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CRENÇAS E ATITUDES DAS CUIDADORAS QUANTO À ALIMENTAÇÃO E EVOLUÇÃO PONDERAL INFANTIL NA PANDEMIA DE COVID-19* * Artigo extraído da dissertação do mestrado “Construção da Imagem Corporal na Infância e os parâmetros que a influenciam”, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil, 2023.

RESUMO:

Objetivo:

Investigar crenças e atitudes das cuidadoras em relação à alimentação e à evolução ponderal de crianças de 5-7 anos.

Método:

Estudo descritivo, 218 cuidadores/crianças, realizado em oito USF de São Carlos-SP, Brasil, em 2020/2021. Analisados dados antropométricos, informações sociodemográficas, histórico de saúde/hábitos de vida e questionário de alimentação da criança. Utilizado JASP® para análise estatística, significância p<0.05.

Resultados:

Pontuações maiores na percepção de responsabilidade sobre a alimentação da criança (p<0.0001), e menores na percepção e preocupação com o peso da criança (p<0.0001). Correlação positiva: IMC crianças X percepção e preocupação com o peso da criança (p<0.0001); menor escolaridade X menor percepção e preocupação com o peso da criança (p=0.034).

Conclusão:

Este estudo possibilitou a análise das crenças/atitudes de cuidadoras em relação à alimentação/evolução ponderal de suas crianças durante a pandemia, e pode servir como referência para estudos futuros e elaboração de estratégias de educação nutricional para esta população pediátrica.

DESCRITORES:
Comportamento Alimentar; Antropometria; Cuidadores; Crianças; Covid-19.

ABSTRACT

Objective:

To investigate the beliefs and attitudes of caregivers concerning the diet and weight development of children aged 5-7.

Method:

Descriptive study, 218 caregivers/ children, carried out in eight USFs in São Carlos-SP, Brazil, in 2020/2021. Anthropometric data, sociodemographic information, health history/lifestyle habits, and the child’s feeding questionnaire were analyzed. JASP® was used for statistical analysis, significance p<0.05.

Results:

Scores were higher in the perception of responsibility for the child’s diet (p<0.0001), and lower in the perception and concern about the child’s weight (p<0.0001). Positive correlation: BMI children X perception and concern about the child’s weight (p<0.0001); lower schooling X lower perception and concern about the child’s weight (p=0.034).

Conclusion:

This study made it possible to analyze the beliefs/attitudes of caregivers regarding the diet/weight gain of their children during the pandemic, and can serve as a reference for future studies and the development of nutritional education strategies for this pediatric population.

Keywords:
Eating Behavior; Anthropometry; Caregivers; Children; Covid-19.

RESUMEN

Objetivo:

Investigar las creencias y actitudes de las cuidadoras en relación con la dieta y el desarrollo del peso de los niños de 5 a 7 años.

Método:

Estudio descriptivo, 218 cuidadoras/niños, realizado en ocho USF de São Carlos-SP, Brasil, en 2020/2021. Se analizaron los datos antropométricos, la información sociodemográfica, los antecedentes sanitarios/hábitos de vida y el cuestionario de alimentación del niño. Para el análisis estadístico se utilizó JASP®, significancia p<0,05.

Resultados:

Las puntuaciones fueron más altas para la percepción de responsabilidad por la dieta del niño (p<0,0001), y más bajas para la percepción y preocupación por el peso del niño (p<0,0001). Correlación positiva: Niños con IMC X percepción y preocupación por el peso del niño (p<0,0001); menor escolarización X menor percepción y preocupación por el peso del niño (p=0,034).

Conclusión:

Este estudio permitió analizar las creencias/actitudes de las cuidadoras en relación con la dieta/evolución ponderal de sus hijos durante la pandemia, y puede servir de referencia para futuros estudios y el desarrollo de estrategias de educación nutricional para esta población pediátrica.

DESCRIPTORES:
Comportamiento alimentario; Antropometría; Cuidadores; Niños; Covid-19.

HIGHLIGHTS

  1. Alta porcentagem de cuidadoras e crianças com excesso de peso.

  2. Cuidadoras com menor escolaridade apresentam menor percepção e preocupação com o peso da criança.

  3. As cuidadoras estavam focadas na alimentação e monitoramento das crianças durante a pandemia.

  4. Programas de intervenção nutricional pós-pandemia devem considerar esses dados.

HIGHLIGHTS

  1. Alta porcentagem de cuidadoras e crianças com excesso de peso.

  2. Cuidadoras com menor escolaridade apresentam menor percepção e preocupação com o peso da criança.

  3. As cuidadoras estavam focadas na alimentação e monitoramento das crianças durante a pandemia.

  4. Programas de intervenção nutricional pós-pandemia devem considerar esses dados.

INTRODUÇÃO

O excesso de peso é um fenômeno multifatorial de dimensões e repercussões globais, atingindo atualmente cerca de um terço da população mundial11 Chooi YC, Ding C, Magkos F. The epidemiology of obesity. Metabolis clinical and experimental. [Internet]. 2019 [cited 2022 Nov 23]; 92:6-10. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.metabol.2018.09.005.
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. Sua prevalência tem aumentado ao longo das últimas décadas, podendo iniciar-se já nos primeiros anos de vida, influenciado por fatores como alimentação desbalanceada, inatividade física e disfunções do ambiente alimentar22 Weihrauch-Blüher S, Schwarz P, Jan-henning K. Childhood obesity: increased risk for cardiometabolic disease and cancer in adulthood. Metab. Clin. Exp.Internet]. 2019 [cited 2022 Nov 23]; 92:147-52. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.metabol.2018.12.001.
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. O ambiente em que a criança vive pode, portanto, dificultar a adoção de hábitos saudáveis e representar uma barreira à manutenção de um peso saudável ao longo da vida. No Brasil, são escassos os trabalhos que privilegiam o tratamento deste tema sob a ótica da nutrição infantil como parte da dinâmica familiar, especialmente do binômio cuidador-criança, com suas complexas interações.

A pandemia da COVID-19 implicou em medidas de isolamento social como estratégia para impedir a propagação do vírus. O fechamento prolongado de escolas, creches e estabelecimentos comerciais, acarretou o agravamento de situações de vulnerabilidade social e carência alimentar33 Farias MN, Leite Junior JD. Social vulnerability and Covid-19: considerations based on social occupational therapy. Cad. Bras. Ter. Ocup. [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 23]; 29. Available from: https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoEN2099.
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. As famílias que já se enquadravam num contexto de vulnerabilidade, foco das ações da estratégia de Medicina de Família e Comunidade, experimentaram redução no seu já limitado poder de compra, em face da alta dos preços e da perda de seus postos de trabalho, o que determinou a restrição, principalmente, de alimentos nutricionalmente adequados. Isso resultou em aumento da insegurança alimentar, com o consequente desenvolvimento de um fenômeno denominado fome oculta, no qual o indivíduo apresenta excesso de peso, frente a um quadro de desnutrição por carência de micronutrientes44 Schappo S. Hunger and food insecurity in times of the covid-19 pandemic. Rev Ser Social. [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 23]; 3(48):28-52. Available from: https://doi.org/10.26512/sersocial.v23i48.32423.
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. A qualidade alimentar das famílias foi particularmente afetada, com aumento significativo de consumo de alimentos ultraprocessados de baixo custo, fácil acesso, maior densidade energética e baixo valor nutricional55 Faustino A de JP, Castejon LV. Children’s food during the pandemic and the difficulties of the responsible. Res., Soc. Dev. [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 23]; 10(7). Available from: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i7.16811.
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As mudanças de estilo de vida infantil determinadas pela pandemia, como o substancial aumento no tempo diário de tela e a redução da atividade física, somadas a uma alimentação carente em nutrientes, podem resultar em prejuízos, não só do padrão alimentar e da evolução ponderal desses indivíduos, mas também do seu desenvolvimento psicossocial66 Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MB de A, Gomes CS, Machado IE, Souza Júnior PRB de, et al. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol. Serv. Saúde. [Internet]. 2020 [cited 23 Nov 2022]; 29(4). Available from: https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000400026.
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-77 Faustino A de JP, Castejon LV. Children’s food during the pandemic and the difficulties of the responsible. Res., Soc. Dev. [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 23]; 10(7). Available from: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i7.16811.
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.

O papel da família na formação do padrão alimentar das crianças também foi potencializado durante o período pandêmico, pelo aumento da proximidade e maior interação entre mães e filhos. As crenças e atitudes maternas em relação à alimentação e ao estado nutricional de seus filhos passaram a ter uma importância ainda maior no desenvolvimento dos padrões alimentares e no estado nutricional destas crianças88 Paiva ED, Silva LR, Machado MED, Aguiar RCB, Garcia KRS, Acioly PGM. Child behavior during the social distancing in the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 23]; 74 (Suppl 1). Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0762.
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. Uma postura materna demasiadamente focada no peso pode, nessas condições, desencadear estratégias equivocadas de intervenção na alimentação infantil e, posteriormente, a normalização de práticas que supervalorizem ideais de magreza e estigmas associados ao excesso de peso, que se configuram como fatores de risco para transtornos alimentares, especialmente entre as meninas. Por outro lado, em crianças pré-púberes, intervenções nutricionais maternas não estruturadas, ou não acompanhadas por equipe multidisciplinar, podem acarretar riscos importantes para o adequado crescimento e desenvolvimento das crianças99 Bica I, Chaves C, Andrade A, Amaral O, Coutinho E, organizadores. A família no epicentro da pandemia [Internet]. Congresso Virtual: Politécnico de Viseu; 2021 July [cited 2022 Nov 23]. 55 p. Available from: https://www.essv.ipv.pt/wp-content/uploads/livros/eBook_Familia_v3.PDF.
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-1010 Rodeiro TCX, Pereira DA, Aguiar BS, Leandro DM, Rocha JR, Bacelar GL, et al. The severity of childhood obesity and the role of parents in influencing their children’s nutrition. REAS [Internet]. 2022 [cited 2022 Nov 23]; 15(4). Available from: https://doi.org/10.25248/reas.e10175.2022.
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O comportamento alimentar da criança é consequência das atitudes dos pais na condição de educadores nutricionais. Especificamente, as diferentes estratégias que utilizam no momento da refeição, voltadas a ensinar os filhos sobre o que e o quanto comer, exercem função importante no desenvolvimento dos padrões de alimentação das crianças, verificando-se correlação positiva entre o estado nutricional destas e de seus pais1111 Huçalo AP, Ivatiuk AL. The relationship between parenting practices and eating behavior in children. Revista PsicoFAE [Internet]. 2017 [cited 2022 Nov 23]; 6(2):113-28. Available from: https://revistapsicofae.fae.edu/psico/article/view/141.
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. Um Questionário de Alimentação Infantil (CFQ - Child Feeding Questionnaire)1212 Birch LL, Fisher JO, Grimm-Thomas K, Markey CN, Sawyer R, Johnson SL. Confirmatory factor analysis of the child feeding questionnaire: a measure of parental attitudes, beliefs and practices about child feeding and obesity proneness. Appetite. [Internet]. 2001 [cited 2022 Nov 23]; 36(3)201-10. Available from: http://dx.doi.org/10.1006/appe.2001.0398.
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, validado para a população brasileira1313 Lorenzato L, Cruz ISM, Costa TMB, Almeida SS. Translation and cross-cultural adaptation of a Brazilian version of the child feeding questionnaire. Paidéia, Ribeirão Preto. [Internet]. 2017 [cited 2022 Nov 23]; 27(66):33-42. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272766201705.
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, foi desenvolvido visando avaliar as crenças, atitudes e práticas dos cuidadores em relação à alimentação e evolução do peso das crianças. Sua construção foi baseada no Modelo de Propensão à Obesidade1414 Costanzo PR, Woody EZ. Domain specific parenting styles and their impact on the child’s development of particular deviance: the example of obesity proneness. J Soc Clin Psychol. [Internet]. 1985 [cited 2022 Nov 23]; 3(4):425-45. Available from: https://doi.org/10.1521/jscp.1985.3.4.425.
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que descreveu, na área da alimentação infantil como o controle dos pais podem influenciar de forma negativa a capacidade da criança de autorregular sua ingestão energética. O CFQ mostrou-se adequado para pesquisas com cuidadores de crianças com desenvolvimento adequado e que se encontram, cronologicamente, na faixa etária entre dois e 11 anos.

Nessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo investigar crenças e atitudes das cuidadoras em relação à alimentação e à evolução ponderal de crianças de cinco a sete anos. Além disso, procurou-se analisar o papel de determinantes sociodemográficos, de histórico de saúde e hábitos de vida sobre estas crenças e atitudes, no contexto da pandemia da COVID-19.

MÉTODOS

Pesquisa descritiva, quantitativa e transversal, desenvolvida em oito Unidades de Saúde da Família (USF) representativas das quatro regiões (norte, sul, leste e oeste) do município de São Carlos, uma cidade do estado de São Paulo. A amostra de conveniência foi selecionada entre a população adscrita às oito USF, sendo composta por 218 crianças pré-púberes saudáveis, de cinco a sete anos e 11 meses, e suas cuidadoras, que se declararam responsáveis pelo cuidado e alimentação das crianças, representadas em 77% da amostra pelas mães e em 23% pelas avós. Essa faixa etária infantil foi escolhida porque é fundamental para a formação dos hábitos alimentares. Foram excluídas da amostra as crianças que não tinham condições físicas de realizarem as medidas necessárias, com histórico de distúrbios alimentares, com baixo peso; crianças púberes; crianças em que apenas o pai estava disponível para participar do estudo; cuidadoras que não tinham capacidade cognitiva para entender a pesquisa ou responder aos questionários; cuidadoras gestantes; cuidadoras com baixo peso.

A coleta deu-se no domicílio das crianças ou nas USF, em horário agendado de comum acordo, atendendo às medidas de biossegurança recomendadas para a pandemia da COVID-19. As crianças e suas cuidadoras tiveram o peso aferido em balança digital, precisão de 100g, capacidade de 180Kg e certificação INMETRO. A altura foi aferida com estadiômetro portátil (SECA®), precisão de 0,1cm e capacidade de 200cm. Para a classificação antropométrica dos indivíduos foi calculado o Índice de Massa Corpórea (IMC) pela fórmula peso/altura22 Weihrauch-Blüher S, Schwarz P, Jan-henning K. Childhood obesity: increased risk for cardiometabolic disease and cancer in adulthood. Metab. Clin. Exp.Internet]. 2019 [cited 2022 Nov 23]; 92:147-52. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.metabol.2018.12.001.
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e utilizado o programa WhoAnthro® da OMS, considerando IMC/I para as crianças e apenas IMC para as cuidadoras. Nas crianças a classificação deu-se através da inserção do valor do IMC na curva de crescimento específica para a idade e o sexo (IMC/I)1515 WHO. Waist circumference and waist-hip ratio: report of a WHO expert consultation. [Internet] 2008 [cited 2022 Oct 24] Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241501491.
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classificada conforme Z Escore. As crianças eutróficas foram definidas como IMC/I entre o Z escore ≥-2 e <+2 e o excesso de peso foi definido entre as crianças com IMC/I para idade maior que 1DP acima da média da curva de referência da OMS. Quanto às cuidadoras, foram classificadas como eutróficas as que apresentavam IMC≤24,9 kg/m2 e com excesso de peso as com IMC≥25 kg/m2 1616 World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: WHO; 1997..

A confirmação do estágio puberal das crianças foi baseada na informação das cuidadoras, tendo como referência as figuras de Tanner que representam os diferentes estágios puberais nos sexos feminino e masculino 1717 Tanner, J.M. Growth at adolescence. 2. ed. Oxford: Blackwell Scientific Publications; 1962..

Foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados, um formulário semiestruturado específico elaborado pelos pesquisadores para coleta de dados sociodemográficos, histórico de saúde e hábitos de vida (Anexo 1) e o Questionário de alimentação da criança (CFQ- Child Feeding Questionnaire (Anexo 2)1212 Birch LL, Fisher JO, Grimm-Thomas K, Markey CN, Sawyer R, Johnson SL. Confirmatory factor analysis of the child feeding questionnaire: a measure of parental attitudes, beliefs and practices about child feeding and obesity proneness. Appetite. [Internet]. 2001 [cited 2022 Nov 23]; 36(3)201-10. Available from: http://dx.doi.org/10.1006/appe.2001.0398.
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. O CFQ contém 31 itens agrupados em 7 subescalas: 1) Percepção de responsabilidade (PR): quantifica a percepção dos pais sobre sua responsabilidade com a alimentação da criança; 2) Peso parental percebido (PPP): quantifica se os pais percebem seu peso real e um eventual excesso de peso; 3) Peso percebido da criança (PPC): quantifica se os pais percebem o peso real e um eventual excesso de peso da criança; 4) Preocupação com o peso da criança (PrC): quantifica o grau de preocupação dos pais com o peso da criança e sua evolução ponderal; 5) Restrição (R), que quantifica as medidas de restrição aplicadas pelos pais em relação à alimentação da criança; 6) Pressão para comer (PC): quantifica o grau de pressão dos pais para que a criança se alimente com determinada quantidade ou qualidade alimentar; e 7) Monitoramento (M): quantifica o grau de monitoramento dos pais sobre a alimentação dos filhos. Para cada uma das questões, há cinco opções de resposta (escala Likert de 1 a 5). Pontuação maior numa determinada subescala se traduz por maior preocupação com o aspecto pesquisado, uso mais frequente de uma determinada estratégia alimentar ou níveis mais acentuados de participação e envolvimento das cuidadoras com a alimentação e com a monitorização do peso das crianças.

Os resultados foram apresentados como média±dp para as variáveis quantitativas contínuas e como média, mediana, mínimo e máximo para as variáveis quantitativas discretas. As variáveis qualitativas nominais foram descritas por frequência absoluta e porcentagem. As crianças e suas cuidadoras foram divididas em dois grupos: 1) Eutrófico (peso adequado) e 2) Excesso de peso (sobrepeso + obesidade). Posteriormente, o grupo das crianças foi redividido em subgrupos masculino e feminino. As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software estatístico JASP® 0.16.31818 Jasp. A fresh way to do statistics. Departmente of psychological methods. University of Amsterdam [Internet]. 2018 [cited 2022 Nov 23]. Available from: https://jasp-stats.org/.
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. As pontuações das subescalas não apresentaram distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnoff e, portanto, foram analisadas por testes não paramétricos. A significância estatística das diferenças entre os dois grupos foi determinada pelo teste de Mann-Whitney.

O teste de Spearman foi utilizado para avaliar o coeficiente de correlação binária (rho) entre as variáveis; a intensidade da correlação foi classificada como rho >0,70=forte, rho 0,70-0,30=moderada ou rho <0,30=fraca. A análise da associação entre as variáveis categóricas foi realizada pelo teste do Qui-quadrado. Para determinar os fatores capazes de modificar significativamente a pontuação das subescalas do CFQ (Desfecho esperado: pontuação acima da média) foram incluídas na análise de regressão logística, para cada subescala, as variáveis descritas no questionário sociodemográfico, histórico de saúde e hábitos de vida. Na análise de regressão logística exploratória, as variáveis independentes foram inseridas de uma só vez no modelo inicial (modo ENTER). Todos os modelos de análise de regressão logística apresentaram um VIF < 5. O nível de significância adotado foi de 95% (p < 0,05).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição com o parecer nº 4.211.811.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi composta por 218 binômios cuidadoras-crianças, totalizando 436 indivíduos. A média±dp da idade (meses) das meninas foi de 77,21±10,7, dos meninos 78,13±10,3 e das cuidadoras 38±11 anos. Os dados sociodemográficos, histórico de saúde e hábitos das crianças e das cuidadoras além da média±dp do peso e estatura das crianças e cuidadoras estão descritos no Quadro 1. A distribuição do IMC/I das crianças e do IMC das cuidadoras encontra-se na Figura 1. Todas as cuidadoras da amostra declararam ser responsáveis pela alimentação dos filhos e 79% apresentavam excesso de peso. O peso e a estatura das crianças do grupo com excesso de peso foram significativamente maiores, independente do sexo (p < 0.001). Além disso, todas as cuidadoras da amostra declararam ser responsáveis pela alimentação dos filhos. Houve associação significativa entre excesso de peso e nascimento por parto cesárea (χ2=4.599, p=0,032), e excesso de peso e não ter irmãos (χ2=4.298, p=0,038), em ambos os sexos. Não houve associação significativa dos demais dados do formulário com a classificação antropométrica das crianças. Não houve associação com o sexo da criança.

Quadro 1
Dados sociodemográficos, histórico de saúde e hábitos, peso, estatura e classificação antropométrica das crianças divididas por sexo e das cuidadoras. São Carlos, SP, Brasil, 2023

Figura 1
Classificação do IMC/I das crianças divididas por sexo e do IMC das cuidadoras. São Carlos, Brasil, 2023

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos valores de pontuação das sete subescalas do questionário CFQ das crianças divididas por sexo e classificação antropométrica. Os valores de PR e M foram significativamente maiores do que os das demais subescalas em ambos os sexos (p < 0,001). Por outro lado, os valores de pontuação de PPC e PrC foram os menores (p < 0,001), também em ambos os sexos.

Tabela 1
Pontuação das subescalas do CFQ dos grupos divididos de acordo com o sexo e classificação do IMC das crianças. São Carlos, SP, Brasil, 2023

A comparação dos valores de pontuação das subescalas do questionário CFQ entre as crianças divididas de acordo com a classificação antropométrica, mostrou que cuidadoras de crianças com excesso de peso manifestaram maior PrC (p < 0,001) e houve maior pontuação na subescala PPC (p=0,001). Não houve diferença entre a pontuação dos grupos de crianças divididas de acordo com a classificação antropométrica, nas subescalas PR, PPP, R, PPC e M. Não houve diferença nas subescalas do CFQ nas crianças de acordo com o sexo.

A análise de associação dos valores de pontuação das subescalas do questionário CFQ (acima ou abaixo da média) com as variáveis qualitativas do Quadro 1, mostrou que a PPP foi significativamente maior no grupo de cuidadoras que fizeram dieta (χ2=4.089, p=0,043) e quando ambos os pais residiam no domicílio (χ2=4.242, p=0,039). A criança ter nascido a termo se associou a maior PPC (χ2=15.578, p<0,001). As cuidadoras de crianças em que foi detectado um tempo excessivo de tela apresentaram maior pontuação na subescala PrC (χ2=4.927, p=0,026). As cuidadoras referiram maior comportamento de (R) quando ambos os pais residiam no domicílio (χ2=7.299, p=0,007).

A Tabela 2 apresenta os coeficientes de correlação entre os valores de IMC/I das crianças dividias por sexo e os valores das subescalas do CFQ. Houve correlação significativa e positiva entre IMC/I x PPC e IMC/I x PrC em ambos os sexos (p<0.001). Isto mostra que as cuidadoras perceberam melhor o estado nutricional e se preocuparam mais com o peso de seus filhos (meninos e meninas) à medida que seu IMC/I aumentou (principalmente em crianças classificadas como obesas). A correlação entre IMC/I e PC se mostrou negativa e significativa nas meninas (rho=-0,294, p=0,002). A correlação entre o IMC/I dos meninos e a subescala PPP se mostrou positiva e significativa (rho=0,360, p<0,001), isto é, as cuidadoras de meninos obesos demonstraram uma maior percepção de seu próprio excesso de peso.

Tabela 2
Correlação linear entre o IMC/I das crianças divididas por sexo e as subescalas do CFQ. São Carlos, SP, Brasil, 2023

As variáveis capazes de influenciar o desfecho de cada uma das subescalas do CFQ, no grupo total de crianças, encontram-se na Tabela 3. Nenhuma das variáveis presentes no modelo influenciou significativamente a pontuação das subescalas PC, PR e M.

Tabela 3
Resultado da análise de regressão logística para cada uma das subescalas do CFQ (Desfecho esperado: “pontuação acima da média na subescala”), no grupo de crianças não divididas por sexo. São Carlos, SP, Brasil, 2023

A análise de regressão logística no grupo de meninas mostrou que as cuidadoras com baixa escolaridade apresentaram uma menor chance de reconhecerem sua responsabilidade quanto à alimentação de suas filhas (PR) (OR= 0.30, p=0,017). Menor escolaridade das cuidadoras também se associou à menor PPC (OR=0.07, p=0,008) e menor M (OR=0.36, p=0.041). O nascimento da criança a termo se associou a uma maior PPC (OR=10.81, p=0,002). Responsáveis com histórico de dieta apresentaram maior chance de reconhecerem seu próprio peso excessivo (PPP) (OR=3.26, p=0,020). Cuidadoras com excesso de peso e cujas filhas referiram um tempo de tela excessivo apresentaram maiores valores na subescala de PrC (OR=4.68, p=0,009 e OR=3.70, p=0,041, respectivamente). As cuidadoras de meninas com excesso de peso apresentaram menor pontuação na subescala PC (OR=0.15, p<0,001). Nenhuma das variáveis presentes no modelo influenciaram significativamente a pontuação das subescalas R do grupo de meninas.

No grupo de meninos, o fato das cuidadoras estarem acima do peso associou-se a uma maior PPP (OR=11.54, p=0,001) e maior PrC (OR=4.80, p=0,040). O fato do menino estar acima do peso foi associado a uma maior PrC (OR=6.38, p<0,001). As cuidadoras de meninos com tempo de tela aumentado apresentaram maior PrC (OR=3.87, p=0,036). Menor escolaridade das cuidadoras associou-se a menor pontuação na subescala R (OR=0.22, p=0,016). Nenhuma das variáveis selecionadas no modelo influenciaram significativamente a pontuação das subescalas M, PC, PR e PPC.

DISCUSSÃO

No presente estudo observou-se alta prevalência do excesso de peso entre as crianças de 5 a 7 anos e 11 meses, apesar de suas cuidadoras referirem estarem preocupadas e comprometidas com a alimentação de suas crianças. O isolamento social decorrente da pandemia da COVID-19 determinou importantes mudanças na rotina das crianças, com redução da prática de atividade física, o que pode resultar em um maior IMC/I2020 Oliveira LV, Rolim ACP, Silva GF da, Araújo LC de, Braga VA de L, Coura AGL. Changes in eating habits related to the Covid-19 pandemic: a literature review. Brazilian Journal of Health Review. [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 23]; 4(2). Available from: https://doi.org/10.34119/bjhrv4n2-367.
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.

As cuidadoras referiram serem as principais responsáveis pelo cuidado diário da criança e sua alimentação. Assim, embora ambos os pais também tenham influência na construção dos hábitos alimentares dos filhos, o papel da figura feminina ainda é determinante para a formação do padrão nutricional da criança1111 Huçalo AP, Ivatiuk AL. The relationship between parenting practices and eating behavior in children. Revista PsicoFAE [Internet]. 2017 [cited 2022 Nov 23]; 6(2):113-28. Available from: https://revistapsicofae.fae.edu/psico/article/view/141.
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. Assim, práticas e estratégias empregadas pelas cuidadoras no contexto diário da alimentação dos filhos são importantes para a orientação de escolhas alimentares nutricionalmente adequadas. O contexto familiar, entretanto, apresenta inúmeros outros fatores que podem influenciar o peso da criança e o padrão alimentar infantil, entre eles renda familiar, percepção dos pais sobre estado nutricional das crianças, escolaridade dos pais e peso parental2121 Silva CM, Teixeira T. Children’s eating behavior and parental attitudes towards children’s eating. In: Leal I, Humboldt S, Ramos C, Valente A, Ribeiro J, editores. 12th National Congress of Health Psychology: Promoting and Innovating in Health Psychology: Actas; 2018 Jan. p. 231-40; Lisboa: ISPA; 2018..

A subescala PR do CFQ alcançou maiores pontuações. Esses dados estão de acordo com estudos recentes, que aplicaram o CFQ em outras populações com número amostral bastante similar 2222 Pedroso J, Toral N, Gubert MB. Maternal attitudes, beliefs and practices related to the feeding and nutritional status of schoolchildren. Rev. de Nutr [Internet]. 2019 [cited 2022 Dec 102]; 32. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1678-9865201932e180184.
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. Não houve diferença significativa na pontuação das diferentes subescalas do CFQ de acordo com o sexo das crianças, o que significa que as tendências apontadas nesta pesquisa valem tanto para meninos quanto para meninas. Os resultados descritos demonstram preocupação e comprometimento das cuidadoras quanto à alimentação das crianças, no que se refere a decisões alimentares e tamanho das porções, frente a um cenário pandêmico em que se tornou mais difícil a aquisição de alimentos nutricionalmente adequados2323 Lima MRD, Soares ACN. Healthy food in COVID-19 times:what do i need to know?. Brazilian Journal of Health Review. [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 10]; 3(3). Available from: https://doi.org/10.34119/bjhrv3n3-009.
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. Durante a pandemia da COVID-19, a importância de uma alimentação adequada foi reforçada, tendo sido divulgado repetidamente pela mídia o conceito de que uma boa nutrição poderia ajudar a melhorar a saúde e o sistema imunológico das crianças, protegendo-as dos riscos da infecção pelo Covid-192424 Polo TCF, Miot HA, Papini SJ. Impact of the covid19 pandemic on diet behavior and physical activity routine in brazil. Salusvita Magazine. [Internet]. 2021 [cited 2022 Dec 10]; 40(2):11-24. Available from: https://revistas.unisagrado.edu.br/index.php/salusvita/article/view/184/126.
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, o que pode ter contribuído para a alta pontuação na subescala de PR.

Por outro lado, algumas subescalas como a PPC e a PrC obtiveram as pontuações mais baixas, mesmo com a ampla divulgação de que o excesso de peso, no contexto de pandemia da COVID-19, poderia determinar aumento de severidade, tempo de internação, complicações e mortalidade da doença 2525 Ribeiro-Silva R de C, Pereira M, Campello T, Aragão E, Guimarães JM de M, Ferreira AJF, et al. Implications of the COVID-19 pandemic for food and nutrition security in Brazil. Cienc. saude colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 10]; 25:3421-30. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.22152020.
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. Essa falta de percepção das cuidadoras sobre o peso excessivo de seus filhos pode ser reflexo de uma tendência, descrita na literatura científica atual, principalmente em populações de baixa renda e baixa escolaridade, de normalização do corpo obeso2626 Kempe GC. Correlation between maternal perception of body image and infant body weight status [Thesis]. Brasília (DF): Universidade Católica de Brasília; 2021.. Estudo recente1111 Huçalo AP, Ivatiuk AL. The relationship between parenting practices and eating behavior in children. Revista PsicoFAE [Internet]. 2017 [cited 2022 Nov 23]; 6(2):113-28. Available from: https://revistapsicofae.fae.edu/psico/article/view/141.
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demonstrou associação significativa entre maior escolaridade dos responsáveis e percepção mais fidedigna do peso corporal das crianças. Por outro lado, assim como nesta pesquisa, cuidadoras com baixa escolaridade referiram dificuldade em reconhecer excesso de peso de sua prole na mesma faixa etária deste estudo. É importante ressaltar que o não reconhecimento do verdadeiro estado nutricional da criança pode levar a atitudes parentais em relação à alimentação dos filhos que podem agravar tanto situações de super quanto de subnutrição.

A literatura reforça que muitos pais não enxergam o peso real de seus filhos, principalmente dos que apresentam apenas sobrepeso e pertencem a faixas etárias mais jovens. Comumente, eles caracterizam estas crianças como “fortes” e “bem nutridas”2727 Wright DR, Lozano P, Dawson-Hahn E, Christakis DA, Haaland WL, Basu A. Parental optim [cited 2022 Dec 10]; 41(2)1467-72. Available from: https://doi.org/10.1038/ijo.2017.103.
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. Em uma pesquisa realizada no Nordeste Brasileiro, os pais descreveram seus filhos com excesso de peso, como sendo crianças com “estrutura larga”, “corpos fortes” e “ossos grandes”. As cuidadoras afirmaram que as crianças eram ativas e que não tinham necessidade de intervenções nutricionais, uma vez que não apresentavam queixas relacionadas à saúde e ainda iriam crescer2828 Pas KD, Soder TF, Deons RG. Parents’ perception: does my child have childhood obesity?. Context & Health Magazine. [Internet]. 2019 [cited 2022 Dec 10]; 19(36). Available from: https://doi.org/10.21527/2176-7114.2019.36.20-26.
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Por outro lado, as cuidadoras que reconheceram o excesso de peso dos filhos manifestaram uma maior preocupação com o peso destes. O reconhecimento de que o excesso de peso acarreta riscos progressivos à saúde pode motivar os pais a procurarem e se envolverem ativamente em propostas estruturadas e multidisciplinares de educação nutricional infantil. Por outro lado, práticas parentais voltadas para um controle excessivo sobre a alimentação das crianças, com restrição de alimentos pouco saudáveis e controle de porções, podem levar a um maior consumo de alimentos ultraprocessados, quando da sua disponibilidade, além interferir nos sinais internos de fome e saciedade, e, consequentemente, na autorregulação do apetite da criança2929 Garcia CL, Miguel RM, Pessa RP, Manochio-Pina MG. Eating attitudes and body image of mothers of patients with eating disorders. DEMETRA: Alimentação, Nutrição & Saúde. [Internet]. 2018 [cited 2022 Dec 10]; 13(3):621-33. Available from: https://doi.org/10.12957/demetra.2018.33822.
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A preocupação com o peso da criança também foi maior quando os responsáveis apresentavam um IMC aumentado. Estes responsáveis podem estar mais cientes das consequências físicas e psicossociais do excesso de peso, uma vez que experimentam em seu dia a dia os seus efeitos negativos. Por outro lado, embora a preocupação com o peso da criança possa indicar maior nível de envolvimento dos pais na nutrição e cuidado dos filhos com excesso de peso reconhecido, tal prática carrega consigo potenciais efeitos negativos de longo prazo, como a possibilidade de estigmatização da criança. É sabido que crianças e adolescentes podem sofrer abuso verbal e/ou físico associado ao excesso de peso, acarretando marginalização, exclusão e discriminação social. As consequências individuais da estigmatização podem ser baixa autoestima, rejeição do corpo real, transtornos alimentares, menor rendimento escolar, depressão, ingestão alimentar aumentada compensatória e redução da atividade física com o objetivo de diminuir a exposição do próprio corpo 3030 Ministry of Health (BR). Handbook of care for people with overweight and obesity in the scope of Primary Health Care (PHC) of the Unified Health System. Brasilia: Ministry of Health, Secretariat of Primary Health Care, Department of Health Promotion; 2022..

Portanto, o estilo parental, na forma de educar as crianças sobre nutrição e no grau de controle alimentar, é diferente, dependendo dos valores, experiências pessoais, habilidade de comunicação e padrão de consumo dos próprios pais e responsáveis. Este estudo mostrou que dados do histórico pessoal das crianças, como nascimento prematuro, podem influenciar a maneira como as cuidadoras enxergam seus filhos durante toda a infância, por exemplo, dificultando a percepção de excesso de peso nos seus filhos nascidos prematuramente. As cuidadoras desta pesquisa revelaram ainda exercer uma pressão sobre as filhas eutróficas para que façam escolhas alimentares saudáveis e regulem a quantidade de alimento ingerido, o que pode potencializar o surgimento de transtornos alimentares nesta população particularmente susceptível. Ainda sobre as atitudes maternas, as cuidadoras de crianças com tempo de tela acima do recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, cientes da pressão consumista veiculada pelos meios de comunicação, referiram maior preocupação com o peso dos filhos e mais intervenções de restrição alimentar, principalmente se respaldadas pela figura paterna no domicílio, como também foi descrito na literatura3131 Santos KDF, Reis MAD, Romano MCC. Parental practices and child’s eating behavior. Texto contexto- enferm. [Internet]. 2021 [cited 2022 Dec 10]; 30. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0026.
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Este estudo tem como limitação o fato de ter realizado uma avaliação apenas indireta das práticas e crenças alimentares dos responsáveis, a partir de relatos e não de observação direta do contexto alimentar durante a realização de refeições pela família, o que pode trazer vieses. Além disso, a amostra do estudo foi composta predominantemente por famílias adscritas a USF localizadas em áreas de vulnerabilidade social, fato que pode limitar extrapolações para a população geral. Nesse sentido, recomenda-se a realização de novas pesquisas que comparam populações com diferentes perfis econômico e social, e que utilizem ferramentas e métodos variados de coleta e análise de dados, ampliando com isso o poder analítico e inferencial dos resultados.

Apesar das limitações, este é um estudo importante por possibilitar a análise de dados sobre as crenças e atitudes das cuidadoras em relação à alimentação e evolução ponderal dos filhos durante a pandemia, que podem servir como referência para estudos futuros e para a elaboração de estratégias de educação nutricional voltadas para a população pediátrica.

CONCLUSÃO

Quanto às crenças e atitudes das cuidadoras em relação à alimentação e à evolução ponderal das crianças, a percepção de que as cuidadoras no período pandêmico se preocuparam principalmente com a nutrição das suas crianças pode trazer como consequência uma maior aderência destas a vários aspectos do cuidado nutricional infantil no período pós-pandemia. Esses programas, direcionados à população pediátrica como um todo, independente do reconhecimento pelos pais da classificação antropométrica de seus filhos e da estigmatização do excesso de peso, podem resultar em importantes benefícios de longo prazo à saúde dessa população, principalmente quando elaborados e acompanhados por equipe multidisciplinar.

Em relação ao papel dos determinantes sociodemográficos, de histórico de saúde e hábitos de vida, deve-se considerar a possibilidade de que a ênfase das cuidadoras na alimentação e seu monitoramento descritos neste estudo possa ser também fruto do empobrecimento da população decorrente da pandemia e da dificuldade em fornecer às crianças uma nutrição minimamente adequada, o que precisa ser levado em conta no delineamento de políticas públicas voltadas à saúde destas crianças.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, a quem agradecemos. Agradecemos também o apoio da FAPESP (processo 2020/02047-8).

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Editora associada: Dra. Claudia Palombo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2023
  • Aceito
    08 Ago 2023
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