CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA PREVENÇÃO DO HIV/AIDS EM MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE

RESUMO:

Objetivo:

descrever o processo de elaboração e validação de tecnologia educacional para prevenção do Vírus da Imunodeficiência Humana em população feminina privada de liberdade.

Método:

estudo metodológico realizado em um complexo prisional no Centro Oeste do Brasil, de janeiro a julho de 2019, utilizando escala Likert de quatro pontos. Os dados foram analisados com testes Alfa de Cronbach e KAPPA. Considerou-se o Índice de Validade de Conteúdo mínimo de 0,80 para validação e concordância mínima de 75%.

Resultados:

os itens do material foram pertinentes com obtenção do Índice de Validade de Conteúdo total de (IVCt=0,87) para especialistas e (IVCt=0,95) para mulheres. Os especialistas avaliaram a cartilha, classificando-a com grau de recomendação “superior” (média de 91%). Houve adequações, alcançando, ao final, índice de concordância superior a 88,7%.

Conclusão:

acredita-se que essa tecnologia represente um avanço para a Saúde Pública, já que utilizou medidas e instrumentos confiáveis e apropriados para o público-alvo.

DESCRITORES:
Tecnologia educacional; Estudos de validação; Prisões; Vírus da Imunodeficiência Humana; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

ABSTRACT

Objective:

to describe the process of elaboration and validation of educational technology for prevention of Human Immunodeficiency Virus in female population deprived of freedom.

Method:

methodological study conducted in a prison complex in the Midwest of Brazil, from January to July 2019, using a four-point Likert scale. Data were analyzed with Cronbach’s Alpha and KAPPA tests. A minimum Content Validity Index of 0.80 was considered for validation and minimum 75% agreement.

Results:

The items of the material were relevant with a total Content Validity Index of (CVI t=0.87) for specialists and (CVI t=0.95) for women. The specialists evaluated the booklet, classifying it with a “superior” degree of recommendation (average of 91%). There were adjustments, reaching, in the end, a concordance index higher than 88.7%.

Conclusion:

we believe that this technology represents an advance for Public Health, since it used reliable and appropriate measures and instruments for the target audience.

DESCRIPTORS:
Educational Technology; Validation Studies; Prisons; Human Immunodeficiency Virus; Acquired Immunodeficiency Syndrome.

RESUMEN

Objetivo:

describir el proceso de elaboración y validación de tecnología educativa para la prevención del Virus de Inmunodeficiencia Humana en población femenina privada de libertad.

Método:

estudio metodológico realizado en un complejo penitenciario del Centro-Oeste de Brasil, de enero a julio de 2019, utilizando una escala Likert de cuatro puntos. Los datos se analizaron con las pruebas alfa de Cronbach y KAPPA. Se consideró un Índice de Validez del Contenido mínimo de 0,80 para la validación y un acuerdo mínimo del 75%.

Resultados:

los ítems del material fueron pertinentes con la obtención del Índice de Validez de Conocimiento total de (IVCt=0,87) para especialistas e (IVCt=0,95) para mujeres. Los expertos evaluaron el folleto, calificándolo de “superior” (media del 91%). Hubo adecuaciones, alcanzando, al final, índice de concordancia superior a 88,7%.

Conclusión:

esta tecnología representa un avance para la sanidad pública, ya que utiliza medidas e instrumentos fiables y apropiados para el público objetivo.

DESCRIPTORES:
Tecnología Educacional; Estudio de Validación; Prisiones; VIH; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida.

HIGHLIGHTS

1. Educação em saúde é elemento essencial na promoção da saúde.

2. Perspectivas de novos estudos com essa temática.

3. Traduzir diferentes saberes sobre HIV/Aids em locais insalubres.

4. Prevenção das IST/ HIV/aids em população feminina privada de liberdade.

HIGHLIGHTS

1. Educação em saúde é elemento essencial na promoção da saúde.

2. Perspectivas de novos estudos com essa temática.

3. Traduzir diferentes saberes sobre HIV/Aids em locais insalubres.

4. Prevenção das IST/ HIV/aids em população feminina privada de liberdade.

INTRODUÇÃO

Há estimativas globais de que mais de um milhão de indivíduos adquirem uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) diariamente, e que a cada ano 500 milhões se infectam por uma das ISTs curáveis¹. Em todo o mundo, mais de 37 milhões (IC 95%: 30,8-42,9) de pessoas estão vivendo com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)², sendo que na última década foram identificados 247.795 casos dessa infecção no Brasil, havendo um crescimento na população feminina. Em relação à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), o país tem registrado, anualmente, uma média de 40 mil novos casos nos últimos cinco anos³.

Embora o Brasil seja reconhecido internacionalmente como modelo no manejo do HIV/Aids³, alguns grupos sociais ficam às margens desses investimentos, tais como os Indivíduos Privados de Liberdade (IPL). Os presídios são locais superlotados, e Comportamentos, Atitudes e Práticas (CAP) de risco para as IST/HIV/Aids, como relação sexual com pessoa do mesmo sexo, violência, prostituição, uso de drogas e sexo desprotegido são muito frequentes. Ainda, o contato desses indivíduos com a população, em geral, por meio das visitas íntimas periódicas e a transferência de celas e presídios potencializa o risco de disseminação de patógenos transmissíveis, haja vista a percepção de invulnerabilidade e desconhecimento sobre as medidas preventivas⁴-⁸.

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), a incidência de Aids é 138 vezes maior dentro das unidades penitenciárias, e estudos apontam maior prevalência de HIV entre os privados de liberdade do que na população geral no Brasil. Porém, existem dados limitados disponíveis para facilitar o desenvolvimento de intervenções efetivas neste cenário de alta transmissão⁹.

No contexto epidemiológico, a população feminina em privação de liberdade equivale a 5,31% do total da população penitenciária. Não obstante a isso, as características biológicas inerentes à mulher, associadas às questões de gênero, tornam-nas mais vulneráveis ao HIV/Aids quando comparadas aos homens, exigindo políticas específicas. Comumente, os indivíduos privados de liberdade do sexo masculino demonstram resistência ao uso do preservativo por considerá-lo apenas um método contraceptivo, e, ainda, por se perceberem invulneráveis, ancorados em uma masculinidade hegemônica¹⁰-¹².

Destarte, é indispensável uma maior atenção à saúde da mulher privada de liberdade não somente pelos riscos biológicos inerentes ao sexo e às vulnerabilidades presentes no ambiente prisional, mas também pela carência de ações preventivas oferecidas pelo sistema de saúde carcerário brasileiro e da maioria dos países⁴,⁶,⁸. Nesse sentido, é imprescindível que haja Tecnologias Educacionais (TE) que considerem as particularidades desse segmento populacional emergente¹³

Sabe-se que é imprescindível o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento dos agravos transmitidos por via sexual, sendo que a educação em saúde tem sido sistematicamente considerada o padrão-ouro na prevenção e controle do HIV/Aids¹⁴-¹⁶.

Todavia, ainda são incipientes os estudos direcionados à população privada de liberdade, muito provavelmente, relacionado ao ambiente considerado hostil e inseguro, que na maioria das vezes, não instiga a comunidade científica. Associa-se, ainda, à falta de efetivo e inabilidade dos profissionais de saúde do sistema penitenciário na utilização de tecnologias inovadoras em educação em saúde⁸-⁹,¹².

É importante considerar que, embora os IPL estejam em um ambiente fixo, o mesmo ainda é de difícil acesso e considerado de risco para atividades de educação em saúde presenciais. Apesar dessa questão, no cenário penitenciário, materiais educativos impressos podem representar uma ferramenta de impacto, considerando serem um instrumento barato, acessível, consentido pela segurança das instituições prisionais e com potencial de transformação e conscientização acerca da vulnerabilidade individual e em saúde¹⁷.

Para tanto, acredita-se ser necessário que esta tecnologia em saúde seja elaborada e validada para garantir a efetividade, eficácia, resolubilidade e cientificidade necessária para a mudança de comportamento e conscientização de risco. Até o momento, não foi identificado nenhum instrumento educativo sobre IST/HIV/Aids específicos para a População Privada de Liberdade (PPL), sendo o presente estudo considerado pioneiro nos campos das investigações científicas e tecnológicas em saúde e educação.

Acredita-se que o constructo proporcionará achados que sensibilizarão as políticas públicas de saúde voltadas a esse grupo vulnerável, estigmatizado, marginalizado, e que devido à condição de encarceramento possui dificuldade de acesso à saúde¹⁸. Ainda, poderá instrumentalizar os profissionais de saúde que atuam no ambiente carcerário, onde os investimentos em educação permanente são incipientes.

Considerando a importância desses aspectos, objetivou-se, nesta investigação, descrever o processo de elaboração e validação de tecnologia educacional para a prevenção do HIV/Aids para a população feminina privada de liberdade.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa metodológica desenvolvida no período de janeiro a julho de 2019, em um complexo prisional feminino da região Centro Oeste do Brasil, onde cerca de 107 mulheres se encontram em cárcere. A pesquisa aconteceu em três etapas, a saber: levantamento bibliográfico; elaboração do material educativo; e validação do material por especialistas no assunto e por mulheres privadas de liberdade. Este tipo de estudo tem por objetivo desenvolver, validar e avaliar ferramentas e técnicas de pesquisa, tendo como objeto o desenvolvimento de um material baseado em evidências científicas de impacto e específico para a população-alvo¹⁹-²⁰. A tecnologia educacional foi elaborada segundo as recomendações para construção e validação de constructo, conforme os itens: conteúdo, exatidão científica, apresentação literária, ilustrações, legibilidade e qualidade de informação²⁰.

Para a coleta de dados, inicialmente, foram realizados três grupos focais com até 10 mulheres privadas de liberdade para levantamento das dúvidas, mitos e conhecimentos sobre o HIV/Aids, onde pudemos identificar os Comportamentos Atitudes e Práticas (CAP) de vulnerabilidade individual, social e programática às ISTs. No princípio, estava planejado um grupo focal, mas, considerando as narrativas, gestos e expressões das mulheres, viu-se a necessidade de outros dois grupos, a fim de atender às suas necessidades de diálogo e gregária. Cada grupo focal, de aproximadamente duas horas, contou com um mediador com expertise na área e ocorreu no pátio da ala, longe dos agentes de segurança prisional, visando minimizar alguma discriminação ou inibição.

Depois, para subsidiar a elaboração do material, realizou-se um levantamento nas bases de dados LILACS, Medline/PubMed e Scopus, utilizando os descritores presentes em Ciências da Saúde/Medical subject Heading (DECS/MeSH): “prisioneiros” (“prisoners”), “infecções sexualmente transmissíveis” (“sexually transmitted diseases”), “HIV” (“HIV”), “educação em saúde” (“Health education”) e “Aids” (“Aids”). Utilizou-se o descritor controlado “prisioneiro” (“prisoners”) por meio do operador booleano AND associado aos descritores supracitados. Todo o design e diagramação da tecnologia educacional foi desenvolvida por meio do projeto de extensão universitária cadastrado na Pró-reitora de Extensão e Cultura da UFG (PROEC - UFG) com a parceria de um pesquisador ilustrador com expertise em design, utilizando os programas Corel Draw Essentials, Powerpoint e o Adobe Photoshop.

Cabe destacar que, após a coleta de dados, realizaram-se atividades de educação em saúde e aconselhamento acerca das IST, benefícios e malefícios do uso de drogas e biossegurança no ambiente penitenciário bem como testagem rápida para as infecções causadas pelo HIV, hepatites B e C e sífilis. Os casos positivos e de uso abusivo de drogas foram encaminhados para os serviços de saúde do sistema penitenciário.

Na segunda etapa, denominada de validação, foi utilizado o conceito de validade de conteúdo e aparência, no qual avaliou-se o quanto cada elemento do constructo foi representativo na visão dos especialistas e das mulheres privadas de liberdade¹⁹. O protocolo de avaliação foi dividido em duas partes: a primeira foi voltada para as características sociodemográficas e laborais dos especialistas e sociodemográficas para as mulheres; já na segunda parte, foram avaliados o conteúdo, exatidão científica, apresentação literária, ilustrações, legibilidade e qualidade de informação adaptado²⁰. Assim, as sugestões dos especialistas, identificadas por (Especialista 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8), encontram-se no quadro (2-A), do mesmo modo, as sugestões das mulheres privadas de liberdade, no quadro (2-B), como (Mulher 2, 3, 5, 6, 9, 13 e 16). A avaliação ocorreu em forma de escala do tipo likert, sendo a pontuação da escala de quatro pontos (1 = discordo totalmente; 2 = concordo parcialmente; 3 = concordo e 4 = concordo totalmente)¹⁹.

Para o cálculo amostral, foi utilizada a fórmula n=Zα2.P(1-P)/e2, onde P indica a proporção almejada de especialistas, indicando a adequação de cada item, e “e” representa a diferença proporcional aceitável. Considerou-se um nível de confiança de IC: 95%, significando que, pelo menos, 70% dos especialistas classificaram o item como apropriado¹⁹-²⁰.

Foram considerados como critérios de inclusão: especialistas com experiência em pesquisa em IST/HIV/Aids e sistema penitenciário nos últimos três anos; ter experiência em elaboração e validação de instrumentos; possuir publicação na temática; e ter afinidade por tecnologias educativas. Para a seleção dos especialistas, optou-se pela técnica de amostragem denominada bola de neve, na qual um especialista que se enquadrou nos critérios de inclusão indicou outro participante da sua rede social, e assim, sucessivamente, até o alcance da amostra²⁰. Para as mulheres privadas de liberdade, foram considerados como critérios de inclusão: ter mais de seis meses de permanência em cárcere e ter idade acima de 18 anos. A amostra foi obtida na unidade prisional de Goiânia, Goiás, utilizando a mesma metodologia, ou seja, bola de neve.

Os especialistas foram convidados por e-mail eletrônico institucional, o qual continha informações sobre aspectos éticos, legais e operacionais da pesquisa bem como uma prévia do material educativo, o formulário com dados de avaliação do constructo e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Da mesma forma, as mulheres receberam a primeira versão do instrumento educativo para manuseio e leitura, um formulário com dados sociodemográficos e um manual básico de instruções. Os pesquisadores foram treinados a observar as reações, comentários, opiniões e sugestões das mulheres privadas de liberdade, anotando em caderno de campo específico. Em caso de analfabetismo funcional, um pesquisador se colocou à disposição para esclarecimentos.

Os dados foram digitados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 20.0, e a análise de concordância, realizada por meio da adequação do ajustamento das proporções dos especialistas e mulheres que concordaram em participar com a pertinência da tecnologia educacional. Foi empregado o teste binominal, sendo que valores de p < 0,05 indicaram a proporção de especialistas e MPL que concordaram com a pertinência da tecnologia produzida.

Para avaliação da reprodutibilidade da tecnologia educacional, foi utilizado o teste Kappa cujos valores de concordância foram marcados como: ruins ou fracos quando houve variação de zero a 0,2; ligeiros, entre 0,21 - 0,4; regulares ou moderados, de 0,41-0,6; bons ou substanciais quando variaram de 0,61-0,8; e por último, ótimos ou excelentes, entre 0,81-1, 0.25. Também foi apresentado o intervalo de confiança de 95% para o teste Kappa.

Foi utilizado o teste alfa de Cronbach, para estimar a confiabilidade da tecnologia educacional, para a qual considerou-se a classificação do α ≥ 0,70. Para avaliar a tecnologia educacional como um todo, utilizou-se o somatório de todos os IVC calculados separadamente e dividido pelo número de itens do instrumento. Na literatura utilizada²⁰ o Índice de Validade de Conteúdo varia de -1 a 1, e considera válido o item cuja concordância entre os juízes seja igual ou maior que 0,80¹⁹-²⁰. Quanto à validade de aparência realizada tanto pelos juízes quanto pelo público-alvo, foram considerados validados os itens que obtiveram nível de concordância mínimo de 75% nas respostas positivas¹⁹-²⁰.

A presente investigação está inserida em um estudo matriz intitulado “Avaliação da vulnerabilidade social e em saúde dos indivíduos privados de liberdade e trabalhadores do sistema prisional do estado de Goiás: um estudo multicêntrico”, e foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás com parecer n.º 2.500.582.

RESULTADOS

A construção do roteiro textual do material educativo se deu conforme os resultados dos artigos selecionados e os dados dos grupos focais. A versão do material educativo no formato de cartilha, intitulada “Além das grades: discutindo IST/HIV/AIDS e sexualidade humana”, teve seu conteúdo dividido em cinco partes: Apresentação; Sexo e sexualidade humana saudável; conhecendo as IST/HIV/AIDS; Sinais e sintomas das IST/HIV/AIDS; e Medidas de prevenção e controle das IST/HIV/AIDS nos presídios.

De um total de 12 especialistas, oito concordaram em participar da pesquisa. A média de idade foi de 36,6 anos (DP=5,6), sendo seis (86,7%) do sexo feminino. Em relação às áreas do conhecimento, contou-se com uma biomédica em doutoramento, uma psicóloga com mestrado e uma assistente social servidora do presídio. Ainda, cinco enfermeiras, dentre essas: uma doutora em enfermagem; uma em doutoramento; e três especialistas cursando mestrado.

A idade das 20 MPL participantes do estudo variou de 22-49 anos (média 47 anos). Houve predomínio de mulheres negras, total de 17 (85,7%) e com baixa escolaridade (média de 10 anos DP:2,9). Uma participante reportou ser bissexual e duas, casadas, sendo ambas com homens também em privação de liberdade.

No processo de validação do material educativo, conforme observado no Quadro 1, verificou-se boa consistência interna nos dois grupos, sendo Alfa de Cronbach de 0,809 e 0,881 para os especialistas e para as mulheres privadas de liberdade, respectivamente. Ainda, o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) global foi de 87,0% (K=0,76; IC:95%; 0,64-1,00) para os especialistas, e de 95,1% (K=0,91; IC:95%; 0,87-1,00) para as mulheres, indicando ótimo nível de concordância entre ambos os avaliadores.

Quadro 1
Valores de IVC, Kappa Ponderado e Alfa de Cronbach dos especialistas e mulheres privadas de liberdade para o material educativo. Goiânia, Goiás, Brasil, 2019

Avaliadores	IVC-Total*	KAPPA	IC: 95%**	Alfa de Cronbach
Especialistas	87,0%	0,76	0,64-1,00	0,809
Mulheres Privadas de Liberdade	95,1%	0,91	0,87-1,00	0,881

• ^*
  IVC: Índice de Validade de Conteúdo; IC:95%: Intervalo de Confiança
Fonte: Autores (2019).

De acordo com a Figura 1, o nível de concordância entre os especialistas foi elevado, variando de 77,07% a 100%. Embora o índice de legibilidade tenha sido baixo (77,07%), todos os níveis são superiores ao mínimo estabelecido de 75%, o que valida a tecnologia educacional sobre HIV/Aids voltada para a população privada de liberdade.

Figura 1
Nível de concordância entre os especialistas por aspectos avaliativos. Goiânia, Goiás, Brasil, 2019

Nas mulheres privadas de liberdade, o nível de concordância variou de 85,71% a 100%, níveis também superiores ao mínimo exigido de 75%, validando o material educativo sobre HIV/Aids voltado para a população privada de liberdade (Figura 2).

Figura 2
Nível de concordância entre as mulheres privadas de liberdade por aspectos avaliativos. Goiânia, Goiás, Brasil, 2019

Apesar do resultado do IVC-Total de todos os domínios ser acima de 0,80%, tanto os especialistas quanto as mulheres sugeriram algumas modificações para a melhoria da tecnologia educacional, sendo todas avaliadas e acatadas pelo grupo de pesquisadores conforme apontado nos quadros 2A e 2B.

Quadro 2A
Sugestões dos especialistas para a tecnologia educacional sobre HIV/Aids voltado para a população feminina privada de liberdade Goiânia, Goiás, Brasil, 2019

Sugestões dos especialistas
Conteúdo
Na página que o enfermeiro explica sobre o HIV e Aids, às vezes seria interessante enfatizar que fazer o exame é bem rápido e fácil. (Especialista 1). Seria interessante falar quais os principais sintomas e doenças associados ao HIV/Aids. Assim fica mais fácil para eles entenderem a necessidade da prevenção e tratamento precoce. (Especialista 2). É muito importante dar ênfase também no compartilhamento de alicates, cortadores de unha e prestobarba, uma vez que são práticas muito utilizadas por essa população. (Especialista 1). Sugiro falar sobre os sinais e sintomas iniciais da Aids e a importância do exame de imunocromatrografia, que é um teste rápido, seguro, sigiloso e com devolutiva do resultado em pouco tempo. (Especialista 3).
Apresentação literária
Na página das detentas a fala da transexual já pode ser informativa. (Especialista 4). Na página sobre as camisinhas, faltou um texto escrito sobre como usar a camisinha feminina. Seria válido cada uma ficar numa página, ou ganharem mais destaque pelo papel que desempenham na prevenção. (Especialista 5). Acrescentar a figura do preso portador de HIV ao fundo na imagem em que Bigode e seu colega conversam perto do aparelho de academia. (Especialista 4).
Legibilidade
Colocaria uma letra maior nas falas dos personagens porque muito presos têm problemas visuais. (Especialista 6). A página de orientação do enfermeiro está com as letras muito pequenas e tem muito conteúdo. (Especialista 1). Quando passar para a última edição uma dica é enviar para o SECOM da UFG; eles ajudam na edição e formatação. (Especialista 7).
Qualidade da informação
Cuidar para não usar termos usados por profissionais como, por exemplo: “esterilização” e “aerossóis”. (Especialista 8).

Fonte: Autores (2019).

Quadro 2B
Sugestões das mulheres privadas de liberdade para a tecnologia educacional sobre HIV/Aids voltada para a população feminina privada de liberdade. Goiânia, Goiás, Brasil, 2019

Sugestões das mulheres privadas de liberdade
Pois é! Mas está ligado que eu não posso tomar essa vacina, não é!” Para “Boto fé que eu não posso tomar essa vacina. (Mulher 2). De boa! Ele está tratando do HIV cara, relaxa!” Para “Há véi normal! Ele está tratando. Está de boa! (Mulher 3). Relaxar? Nem vou chegar perto dele, não quero pegar esse negócio!” Para “Nem vou berá para não pegar esse negócio. (Mulher 5). Meninas vocês sabem o que é HIV e Aids, e como pega?” Para “Irmãzinhas vocês sabem o que é HIV e Aids, e como pega esse trem? (Mulher 6). Quem diria que eu precisaria ficar preso para ter educação em saúde sobre o HIV e a Aids!” Para “Cara, nem acredito que para ter conhecimento sobre o vírus HIV e a doença Aids eu tive que estar preso! (Mulher 9). Colocaria mais cor e aumentaria as letras. (Mulher 13).
Sugestão final do material educativo
Independentemente do lugar que estejamos temos sim o direito ao conhecimento do que é prejudicial à nossa saúde. Boto fé que temos que falar sobre HIV e Aids no presídio! (Mulher 16).

Fonte: Autores (2019).

DISCUSSÃO

A literatura nacional e internacional chama a atenção para o alto risco de vulnerabilidade às IST/HIV/Aids entre a população em privação de liberdade, em particular, a população feminina⁴-⁸. As prisões se caracterizam pelas condições de insalubridade, superlotação, infraestrutura arquitetônica inadequada e violação dos direitos humanos básicos. Ademais, são muito comuns as práticas sexuais de risco, tais como coito desprotegido com parceria fixa ou eventual⁴-⁸,¹². Somam-se ainda, a inexistência ou ineficiência de uma assistência médica e jurídica adequada e suficiente⁹, e a cultura hegemônica masculina que prejudica a assistência às MPL, potencializando, sobremaneira, a susceptibilidade às infecções de transmissão sexual⁷-⁸.

Acredita-se que a educação em saúde por meio das tecnologias inovadoras representa um elemento-chave para atingir os objetivos da promoção da saúde, uma vez que possui o potencial de sensibilizar o indivíduo e a coletividade, transformando seus comportamentos e os empoderando para a tomada de decisões com menores riscos à saúde¹³. Distintos profissionais das áreas da saúde e da educação comungam da premissa de que as nomeadas tecnologias educacionais são subsídios facilitadores e suportes complementares à prática educativo-pedagógica, em especial, quando o tema é repleto de mitos, estigmas e voltados às populações de difícil acesso e desprovidas de um sistema de saúde resolutivo¹³,¹⁹. Estudos com pessoas vivendo com HIV/Aids²¹, adolescentes²² e pessoas cegas²³ confirmam tal assertiva.

O material produzido e validado nesta investigação apresentou boa consistência interna nos dois grupos de avaliadores. Destarte, a presente investigação, de forma inédita e promissora, apresenta um material educativo confiável, reprodutível e passível de ser incorporada à prática educacional voltada à prevenção e controle das IST/HIV/Aids na população feminina privada de liberdade. Convém destacar que todo o material foi validado, satisfazendo a critérios científicos, sendo considerado a confiabilidade como respeitável indicador da qualidade. Também, utilizou-se a congruência de respostas, compreendendo que a consistência do conteúdo vem da concordância entre os avaliadores, neste caso, os especialistas e as mulheres privadas de liberdade²⁰-²¹.

O nível de concordância foi elevado entre os avaliadores como também para as mulheres, validando o material educativo, pois todos os níveis foram superiores ao mínimo estabelecido de 75%²⁰-²¹. Tal achado evidencia a relevância de incluir avaliadores com diferentes saberes, de modo à mutualidade e interdisciplinaridade. Desse modo, todos os sujeitos da pesquisa contribuíram para a investigação com o seu conhecimento teórico-prático e experiências profissionais, clínicas e pessoais, participação considerada imprescindível para a elaboração e execução de qualquer política ou estratégia de saúde pública.

Percebeu-se que os especialistas se mostraram mais atentos às questões científicas, em especial, quanto à legibilidade das informações e do conteúdo. Fenômeno já esperado, considerando a formação e expertise deles, o que ratifica a necessidade de especialistas com formação específica na área. Porém, necessitam-se reflexões, uma vez que as sugestões para o aperfeiçoamento do material estiveram, quase em sua totalidade, voltadas para o modelo biomédico, e não para os pressupostos da Política de Promoção da Saúde do Ministério da Saúde e da Política de Saúde da Mulher. Os profissionais de saúde devem também, durante suas atividades educativas, considerar os aspectos psicossociais, culturais e espirituais, sobretudo as questões de sexo e gênero, no processo educacional contínuo tanto para o indivíduo quanto para à coletividade, o que resulta na melhor adesão a comportamentos protetivos e aceitabilidade de sua condição.

Já as mulheres em regime de privação de liberdade avaliaram de forma mais consistente o conteúdo do material, sempre considerando as particularidades e especificidades do ambiente penitenciário e os aspectos inerentes às questões da masculinidade tóxica. Fato corroborado pela taxa de 100% de coerência na análise das ilustrações. As mulheres ainda reportaram estigmas que permeiam há anos a condição de pessoas vivendo com HIV/Aids, necessitando de investimentos em estratégias específicas, onde acreditamos e, ainda, segundo as experiências das mulheres que o principal instrumento seja o processo educativo permanente. Nesse sentido, possivelmente o material aqui apresentado seja oportuno e eficaz para atender às demandas dessa população que ainda permanece à margem das políticas de saúde sexual e reprodutiva.

Alguns depoimentos durante a coleta de dados e estudos de todo o mundo⁷,⁸,¹²,²⁴ afirmam que um dos fatores que dificulta a realização de ações educativas nas unidades penitenciárias está na escassez de profissionais de saúde e barreiras impostas pelas questões inerentes à segurança pública. Assim sendo, as tecnologias educacionais como o material aqui produzido e validado representam uma importante ferramenta para enfrentar tais dificuldades. Ratifica-se, também que as mulheres privadas de liberdade se encontram ociosas, acessíveis e com disponibilidade de tempo para leitura, e que a educação é uma das diretrizes da política nacional de saúde e ressocialização da população privada de liberdade.

Apesar de o resultado do IVC global de todos os domínios avaliados ser acima de 0,80%, tanto os especialistas quanto às mulheres privadas de liberdade sugeriram algumas modificações para a melhoria do material, sendo todas avaliadas e acatadas pelo grupo de pesquisadores. Ainda, durante a coleta de dados obtivemos vários retornos positivos acerca do material produzido, ratificando o interesse em contribuir para a construção desse tipo de tecnologia educacional.

Parece-nos que, para fortalecer as ações em saúde para a população privada de liberdade, considerando o número reduzido de profissionais de saúde nos presídios, pode-se contar com as tecnologias educacionais, como os materiais impressos, que permitem reflexões resultantes das experiências dos envolvidos no processo. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, existem apenas 5.084 profissionais de saúde no sistema penitenciário nacional para uma população carcerária total de 698,6 mil⁹, sendo que a maioria são da enfermagem. Portanto, é premente o investimento em tecnologias educacionais com amplo poder de disseminação no ambiente penitenciário e pautadas em rigor metodológico, e que a enfermagem seja a protagonista no processo de construção e validação, haja vista sua qualidade e impacto enquanto agente educativo.

Acredita-se que o produto desse estudo tenha ainda mais relevância e potencial de contribuir para o enfrentamento do HIV/Aids em tempos de crise sanitária, como o atual contexto pandêmico que estamos vivenciando. Durante as etapas de grupo focal e entrevistas com as MPL foram evidentes a inexistência de cuidados com a saúde nesse período e a iniquidade de gênero no acesso às informações²⁴

Findada essa etapa da pesquisa, pretende-se realizar um ensaio clínico randomizado, utilizando a tecnologia educacional como ferramenta educativa para as mulheres privadas de liberdade, avaliando o seu impacto por meio da Escala HIV Knowledge Questionnaire (HIV-KQ-18) conforme já aprovado pelo projeto matriz que originou esse trabalho.

A investigação apresenta como limitação a inexistência de estudos que abarcam a temática, limitando, portanto, a discussão, o que pôde ser constatado no momento de sua elaboração e validação. Dessa forma, a sua divulgação poderá ajudar a reduzir essa lacuna e encorajar os enfermeiros a construir e validar diferentes tecnologias educacionais voltadas à promoção da saúde para indivíduos privados de liberdade.

CONCLUSÃO

O estudo alcançou seu objetivo ao evidenciar que a tecnologia elaborada apresenta alta confiabilidade e boa consistência interna, sendo considerada adequada para a prática educativa. Algumas modificações foram sugeridas pelas MPL para a melhoria do material, ratificando o interesse pela elaboração do mesmo e perspectivas de novos estudos com essa temática.

A presente investigação nos possibilitou produzir e traduzir coletivamente os diferentes saberes voltados para a prevenção e controle do HIV/Aids em um ambiente insalubre, inseguro e marcado pela escassez de projetos preventivos. Acredita-se que essa tecnologia represente um avanço para a Saúde Pública e enfermagem, uma vez que utilizou medidas e instrumentos confiáveis e apropriados para a elaboração e validação de tecnologia educacional de acordo com as particularidades dessas mulheres que, embora estejam em regime de privação de liberdade, possuem direito a medidas educativas específicas, eficazes e seguras.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Capes pelo apoio financeiro - Edital 3/2015 - Programa Primeiros Projetos PPP - FAPEG e Edital CNPq Universal 01/2016.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Centers for Disease Control and Prevention (CDC). U.S. Department of Health and Human Services. Division of STD Prevention. Sexually Transmited Disease Surveillance 2018 [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan. 09]. Available from: https://stacks.cdc.gov/view/cdc/79370
  » https://stacks.cdc.gov/view/cdc/79370
• ²
  World Health Organization (WHO). The global health observatory - Sexually Transmited Infections. [Internet]. Genebra: WHO; 2020 [cited 2021 July 20]. Available from: https://www.who.int/data/gho/data/themes/theme-details/GHO/sexually-transmitted-infections
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• ³
  UNAIDS. Nações Unidas sobre HIV/AIDS. BRASIL. Estatísticas 2021 [Internet]. 2021 [cited 2021 May 09]. Available from: https://unaids.org.br/estatisticas
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Editado por

Editora associada: Dra. Tatiane Trigueiro

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Abr 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  09 Fev 2022
• Aceito
  14 Out 2022