcionadas aos pacientes com depressão e outros transtornos mentais é fundamental principalmente em contextos que possuem uma rede fragilizada no cuidado à saúde mental.

DESCRITORES:
Depressão; Saúde Mental; Enfermeiras e Enfermeiros; Cuidados de Enfermagem; Atenção Primária à; Saúde.

ABSTRACT

Objective:

To understand how nurses deal with depression in basic health units.

Method:

Qualitative research was carried out in 2020 through an open interview with 15 nurses working in basic health units in a municipality in the Brazilian Midwest region. The interviews were subjected to content analysis.

Results:

It was possible to see that nurses have multifactorial difficulties in dealing with cases of depression. However, they point out strategies that indicate ways to qualify their clinical practice, such as the importance of professional training and strengthening teamwork, so they are prepared and qualified to offer effective and humanized nursing care to people with depression.

Conclusion:

Even in the face of the challenges that have arisen, the continuity of nursing actions aimed at patients with depression and other mental disorders is fundamental, especially in contexts with a weakened mental health care network.

DESCRIPTORS:
Depression; Mental Health; Nurses; Nursing Care; Primary Health Care.

RESUMEN

Objetivo:

conocer cómo abordan los enfermeros los casos de depresión en los centros de atención básica de salud.

Método:

Investigación cualitativa, realizada en 2020, mediante entrevista abierta a 15 enfermeros que trabajan en unidades básicas de salud de un municipio de la región Centro-Oeste de Brasil. Las entrevistas se sometieron a un análisis de contenido.

Resultados:

Quedó claro que los enfermeros tienen dificultades multifactoriales para tratar los casos de depresión. Sin embargo, señalan estrategias que indican vías para cualificar su práctica clínica, como la importancia de la formación profesional y el refuerzo del trabajo en equipo, para que estén preparadas y cualificadas para ofrecer cuidados de enfermería eficaces y humanizados a las personas con depresión.

Conclusión:

Incluso ante los retos surgidos, la continuidad de las acciones de enfermería dirigidas a los pacientes con depresión y otros trastornos mentales es fundamental, especialmente en contextos que cuentan con una red de atención a la salud mental debilitada.

DESCRIPTORES:
Depresión; Salud Mental; Enfermeras y Enfermeros; Cuidados de Enfermería; Atención Primaria a la Salud.

HIGHLIGHTS

  1. Enfermeiros em UBS enfrentam desafios na assistência à saúde mental.

  2. Dificuldades incluem capacitação, falta de tempo e recursos humanos.

  3. Importância de abordagem interprofissional para cuidado integral em saúde mental.

  4. Necessidade de ampliar estratégias para atendimento efetivo à depressão.

HIGHLIGHTS

  1. Enfermeiros em UBS enfrentam desafios na assistência à saúde mental.

  2. Dificuldades incluem capacitação, falta de tempo e recursos humanos.

  3. Importância de abordagem interprofissional para cuidado integral em saúde mental.

  4. Necessidade de ampliar estratégias para atendimento efetivo à depressão.

INTRODUÇÃO

A depressão é um transtorno mental em que o indivíduo demonstra tristeza permanente e perda de interesse de vida diária, com consequente impossibilidade de realizar atividades cotidianas durante duas semanas ou mais, podendo apresentar mudanças de humor, culpa ou falta de autoestima, transtornos de sono ou apetite, sensação de cansaço, falta de concentração e nos casos mais severos o suicídio11 Ministério da Saúde (BR). Depressão. [Internet] Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [cited 2022 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/depressao.
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. A sua ocorrência está relacionada a uma combinação de fatores genéticos, ambientais, biológicos e psicológicos22 Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). Depression. [Internet]. 2022 [cited 2022 May 02]. Available from: https://www.paho.org/en/topics/depression.
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Um episódio depressivo pode ser classificado em leve, moderado ou grave. A depender da classificação pode haver perda de interesse e dificuldades na realização das atividades diárias ou sociais, aparecimento de queixas físicas, associação de quatro ou mais sintomas, ou até mesmo sintomas psicóticos, como alucinações e delírios, havendo risco de suicídio. Ademais, a gravidade, frequência e duração dos episódios depressivos variam segundo o caso clínico de cada indivíduo22 Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). Depression. [Internet]. 2022 [cited 2022 May 02]. Available from: https://www.paho.org/en/topics/depression.
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Epidemiologicamente, os casos de depressão tornaram-se a maior causa de inaptidão no mundo, o transtorno mental mais frequente, estimando mais de 300 milhões de casos universalmente, sendo mais comum entre mulheres22 Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). Depression. [Internet]. 2022 [cited 2022 May 02]. Available from: https://www.paho.org/en/topics/depression.
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. Outros marcadores sociodemográficos apontam uma maior incidência em pessoas com ensino fundamental incompleto e de cor branca. Além disso, quanto ao acesso desses usuários à assistência à saúde, devido à disponibilidade de atendimento psicológico mais rápido, as instituições privadas são mais procuradas do que Unidades Básicas de Saúde (UBS)33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. [Internet]. Rio de Janeiro; 2014 [cited 2019 May 10]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=291110&view=detalhes.
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Em UBS, comumente, o enfermeiro é um dos profissionais com quem o indivíduo tem seu primeiro contato, uma relação importante para o acolhimento e a detecção de acometimentos à saúde mental. No entanto, alguns profissionais têm dificuldades para identificar pacientes com depressão, seja pela pouca expressão dos sintomas ou por falta de conhecimento/qualificação profissional nesse campo do cuidado44 Lima VJS de. Cuidados de enfermagem à pessoa com depressão atendida na atenção primária de saúde. Revista Científica da FASETE. [Internet]. 2017 [cited 2020 Sept 11]. Available from: https://www.unirios.edu.br/revistarios/media/revistas/2017/14/cuidados_de_enfermagem_a_pessoa_com_depressao_atendida_na_atencao_primaria_de_saude.pdf.
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-55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, nº 34. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. [cited 2022 May 02]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf.
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Além disso, apesar de haver algumas opções para o tratamento da depressão, muitos desses pacientes não recebem assistência adequada. Dentre as barreiras que impedem o tratamento eficiente, está a falta de profissionais treinados, um dos elementos que afeta potencialmente o acompanhamento e tratamento do transtorno11 Ministério da Saúde (BR). Depressão. [Internet] Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [cited 2022 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/depressao.
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Na literatura científica, confirma-se que, geralmente, os enfermeiros não possuem capacitação e preparo para oferecer assistência integral e efetiva aos usuários com depressão, não identificando sintomas depressivos e não incorporando habilidades técnicas para o manejo adequado66 Rodrigues R de A, Vieira AG, Soares BS de S, Silva CA e, Coutinho A de A. The role of nurses about depressive users in the basic health unit: a literary review. Braz. J. Dev. [Internet]. 2021 [cited 2022 June 08]; 7(3). Available from: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/25500.
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. Desse modo, pressupõe-se que a atuação dos enfermeiros nas UBS é marcada por despreparo e sobrecarga profissional, ocasionando encaminhamentos equivocados para outros serviços da rede assistencial, intensificando a transferência de responsabilidades e a ausência de um processo de trabalho fortalecido e multidisciplinar, que atenda às necessidades em saúde mental de indivíduos pertencentes a área de abrangência, justificando a relevância de estudos regionais para a identificação das fragilidades locais e estabelecimento de estratégias que minimizem essa problemática.

Diante das reflexões, buscou-se responder: como se dá a atuação de enfermeiros frente aos casos de depressão em UBS? O presente estudo teve por objetivo compreender a atuação do profissional enfermeiro frente aos casos de depressão em Unidades Básicas de Saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório e qualitativo. Foram considerados os critérios estabelecidos no protocolo COREQ (Consolidated criteria for reporting qualitative research) para estruturação do relato da pesquisa77 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. [Internet]. 2007 [cited 2022 May 02]; 19(6). Available from: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042.
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A pesquisa foi desenvolvida com 15 enfermeiros atuantes em UBS de um município no interior do Centro Oeste brasileiro. O município possui 22 UBS, um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e um hospital público municipal onde são atendidas as urgências e emergências psiquiátricas. Apesar da existência de infraestrutura para a rede de cuidado à saúde mental, verifica-se comumente condutas profissionais assistemáticas e a ausência de protocolos que melhor delimitam a referência, contrarreferência e o acompanhamento de indivíduos com transtornos mentais.

Foram incluídos os enfermeiros atuantes há no mínimo três meses nas UBS, por possivelmente já estarem mais adaptados ao processo de trabalho. A quantidade de participantes foi determinada pelo critério de saturação de dados. Não houve recusas ou desistência em participar do estudo.

A coleta dos dados foi realizada por uma graduanda de enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior (IES) pública em dezembro/2019 e janeiro/2020, sob a supervisão de duas docentes do curso. Tanto a acadêmica, quanto as docentes, eram integrantes de um grupo de pesquisa de investigação científica de enfermagem e saúde, do qual, foi instituído o projeto de pesquisa matriz e o recorte do presente estudo. Ressalta-se que a acadêmica não possuía relação com os entrevistados da pesquisa, nem vínculo profissional com as UBS.

A abordagem foi feita por meio de contato prévio com a coordenação da atenção básica municipal. Após explicar aos participantes os objetivos e importância do estudo, foi feita a leitura e coleta das assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias. A coleta dos dados se deu por meio de entrevista aberta, a partir da questão norteadora: “Como você atua frente aos casos de depressão na UBS?”, com a realização de questionamentos para aprofundamento, se necessário. As entrevistas ocorreram individualmente, garantindo a privacidade do entrevistado, na própria UBS de atuação do enfermeiro, respeitando um tempo máximo de uma hora, estipulado pela pesquisadora. As entrevistas foram gravadas com um aparelho digital, mediante autorização dos participantes, e após, foram transcritas na íntegra.

Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática proposta por Bardin88 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011., em etapas: pré-análise do material, codificação, tratamento e interpretação dos resultados. A pré-análise envolveu a organização do material, leitura superficial e compreensiva dos dados e a retomada aos objetivos da pesquisa. Na codificação do material, foi realizada uma leitura aprofundada do conteúdo, com captação dos núcleos de sentido e posterior categorização. Na última etapa, houve a interpretação dos achados, em interlocução com o aporte teórico. Todas as etapas foram minuciosamente executadas pela primeira autora, com o apoio e a supervisão da equipe de pesquisadores.

Após uma análise criteriosa do corpus e dos núcleos de sentido produzidos inicialmente, foram agrupados e refinados os resultados, dando origem a duas categorias.

Trata-se de um recorte de um projeto matriz aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade do Estado de Mato Grosso, parecer n. 2.964.893. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram utilizados códigos, letra “P” (profissionais) seguido da respectiva numeração da ordem das entrevistas, para manter o anonimato dos sujeitos.

RESULTADOS

Participaram 15 enfermeiros, de faixa etária entre 23 e 41 anos, majoritariamente do sexo feminino, pardas e solteiras. O tempo de atuação na UBS variou entre cinco meses e 10 anos. Dentre os profissionais, 10 possuíam especialização, entretanto, nenhuma voltada à área de saúde mental e dois possuíam qualificação direcionada à Saúde Coletiva com ênfase na Saúde da Família ou de gerenciamento da Atenção Primária à Saúde. Os dados empíricos foram organizados em duas categorias, conforme detalhamento apresentado no Quadro 1: Conhecimento sobre depressão e atuação do enfermeiro da atenção primária frente a pessoas com sintomas de depressão e Dificuldades e desafios enfrentados pelo enfermeiro da atenção primária no atendimento a pessoas com sintomas de depressão.

Quadro 1
Núcleos de sentido produzidos a partir da análise de conteúdo temática. Tangará da Serra, MT, Brasil, 2023

Na primeira categoria, aborda-se o conhecimento de enfermeiros sobre a depressão e sua atuação frente aos pacientes com sentimentos de tristeza, mudanças de humor, diminuição das atividades diárias, culpa ou falta de autoestima, transtornos de sono ou apetite, sensação de cansaço, dentre outros sintomas característicos. Os profissionais descreveram o conceito e algumas manifestações clínicas do transtorno:

A depressão tem vários níveis, que pode ser desde leve, moderada, até mais grave que precisa de tratamento como qualquer outra doença. (P1)

É quando se tem um quadro prolongado em que não tem mais prazer em realizar até mesmo funções cotidianas, coisas que a pessoa gostava de fazer, seus próprios interesses e abandona esses gostos, esses prazeres. (P2)

A definição de depressão é quando uma pessoa se sente...pode ser a palavra deprimida, triste, por um tempo prolongado né, não momentânea. (P12)

Foi possível observar que os enfermeiros demonstraram conhecimentos corretos do ponto de vista clínico, porém superficiais. A maioria dos profissionais conseguiram identificar a doença por meio das manifestações clínicas relatadas pelos pacientes ou notadas durante a realização das consultas de enfermagem, conforme os depoimentos supracitados.

A superficialidade do conhecimento sobre a patologia pode estar relacionada à ausência de uma formação mais direcionada à área, haja vista que alguns profissionais relataram que os conhecimentos foram adquiridos apenas por meio da disciplina de saúde mental ofertada no período da faculdade, descrevendo como se configurou a sua formação acadêmica/profissional:

Nunca fiz curso específico, separado da grade curricular na graduação. Tive o que estava na disciplina de saúde mental, que já estava na grade curricular do curso. (P1)

No caso da graduação temos uma matéria de psicologia, pelo menos pra mim, foi algo um pouco vago. (P2)

Na formação acadêmica já ouvimos falar sobre a depressão, porém é bem superficial né?! (P8)

Quanto às ações desenvolvidas por enfermeiros nas UBS destacaram-se, principalmente, o acolhimento e a escuta ativa, com disponibilização de espaços físicos para o atendimento:

O que temos aqui para atuar frente aos pacientes, a primeira porta de entrada é a escuta acolhedora. (P3)

Quando o paciente chega para mim com sintomas de depressão, eu tenho uma conversa terapêutica primeiro. (P5)

Temos uma sala que montamos pra acolhimento desse tipo de pessoa, quem quiser conversar, a gente recebe, tenta ouvir, que é a escuta né. (P14)

Os profissionais destacaram, ainda, a atuação multidisciplinar nesse contexto, associando a atuação da enfermagem a uma espécie de primeiro atendimento capaz de direcionar os próximos passos do cuidado em saúde:

A gente encaminha para a médica, que avalia o caso, se não for o caso para ela, por exemplo uma depressão profunda, ela encaminha para o CAPS [...]. (P2)

Eu encaminho as informações para a médica da unidade. Pode-se entrar com uma terapia medicamentosa ou fazemos um encaminhamento para psicologia, e dependendo da gravidade da depressão, encaminhamos para o CAPS também. (P5)

No entanto, a partir desses relatos, nota-se que os profissionais não ponderam uma atuação específica de enfermagem, localizando essa atuação em diálogo com outras áreas, como a da Medicina e da Psicologia, mas sendo o cuidado de enfermagem o responsável por direcionar o processo terapêutico e justamente integrar a atenção multidisciplinar.

Também destacaram a importância do trabalho dos ACS e da visita domiciliar conjunta, visando o monitoramento contínuo dos pacientes, o uso correto dos medicamentos prescritos e a ampliação da oferta de orientações:

Temos como recurso também, o acompanhamento do agente comunitário, porque nem todos os dias conseguimos ver esse paciente ou nem toda semana ele vem aqui, então conseguimos ter notícias e em alguns casos realizamos visitas domiciliares para observar melhor o ambiente e orientar. (P2)

Então o ACS tem uma ligação muito forte, que nos traz notícias, é uma estratégia para saber como esse paciente está. (P12)

Destaca-se, a partir desses achados, que os enfermeiros se posicionam como os primeiros profissionais a receberem os pacientes com sintomas depressivos dentro das UBS, no entanto, não referem cuidados específicos. Por vezes, mencionam especificidades atribuídas aos ACS, aos médicos e aos psicólogos na assistência relacionada à saúde mental, o que pode sugerir que os enfermeiros, de certo modo, se estabelecem de modo apartado desse cuidado, apenas construindo conexões com outros profissionais. Isso pode indicar que apesar de possuírem conhecimentos básicos em saúde mental, estão distantes de um cuidado integral, que não deve buscar a especialidade, mas a integração de inteligibilidades, em um trabalho interprofissional.

Na segunda categoria, são descritas as principais dificuldades e desafios enfrentados pelos enfermeiros no atendimento às pessoas com sintomas de depressão. Destacou-se a falta de tempo, de experiência com a área de saúde mental, de infraestrutura, a quantidade insuficiente de profissionais para atender a demanda clínica e gerencial, entre outros. Inicialmente, apontaram que a falta de tempo é um dos maiores desafios:

Na verdade, hoje para mim, é o tempo para atendê-los! Porque a demanda é muito grande, a saúde mental é uma coisa que vem crescendo muito né. (P3)

Então na atenção básica é difícil né, principalmente para o enfermeiro, que tem que cuidar de tudo e mais um pouco. (P9)

[...] nem sempre temos tempo. E para escutar um paciente depressivo precisa de tempo, uma qualidade de tempo, o que não temos aqui. (P10)

De ter tempo para a exclusividade na escuta. Precisamos ficar trinta a quarenta minutos ou uma hora com um paciente, para poder fazer toda a escuta e orientações [...]. (P15)

No entanto, a narrativa da falta de tempo não pode ser compreendida apenas como a indicação de um circunscrito do trabalho. Essa explicação para a dificuldade de promover uma escuta em saúde mental deve ser interpretada a partir de outros marcadores que sinalizam, por exemplo, para a insegurança de atuar nesse campo sem uma formação específica ou experiência no manejo desses casos. Assim, outro aspecto evidenciado foi a falta de experiência com a área de saúde mental, o que gerou aos enfermeiros dificuldades em abordar e acompanhar pacientes com sintomas de depressão:

[...] realmente eu tenho dificuldade de saber como lidar com essas situações. Mas eu sei que ainda preciso melhorar no atendimento, dar mais orientações, caminhos para ajudar o paciente. (P4)

[...] raramente pegamos casos assim. Aí, como eu me deparei pela primeira vez nessa situação, eu fiquei meio assim, receoso né, do que perguntar, como agir, as vezes de falar alguma coisa que vai prejudicar. (P8)

Os enfermeiros também indicaram dificuldades e desafios no que diz respeito aos recursos humanos e infraestrutura insuficientes para atender à demanda de casos:

Não temos psicólogos para atender a quantidade de casos que encaminhamos. Eu tenho encaminhado pacientes adolescentes, situação de risco para o serviço psicológico, e as mães voltam aqui para me relatar que a fila ficou para dezembro, por exemplo desse ano, mais de oito, nove meses de espera. E sabemos que isso num caso de depressão, pode ser grave ou fatal. (P7)

Não tem psiquiatra, então oferecemos apoio e encaminha para o CAPS, lá eles são avaliados. (P9)

A principal dificuldade que a gente tem é a demanda, e a nossa é alta para a estrutura que temos pra atender a nível de município. (P13)

Não tem psiquiatra da rede no município, né. E muitos pacientes ficam muito tempo na fila de espera, às vezes até um ano esperando atendimento psicológico. Então a gente acaba fazendo o papel de psicólogo dentro da unidade. (P14)

Enfatiza-se, que essa ausência dos recursos indicada prejudica o funcionamento da rede assistencial. Se não há recursos, faltam pessoas e infraestrutura física para atender aos pacientes. E, nesse contexto, o enfermeiro assume papéis de outros profissionais.

Diante disso, os enfermeiros sugeriram estratégias que poderiam ser buscadas visando a minimizar as dificuldades e desafios encontrados no contexto de sua atuação. A primeira e mais mencionada seria a oferta de capacitações periódicas aos profissionais de saúde, considerando a fragilidade ou ausência das mesmas:

Desde quando eu comecei a trabalhar, teve poucas capacitações na área de saúde mental, apesar da demanda ser muito grande. (P4)

Acho que deveríamos ter, sempre que entrar em qualquer instituição pública ou privada, uma capacitação semestral ou anual em relação à saúde mental. (P9)

[...] se tivesse um pouco mais de capacitação conseguiríamos lidar melhor. [...] se tivéssemos tido mais capacitações, nos sentiríamos mais seguros, para estar conversando com o paciente. (P12)

Como visto, as capacitações são muito importantes na perspectiva deles, considerando que quando um profissional recebe capacitação, se sente mais preparado para o atendimento. Para além disso, é importante que os treinamentos ultrapassem a oferta de conhecimentos específicos em saúde mental, fomentando um cuidado interprofissional que justamente se contraponha à localização rígida da atuação de cada categoria e priorize o diálogo entre saberes e fazeres na assistência integral.

Os enfermeiros também reforçaram a estratégia de fortalecimento do trabalho em equipe, visando sempre a acolher o indivíduo durante a sua busca à UBS:

Eu acho que quando chega um paciente dentro de uma unidade básica ou qualquer lugar, não é só o profissional de nível superior que vai atender, todos tem que realizar o acolhimento, o acolhimento tem que iniciar lá na porta! (P6)

Inicialmente esses pacientes chegam na recepção e já relatam algo talvez e lá já tem um olhar diferenciado para eles. Depois vêm para a sala da triagem com os técnicos que já ouvem algumas queixas, relatos e já tem um olhar também diferenciado. Depois desse passo eles chegam para mim e eu já faço uma escuta qualificada, posteriormente chamo a médica, ela vem ao consultório, a gente faz uma avaliação e um estudo desse paciente. (P13)

Enfatiza-se, desse modo, a importância do trabalho em equipe para atender aos pacientes com manifestações clínicas de depressão na UBS. Por fim, manifestaram outras estratégias que estavam sendo planejadas e/ou executadas, como a efetivação de projetos em saúde mental em áreas mais vulnerabilizadas, criação de protocolos de atendimentos e de grupos terapêuticos, oferta de atividades complementares, além da disponibilização de um espaço específico na UBS para acolhimento dos sujeitos:

Nós pensamos em realizar um projeto num bairro aqui que é bem carente, vemos que a questão de saúde mental é gritante. (P4)

[...] um treinamento, de preferência semestral, com foco em algum checklist, algo de triagem, pois é subjetivo as perguntas que fazemos, daí o paciente responde pra conseguirmos identificar melhor. (P9)

Temos um projeto para esse ano de 2020, de implementar oficinas terapêuticas aqui e roda de conversa, que vai ser realizada semanalmente na sexta feira na unidade mesmo. (P7)

[...] montamos uma sala só pra acolhimento, quem quiser conversar, eu acho que toda unidade deveria ter uma salinha confortável. (P14)

Percebe-se que os profissionais sugerem que as estratégias sejam implementadas visando melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O destaque dessa investigação se dá justamente na elucidação dessas estratégias, pois em algumas das unidades esses projetos/ações estavam em funcionamento. A auriculoterapia, as rodas de conversas e até uma sala preparada especificamente para acolher estes pacientes foram criadas para prestar um melhor atendimento. Vale destacar que a iniciativa dessas ações foi individual, de profissionais que se identificam com a saúde mental ou do interesse por já desenvolverem essas estratégias para outros grupos.

DISCUSSÃO

Na primeira categoria, nota-se, pelos depoimentos, o conhecimento superficial sobre a patologia, o que pode estar associado à fragilidade apontada pelos enfermeiros em sua formação acadêmica em saúde mental. Isso reflete em dificuldades encontradas por profissionais em realizar uma assistência de qualidade aos pacientes com transtornos mentais, mesmo que a rede de Atenção Básica em Saúde (ABS) tenha abrangência para ofertar cuidados integrais a esses indivíduos1010 Gryschek G, Pinto AAM. Mental health care: how can family health teams integrate it into primary healthcare? Cienc. saude colet. [Internet]. 2015 [cited 2022 May 02]; 20(10). Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.13572014.
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Uma pesquisa que investigou a importância do ensino da temática depressão na graduação, com o intuito de capacitar os universitários para a atuação profissional com atribuições e competências exigidas, evidenciou que os entrevistados avaliaram seus conhecimentos teóricos e práticos como insuficientes para a atuação profissional eficaz. Um dos motivos foi a carência de campo prático e a redução da carga horária de realização de estágio na área da saúde mental1111 Moura MGM de, Feitosa IP, Agra G, Lima GMB de, Lima IP de, Sucupira PA. Concepts by nursing scholars about depression and care for depressed patients. Mundo Saúde [Internet]. 2015 [cited 2022 May 03]; 39(2). Available from: https://revistamundodasaude.emnuvens.com.br/mundodasaude/article/view/335/282.
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, dados que corroboram o presente estudo. No entanto, mesmo com essa fragilidade, os entrevistados percebem a importância do acolhimento e escuta qualificada por meio da comunicação entre o enfermeiro e paciente, de forma natural e humanizada, na qual, o usuário se sinta seguro para dialogar sobre seus sentimentos.

Uma visão humanística tem que ser priorizada pela equipe de enfermagem ao paciente com depressão, visando a valorizar os pequenos relatos feitos pelo mesmo, haja vista que na depressão os sentimentos referidos pelo indivíduo podem ser cruciais para o diagnóstico da patologia44 Lima VJS de. Cuidados de enfermagem à pessoa com depressão atendida na atenção primária de saúde. Revista Científica da FASETE. [Internet]. 2017 [cited 2020 Sept 11]. Available from: https://www.unirios.edu.br/revistarios/media/revistas/2017/14/cuidados_de_enfermagem_a_pessoa_com_depressao_atendida_na_atencao_primaria_de_saude.pdf.
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. Na ABS, é essencial a implementação de intervenções em saúde mental para alcançar um relacionamento terapêutico eficaz, o qual é desenvolvido continuamente entre profissionais e usuários em uma construção conjunta de ferramentas e estratégias de cuidado em saúde mental; essas intervenções não devem se limitar “à cura de doenças”, mas sim considerar as possibilidades e modos de vida de cada pessoa, respeitando seus desejos, anseios, valores e escolhas55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, nº 34. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. [cited 2022 May 02]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf.
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A escuta qualificada é uma das estratégias que contribui na assistência prestada à pessoa com transtorno mental. Quando oferecida aos indivíduos em sofrimento mental, pode amenizar sobrecargas, fortalecer o diálogo e contribuir para a compreensão da situação que a pessoa está vivenciando, por meio da confiança estabelecida entre paciente e profissional1212 Maynart WH da C, Albuquerque MCS de, Brêda MZ, Jorge JS. Qualified listening and embracement in psychosocial care. Acta Paul Enferm. [Internet]. 2014 [cited 2020 Nov 08]; 27(4). Available from: https://doi.org/10.1590/1982-0194201400051.
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Ainda, percebe-se que os enfermeiros consideraram os encaminhamentos como uma conduta resolutiva que realizam. A referência para outros serviços também é apontada por outros autores, principalmente quando são constatados casos agudos de ansiedade, depressão, entre outros transtornos1313 Rotoli A, Silva MRS da, Santos AM dos, Oliveira AMN de, Gomes GC. Mental health in primary care: challenges for the resoluteness of actions. Esc Anna Nery. [Internet]. 2019 [cited 2022 May 03]; 23(2). Available from: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2018-0303.
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Também ressaltaram a essencialidade das ações em conjunto com os ACS. Por meio desse vínculo, a condição de saúde do paciente é levada até os outros profissionais da UBS, mantendo, assim, um vínculo com o serviço e um acompanhamento multidisciplinar, visualizando todo o contexto do paciente. Diante disso, é imprescindível ressaltar a importância do cuidado em saúde mental na ABS, haja vista que esse cuidado é estratégico diante do fácil acesso dos usuários às equipes e vice-versa55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, nº 34. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. [cited 2022 May 02]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf.
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Em síntese, as particularidades apresentadas na primeira categoria e as reflexões a partir do material empírico, reforçam o que comumente é encontrado em outros contextos de investigação em níveis local e nacional. Há potencialidades e fragilidades da atuação do enfermeiro frente aos casos de depressão e estas podem desvelar caminhos para a ampliação de estratégias mais adaptadas às reais necessidades em saúde mental de indivíduos, grupos e populações.

Na segunda categoria, os participantes destacaram as dificuldades em atender aos casos devido à falta de tempo, apontando que os pacientes com sintomas depressivos demandam de maior quantidade de tempo para uma escuta qualificada, e que devido a quantidade de atendimentos, não conseguem oferecer uma assistência de qualidade a esses usuários. Dados de outros autores também corroboram com esses achados e apontam que às inúmeras atribuições que o enfermeiro possui na UBS dificultam o atendimento de grupos mais específicos, como, por exemplo, na área de saúde mental1414 Braghetto GT, Sousa LA de, Beretta D, Vendramini SHF. Difficulties and facilities of the family health nurse in the work process. Cad Saúde Colet. [Internet]. 2019 [cited 2022 May 02]; 27(4). Available from: https://doi.org/10.1590/1414-462X201900040100.
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Ressalta-se que a ABS é a principal porta de entrada para atendimento dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), diante disso, se faz necessário que os profissionais compreendam a necessidade de incorporar a assistência em saúde mental em suas práticas de cuidado, diariamente, não requerendo necessariamente um trabalho para além daquele que já é demandado; como exemplo, reconhecendo as necessidades de saúde mental nos diferentes relatos e queixas dos usuários que chegam à UBS, visando um cuidado integral à saúde55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, nº 34. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. [cited 2022 May 02]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf.
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Outra dificuldade relatada, foi a insegurança dos enfermeiros em realizar condutas frente a casos de pacientes com depressão, devido à falta de experiência profissional. Resultados de um estudo evidenciou que os profissionais da ABS não possuem especialização voltada para saúde mental, seja adquirida por meio de cursos ou por experiência na área. Os autores ressaltaram, ainda, a importância de ofertar a qualificação profissional1515 Daré PK, Caponi, SN. Cuidado ao indivíduo com depressão na atenção primaria em saúde. ECOS - Estudos Contemporâneos da Subjetividade. [Internet]. 2017 [cited 2020 Jul 10]; 7(1). Available from: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1858.
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Os entrevistados também citaram como desafio a falta de recursos humanos especializados (psiquiatra, psicólogo, etc.) e infraestrutura para oferecer uma assistência adequada aos pacientes com depressão. Reflete-se que as dificuldades e desafios aqui encontrados, prejudicam a atuação do enfermeiro frente a esses casos e, ademais, para o cuidado da população, seja ele individual ou coletivo1414 Braghetto GT, Sousa LA de, Beretta D, Vendramini SHF. Difficulties and facilities of the family health nurse in the work process. Cad Saúde Colet. [Internet]. 2019 [cited 2022 May 02]; 27(4). Available from: https://doi.org/10.1590/1414-462X201900040100.
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Para além da carência de profissionais especializados, como psicólogos e psiquiatras, nota-se que os enfermeiros possuem uma visão ainda fragmentada do cuidado na ABS. Isso porque reforçam, em seus discursos, a defesa da especialidade (para atender casos de saúde mental é preciso que haja profissionais de saúde mental). Desse modo, posicionam-se como profissionais que não são da saúde mental, que não possuem essa especialidade, nem mesmo disponibilidade para uma atuação que ultrapasse essa fragmentação, compreendendo que o cuidado em saúde mental também deve ser contemplado pelas equipes das UBS.

A atuação do enfermeiro, aqui, é reduzida aos encaminhamentos para o CAPS, psiquiatras e psicólogos. Obviamente que esses profissionais são de fundamental importância no campo da saúde mental, mas é importante construir uma cultura na qual o cuidado em saúde mental perpasse toda a estrutura de cuidado em saúde, do domiciliar ao mais especializado. Isso evitaria posicionamentos como o de (P14), que afirma que o enfermeiro precisa fazer o trabalho do psicólogo. Essa afirmação pode ser aqui tensionada: há, obviamente, a sugestão de que há um trabalho em saúde mental que deve ser realizado pelo psicólogo; mas também, que não existe uma perspectiva de trabalho interprofissional, predominando a fragmentação e a valorização do saber do especialista, o que dificulta o cuidado integral.

Como estratégias de ampliação do cuidado na UBS aos pacientes com depressão, foram citadas as capacitações profissionais, o trabalho em equipe e a implementação de projetos e ações específicas.

Considerando que os enfermeiros realizam o primeiro atendimento e acompanhamento dos pacientes em sofrimento mental, as capacitações são essenciais e contribuem para que o atendimento ofertado seja qualificado. No entanto, é necessário proporcionar toda as condições necessárias para que ocorram, como tempo, recursos financeiros, estruturais e que, além dos profissionais, os gestores tenham interesse em implementar tais estratégias1515 Daré PK, Caponi, SN. Cuidado ao indivíduo com depressão na atenção primaria em saúde. ECOS - Estudos Contemporâneos da Subjetividade. [Internet]. 2017 [cited 2020 Jul 10]; 7(1). Available from: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1858.
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-1616 Lopes CE, Araújo MGL ds S, Neri R de SA, Name KPO. A importância da capacitação do enfermeiro frente ao paciente com risco de suicídio. Rev. Bras. Interdiscip. Saúde [Internet]. 2019 [cited 2020 Jul 10]; 1(2). Available from: https://revistarebis.rebis.com.br/index.php/rebis/article/view/23/18.
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Ressalta-se neste contexto o apontamento do entrevistado (P9) o qual sugere a realização de treinamentos com uso de algum tipo de “checklist” para triagem dos casos, considerando aqui a falta de capacitação dos profissionais em não saber quais questionamentos fazer ao paciente para auxiliar na identificação e diagnóstico do episódio depressivo, bem como, no adequado manejo do caso.

É importante salientar que o conhecimento sobre os sintomas, fatores de risco e proteção são importantes para o diagnóstico precoce e desenvolvimento de estratégias de prevenção e intervenção nos problemas de saúde mental, nesse sentido, a utilização de ações baseadas em evidências e de ferramentas como o genograma e ecomapa contribuem para a compreensão do caso; reforça-se ainda que essa avaliação deve ser pensada de forma integrada e organizada, desde a abordagem inicial até a elaboração e execução do Projeto Terapêutico Singular (PTS)55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, nº 34. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. [cited 2022 May 02]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf.
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Ainda, é fato que alguns casos necessitem de encaminhamento, no entanto, este não pode se limitar a um procedimento burocrático, deve ser um processo de corresponsabilização, participação e acompanhamento ativo da equipe multidisciplinar desde a chegada do caso até os próximos serviços em que o usuário será assistido55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, nº 34. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. [cited 2022 May 02]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf.
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Quando são ofertados cursos ou capacitações, os profissionais geralmente participam, contribuindo positivamente para o aperfeiçoamento do atendimento1717 Oliveira MPR de, Menezes IHCF, Sousa LM de, Peixoto M do RG. Training and qualification of health professionals: factors associated to the quality of primary care. Rev. bras. educ. med. [Internet]. 2016 [cited 2020 Sept 24]; 40(4). Available from: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40n4e02492014.
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. Todavia, como aqui discutido, esses treinamentos precisam reforçar não necessariamente os conhecimentos específicos em saúde mental, mas as diretrizes da ABS no que se refere a um cuidado interprofissional, integral e humanizado.

Com relação ao trabalho em equipe como estratégia para o fortalecimento do cuidado e no acolhimento dos pacientes, na ABS, deve ser feito por meio de um conjunto de atribuições construídas coletivamente, com objetivos comuns e responsabilidades compartilhadas, incluindo a participação dos usuários e da comunidade na produção do cuidado e na promoção da saúde1818 Guimarães BE de B, Branco AB de AC. Teamwork in primary health care: bibliographic research. Rev. Psicol. Saúde. [Internet]. 2020 [cited 2020 May 02]; 12(1). Available from: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v12i1.669.
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Ainda, desenvolver estratégias para atrair o interesse dos pacientes é fundamental para a promoção da saúde dos mesmos. Os grupos terapêuticos e a adoção de técnicas como a auriculoterapia, por exemplo, podem auxiliar no tratamento de pessoas com sintomas ou diagnósticos de depressão1515 Daré PK, Caponi, SN. Cuidado ao indivíduo com depressão na atenção primaria em saúde. ECOS - Estudos Contemporâneos da Subjetividade. [Internet]. 2017 [cited 2020 Jul 10]; 7(1). Available from: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1858.
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, pois essas práticas, quando desenvolvidas nas UBS, contribuem para o não agravamento do quadro clínico, permitindo que os profissionais atuem de forma mais humanizada. A realização de grupos terapêuticos na ABS é uma tecnologia de cuidado que oferece um espaço para orientações, reflexões e trocas de experiências, sendo essencial na promoção da saúde mental, integralidade do cuidado e fortalecimento da autonomia dos usuários e coletividade55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, nº 34. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. [cited 2022 May 02]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf.
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Os enfermeiros consideram as estratégias descritas como benéficas para os pacientes, pois contribuem com o cuidado ao indivíduo com transtorno mental, dentre eles a depressão. Nesse sentido, considera-se que esses profissionais podem auxiliar pessoas diagnosticadas com depressão atendidas nas UBS a partir de mudanças que envolvem a dimensão estrutural do cuidado, mas também uma reorientação que situe a saúde mental como um cuidado perene, interprofissional e que deve contemplar todos os níveis de assistência; além disso, também colaboram para que os usuários com sintomas sugestivos de depressão sejam identificados, avaliados e acompanhados pelos dispositivos e equipes do território. A corporificação dessa cultura na atenção primária pode favorecer não apenas um cuidado integral desde o início, mas melhores desfechos em saúde, o que pode e deve ser acompanhado e investigado mais detidamente em estudos vindouros nesse contexto.

Como limitações do presente estudo, considera-se que se trata das percepções de profissionais em um território com limitações na assistência em saúde mental. É importante que o enfrentamento dessa fragilidade não se dê apenas a partir da oferta de mais conhecimentos específicos, mas também em uma perspectiva de diálogo interprofissional capaz de evidenciar que o cuidado em saúde mental deve ocorrer de forma integral e articulado às territorialidades e interseccionalidades que atravessam o cuidado nesse campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta investigação constatou que enfermeiros atuantes em UBS no interior do Brasil possuem dificuldades no processo de trabalho em saúde mental, interferindo na sua atuação frente aos casos de depressão. Considera-se que a temática aqui abordada ainda apresenta desafios, principalmente diante da fragilidade na qualificação profissional, desde os aspectos formativos, na graduação, até a atuação assistencial.

Em síntese, as principais dificuldades enfrentadas por enfermeiros para o atendimento aos pacientes com depressão foram a falta de tempo, a ausência de capacitações e de sua experiência com a saúde mental, além da fragilidade de recursos humanos e de conhecimento específico sobre o transtorno. Essas dificuldades inferem um cuidado em saúde mental voltado apenas aos equipamentos especializados ou aos profissionais especialistas responsáveis por essa assistência. Se o cuidado em saúde mental não é referido como algo que pode ser realizado pela enfermagem, as dificuldades não irão se localizar nessa categoria, mas em lacunas observadas em outros profissionais.

O estudo permite a reflexão, então, de que a atuação na ABS deve estar comprometida, de fato, com uma rede interprofissional capaz de prover e corporificar o cuidado integral e humanizado, o que ultrapassa a fragmentação do fazer entre as diferentes categorias. Nesse sentido, reforça-se a importância da articulação entre gestores e serviços de saúde com o intuito de qualificar profissionais, oferecer uma rede sistemática de atendimento à saúde mental, ampliando e fortalecendo a atuação dos profissionais frente aos transtornos mentais.

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Editora associada: Dra. Susanne Betiolli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2022
  • Aceito
    26 Jul 2023
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