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EXPERIÊNCIA DO PROCESSO DE DESMAME MATERNO ENTRE PRIMÍPARAS: ESTUDO QUALITATIVO

RESUMO

Objetivo:

compreender a experiência do processo de desmame para as mães primíparas de um município do interior do Ceará, Brasil.

Método:

estudo descritivo e qualitativo, realizado com oito mulheres, mediante entrevistas semiestruturadas. Coleta de dados de agosto de 2022 a março de 2023, na Atenção Primária à Saúde, adotando-se a análise de conteúdo de Bardin.

Resultados:

emergiram três categorias temáticas: motivos para a mãe decidir sobre o desmame; estratégias empregadas pela mãe para realizar o desmame; e consequências do desmame para a mãe e a criança. As percepções maternas sobre a motivação do desmame relacionaram aspectos comportamentais da criança e necessidades maternas. Variadas estratégias foram classificadas em desmame gradual ou abrupto, que geraram mudanças no comportamento das crianças e sentimentos contraditórios nas mães. Considerações finais: o desmame é vivenciado de forma desagradável, gerando sofrimento. Desvela-se a desassistência por profissionais e a necessidade de ampliação de estudos.

DESCRITORES:
Aleitamento Materno; Desmame; Acontecimentos que Mudam a Vida; Relações Mãe-Filho; Saúde Materno-Infantil.

ABSTRACT

Objective:

To understand the experience of the weaning process for primiparous mothers in a municipality in the interior of Ceará, Brazil.

Method:

Using semi-structured interviews, a descriptive, qualitative study was conducted with eight women. Data collection from August 2022 to March 2023 in Primary Health Care, using Bardin’s content analysis.

Results:

three thematic categories emerged: reasons for the mother’s decision to wean, strategies employed by the mother to wean, and the consequences of weaning for the mother and child. Maternal perceptions of the motivation for weaning were related to behavioral aspects of the child and maternal needs. Various strategies were classified as gradual or abrupt weaning, which generated changes in the children’s behavior and contradictory feelings in the mothers. Final considerations: weaning is experienced unpleasantly, generating suffering. It reveals the lack of professional assistance and the need to expand studies.

KEYWORDS:
Breastfeeding; Weaning; Life-Changing Events; Mother-Child Relationships; Maternal and Child Health.

RESUMEN

Objetivo:

conocer la experiencia del proceso de destete de las madres primíparas en un municipio del interior de Ceará, Brasil.

Método:

estudio descriptivo y cualitativo realizado con ocho mujeres, mediante entrevistas semiestructuradas. Recogida de datos de agosto de 2022 a marzo de 2023, en Atención Primaria, utilizando el análisis de contenido de Bardin.

Resultados:

surgieron tres categorías temáticas: motivos de la decisión materna de destetar; estrategias empleadas por la madre para llevar a cabo el destete; y consecuencias del destete para la madre y el niño. Las percepciones maternas de la motivación para el destete estaban relacionadas con aspectos conductuales del niño y con las necesidades maternas. Se clasificaron diversas estrategias como destete gradual o brusco, que provocaron cambios en el comportamiento de los niños y sentimientos contradictorios en las madres. Consideraciones finales: el destete se vive de forma desagradable, generando sufrimiento. Esto revela la falta de ayuda de los profesionales y la necesidad de ampliar los estudios.

DESCRIPTORES:
Lactancia materna; Destete; Acontecimientos que cambian la vida; Relaciones madre-hijo; Salud materno-infantil.

HIGHLIGHTS

  1. Desmame motivado por desgaste físico e emocional materno.

  2. Desmame abrupto e gradual.

  3. Sentimentos contraditórios maternos como consequências do desmame.

  4. Desmame vivenciado de forma desagradável, gerando sofrimento.

HIGHLIGHTS

  1. Desmame motivado por desgaste físico e emocional materno.

  2. Desmame abrupto e gradual.

  3. Sentimentos contraditórios maternos como consequências do desmame.

  4. Desmame vivenciado de forma desagradável, gerando sofrimento.

INTRODUÇÃO

Desmame é um processo complexo em que as crianças recebem alimentos complementares, incluindo alimentos sólidos, para satisfazer as necessidades nutricionais relativas ao seu crescimento11 Jabeen A, Amberina AR, Gayathri V, Eshwar MD, Dodda S, Begum GS, et al. Assessment of breastfeeding, weaning, and complementary feeding practices among women attending a Tertiary care teaching hospital in South India. Cureus. [Internet]. 2022 [cited 2023 Sept. 04]; 14(9). Available from: https://doi.org/10.7759/cureus.28791
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. É uma etapa indispensável no desenvolvimento infantil, que abrange dos 6 aos 24 meses ou mais de idade, período em que passam do aleitamento materno exclusivo ou da alimentação com fórmula para a alimentação complementar22 El-Sayed RAEL, Helaly NM, Ramadan HM, Saleh SES. Mothers’ knowledge regarding weaning practices for their children aged from 6 to 24 months. ASNJ [Internet]. 2022 [cited 2023 Apr. 19]; 24(1):77-88. Available from: https://doi.org/10.21608/asalexu.2022.246012
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Temporalmente, o desmame começa quando a criança consome outra fonte de nutrientes além do leite materno, e termina após consumir o leite materno pela última vez. O desmame, então, pode ser definido como o processo que ocorre entre esse início e esse fim, podendo assumir muitas formas e variar em termos de tempo para ser concluído33 Kimminau D. Weaning. In: Encyclopedia of Evolutionary Psychological Science. [Internet]. Cham: Springer International Publishing; 2021 [cited 2023 Mar 7]: 8486-8490. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-319-19650-3_837
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. Considera-se, ainda, um período difícil e potencialmente perigoso para o crescimento das crianças, e a educação da mãe é determinante para seu sucesso44 Al-Gashanin MA, Ghazwani EY. Knowledge, attitude, and practice of weaning among mothers in najran region, Saudi Arabia, 2021. J Nutr Metab [Internet]. 2022 [cited 2023 Sept. 04]; 2022. Available from: https://doi.org/10.1155/2022/6073878
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Porém, verifica-se que a maioria das mães utiliza métodos inadequados para o desmame, como manchar os mamilos para assustar o lactente, aplicar nos mamilos substâncias com gosto ou cheiro ruim para causar nojo, entre outros55 Oflu A. Weaning practices of Turkish mothers: a mixed-model research. Breastfeed Med [Internet]. 2020 [cited 2022 Feb. 19]; 15(2):109-13. Available from: https://doi.org/10.1089/bfm.2019.0262
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. Ansiedade, inquietação e ruptura do relacionamento e da confiança da criança na mãe emergem como as principais consequências da aplicação desses métodos66 Hatami H, Mozafari O, Zakeri S, Kolangi F. Tips on how to wean children from the perspective of traditional Iranian medicine. J Res Dev Nurs Midw [Internet]. 2020 [cited 2022 May 28]; 17. Available from: http://nmj.goums.ac.ir/article-1-1264-en.html
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. Por esse motivo, admite-se que o desmame é um período muito vulnerável para a vida da criança22 El-Sayed RAEL, Helaly NM, Ramadan HM, Saleh SES. Mothers’ knowledge regarding weaning practices for their children aged from 6 to 24 months. ASNJ [Internet]. 2022 [cited 2023 Apr. 19]; 24(1):77-88. Available from: https://doi.org/10.21608/asalexu.2022.246012
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, indicando a necessidade de suporte profissional55 Oflu A. Weaning practices of Turkish mothers: a mixed-model research. Breastfeed Med [Internet]. 2020 [cited 2022 Feb. 19]; 15(2):109-13. Available from: https://doi.org/10.1089/bfm.2019.0262
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É indispensável aos profissionais de saúde compreenderem a importância de incentivar as mães, quando possível, a amamentar por dois anos ou mais, eles também precisam fornecer instruções sobre as práticas que apoiam um processo de desmame saudável, na perspectiva de oportunizar às mães os benefícios e as desvantagens das diversas práticas77 Baş NG, Karatay G, Arikan D, Weaning practices of mothers in eastern Turkey. J Pediatr. [Internet]. 2018 [cited 2023 Jan. 19]; 94(5):498-503. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jped.2017.06.019
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. Ressalta-se o papel do enfermeiro nessa função, promovendo orientações acerca do processo de desmame gradual e da introdução alimentar adequada, transmitindo confiança e incentivo, para que se tenha resultado positivo88 Moura ACL, Lira JP, Sousa TRS. Boas práticas em desmame na perspectiva da enfermagem: revisão integrativa da literatura. Revista da Saúde da AJES. [Internet]. 2021 [cited 2023 Sept 15]; 7(14). Available from: http://revista.ajes.edu.br/index.php/sajes/article/view/419
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.

Em face do exposto e considerando que a vivência do desmame também é um momento desafiador para o processo de aleitamento materno (AM), emergiu a questão norteadora: qual a experiência do processo de desmame materno entre primíparas de um município do interior do Ceará?

Achados evidenciados em estudos, como: a escassez de estudos empíricos sobre práticas de desmame99 Appiah PK, Amu H, Osei E, Konlan KD, Mumuni IH, Verner ON, et al. Breastfeeding and weaning practices among mothers in Ghana: a population-based cross-sectional study. Plos one. [Internet]. 2021 [cited 2022 Dec. 11]; 16(11):e0259442. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0259442
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-1010 Baranowska B, Malinowska M, Stanaszek E, Sys D, Bączek G, Doroszewska A, et al. Extended breastfeeding in Poland: knowledge of health care providers and attitudes on breastfeeding beyond infancy. J Hum Lact [Internet]. 2019 [cited 2022 Nov. 04]; 35(2):371-80. Available from: https://doi.org/10.1177/0890334418819448
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; o reconhecimento de que o desmame é essencial para atender à demanda nutricional do lactente em crescimento1111 Abu Shosha GM. Weaning practices of Jordanian mothers: a qualitative study. Health Soc. Care Community. [Internet]. 2022 [cited 2023 May 04]; 30(2):612-21. Available from: https://doi.org/10.1111/hsc.13165
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; a constatação, pautada em estudos anteriores, de que a negligência durante esta fase pode ter efeitos profundos na saúde física e mental e até mesmo da mãe66 Hatami H, Mozafari O, Zakeri S, Kolangi F. Tips on how to wean children from the perspective of traditional Iranian medicine. J Res Dev Nurs Midw [Internet]. 2020 [cited 2022 May 28]; 17. Available from: http://nmj.goums.ac.ir/article-1-1264-en.html
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,1212 Aksoy SD, Ozdilek R, Aba YA. Weaning traditional practices among mothers coming to primary health care center in Turkey. J. Pediatr. Rev. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 8(4):275-82. Available from: http://jpr.mazums.ac.ir/article-1-320-en.html
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; e associados à necessidade de desenvolvimento de políticas inovadoras que incluem ampla educação pública para melhorar não somente as práticas de amamentação, como também de desmame1010 Baranowska B, Malinowska M, Stanaszek E, Sys D, Bączek G, Doroszewska A, et al. Extended breastfeeding in Poland: knowledge of health care providers and attitudes on breastfeeding beyond infancy. J Hum Lact [Internet]. 2019 [cited 2022 Nov. 04]; 35(2):371-80. Available from: https://doi.org/10.1177/0890334418819448
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justificam a realização desta pesquisa. Logo, objetivou-se compreender a experiência do processo de desmame para as mães primíparas de um município do interior do Ceará, Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo e qualitativo com oito mulheres de um município do interior do Ceará, Brasil. Como critérios de inclusão, consideraram-se: primíparas com idade igual ou superior a 18 anos, que não realizaram o desmame precoce, ou seja, que interromperam o aleitamento materno exclusivo após o lactente atingir o sexto mês de vida, havendo a introdução na dieta da criança de outros alimentos para complementação do leite materno1313 Conceição FOVDA, Zanin L, Araújo Neto APD, Pinheiro FS, Flório FM. Factors associated with early weaning in the human milk bank of a university hospital. Rev. Bras. de Saude Matern. Infant. [Internet]. 2023 [cited 2023 Apr. 15]; 23(e20210450). Available from: https://doi.org/10.1590/1806-9304202300000450
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. Nesse estudo, considerou-se desmame a interrupção definitiva da amamentação a partir de um ano de vida da criança. Excluíram-se as mães que tiveram gravidez múltipla; e mães de crianças com três anos ou mais, para reduzir o viés da memória.

A aproximação das participantes aconteceu, inicialmente, por meio das equipes de Saúde da Família (eSF), localizadas na sede do município. A determinação da amostra final do estudo ocorreu por conveniência. Após o levantamento dos dados das prováveis participantes, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) das eSF realizaram busca ativa, por meio de contato telefônico ou visita domiciliar, a fim de realizar triagem, considerando os critérios de inclusão previamente estabelecidos. Em seguida, a pesquisadora realizou contato telefônico, com a intenção de apresentar o convite para participação no estudo. Com a confirmação dos dados e demonstração de interesse da mãe, agendou-se entrevista em sala reservada na Unidade Básica de Saúde (UBS), somente na presença da pesquisadora e da participante. A formalização do aceite aconteceu mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta de dados aconteceu no período de agosto de 2022 a março de 2023, mediante entrevistas individuais, com duração média de trinta minutos, seguindo roteiro semiestruturado, de autoria própria, adaptado de estudo anterior1414 Vilanova JRS, Carneiro CT, Rocha KNS, Brito MA, Rocha RC, Costa AC, et al. Burden of mothers of children diagnosed with autism spectrum disorder: mixed method study Rev Gaúcha Enferm. [Internet]. 2022 [cited 2023 Sept. 02]; 43:e20210077. Available from: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210077
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, constituído por perguntas fechadas para caracterização socioeconômica (faixa etária; etnia; escolaridade; estado civil; tabagismo; uso de bebida alcoólica; e renda familiar), obstétrica (idade gestacional; número de consultas de pré-natal; orientação quanto ao AM; tipo de parto) e do processo de amamentação (contato pele a pele ao nascer; amamentação na primeira hora de vida; tempo de amamentação) das participantes, e segundo a questão norteadora da pesquisa: como aconteceu seu processo de desmame?

Questões empáticas foram utilizadas, constituídas a partir do relato das participantes, com intuito de aprofundar temas de interesse para a pesquisa. As entrevistas foram conduzidas pela pesquisadora assistente, enfermeira da Estratégia Saúde da Família do município, consultora em amamentação, com experiência em pesquisas qualitativas. Ainda assim, houve treinamento realizado pela coordenadora da equipe de pesquisa, também consultora em amamentação, quanto às técnicas de aproximação das participantes e coleta de dados. No encontro, houve a audiogravação dos relatos, mediante autorização prévia e, posteriormente, validação pelas participantes, que foram indagadas sobre o interesse em acrescentar ou retirar informações.

Para calibração do instrumento de coleta de dados, foi realizado pré-teste com três mães, tanto para correção de possíveis falhas como para possibilitar à pesquisadora aprimoramento da técnica de coleta de dados, as quais não foram incluídas na amostra final. Não houve perdas de participantes neste processo, mas ocorreram duas recusas. Nessa etapa, não foi utilizado critério amostral, uma vez que ao desenvolver a etapa de campo concomitante à análise dos dados, foi possível concluir a produção de dados quando os significados expressos nos relatos maternos mostraram o encontro com o fenômeno investigado1414 Vilanova JRS, Carneiro CT, Rocha KNS, Brito MA, Rocha RC, Costa AC, et al. Burden of mothers of children diagnosed with autism spectrum disorder: mixed method study Rev Gaúcha Enferm. [Internet]. 2022 [cited 2023 Sept. 02]; 43:e20210077. Available from: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210077
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Para análise dos dados, as gravações foram transcritas na íntegra, pela pesquisadora assistente, logo após a conclusão da entrevista, utilizando-se do processador de texto (Word). Utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin1515 Bardin L. Análise de conteúdo. Tradução de: Reto LA, Pinheiro A. São Paulo: 70 Edições; 2016. para orientar o processo de análise, como estratégia facilitadora que emprega a codificação humana. Razão pela qual a análise foi conduzida independentemente por duas investigadoras, procedendo-se, posteriormente, a uma nova triangulação por um terceiro membro da equipe de pesquisa, para garantir o rigor do estudo1616 Marques FM, Pinheiro MJ, Alves PV. O julgamento clínico e a tomada de decisão nos estudantes do curso de Licenciatura em Enfermagem. Cien Saude Colet. [Internet]. 2022 [cited 2023 Sept. 02]; 27:1731-40. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232022275.23142021
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Seguindo esse direcionamento, procedeu-se às seguintes etapas: pré-análise (fase de organização propriamente dita, desenvolvida a partir de cinco etapas: 1) leitura flutuante; 2) organização do material; 3) formulação de hipóteses e objetivos; 4) referenciação dos índices e elaboração dos indicadores adotados na análise; e 5) preparação do material: exploração do material, envolvendo operações de codificação, decomposição ou enumeração, em função de regras previamente formuladas; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação, envolvendo a categorização dos dados por meio do tratamento dos resultados obtidos e interpretações, quando ocorreu a transformação dos resultados brutos em significativos e válidos1515 Bardin L. Análise de conteúdo. Tradução de: Reto LA, Pinheiro A. São Paulo: 70 Edições; 2016.. É importante mencionar que no esquema de codificação procedeu-se à análise de conteúdo indutiva, uma vez que os conceitos, significados e categorias derivam dos dados1717 Castro TG, Abs D, Sarriera JC. Análise de conteúdo em pesquisas de psicologia. Psicol., Ciênc. Prof. [Internet]. 2011 [cited 2023 Sept. 02]; 31:814-25. Available from: https://doi.org/10.1590/S1414-9893201100040001
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O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, conforme parecer número 5.546.527. O anonimato das participantes foi assegurado por meio da adoção da letra “M”, referente à mãe, seguida de algarismo correspondente à ordem de realização da entrevista.

RESULTADOS

Participaram do estudo oito mães primíparas, na faixa etária entre 21 e 35 anos (média de idade de 27 anos). Seis (75%) se autodeclararam pardas, cinco (62,5%) concluíram o ensino médio, sete (87,5%) eram solteiras, nenhuma era fumante, uma (12,8%) usava bebida alcoólica, seis (75%) possuíam renda familiar entre um e dois salários-mínimos e seis (75%) referiram não realizar atividade remunerada.

No que diz respeito ao tempo de amamentação, duas (25%) participantes afirmaram que o desmame ocorreu somente após os dois anos, as outras seis mães informaram que a amamentação foi interrompida respectivamente com: um ano e quatro meses, um ano e cinco meses, um ano e seis meses, um ano e sete meses, um ano e oito meses e um ano e 10 meses.

A partir da leitura e análise das entrevistas, emergiram três categorias temáticas: motivos para a mãe decidir sobre o desmame; estratégias empregadas pela mãe para realizar o desmame; e consequências do desmame para a mãe e a criança.

Na categoria, “Motivos para a mãe decidir sobre o desmame”, observou-se, com base na percepção materna, que a disposição para interromper o AM se relacionou ao sono da criança e às interferências no sono materno, gerando desgaste físico e emocional, conforme falas das participantes.

Mamou desde quando nasceu [...] ela fez uma associação (do AM) com o sono. Isso dificultou bastante porque toda vez que ela ia dormir, ela queria mamar. (M1)

[...] ele já estava perto de completar dois anos, eu comecei a ficar tonta, eu estava me sentindo debilitada, cansada. (M2)

Quando eu estava em casa, eu não conseguia dormir, porque ela estava a noite toda [mamando] [...] eu não tinha mais saúde. (M8)

Outro fator relevante que motivou as mulheres a realizar o processo de desmame foi a dependência e o apego da criança à mãe, somado à necessidade de maior autonomia e retorno às atividades laborais.

Eu tinha que sair [...] às vezes viajar e era muito complicado. Eu não conseguia por causa desse contato, dessa dependência muito grande que ela tinha. (M1)

Eu também precisava trabalhar, então tive (que fazer) o desmame. (M5)

Os relatos também revelaram que as mães acreditavam que o AM não era mais necessário em virtude da introdução alimentar, e que a prática não era mais favorável à nutrição, sendo utilizada por mania/vício da criança ou para promover acalento.

Já estava mais para a mania do que realmente ela se nutrindo. [...] Ali era só um acalento. (M1)

O peito não estava mais servindo para ela nessa idade, um ano e cinco meses, eu acho que era só o vício mesmo da criança [...] (M6)

Destaca-se, também, a crítica familiar e social em relação ao AM, considerado prolongado e desnecessário para a criança.

Todo mundo queria muito que eu fizesse o desmame, todo mundo ficava falando do tipo “essa menina não precisa mais mamar”. Então, a gente não sente nem como se fosse um apoio. Sente como se fosse uma crítica. (M3)

Pela minha mãe, eu já tinha deixado. Tipo assim, por eles: “Ah, tira do peito que não serve mais”. (M7)

Na categoria “Estratégias empregadas pela mãe para realizar o desmame”, observou-se que diante da decisão de interromper o AM, as participantes buscaram formas variadas para sua execução. A interrupção gradual da oferta da mama foi referida como estratégia para o desmame, conforme destacado nos relatos.

Eu fui tirando aos poucos, não tirei de uma vez, fui diminuindo as mamadas. (M1)

[...] eu tirei o intervalo do dia. Depois, eu tirei à noite. Depois eu já não dava mais meio-dia. Eu fui tirando de pouquinho até ela se acostumar. (M3)

A utilização de substâncias nos mamilos foi descrita como método de realização de desmame, visando causar aversão da amamentação ao seio pela própria criança, em decorrência da alteração do sabor ou odor sentido por ela. Outra prática realizada para ocasionar o afastamento da criança foi tingir os mamilos, argumentando o adoecimento da mama como justificativa dada à criança para interrupção da amamentação.

Minha mãe tinha uns remédios caseiros: A gente passou dipirona®e ela tem pavor de dipirona. Quando ela sentiu o cheiro, pronto. [...] E ela chegou até a provar, muito amargo. Eu usei outro óleo que a minha mãe tinha [...] Aí ela: “Passa esse óleo de rícino que, com o cheiro, ela não vai pegar”. E realmente, ela não quis. (M7)

Eu cheguei até a pintar meu peito de vermelho, passei batom. Aí, eu disse ‘Ó (nome da criança) tá dodói!’. Aí ela “Pois, limpa!” [...] ela ainda passava a fraldinha. Ela era tão assim, me doía mais. (M8)

A adesão ao uso de bico artificial e as estratégias de distração foram utilizadas para acalentar a criança e tornar o andamento do desmame mais tranquilo.

Quando ele queria o peito, eu dava uma fruta, dava alguma coisa para que ele pudesse esquecer. (M5)

A gente até aderiu à chupeta, para ver se ela se controlava mais, [...] que ela parasse de chorar, pelo menos, na madrugada. Ela foi se acalmando. (M8)

De outro modo, a separação abrupta da díade mãe-filho também foi incluída como estratégia para interrupção do AM, com destaque para a contribuição da rede de apoio nessa prática.

Na hora de dormir, quem colocava era ele (pai) [...] ela dormia e eu me deitava novamente no quarto [...] se não fosse o pai dela, não teria conseguido. (M1)

[...] eu tive ajuda [...], quando ela pedia o peito, alguém pegava [...] (M3)

Eu deixava sempre a minha irmã levar ele para casa dela. Para ele deixar de mamar. (M4)

Na categoria “Consequências do desmame para a mãe e a criança”, foi possível abordar as implicações enfrentadas no processo de desmame, incluindo mudanças no comportamento das crianças, tanto durante como após o encerramento da amamentação. Choro, sentimento de abandono e percepção de maior independência da criança foram resultados relatados pelas mães como decorrentes do desmame.

Não estava mais mamando, então, não tinha aquela ligação. Então, ela se sentiu um pouco abandonada. (M3)

Ela ficou uma criança mais independente. Hoje, ela come os alimentos dela sozinha. Antes, eu tinha que estar perto dela, tinha que estar metendo na boca dela. (M6)

Ela chorava mesmo, ela esperneava. (M8)

Quanto às mães, o choro intenso das crianças, por conta da interrupção do AM, acarretou sofrimento emocional e sentimentos de tristeza, desespero e culpa, descritos nos relatos das participantes. Ao mesmo tempo, as mães expressaram o alívio com o sucesso do desmame e a transformação do vínculo e, também, saudades.

Quando ela deixou, de uma certa forma [...] Você sente aquele alívio por não ter mais aquele apego todo [...] ‘eu devo estar em casa para amamentar’. Mas, existe aquela questão de “eu já não sou mais tão importante”. (M3)

Foi um pouco complicado, mas quando eu tirei foi, assim, um sentimento de alívio. (M6)

Não foi muito bom porque até hoje eu sinto falta [...]. Porque quando está mamando, ele é mais apegado à mãe. Depois que para de mamar, não é mais aquele apego. (M4)

Eu sinto muita falta. [...] a saudade é grande. É muito bom! (M7)

A gente vê o desespero dela e o meu, e eu tentando [...] foi muito triste. É uma experiência terrível! Eu não gostei! Porque eu ficava pensando “será que eu sou uma mãe ruim por estar fazendo isso”? Eu ficava com aquela culpa. (M8)

DISCUSSÃO

Com a constituição e agrupamento das categorias temáticas, realizadas após a análise criteriosa das pesquisadoras, recorreu-se, na interpretação dos achados, ao referencial bibliográfico e ao conteúdo das falas de acordo com seus significados. Os resultados revelaram que a experiência do processo de desmame para as mães primíparas foi evidenciada como prática complexa e acompanhada de circunstâncias que modificam a relação entre binômio mãe-filho.

A decisão por interromper o AM em decorrência dos prejuízos do sono materno e infantil se mostrou determinante para o desmame, pelo fato de as mães considerarem os despertares noturnos da criança um problema1818 Henrique NCP, Hilário JSM, Louzada FM, Scorzafave LGDS, Santos DD dos, Mello DF de. Child sleep habits and maternal perception throughout the child’s first year of life. J Hum Growth Dev. [Internet]. 2022 [cited 2023 Apr. 15]; 32(3):321-30. Available from: http://doi.org/10.36311/jhgd.v32.13095
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. Apesar disso, é importante considerar que estratégias podem ser implementadas para fornecer suporte à mãe, para que ela consiga amamentar em demanda livre, incluindo à noite.

Uma das estratégias atualmente empregadas para reduzir os impactos da amamentação no sono materno é a manutenção do bebê junto à mãe enquanto dorme. Embora o tema seja polêmico devido às conclusões históricas da literatura de que o compartilhamento de cama é responsável pela morte relacionada ao sono, estudos recentes mostram que há um risco dividido, com um maior risco quando há exposição a certos perigos, como o uso de álcool e outras drogas pelos pais, mas que o compartilhamento de cama pode ter um efeito protetor em relação à Síndrome da Morte Súbita Infantil, quando associado à amamentação e na ausência de perigos.1919 Bartick M, Young M, Louis-Jacques A, McKenna JJ, Ball HL. Bedsharing may partially explain the reduced risk of sleep-related death in breastfed infants. Front Pediatr [Internet] 2022 [cited 2023 Apr. 15]; 10:2218. Available from: https://doi.org/10.3389/fped.2022.1081028
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-2020 Zimmerman D, Bartick M, Feldman-Winter L, Ball HL, Academy of Breastfeeding Medicine. ABM clinical protocol# 37: physiological infant care managing nighttime breastfeeding in young infants. Breastfeeding Medicine. [Internet]. 2023 [cited 2023 Mar. 11]; 18(3):159-68. Available from: https://doi.org/10.1089/bfm.2023.29236.abm
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As participantes também referiram o desgaste da mãe relacionado à rotina exaustiva para o AM e à necessidade de realização de outras tarefas como condições que contribuíram para o desmame. Revela-se ambiguidade entre o sentimento de prazer que a amamentação causa para a mulher e as diversas restrições que a prática impõe, apontando que a autonomia sobre o próprio corpo, a relação com o companheiro e o andamento da profissão se tornam decisórios nesse contexto2121 Kalil IR, Aguiar AC. Narrativas sobre amamentação e desmame: entrelaçamento de experiências, políticas públicas e saúde. Revista GEMInIS. [Internet]. 2020 [cited 2023 May 11]; 11(3). Available from: https://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/554
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Assim, é preciso considerar que a rede de apoio da mãe pode contribuir para evitar o desmame, uma vez que a amamentação ideal pode exigir o compartilhamento equitativo de cargas de trabalho remuneradas e não remuneradas com outros membros da família. Sugere-se que estratégias equitativas de gênero, para se ajustar à parentalidade noturna, envolvem a redução dos compromissos de trabalho materno (obrigações de emprego ou tarefas domésticas), além do compartilhamento do cuidado do lactente2222 Smith JP, Forrester RI. Association between breastfeeding and new mothers’ sleep: a unique Australian time use study. Int. Breastfeed. J. [Internet]. 2021 [cited 2023 May 11]; 16(1):1-13. Available from: https://doi.org/10.1186/s13006-020-00347-z
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As mães indicaram, ainda, que decidiram pelo desmame com a introdução alimentar, pois, conforme a crítica familiar e social, o AM não era mais necessário e poderia, inclusive, comprometer a nutrição infantil, percepção associada à crença de que o leite materno seria fraco ou insuficiente, principalmente para crianças mais velhas2323 Holanda ER, Silva IL. Factors associated with early weaning and spatial pattern of breastfeeding in territory in the Zona da Mata of Pernambuco, Brazil. Rev. Bras. de Saude Matern. Infant. [Internet]. 2023 [cited 2023 May 11]; 22:803-12. Available from: https://doi.org/10.1590/1806-930202200040005
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. Tal percepção é equivocada, posto que, apesar de a introdução de alimentos complementares desencadear um processo gradual de desmame da criança, a amamentação permanece como parte essencial da dieta infantil até pelo menos 12 meses2424 Utami AF, Wanda D, Hayati H, Fowler C. “Becoming an independent feeder”: infant’s transition in solid food introduction through baby-led weaning. In: Bmc Proceedings. BioMed Central. [Internet]. 2020 [cited 2023 Mar. 22]; 1-7. Available from: https://doi.org/10.1186/s12919-020-00198-w
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ou 24 meses, a depender da literatura consultada.

Do ponto de vista da antropologia biológica, identifica-se que os ambientes das sociedades industrializadas modernas, geralmente, dificultam as mães de amamentar fora de casa, apesar das leis de muitos países proibirem a exclusão de mulheres que amamentam em locais públicos2525 Tsutaya T, Mizushima N. Evolutionary biological perspectives on current social issues of breastfeeding and weaning. Am. J. Phys. Anthropol [Internet]. 2023 [cited 2023 Mar. 27]. Available from: https://doi.org/10.1002/ajpa.24710
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. Revela-se que muitas mães se sentem pressionadas a amamentar quando os filhos são pequenos, mas desencorajadas, à medida que as crianças crescem2626 Thompson AJ, Topping AE, Jones LL. ‘Surely you’re not still breastfeeding’: a qualitative exploration of women’s experiences of breastfeeding beyond infancy in the UK. BMJ open. [Internet]. 2020 [cited 2023 Apr. 25]; 10(5):e035199. Available from: http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2019-035199
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A percepção do apego excessivo da criança em relação à mãe, em decorrência da amamentação, dificulta o desempenho das atividades diárias, sendo apontada como motivo para o desmame. Embora o apego à mãe-lactente seja indiscutivelmente benéfico para o desenvolvimento infantil2727 Villar J, Ochieng R, Staines-Urias E, Fernandes M, Ratcliff M, Purwar M, et al. Late weaning and maternal closeness, associated with advanced motor and visual maturation, reinforce autonomy in healthy, 2-year-old children. Scientific reports. [Internet]. 2020 [cited 2023 Mar. 09]; 10(1):5251. Available from: https://doi.org/10.1038/s41598-020-61917-z
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, é importante reconhecer que, para as mães, priorizar a amamentação tem custo em termos de atraso no retorno ao trabalho e passeios limitados2828 Spannhake M, Jansen C, Görig T, Diehl K. “It Is a very emotional topic for me” managing breastfeeding problems among German mothers: a qualitative approach. In: Healthcare. Multidisciplinary Digital Publishing Institute. [Internet]. 2021 [cited 2023 Mar. 14]; 9(10):1352. Available from: https://doi.org/10.3390/healthcare9101352
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As participantes esclareceram as estratégias que empregaram para o alcance do desmame, citando interrupção gradual, interrupção noturna, separação mãe-lactente, uso de substâncias nos mamilos e emprego da chupeta e de técnicas de distração da criança. Nota-se que as participantes, em geral, foram norteadas nesse processo por aspectos culturais, optando por métodos de desmame gradual ou abrupto.

No desmame gradual, a interrupção do AM deve ser feita gradativamente, e o lactente não deve deixar a mãe repentinamente. Nessa técnica, recomenda-se que a amamentação seja interrompida primeiro pela alimentação diurna e depois eliminando a alimentação noturna, e a mãe não deve ser separada da criança. Por outro lado, o desmame abrupto envolve a mudança do sabor ou da aparência da mama e a separação do bebê da mãe1212 Aksoy SD, Ozdilek R, Aba YA. Weaning traditional practices among mothers coming to primary health care center in Turkey. J. Pediatr. Rev. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 8(4):275-82. Available from: http://jpr.mazums.ac.ir/article-1-320-en.html
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Apesar dos efeitos prejudiciais do desmame abrupto77 Baş NG, Karatay G, Arikan D, Weaning practices of mothers in eastern Turkey. J Pediatr. [Internet]. 2018 [cited 2023 Jan. 19]; 94(5):498-503. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jped.2017.06.019
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, observou-se que as mães utilizavam métodos tradicionais impróprios, como o uso de substâncias nos mamilos e emprego da chupeta. Estudo realizado na Turquia com objetivo de determinar as práticas de desmame de mães com filhos entre dois e cinco anos, evidenciou que 55 (85,9%) participantes usaram métodos impróprios para desmamar os filhos, destacando-se: tingir os mamilos para assustar o bebê (16,4%), aplicar nos mamilos substâncias com gosto ou cheiro ruim para causar nojo ao bebê (40,0%), cobrir os mamilos com materiais diversos (18,2%), usar chupeta ou mamadeira (20,0%) e separação da mãe (5,5%), todos também referidos neste estudo. Ressalta-se a importância do aconselhamento e da educação de mães e familiares e o desenvolvimento de políticas para implementação dos métodos corretos de desmame1212 Aksoy SD, Ozdilek R, Aba YA. Weaning traditional practices among mothers coming to primary health care center in Turkey. J. Pediatr. Rev. [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct. 22]; 8(4):275-82. Available from: http://jpr.mazums.ac.ir/article-1-320-en.html
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A realização do desmame desencadeia consequências comportamentais e sentimentais. Nas crianças, foram descritos pelas mães choro intenso, provavelmente associado ao desmame abrupto77 Baş NG, Karatay G, Arikan D, Weaning practices of mothers in eastern Turkey. J Pediatr. [Internet]. 2018 [cited 2023 Jan. 19]; 94(5):498-503. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jped.2017.06.019
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e, posteriormente, com a interrupção definitiva do AM, maior independência e autonomia, o que, na verdade, pode estar associado à própria amamentação prolongada, visto que um estudo com objetivo de explorar a associação entre o momento/duração da amamentação e a idade de desmame, e habilidades e comportamentos de desenvolvimento neurológico específicos aos dois anos constatou que, quanto maior a intensidade e duração do AM, mais altos serão os escores de indicadores para funções motoras grossas, visuais e neurológicas, sugerindo o desenvolvimento de autonomia2727 Villar J, Ochieng R, Staines-Urias E, Fernandes M, Ratcliff M, Purwar M, et al. Late weaning and maternal closeness, associated with advanced motor and visual maturation, reinforce autonomy in healthy, 2-year-old children. Scientific reports. [Internet]. 2020 [cited 2023 Mar. 09]; 10(1):5251. Available from: https://doi.org/10.1038/s41598-020-61917-z
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Pelas mães, foram relatados sofrimento e sentimento de culpa concomitantes à sensação de alívio e saudade. Esses resultados são semelhantes aos encontrados em estudo qualitativo de delineamento fenomenológico desenvolvido na Alemanha, cujo objetivo foi explorar como as mulheres percebem o desmame, o qual revelou que, após parar de amamentar, a ambivalência era uma experiência comum entre muitas mulheres que lamentavam, mas, ao mesmo tempo, sentiam-se aliviadas com o desmame2828 Spannhake M, Jansen C, Görig T, Diehl K. “It Is a very emotional topic for me” managing breastfeeding problems among German mothers: a qualitative approach. In: Healthcare. Multidisciplinary Digital Publishing Institute. [Internet]. 2021 [cited 2023 Mar. 14]; 9(10):1352. Available from: https://doi.org/10.3390/healthcare9101352
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. Isso decorre de uma pressão social excessiva que idealiza a maternidade perfeita, em que priorizar os interesses da mãe é acompanhado por sentimentos de fracasso e culpa maternos.

Destaca-se como limitação do estudo o fato de ter sido desenvolvido em um único município, desvelando a realidade de mulheres atendidas pelo serviço público de saúde, indicando a necessidade de desenvolvimento de pesquisas mais amplas, que incluam outros cenários e diferentes métodos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desmame, mesmo quando não é precoce, é vivenciado de forma desagradável, gerando sofrimento e alterações repentinas nos hábitos de vida estabelecidos, tanto para mães como lactentes. Observa-se a desassistência por profissionais de saúde nesse processo, o que poderia suavizar os problemas atuais e futuros, associados à execução.

É necessário ampliar os estudos sobre a interrupção do AM, com o objetivo de criar instrumentos que sejam colaborativos e instrutivos para as mães que amamentam e desejam parar, bem como incentivar a qualificação profissional em relação ao desmame, de modo a tornar o processo gradual e amistoso, incentivando a autonomia e a singularidade do binômio mãe-filho.

Para tanto, o estudo pretende contribuir para incentivar gestores e profissionais de saúde sobre a importância dos diferentes tipos de apoio materno durante a amamentação, incluindo o processo de desmame, bem como para fomentar a implantação de protocolos assistenciais para realizar assistência integral e longitudinal que incluam ampla educação pública para melhorar as práticas de desmame das mães. Esse fato é importante, uma vez que as políticas públicas e a formação dos profissionais de saúde, em geral, têm se concentrado nas ações de incentivo da amamentação e prevenção do desmame precoce, mas pouco tem abordado a necessidade do suporte adequado no processo de desmame gradual e transição para alimentos complementares, prática que deve ser individualizada conforme a criança, mãe, família e cultura específica.

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Editora associada: Dra. Tatiane Trigueiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2023
  • Aceito
    11 Set 2023
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