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DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE VIOLÊNCIA COM IDOSOS ANTES E DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

RESUMO:

Objetivo:

analisar a distribuição espacial da violência contra a pessoa idosa na região Sul do Brasil antes e no primeiro ano de vigência da pandemia de COVID-19.

Método:

estudo ecológico que analisou as notificações de violência contra o idoso, entre 2019 e 2020, no Sul do Brasil. Foram calculadas as taxas bayesianas empíricas locais, o Índice de Autocorrelação Local de Moran e a análise de Getis Ord Gi.

Resultados:

houve redução da taxa suavizada de violência contra o idoso. As cidades alto-alto e hot-spot em 2019, se tornaram mais violentas em 2020; e as cidades com baixa prevalência, se tornaram menos violentas em 2020. As maiores taxas de letalidade por COVID-19 também foram naquelas cidades com maiores taxas de violência.

Conclusão:

os dados reforçam a complexidade da violência e seu agravamento pela pandemia. E contribuem com as tomadas de decisões na enfermagem, desatacando-se a necessidade de suscitar novas pesquisas sobre esta temática.

DESCRITORES:
Violência; Abuso de Idosos; Análise Espacial; COVID-19; Enfermagem em Saúde Pública.

ABSTRACT

Objective:

to analyze the spatial distribution of violence against older adults in the Brazilian South region before and in the first year of the COVID-19 pandemic.

Method:

an ecological study that analyzed reports of violence against older adults between 2019 and 2020, in Southern Brazil. Local empirical Bayesian rates, Moran’s Local Autocorrelation Index and Getis Ord Gi analysis were calculated.

Results:

there was a reduction in the smoothed rate of violence against older adults. The high-high and hot-spot cities in 2019 became more violent in 2020; and cities with low prevalence became less violent in 2020. The highest COVID-19 fatality rates were also in those cities with the highest violence rates.

Conclusion:

the data reinforces the complexity of violence and its worsening due to the pandemic. In addition, they contribute to decision-making in Nursing, highlighting the need to encourage new research studies on this theme.

DESCRIPTORS:
Violence; Older Adult Abuse; Spatial Analysis; COVID-19; Public Health Nursing.

RESUMEN

Objetivo:

analizar la distribución espacial de la violencia contra las personas mayores en la región sur de Brasil antes y durante el primer año de la pandemia de COVID-19.

Método:

estudio ecológico que analizó denuncias de violencia contra las personas mayores, entre 2019 y 2020, en la región sur de Brasil. Se calcularon las tasas bayesianas empíricas locales, el índice de autocorrelación local de Moran y el análisis Getis Ord Gi.

Resultados:

hubo reducción en la tasa suavizada de violencia contra las personas mayores. Las ciudades alto-alto y hotspot de 2019 se volvieron más violentas en 2020; y las ciudades con baja prevalencia se volvieron menos violentas en 2020. Las tasas de mortalidad por COVID-19 más altas también se registraron en las ciudades con mayores tasas de violencia.

Conclusión:

los datos confirman la complejidad de la violencia y el agravamiento debido a la pandemia; además contribuyen a la toma de decisiones en enfermería y destacan la necesidad de fomentar nuevas investigaciones sobre este tema.

DESCRIPTORES:
Violencia; Maltrato a Personas Mayores; Análisis Espacial; COVID-19; Enfermería de Salud Pública.

HIGHLIGHTS

  1. Locais violentos se tornaram mais violentos em meio à pandemia

  2. Há uma correlação entre a letalidade da COVID-19 e a violência

  3. A violência contra idosos não é aleatoriamente distribuída no espaço

HIGHLIGHTS

  1. Locais violentos se tornaram mais violentos em meio à pandemia

  2. Há uma correlação entre a letalidade da COVID-19 e a violência

  3. A violência contra idosos não é aleatoriamente distribuída no espaço

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional era uma realidade demográfica apenas dos países desenvolvidos, mas que atualmente está presente nas populações dos países em desenvolvimento11 Park EO. Tipo mais prevalente de abuso aos idosos e sua correlação com depressão do idoso. Acta Paul. Enferm. [Internet]. 2019 [cited 2022 Feb 20]; 32(1):95-100. Available from: https://doi.org/10.1590/1982-0194201900013
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. A população mundial de pessoas com mais de 60 anos deverá aumentar em 24% até o ano de 205011 Park EO. Tipo mais prevalente de abuso aos idosos e sua correlação com depressão do idoso. Acta Paul. Enferm. [Internet]. 2019 [cited 2022 Feb 20]; 32(1):95-100. Available from: https://doi.org/10.1590/1982-0194201900013
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. No Brasil, estimava-se que o país alcançaria a sexta maior população de idosos do mundo até 2025, no entanto, o impacto da pandemia da COVID-19, doença causada pelo SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2), afetou drasticamente a expectativa de vida no país, com declínio em 2020 de 1,3 anos, nível de mortalidade não visto desde 2014. Contudo, o Brasil continua apresentando uma população cada vez mais envelhecida22 Castro MC, Gurzenda S, Turra CM, Kim S, Andrasfay T, Goldman N. Reduction in life expectancy in Brazil after COVID-19. Nat Med. [Internet]. 2021 [cited 2022 Feb 20]; 27:1629-35. Available from: https://doi.org/10.1038/s41591-021-01437-z
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.

Esse envelhecimento da população brasileira impõe o desafio de garantir um envelhecer com qualidade e dignidade, estando em pauta nas agendas políticas para o desenvolvimento de movimentos sociais, direitos humanos e saúde. A violência contra a pessoa idosa (VCPI) é uma exemplificação da fragilidade das políticas públicas para esta população, que tem apresentado alta prevalência e aumento da gravidade de suas consequências na vida das pessoas acometidas33 Rodrigues RAP, Santos AMR dos, Pontes MDLDF, Monteiro EA, Fhon JRS, Bolina AF, et al. Report of multiple abuse against older adults in three Brazilian cities. Plos one. [Internet]. 2019 [cited 2022 Apr 18]; 14(2):e0211806. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211806
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.

Define-se VCPI como um ato único ou repetido, ocorrendo em qualquer relacionamento em que exista uma expectativa de confiança, que cause dano ou sofrimento a uma pessoa idosa. A VCPI pode ser de natureza física, sexual, psicológica, emocional, financeira, abrangendo também abandono e/ou negligência, o que acarreta séria perda de dignidade e respeito44 World health organization. Aumenta el maltrato a las personas de edad: según la OMS, afecta a uno de cada seis adultos mayores [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2022 Jan 10]. Available from: https://www.who.int/es/news/item/14-06-2017-abuse-of-older-people-on-the-rise-1-in-6-affected
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.

Estima-se que, no mundo, 15,7% das pessoas idosas já sofreram alguma forma de violência55 Yon Y, Mikton CR, Gassoumis ZD, Wilber KH. Elder abuse prevalence in community settings: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health. [Internet]. 2017 [cited 2022 Apr 18]; 05:147-156. Available from: https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30006-2
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. No Brasil, no ano de 2017, o Ministério dos Direitos Humanos registrou mais de 33 mil denúncias de VCPI. Estudo realizado em 524 cidades brasileiras, revelou que 78,8% dos casos de violência ocorreram em casa e 53,6% relataram experiência anterior com violência33 Rodrigues RAP, Santos AMR dos, Pontes MDLDF, Monteiro EA, Fhon JRS, Bolina AF, et al. Report of multiple abuse against older adults in three Brazilian cities. Plos one. [Internet]. 2019 [cited 2022 Apr 18]; 14(2):e0211806. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211806
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.

A VCPI intrafamiliar tem particularidades que merecem abordagem cuidadosa, pois as vítimas têm sentimentos de medo, culpa, vergonha e sensação de desamparo, que combinadas ao receio de verbalização das informações, culminam em um estado de tristeza profunda e solidão66 Machado DR, Kimura M, Duarte YAO, Lebrão ML. Violence perpetrated against the elderly and healthrelated quality of life: a populational study in the city of São Paulo, Brazil. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25(3):1119-1128. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020253.19232018
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.

Na pandemia da COVID-19, durante os meses de maiores taxas de isolamento social em 2020, houve um aumento expressivo na VCPI no Brasil, que passou de três mil casos em março para 17 mil em maio, o que corresponde a um crescimento de 567% no período77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
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O distanciamento social, fundamental para redução da transmissão do SARCoV-2, além de impactar e gerar sérios prejuízos na economia mundial, com drásticas mudanças no cotidiano da vida em sociedade77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
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, potencializou também o fenômeno da violência familiar em suas diferentes expressões77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
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. A capacidade de sair, interagir com os colegas e participar de atividades ao ar livre é importante para construir um meio social que neutraliza o isolamento e os maus-tratos. A privação de interação social e contato físico com amigos torna mais fácil para os agressores controlar, manipular e maltratar os idosos88 Yunus RM, Abdullah NN, Firdaus MAM. Elder abuse and neglect in the midst of COVID-19. J Glob Health. [Internet]. 2021 [cited 2022 May 22]; 11:03122. Available from: https://doi.org/10.7189/jogh.11.03122
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Diante do atual cenário brasileiro, em que se vivenciou a epidemia de VCPI simultaneamente à pandemia por COVID-19, entende-se a necessidade de estudar esses fenômenos para subsidiar as relações decisórias para o enfrentamento desses agravos. A utilização da análise espacial poderá contribuir para melhor visualização e entendimento do comportamento da VCPI na região Sul do Brasil, fornecendo subsídios para a qualificação das políticas públicas sociais e de saúde.

Além disso, este estudo atende aos pressupostos do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 16 (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem como foco a paz, justiça e instituições eficazes. Este ODS inclui uma atuação ampla e integrada em áreas sensíveis da sociedade, como o combate à violência e todas as práticas criminosas que ferem os direitos humanos.

Diante do exposto, o objetivo deste artigo é analisar a distribuição espacial da violência contra a pessoa idosa na região Sul do Brasil antes e no primeiro ano de vigência da pandemia da COVID-19.

MÉTODO

Trata-se de um estudo ecológico, analítico e de abordagem quantitativa, realizado com dados secundários da região Sul do Brasil. O estudo foi guiado pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)99 Elm EV, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbrou JP. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. Int J Surg. [Internet]. 2014 [cited 2022 May 24]; 12:1495-99. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2014.07.013
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Para definir a população do estudo foram consideradas todas as notificações de pessoas acima de 60 anos que sofreram violência, independentemente do tipo, residentes em todos os 1.191 municípios dos três estados da região Sul do Brasil - Paraná (399 municípios), Santa Catarina (295 municípios) e Rio Grande do Sul (497 municípios), no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) realizadas no período de 01 de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2020. Foram removidas as notificações de pessoas estrangeiras e as que apresentavam o campo de idade com problemas no preenchimento.

Utilizaram-se estimativas populacionais por município e faixa etária elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), presentes no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) para cálculo da taxa de prevalência. Como método de seleção da população, incluiu-se somente a população residente de cada município com 60 anos de idade ou mais.

Elencou-se como variável de desfecho a notificação de violência contra a pessoa idosa e a taxa de prevalência de violência calculada a partir da razão das notificações e da população residente. Além disso, selecionaram-se como variáveis independentes para a análise espacial: renda domiciliar mensal média; proporção de idosos que moram em casas de parentes; taxa de analfabetismo; proporção de idosos do sexo feminino; e letalidade da COVID-191010 Brasil.io. Boletins informativos e casos do coronavírus por município por dia. [Internet]. 2022 [cited 2022 Apr 15]. Available from: https://brasil.io/dataset/covid19/caso/
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. Para análise descritiva, foram avaliadas as variáveis de características socioeconômicas (sexo, raça/cor, estado civil e escolaridade) e da ocorrência da violência (local de ocorrência, tipo de violência e agressor).

Os dados foram tabulados em planilhas eletrônicas e exportados para o software R, versão 4.1.1, em que se procedeu o processamento das variáveis de interesse. Foi realizada análise estatística simples, com descrição de frequências absolutas e relativas. Realizou-se o Teste Qui-quadrado de Pearson com correção de Yates ou Teste Exato de Fisher e Teste T de Student ou Mann-Whitney, conforme necessário, para estimação do p-valor.

Posteriormente, os dados foram agrupados segundo número de notificações por município, relacionando informações populacionais e indicadores sociais e de saúde a partir do código do município. A distribuição espacial da incidência de violência contra a pessoa idosa, segundo os municípios da região Sul do Brasil, foi realizada para o ano de 2019 e 2020 para comparar possíveis diferenças entre o ano em que não havia pandemia no Brasil (2019) e o ano de início da pandemia (2020).

Construiu-se taxa de prevalência a partir da razão do número de casos notificados de violência, pela população idosa residente, do mesmo local e ano, multiplicado por 100 mil. A metodologia de distribuição espacial bayesiana empírica local do tipo rainha foi utilizada para suavização das taxas. Procedeu-se à análise do Índice de Autocorrelação Global de Moran (Moran’s I), que indica dependência espacial do agravo, e do Índice de Autocorrelação Local de Moran (LISA), que demonstra espacialmente os aglomerados de importância para o evento estudado. Realizou-se análise de Getis Ord Gi* para complementação do LISA, bem como a análise bivariada de Moran, que correlaciona indicadores sociais com a variável de interesse.

Para a interpretação da análise bivariada de Moran foi estimado o Moran`s I Bivariado, o z-score e o valor de p. Desta forma, valores positivos de Moran`s I Bivariado indicam correlação espacial entre as variáveis, com z-score e valor p indicando a significância e força de associação. Destaca-se que, por se tratar de análise univariada, não houve ajuste de modelo com confundidores, mas foi performada análise de multicolinearidade entre as variáveis explicativas.

As análises foram realizadas no software GeoDa, versão 1.18, e os mapas foram construídos no software QGIS, versão 3.10.

O banco de dados com todas as notificações de VCPI foi obtido por solicitação no endereço eletrônico da Lei de Acesso à Informação (Protocolo no 4247813). Esta lei entrou em vigor em todo o território nacional em 2012 e regulamenta o direito de acesso às informações públicas a qualquer cidadão1111 Brasil. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 18 nov 2011. Edição Extra..

RESULTADOS

No período analisado, foram registradas 7.849 notificações de violência contra idosos na Região Sul do Brasil, sendo 4.364 em 2019 (taxa de 90,44 notificações de VCPI por 100 mil idosos) e 3.485 em 2020 (69,42/100 mil idosos).

Entre 2019 e 2020, houve pouca variação entre as características socioeconômicas das vítimas e da violência propriamente dita. Apenas a escolaridade e o local de ocorrência demonstraram significância estatística na comparação dos dois anos, conforme descrito na Tabela 1.

Tabela 1
Características socioeconômicas e de ocorrência da violência contra idosos (n = 7.849) na região Sul do Brasil em 2019 e 2020, Maringá, Paraná, Brasil, 2022

A Figura 1 demonstra a distribuição das taxas suavizadas de notificações de violência contra idosos nos municípios do Sul do Brasil. Em 2019, a cidade com maior prevalência foi Novo Cabrais, no Rio Grande do Sul, com taxa de 1.482,02/100 mil idosos, seguida por Vespasiano Correa (1.385,04/100 mil idosos) e Canudos do Vale (1.090/100 mil idosos), também municípios do Rio Grande do Sul (Figura 1A). Já no ano de 2020, Araucária, no Paraná, apresentou a maior prevalência de violência, 837,72/100 mil idosos, seguida por Dona Francisca, no Rio Grande do Sul, e Cambé, também no Paraná, com taxas de 629,82/100 mil idosos e 563,95/100 mil idosos, respectivamente (Figura 1B).

Figura 1
Distribuição suavizada das taxas de notificação de violência contra idosos na Região Sul do Brasil em 2019 (A) e 2020 (B), Maringá, Paraná, Brasil, 2022

A estatística de autocorrelação de Moran indica dependência espacial nos dois anos analisados, com aumento do índice em 2020 em comparação com 2019, conforme demonstrado na Tabela 2. O aumento do Moran’s I aponta maior concentração de notificações de violência, gerando aglomerados espaciais mais definidos.

Tabela 2
Moran’s I das taxas de violência contra idosos na Região Sul do Brasil em 2019 e 2020, Maringá, Paraná, Brasil, 2022

O Índice Local de Moran e a estatística Getis Ord Gi* (Figura 2) explicitam os aglomerados com ocorrência do agravo acima ou abaixo da média da Região Sul, de acordo com a prevalência da vizinhança, indicando forte influência do espaço na ocorrência da violência contra idosos. No Estado do Paraná, a região do município de Londrina, no norte paranaense, se manteve como aglomerado alto-alto e hot-spot durante os dois anos em análise, bem como as regiões de Curitiba e Lapa, no sudeste do Paraná. Ainda, a região de Pato Branco, no sudoeste do estado também apresentou LISA e Getis Ord Gi* elevados. No Rio Grande do Sul, a região do município de Passo Fundo se manteve como cluster alto-alto e hot-spot durante os dois anos estudados. A região de Caxias do Sul também se apresentou como aglomerado alto-alto e hot-spot. Santa Catarina teve apenas um cluster alto-alto, no ano de 2020, constituído pelas cidades de Dionísio Cerqueira, Guarujá do Sul e São José do Cedro.

Figura 2
LISA Map e Getis Ord Gi* das taxas de notificação de violência contra idosos na Região Sul do Brasil em 2019 e 2020, Maringá, Paraná, Brasil, 2022

Entre 2019 e 2020, três aglomerados baixo-baixo e cold-spot se mantiveram, sendo dois na região norte do Paraná e um em grande parte do estado de Santa Catarina. Destacase um cold-spot na região oeste do Rio Grande do Sul, formado em 2020, abrangendo 26 municípios na região de Uruguaiana, Dom Pedrito e Santo Ângelo. Há, ainda, alguns municípios espalhados pelo território com estatística baixo-baixo e cold-spot, bem como com valores baixo-alto e alto-baixo, não formando grandes aglomerados.

Na análise bivariada de Moran (Tabela 3), encontrou-se correlação positiva entre a notificação de VCPI e a renda domiciliar mensal média, a proporção de idosos que moram em casas de parentes, a proporção de idosas do sexo feminino e a taxa de letalidade da COVID-19. O analfabetismo foi negativamente associado à notificação de VCPI, indicando maiores taxas de violência em cidades vizinhas onde os níveis educacionais são maiores.

Tabela 3
Moran’s I bivariado das taxas de violência contra idosos na Região Sul do Brasil em 2019 e 2020, Maringá, Paraná, Brasil, 2022

DISCUSSÃO

Seja no contexto da pandemia ou fora dela, os idosos se constituem como um dos grupos mais vulneráveis à violência, cujos motivos vão desde a discriminação social até a insuficiência de políticas públicas para garantia dos seus direitos77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
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. Neste estudo, os achados corroboram aos dados já conhecidos na literatura nacional e internacional, como a predominância de vítimas do sexo feminino, alfabetizadas, agredidas por familiares, especialmente o filho, ocorridas no domicílio33 Rodrigues RAP, Santos AMR dos, Pontes MDLDF, Monteiro EA, Fhon JRS, Bolina AF, et al. Report of multiple abuse against older adults in three Brazilian cities. Plos one. [Internet]. 2019 [cited 2022 Apr 18]; 14(2):e0211806. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211806
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,1212 Rodrigues RAP, Monteiro EA, Santos AMR dos, Ponte MLF, Fhon JRS, Bolina AF, et al. Older adults abuse in three Brazilian cities. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2017 [cited 2022 May 22]; 70(4):783-91. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0114
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...

13 Matos NM de, Albernaz EO, Sousa BB, Braz MC, Vale MS do, Pinheiro HA. Perfil do agressor de pessoas idosas atendidas em um centro de referência em geriatria e gerontologia do Distrito Federal, Brasil. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. [Internet]. 2019 [cited 2022 June 10]; 22(5):e190095. Available from: https://doi.org/10.1590/1981-22562019022.190095
https://doi.org/10.1590/1981-22562019022...
-1414 Sousa RCRD, Araújo GKND, Souto RQ, Santos RCD, Santos RDC, Almeida LR de. Factors associated with the risk of violence against older adult women: a cross-sectional study. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet]. 2021 [cited 2022 June 10]; 29:e3394. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.4039.3394
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4039.3...
. A predominância de vítimas de raça/ cor branca corrobora ao atual perfil étnico do Sul do Brasil, colonizado prioritariamente por imigrantes europeus1515 Brasil. Ministério da Integração Nacional. Secretaria de Programas Regionais. Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira [Internet]. Brasília: Ministério da Integração Nacional; 2005 [cited 2022 Jan 05]. 17 p. Available from: https://antigo.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNPU/Biblioteca/publicacoes/Introduoe-antecedentes.pdf
https://antigo.mdr.gov.br/images/stories...
. Quanto ao tipo de violência, destacou-se a predominância das violências físicas, psicológicas e negligência.

Neste estudo, a taxa suavizada de VCPI na região Sul do Brasil reduziu de 2019 para o ano de 2020. O isolamento social, fundamental para reduzir a transmissão do novo coronavírus, acarretou sérios prejuízos no cotidiano da vida em sociedade77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
. Incontestavelmente, as medidas de isolamento foram fundamentais para a mitigação da pandemia, entretanto, promoveram a redução do apoio social e da rede de suporte às vítimas de violência, o que pode ter contribuído para uma subnotificação dos casos de violência em 2020, e justificar o achado deste estudo77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
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,1616 Souza EAB, Silva BC da, Silva CF da, Cabral LP, Silva Filho NJ da, Zimmermann IMM, et al. Violência contra idosos relatada em notícias durante a pandemia do novo coronavírus. RSD. [Internet]. 2021 [cited 2022 June 10]; 10:e57101420046. Available from: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i14.20046
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Em contrapartida, em relação à distribuição espacial, as cidades alto-alto e hot-spot para VCPI em 2019, se tornaram ainda mais violentas em 2020 com a chegada da pandemia; e as cidades que tinham baixa prevalência ou que não apresentavam dados significativos para este agravo, se tornaram menos violentas em 2020. Estudos nacionais e internacionais alertaram que as medidas restritivas, bem como o isolamento social, potencializaram o fenômeno da violência familiar em suas diferentes expressões por representarem um risco adicional para vítimas que co-residiam com seus agressores77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
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É preciso considerar o contexto em que vive a pessoa idosa, pois as medidas para prevenção da COVID-19 podem ter sido determinantes para o agravamento das situações de violência, ampliadas em comunidades de baixa renda, com menor acesso aos serviços de saúde, em precárias condições de saneamento, com alto grau de aglomeração e, consequentemente, maior dificuldade para realizar as medidas de prevenção individuais e coletivas preconizadas para a prevenção da doença e contenção da pandemia77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
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Para a reorganização dos serviços, os profissionais de saúde tiveram que ser remanejados para cuidar de pessoas com COVID-19, o que os distanciou do cuidado diário das pessoas idosas e rastreamento das situações de violência nesta população88 Yunus RM, Abdullah NN, Firdaus MAM. Elder abuse and neglect in the midst of COVID-19. J Glob Health. [Internet]. 2021 [cited 2022 May 22]; 11:03122. Available from: https://doi.org/10.7189/jogh.11.03122
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. Ressaltase que a equipe de saúde é o principal agente para detectar riscos de violência, bem como propor integração entre o serviço de saúde e a justiça social e, por conseguinte, a intervenção precoce1717 Rodrigues RAP, Chiaravalloti-Neto F, Fhon JRS, Bolina AF. Spatial analysis of elder abuse in a Brazilian municipality. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2021 [cited 2022 June 10]; 74(Suppl 2):e20190141. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0141
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A região Sul, de forma geral, apresenta cluster alto-alto e hot-spot espalhado por toda a região. No estado do Paraná, a região do município de Londrina, no norte paranaense, bem como as regiões de Curitiba e Lapa, no sudeste do Paraná, e a região de Pato Branco, no sudoeste do estado, apresentaram as maiores prevalências de VCPI.

Pato Branco possui o 4º maior Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) do estado, e é reconhecido nacionalmente como Parque Tecnológico1818 Prefeitura Municipal de Pato Branco. [Internet]. 2022 [cited 2022 Jan 05]. Available from: https://patobranco.pr.gov.br/informacoes-gerais-de-pato-branco/
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. Curitiba ocupa o 9º lugar no IFDM do estado, e Londrina ocupa o 11º. Ambas as economias são movidas pelo setor terciário e trazem consigo consumidores e recursos de outras localidades, tanto dentro quanto fora do Brasil1919 Prefeitura Municipal de Londrina. Perfil de Londrina 2020, ano base 2019. [Internet]. 2022 [cited 2022 Jan 05]. Available from: https://portal.londrina.pr.gov.br/perfil-de-londrina/perfil-de-londrina-2020?showall=1
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A modificação da economia global decorrente dos processos de industrialização contribuiu para que os idosos perdessem o status de provedor da família, favorecendo a perda da autonomia e aumentando sua vulnerabilidade às situações de violência2020 Winck DR, Alvarez AM. Percepções de enfermeiros da estratégia saúde da Família acerca das causas da violência contra a pessoa idosa. Rev. APS. [Internet]. 2018 [cited 2022 Apr 10]; 21(1):93-103. Available from: https://doi.org/10.34019/1809-8363.2018.v21.16105
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. Os fatores macroestruturais, comunitários, relacionais e individuais interagem e se retroalimentam, promovendo cenários facilitadores e dificultadores para a ocorrência da violência, muitos deles sensivelmente impactados pela crise sanitária, econômica e pelo distanciamento social prolongado durante a pandemia77 Moraes CL de, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER de. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2020 [cited 2022 May 22]; 25:4177-84. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020
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. Dada a multidimensionalidade dos determinantes que potencializam a ocorrência da violência, as questões éticas, políticas, culturais e sociais de cada contexto podem interferir na ocorrência deste evento1717 Rodrigues RAP, Chiaravalloti-Neto F, Fhon JRS, Bolina AF. Spatial analysis of elder abuse in a Brazilian municipality. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2021 [cited 2022 June 10]; 74(Suppl 2):e20190141. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0141
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No Rio Grande do Sul, a região do município de Passo Fundo (66º IFDM do Estado) se manteve como cluster alto-alto e hot-spot durante os dois anos estudados. A região de Caxias do Sul (77º IFDM do estado) também se apresentou como aglomerado alto-alto e hot-spot. Ambos os municípios são considerados grandes centros urbanos, assim como os destacados no estado do Paraná. A urbanização pode trazer efeitos negativos para a população, como a pobreza, degradação ambiental e violência, implicando grandes custos para a população geral2121 Alencar Junior F de O, Moraes JR de. Prevalência e fatores associados à violência contra idosos cometida por pessoas desconhecidas, Brasil, 2013. Epidemiol. Serv. Saude. [Internet]. 2018 [cited 2022 Apr 10]; 27(2):e2017186. Available from: https://doi.org/10.5123/S1679-49742018000200009
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A literatura indica que regiões de fronteira apresentam altas taxas de violência, fato que não se repete na região de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, onde há a formação de um cold-spot. Estudos trazem que o Uruguai possui a segunda maior taxa de proteção de idosos da América Latina e Caribe (85,97%), considerado fator determinante para uma melhor qualidade de vida e diminuição das ocorrências de violência nessa faixa etária2222 Costanzi RN, Ansiliero A. Evolução recente e alguns determinantes da proteção social dos idosos na América Latina e no Brasil. Revista do Serviço Público. [Internet]. 2009 [cited 2022 Jan 10]; 60(3):219-240. Available from: https://doi.org/10.21874/rsp.v60i3.24.
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Já o estado Santa Catarina apresentou os menores valores para a VCPI, apenas um cluster alto-alto, no ano de 2020, constituído pelas cidades de Dionísio Cerqueira, (186º IFDM do estado), Guarujá do Sul, (183º IFDM do estado) e São José do Cedro (47º IFDM do estado). Trata-se de cidades com menos de 20 mil habitantes, cujas economias são baseadas na agropecuária. Centros urbanos menores têm déficits na rede de proteção formal à VCPI, com necessidade de estruturar a rede de proteção informal que na maioria das vezes é constituída por vizinhos e comunidades próximas2323 Bolsoni CC, Warmling D, Faust SB. Atenção à pessoa idosa em situação de violência doméstica [dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2018. Available from: https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/13971/1/MOOC-Idoso-o.pdf
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Estudos que relacionam a VCPI com a economia e desenvolvimento municipal são pouco expressivos na literatura científica. No entanto, estes resultados nos permitem realizar reflexões acerca dos grandes centros urbanos. As altas taxas de notificação nos municípios analisados podem sugerir que os grandes centros, rodeados de cidadesdormitórios, acolhem uma quantidade maior de pessoas diariamente para exercerem seus ofícios laborais, o que facilita a procura de serviços nestas grandes cidades. Outra característica dos grandes centros é que as redes formais de proteção ao idoso estão mais consolidadas, o que permite um maior acesso2323 Bolsoni CC, Warmling D, Faust SB. Atenção à pessoa idosa em situação de violência doméstica [dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2018. Available from: https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/13971/1/MOOC-Idoso-o.pdf
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Outra possibilidade é que nos grandes centros urbanos, as vítimas tenham maior acesso ao conhecimento sobre o fenômeno da violência, e com isso conseguem identificála de forma mais clara. Para subsidiar essa análise, este estudo demonstrou ainda que a VCPI esteve associada à maior renda familiar, presença de idosos em casas de parentes, mulheres idosas e letalidade da COVID-19. Já a taxa de analfabetismo demonstrou correlação negativa, indicando que quanto maior o nível de analfabetismo do município, menores as taxas de violência.

O fato de que quanto maior o nível de analfabetismo do município, menores são as taxas de violência contra a pessoa idosa, estimula a reflexão que municípios com nível de escolaridade maior tendem a perceber a violência sofrida pelo idoso com maior discernimento e propiciam maior acesso aos serviços de enfrentamento, bem como estruturam de forma adequada a rede de apoio formal e informal.

Outro ponto de destaque é que as cidades que apresentaram maiores taxas de letalidade por COVID-19, também foram aquelas com maiores taxas de VCPI. Um estudo realizado em Fortaleza/CE demonstrou que os óbitos por COVID-19 estão relacionados à maior vulnerabilidade social, a qual pode ser agravada pelo desemprego e pelo isolamento social2424 Vieira-Meyer APGF, Morais APP, Campelo ILB, Guimarães JMX. Violência e vulnerabilidade no território do agente comunitário de saúde: implicações no enfrentamento da COVID-19. Ciênc Saúde Colet. [Internet]. 2021 [cited 2022 Jan 15]; 26(2):657-668. Available from: https://doi.org/10.1590/141381232021262.29922020
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. Acredita-se que pelo fato de a cidade ter altas taxas de letalidade para COVID-19, as medidas restritivas tenham sido mais rigorosas para mitigar a pandemia.

Com a intensificação do isolamento social, os idosos ficaram ainda mais vulneráveis à violência, já que a maioria acontece no domicílio, com agressores da família, sendo a própria residência do idoso o cenário da violência e que os agressores, em sua maioria, são os filhos33 Rodrigues RAP, Santos AMR dos, Pontes MDLDF, Monteiro EA, Fhon JRS, Bolina AF, et al. Report of multiple abuse against older adults in three Brazilian cities. Plos one. [Internet]. 2019 [cited 2022 Apr 18]; 14(2):e0211806. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211806
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,1313 Matos NM de, Albernaz EO, Sousa BB, Braz MC, Vale MS do, Pinheiro HA. Perfil do agressor de pessoas idosas atendidas em um centro de referência em geriatria e gerontologia do Distrito Federal, Brasil. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. [Internet]. 2019 [cited 2022 June 10]; 22(5):e190095. Available from: https://doi.org/10.1590/1981-22562019022.190095
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,2121 Alencar Junior F de O, Moraes JR de. Prevalência e fatores associados à violência contra idosos cometida por pessoas desconhecidas, Brasil, 2013. Epidemiol. Serv. Saude. [Internet]. 2018 [cited 2022 Apr 10]; 27(2):e2017186. Available from: https://doi.org/10.5123/S1679-49742018000200009
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. Compreender esse padrão espacial é de fundamental importância para identificar o grupo em maior risco e, assim, alocar recursos e estratégias adequadas a este agravo.

Na literatura internacional e nacional, poucos estudos fizeram a análise espacial de registro de violência contra o idoso, o que dificulta discutir esses dados1717 Rodrigues RAP, Chiaravalloti-Neto F, Fhon JRS, Bolina AF. Spatial analysis of elder abuse in a Brazilian municipality. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2021 [cited 2022 June 10]; 74(Suppl 2):e20190141. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0141
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. Esta pesquisa apresenta potenciais limitações inerentes ao delineamento do estudo ecológico - o viés ecológico - no qual uma associação observada entre agregados não significa, obrigatoriamente, que a mesma associação ocorra em nível de indivíduos, e também relacionadas à subnotificação da VCPI. Quanto às limitações relacionadas ao momento pandêmico, a temporalidade pode ser um fator limitante, uma vez que os dados não foram coletados durante todo o período de decreto da pandemia e ainda puderam sofrer influências por decretos mais restritivos ou afrouxados das medidas de enfrentamento da COVID-19.

Como implicações para o avanço do conhecimento científico para a área de saúde, esta pesquisa visa contribuir para a realização de estratégias de enfrentamento a VCPI em níveis gerenciais e comunitários; instigando municípios e estados a fortalecerem as redes formais e informais de proteção aos idosos vítimas de violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo analisou a distribuição espacial da violência contra a pessoa idosa na região Sul do Brasil antes e durante a pandemia de COVID-19. Foi possível evidenciar que as taxas de VCPI reduziram de 2019 para o ano de 2020, no entanto, locais que eram violentos em 2019, se tornaram ainda mais violentos em 2020, em meio à pandemia do novo coronavírus. Outro dado de destaque encontrado neste estudo é a correlação positiva entre a taxa de letalidade da COVID-19 e a VCPI.

A pesquisa mostra um cenário negativo em relação ao enfrentamento da VCPI em tempos de pandemia, pois, o isolamento social necessário à mitigação da pandemia de COVID-19, concentrou ainda mais os casos de VCPI na região Sul do Brasil.

Dessa forma, é necessário criar intervenções para minimizar os casos de VCPI, considerando o cenário pandêmico vivenciado, com vistas à redução dos riscos de violência, bem como preservar a qualidade de vida desta população. Uma estratégia importante que deveria ser adotada pelos estados e municípios é a ampliação da rede de apoio formal e informal, fundamental para o combate à VCPI, sendo imprescindível que os idosos tenham acesso aos serviços de enfrentamento à violência de forma presencial e não presencial, com atendimentos virtuais ou por canais telefônicos.

O estudo contribui para o campo acadêmico e para a prática da enfermagem, pois fornece subsídios para a tomada de decisões com base em evidências comprovadas que demonstram os fatores preditivos da violência contra a pessoa idosa. Além disso, fortalece o campo de atuação da equipe de saúde para propor intervenções de enfrentamento ao fenômeno da violência, bem como suscitar novas pesquisas sobre esta temática.

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Editado por

Editora associada: Dra. Susanne Betiolli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2022
  • Aceito
    17 Ago 2023
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