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Avaliação clínica e polissonográfica do aparelho BRD no tratamento da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono

Resumos

OBJETIVOS: este trabalho de pesquisa teve o intuito de realizar uma avaliação clínica e polissonográfica do efeito de um aparelho intraoral (AIO) para tratamento da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), desenvolvido e testado por duas universidades federais brasileiras. MÉTODOS: a amostra constou de 50 pacientes (idades entre 18 e 65 anos, sendo 33 homens e 17 mulheres) com diagnóstico polissonográfico inicial de SAOS de grau leve e moderado. Todos os pacientes submeteram-se a uma nova avaliação polissonográfica de noite inteira (em uso do AIO) aproximadamente 6 meses após a primeira avaliação. Baseado na diminuição dos eventos respiratórios obstrutivos, obtida com o uso do AIO, os pacientes foram então divididos em bons respondedores (redução de 50% ou mais no índice de apneia e hipopneia (IAH), permanecendo abaixo de 10 eventos/hora) e maus respondedores (IAH permanecendo maior ou igual a 10 eventos/hora). RESULTADOS E CONCLUSÕES: em 54% da amostra o IAH diminuiu para menos de cinco eventos/hora com o uso do AIO; em 38% a redução do IAH foi maior do que 50%, mas permaneceu acima de cinco eventos/hora; e em 6% da amostra o IAH reduziu menos que 50%. Os bons respondedores corresponderam a 86% da amostra estudada, enquanto os maus respondedores a 14%. Houve melhora significativa na escala de sonolência, no IAH, nos microdespertares e na saturação mínima de oxihemoglobina com a terapia utilizada. O Índice de Massa Corpórea elevado parece interferir desfavoravelmente no desempenho do aparelho em estudo.

Apneia do Sono Tipo Obstrutiva; Polissonografia; Dispositivos de proteção respiratória; Ronco


OBJECTIVES: The current investigation aimed to carry out a clinical and polysomnographic assessment of treatment of Obstructive Sleep Apnea Syndrome (OSAS) with an oral appliance (OA) developed and tested by two Brazilian federal universities. METHODOLOGY: The sample was composed of 50 patients (aged between 18 and 65 years, 33 men and 17 women) with initial polysomnographic diagnosis of light to moderate OSAS. All patients underwent a second, full-night polysomnography with the use of the OA approximately 6 months after the first assessment. Based on the reduction of respiratory events obtained with the OA, patients were distributed in good responders (Apnea and Hypopnea Index/AHI under 10 and with reduction of at least 50% in relation to baseline); and poor responders (AHI of 10 or over with OA). RESULTS AND CONCLUSION: In 54% of the sample, AIH reduced to less than five events/hour with OA; in 38% the AHI reduction was more than 50% in relation to baseline (but more than five); and in 6% of the sample, the AHI reduced less than 50%. Good responders corresponded to 86% of the studied sample, while poor responders to 14%. We noticed significant improvement in somnolence, in AIH, in microarousals and also in minimum oxygen saturation with the treatment. Increased body mass index (BMI) seemed to interfere unfavorably in the performance of the OA studied.

Sleep apnea; Obstructive; Respiratory protective devices; Polysomnography; Snoring


ARTIGO INÉDITO

Avaliação clínica e polissonográfica do aparelho BRD no tratamento da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono

Cibele Dal-FabbroI; Cauby Maia Chaves JuniorII; Lia Rita Azeredo BittencourtIII; Sergio TufikIV

IMestre em Reabilitação Oral-FOB-USP. Doutoranda em Medicina e Biologia do Sono na Unifesp

IIMestre em Ortodontia pela Umesp e doutor em Ortodontia pela Unicamp. Pós-doutorando em Medicina e Biologia do Sono na Unifesp

Professor adjunto IV- Disciplina de Ortodontia- Universidade Federal do Ceará-UFC

IIIProfessora adjunta de Medicina e Biologia do Sono na Unifesp

IVLivre-docente - professor titular de Medicina e Biologia do Sono na Unifesp

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cauby Maia Chaves Junior Rua Tibúrcio Cavalcante, 2860, Dionísio Torres CEP: 60.125-101 - Fortaleza / CE E-mail: cmcjr@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: este trabalho de pesquisa teve o intuito de realizar uma avaliação clínica e polissonográfica do efeito de um aparelho intraoral (AIO) para tratamento da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), desenvolvido e testado por duas universidades federais brasileiras.

MÉTODOS: a amostra constou de 50 pacientes (idades entre 18 e 65 anos, sendo 33 homens e 17 mulheres) com diagnóstico polissonográfico inicial de SAOS de grau leve e moderado. Todos os pacientes submeteram-se a uma nova avaliação polissonográfica de noite inteira (em uso do AIO) aproximadamente 6 meses após a primeira avaliação. Baseado na diminuição dos eventos respiratórios obstrutivos, obtida com o uso do AIO, os pacientes foram então divididos em bons respondedores (redução de 50% ou mais no índice de apneia e hipopneia (IAH), permanecendo abaixo de 10 eventos/hora) e maus respondedores (IAH permanecendo maior ou igual a 10 eventos/hora).

RESULTADOS E CONCLUSÕES: em 54% da amostra o IAH diminuiu para menos de cinco eventos/hora com o uso do AIO; em 38% a redução do IAH foi maior do que 50%, mas permaneceu acima de cinco eventos/hora; e em 6% da amostra o IAH reduziu menos que 50%. Os bons respondedores corresponderam a 86% da amostra estudada, enquanto os maus respondedores a 14%. Houve melhora significativa na escala de sonolência, no IAH, nos microdespertares e na saturação mínima de oxihemoglobina com a terapia utilizada. O Índice de Massa Corpórea elevado parece interferir desfavoravelmente no desempenho do aparelho em estudo.

Palavras-chave: Apneia do Sono Tipo Obstrutiva. Polissonografia. Dispositivos de proteção respiratória. Ronco.

INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA

A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é um distúrbio respiratório relacionado ao sono caracterizado por repetidas obstruções parciais ou completas da via aérea superior durante o sono3,4. É uma das entidades clínicas mais comuns dentre os distúrbios do sono, afetando de 3 a 5% da população adulta30.

Dentre os achados clínicos clássicos estão o ronco intenso, intermitente, pausas respiratórias durante o sono, despertares recorrentes e ofegantes, sono não-reparador (fragmentado) e sonolência diurna excessiva3,5. O ronco entrecortado por paradas respiratórias é um relato típico das(os) companheiras(os) desses pacientes5,22. Entretanto, o ronco pode ocorrer na ausência de SAOS, caracterizando o ronco primário, o qual atinge cerca de 40% da população adulta masculina5.

O diagnóstico preciso dos distúrbios respiratórios do sono é dado por meio do exame de polissonografia (PSG), que permite quantificar os eventos acima relatados e a relação temporal desses com os parâmetros medidos durante uma noite inteira de sono. A quantificação dos eventos respiratórios por hora de sono, na forma do índice de apneia e hipopneia (IAH) confirma o diagnóstico e define a gravidade da SAOS: leve (entre 5 e 15), moderada (entre 15 e 30) e grave (acima de 30 eventos)3. Há ainda outros parâmetros que podem estar alterados nesses pacientes e podem ser visualizados na polissonografia, como: dessaturação de oxihemoglobina, alteração na porcentagem dos estágios de sono, redução na eficiência do sono e fragmentação do sono3,4,7.

A fisiopatologia da SAOS parece ser multifatorial, e há fatores anatômicos, funcionais e neuromusculares envolvidos. Os tecidos moles, o tecido adiposo, a musculatura e o esqueleto craniofacial afetam diretamente a configuração e a dimensão da faringe. Dessa forma, frequentemente observa-se pacientes com SAOS com hipotonia lingual, macroglossia, retrognatia mandibular e/ou maxilar, micrognatia, palato ogival, arcadas atrésicas e mordida cruzada10,18,22,25,27.

Comumente, a SAOS está associada a complicações cardiovasculares e cognitivas como resultado da hipóxia intermitente e da fragmentação do sono, o que aumenta significativamente a morbidade e mortalidade dessa síndrome21. Estudos recentes estabelecem que a SAOS é um fator de risco independente para hipertensão arterial sistêmica (HAS) e contribui para a instalação e progressão de outras doenças cardiovasculares26. As consequências cognitivas estão relacionadas principalmente à atenção, memória e função executiva1,13.

Como essa síndrome é uma condição duradoura e crônica, uma abordagem efetiva de tratamento se torna mandatória15. Os tratamentos da SAOS consistem de modalidades clínicas e cirúrgicas. A seleção da modalidade clínica de tratamento, seja com aparelhos de pressão positiva (CPAP, CPAP autoajustável, BiPAP) ou com os aparelhos intraorais (AIOs), está diretamente relacionada à gravidade da doença.

O CPAP nasal ("continuous positive airway pressure") é considerado o padrão-ouro no tratamento da SAOS14 (Fig. 1). Ele consiste de um método não-invasivo de aplicação de pressão positiva contínua de ar na via aérea, gerando um fluxo aéreo contínuo que, através de um tubo flexível, alcança uma máscara nasal ou nasobucal que é ajustada à face através de tiras fixadoras. Assim, cria-se no seu interior um coxim pneumático que tende a deslocar o palato mole em direção à base da língua, e a dilatar a área de secção de toda a faringe13. Apesar de ser um tratamento extremamente eficaz, há problemas com a adesão ao uso dos aparelhos de pressão positiva e na sua aceitação em longo prazo.


Os Aparelhos Intraorais (AIOs) são dispositivos usados na cavidade oral durante o sono, com o objetivo de prevenir o colapso entre os tecidos da orofaringe e da base da língua, ou seja, a obstrução da via aérea superior2.

Os AIOs constituem uma forma de tratamento efetiva e bem aceita, e têm sido uma linha crescente de tratamento da SAOS e do ronco há mais de 20 anos. Hoje, há mais de 80 tipos de AIOs descritos, que se encaixam especialmente nas categorias de retentores linguais e reposicionadores mandibulares. Apenas alguns foram aprovados pelo FDA (Food and Drugs Administration) e há poucos com estudos controlados disponíveis. Há diferentes tipos de AIOs, com relação à fabricação (pré-fabricado ou confeccionado em laboratório), retenção, titulação da posição mandibular, abertura vertical anterior, liberdade de movimento mandibular e material de confecção, entre outros. A eficácia dos AIOs parece estar relacionada a alguns desses aspectos. Quando não se observa, durante o planejamento do dispositivo, os cuidados relacionados a esses fatores, temos maior probabilidade de efeitos colaterais, inclusive relacionados à DTM, às alterações oclusais, bem como à diminuição da adesão ao tratamento2.

O tratamento com AIO está indicado aos pacientes com ronco primário e SAOS leve. Também nos casos de SAOS moderada ou grave quando houver intolerância ou recusa ao uso de CPAP, na contraindicação cirúrgica e como terapia substitutiva de curta duração7,17.

O objetivo do presente estudo foi avaliar o desempenho deste novo desenho de AIO para SAOS, buscando também comparar pacientes respondedores e não-respondedores quando se utiliza essa modalidade de tratamento.

O APARELHO INTRAORAL

O Brazilian Dental Appliance (BRD) foi desenvolvido a partir da experiência - dos pesquisadores da Odontologia na área de Medicina do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal do Ceará (UFC) - com a utilização prévia de inúmeros outros dispositivos, principalmente norte-americanos e canadenses, muitos desses com limitações importantes, custos elevados e alguns sem estudos consistentes que respaldassem seu uso em pacientes com SAOS.

O BRD é um AIO reposicionador mandibular ajustável (Fig. 2A, B). É constituído de grampos de retenção nos dentes posteriores e duas bases acrílicas de suporte (uma superior e outra inferior) recobrindo externa e internamente todos os dentes (anteriores e posteriores). Também possui dois mecanismos expansores (parafusos posicionados com seu longo eixo no sentido anteroposterior) independentes (um direito e outro esquerdo, posicionados na região posteropalatina da base acrílica superior). Desses mecanismos expansores saem duas hastes palatinas independentes (uma direita e outra esquerda) que se inserem inferiormente em dois pequenos tubos localizados na porção anterior (distal dos caninos inferiores) da base acrílica de suporte inferior. Este desenho proposto permite avanços sucessivos na posição mandibular, sem, no entanto, impedir movimentos mandibulares laterais. Ou seja, com o aparelho em posição, mesmo quando a mandíbula está mais anteriorizada, o paciente pode realizar movimentos laterais e pequena abertura bucal (Fig. 3).



METODOLOGIA

Esse estudo prospectivo incluiu 50 pacientes com SAOS indicados para o tratamento com AIO, seguindo o desenho do estudo (Fig. 4). Todos os pacientes haviam sido previamente diagnosticados através de um exame de polissonografia padronizada no departamento de Psicobiologia da Unifesp e na UFC.


Os critérios de inclusão consistiram de pacientes com SAOS leve ou moderada, idades entre 25 e 70 anos, com IMC (índice de massa corporal) menor que 30 Kg/m2 e com pelo menos 10 dentes em cada arcada dentária. Foram excluídos os pacientes submetidos previamente a procedimentos cirúrgicos para SAOS, usuários de CPAP, em uso corrente de qualquer droga que pudesse interferir na arquitetura do sono, trabalhadores de turno e, ainda, pacientes com alterações anatômicas importantes na via aérea superior, na forma de desvio de septo, hipertrofia de cornetos e/ou de amígdalas.

Foram excluídos do estudo os voluntários que apresentaram diagnóstico de doença periodontal extensa, distúrbios graves nas articulações temporomandibulares ou unidades dentárias que tivessem anatomia insuficiente para a devida retenção do AIO.

Documentação odontológica (DOC)

Todos os pacientes realizaram uma documentação ortodôntica básica, constando de radiografia panorâmica, telerradiografia de perfil, fotografias intra e extrabucais e modelos de estudo.

Polissonografia (PSG)

Todos os pacientes foram submetidos a uma polissonografia (PSG) basal para diagnóstico da SAOS e outra com o aparelho (BRD) na posição mandibular de máxima protrusão confortável. O tempo médio entre a primeira e a segunda polissonografia foi de seis meses.

A PSG de noite inteira foi feita em laboratório de sono usando um sistema contendo 13 canais, que incluíam eletroencefalograma, eletrocardiograma, eletro-oculograma, eletromiograma dos músculos submentoniano e tibial anterior, fluxo aéreo nasal e oral (medido com thermistor e/ou cânula nasal), movimentos torácicos e abdominais, posição corporal (decúbito) e saturação da oxihemoglobina, medida pela oximetria de pulso.

Procedimentos clínicos e laboratoriais odontológicos

Foram realizadas as moldagens das arcadas dentárias com alginato tipo II e imediatamente vazadas com gesso especial tipo IV. Obteve-se o registro da posição mandibular inicial com o dispositivo "George Gauge"2 e silicona de condensação (denso). Os modelos de gesso e o registro foram, então, utilizados para a confecção individualizada do aparelho BRD. Todos os aparelhos do estudo foram confeccionados em acrílico termopolimerizável, sendo a parte superior independente da inferior. A retenção foi obtida por grampos interproximais colocados entre todos os dentes posteriores. A ligação entre as duas arcadas foi feita por dois expansores posicionados na região palatina, logo abaixo da região cervical dos molares superiores. Esses expansores têm por objetivo possibilitar o avanço gradual da mandíbula em 11mm, em 44 incrementos de 0,25mm (Fig. 5).


Para obter a posição mandibular de máxima protrusiva confortável, ajustes progressivos foram feitos nos expansores dos aparelhos durante um período de 3 a 4 meses, de acordo com a presença de ronco e sintomas adicionais (sonolência, cansaço, sono fragmentado ou não-reparador).

O limite de 70% da protrusão mandibular máxima foi respeitado29. A cada consulta, os pacientes eram indagados sobre episódios de obstrução nasal e alteração de peso.

Análise estatística

Foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov para normalidade e, em seguida, o teste t pareado para comparação entre a condição basal e com AIO, quando os dados basais apresentaram distribuição normal, ou de Wilcoxon quando a distribuição foi não normal.

Subsequentemente, os pacientes foram divididos em dois grupos: bons e maus respondedores. Foi considerado um bom respondedor quando o IAH com AIO reduziu mais de 50% em relação ao basal e foi menor do que 10 eventos por hora com AIO. Já o mau respondedor apresentava IAH com AIO maior ou igual a 10. Para essa situação, para comparar esses dois grupos, utilizou-se o teste t de Student para amostras independentes, se a distribuição fosse normal, ou Mann-Whitney para distribuição não normal.

RESULTADOS

Os dados são apresentados em média e desvio-padrão. A amostra foi composta de 33 homens e 17 mulheres com idade média de 48,6 ± 12,3 e IMC de 26,0 ± 2,8Kg/m2. A posição mandibular protrusiva final média foi de 8,8 ± 1,3mm.

Os resultados da comparação entre a condição basal (inicial) e com AIO para todos os pacientes estão demonstrados na tabela 1 e, especificamente em relação ao número de apneias e hipopneias por hora de sono (IAH), ilustrados no gráfico 1. Nota-se melhora estatisticamente significativa em vários dos parâmetros estudados, como a diminuição da sonolência avaliada pela escala de Epworth, aumento na porcentagem de sono REM, diminuição do IAH, aumento na saturação mínima de oxihemoglobina, bem como a diminuição no número de microdespertares por hora de sono (Tab. 1).


Em 28 pacientes (56% da amostra) o IAH com AIO normalizou, ou seja, esteve abaixo de 5 eventos/hora (sucesso); em 19 pacientes (38% da amostra) o IAH ficou acima de 5 eventos/hora com o AIO, mas reduziu mais de 50% em relação a condição basal (sucesso parcial); e em 3 pacientes (6% da amostra) o IAH reduziu menos de 50% em relação ao basal ou não reduziu (insucesso) (Quadro 1).


Considerando os resultados quanto ao IAH, os pacientes foram divididos em dois grupos: bons e maus respondedores ao tratamento. Foi considerado um bom respondedor quando o IAH com AIO reduziu mais de 50% em relação ao basal e foi menor que 10 eventos por hora (n = 43) e, do contrário, foi considerado como um mau respondedor (n = 7) (Tab. 2, 3). Podemos verificar na tabela 2 que houve melhora estatisticamente significativa em vários dos parâmetros polissonográficos avaliados quando estudados isoladamente o grupo de bons respondedores, mas é também importante salientar que mesmo o grupo de maus respondedores apresentou melhora significativa na sonolência, no IAH e no número de microdespertares durante o sono (Tab. 3).

A comparação dos resultados entre bons e maus respondedores demonstrou que aqueles que responderam mal ao tratamento apresentavam índice de massa corporal maior (p < 0,05), inclusive com aumento de peso ao longo do tratamento (Tab. 4, Gráf. 2A, B). Por outro lado, outros dois parâmetros apresentaram tendência a diferença, embora não estatisticamente significativa, como a idade (maior nos maus respondedores) e a gravidade da SAOS (mais grave nos maus respondedores), sendo essa não-significativa para IAH, nem para saturação de oxihemoglobina. Vale ressaltar que a posição final (protrusiva) com o AIO não foi diferente entre respondedores e não-respondedores (Tab. 4).


DISCUSSÃO

Os reposicionadores mandibulares para tratamento da SAOS e do ronco podem ser de dois subtipos: ajustáveis e não-ajustáveis. Essa última categoria está caindo em desuso pela dificuldade de trabalho e pior adaptação por parte dos pacientes. Dos AIOs, os que parecem ter maior eficácia são os de avanço mandibular progressivo ou ajustáveis, que apresentam ótima retenção tanto à maxila quanto à mandíbula, além de serem de tamanho reduzido para aumentar o conforto8.

A diferença do BRD em relação aos demais aparelhos é a contenção da abertura bucal e o fato de haver dois elementos de ligação entre as arcadas (dois mecanismos expansores) posicionados na parte interna da arcada superior. Aparelhos que possuem retenção apenas na maxila, não conseguem manter uma posição mandibular estável2, permitindo a abertura bucal durante o sono e um giro mandibular no sentido horário, que pode influenciar desfavoravelmente as dimensões faringeanas. O fato de serem dois expansores independentes faz com que o aparelho posicione a arcada inferior de forma mais estável, propiciando a posição anterior sem permitir muita abertura bucal. Quando se faz esses aparelhos com um único expansor, permite-se maior abertura, o que não proporciona posição mandibular estável, possibilitando que a língua obstrua a passagem do fluxo aéreo superior. Além disso, um único expansor não permite avanços mandibulares assimétricos. Quando se faz aparelhos com dois expansores posicionados externamente às arcadas, têm-se limitações importantes à liberdade mandibular no sentido lateral e há possibilidade de injúrias à mucosa jugal.

Esse novo desenho, ao incorporar dois expansores internamente, permite ativações assimétricas, quando necessário, sem impedir pequenos movimentos laterais mandibulares durante o sono. Além disso, não causa injúrias ao dorso da língua.

O desenho do BRD foi desenvolvido com o objetivo de solucionar esses pontos, pois o aparelho propicia uma posição mandibular estável tanto no sentido vertical (abertura) como no sentido anteroposterior (protrusão mandibular). Também promove maior conforto, sendo extremamente versátil quanto à possibilidade de avanços mandibulares progressivos, individualizados e mensuráveis, tornando seu uso mais fisiológico.

Os resultados de 30 diferentes estudos, em 456 pacientes com SAOS e 224 com ronco, durante um período de 10 anos (1982-1992), mostram que aparelhos intraorais têm o potencial para um significativo aumento da via aérea com redução média dos índices de SAOS em 54,3% dos casos e melhora do ronco em 87,5%23. Em 1995, Nowara et al.20 selecionaram 21 publicações e revisaram os resultados de 320 pacientes tratados de SAOS e ronco com AIOs. Observaram que o ronco foi totalmente eliminado em quase todos os pacientes e, nos que não obtiveram esse resultado, houve uma grande melhora. Quanto à SAOS, houve uma melhora de 60% do índice de apneia-hipopneia - IAH, em média (IAH pré = 47 e pós = 19), e aproximadamente a metade dos pacientes atingiu IAH < 10, que é considerado como sucesso por muitos autores20. Liu et al.19 observaram redução média do IAH de 40,3 para 17,1 e uma melhora média não-significativa da SaO2 de 76% para 80% com o aparelho KlearwayTM. Entretanto, nota-se que esses resultados não são uniformes, com pacientes respondendo bem rapidamente à terapia e outros em que os resultados não são tão animadores. Isso pode ser atribuído à falta de padronização dos estudos, principalmente em relação às amostras selecionadas e à forma de avaliação dos resultados.

No presente estudo, houve o cuidado de selecionar aqueles indivíduos que realmente tinham indicação para terapia com AIO, e o acompanhamento dos indivíduos seguiu as diretrizes atualizadas do Consenso Brasileiro de Ronco e Apneia7. Dessa forma, a avaliação dos resultados envolveu aspectos polissonográficos em relação aos parâmetros respiratórios (como o índice de apneia e hipopneia), mas também em relação à arquitetura do sono (como porcentagem de sono de ondas lentas e de sono REM). Critérios clínicos validados e extremamente importantes, como a escala de sonolência de Epworth, também foram utilizados. Observou-se melhora estatisticamente significativa em vários dos parâmetros avaliados, como: a diminuição da sonolência através da escala de Epworth, aumento na porcentagem de sono REM, diminuição do índice de apneia e hipopneia, aumento na saturação mínima de oxihemoglobina, bem como a diminuição no número de microdespertares por hora de sono (Tab. 1). Esses achados corroboram com as pesquisas de Bernhold e Bondemark6 que relataram uma melhora da SaO2 e uma diminuição da sonolência diurna na maioria dos seus pacientes com AIO. Observou-se uma melhora da qualidade do sono dos pacientes, com aumento da porcentagem do estágio REM, mas pequena influência sobre o tempo de sono NREM, conforme encontrado também por Henke, Frantz e Kuna16. Entretanto, Rose et al.24 relataram que a arquitetura do sono não mudou significativamente durante seu estudo com o AIO do tipo ativador Karwetzky.

Em relação aos eventos obstrutivos por hora de sono (IAH), os resultados demonstraram que, em 56% da amostra, o IAH com AIO normalizou, ou seja, esteve abaixo de 5 eventos/hora (sucesso); em 38% da amostra o IAH ficou acima de 5 eventos/hora com o AIO, mas reduziu mais de 50% em relação à condição basal (sucesso parcial); e em 6% da amostra o IAH reduziu menos de 50% em relação ao basal ou não reduziu (insucesso). Geralmente a eficácia é relatada baseando-se numa melhora nos índices de 50% a 80% daqueles obtidos inicialmente, mas ainda existe uma controvérsia grande em como padronizar os índices de sucesso ou mesmo a eficácia da terapia19.

Quando separados os pacientes em bons respondedores (IAH com AIO reduzido mais de 50% e menor que 10 eventos por hora) e maus respondedores ao tratamento (IAH com AIO igual ou acima de 10 eventos/hora), verificou-se que 43 pacientes se enquadravam no primeiro grupo e 7 no segundo grupo. Melhoras significativas e em maior número de parâmetros avaliados foi detectada no grupo de bons respondedores (Tab. 2), mas vale ressaltar que, mesmo no grupo de maus respondedores, foram observadas melhoras significativas na sonolência, no IAH e no número de microdespertares durante o sono (Tab. 3).

Liu et al.19 estudaram pacientes com SAOS dividindo-os em três grupos de acordo com o grau de melhora no IAH: o grupo com resposta boa (redução do IAH > 75%), o grupo com resposta moderada (redução do IAH entre 25 a 75%) e o grupo com resposta pobre (redução do IAH < 25%) em relação ao tratamento com aparelhos intraorais. Esse estudo demonstrou que havia uma diferença significativa na idade entre o grupo com resposta pobre e os outros grupos. Nos pacientes mais velhos e com maior IMC, o AIO foi menos efetivo. O estudo aqui apresentado também encontrou um índice de massa corporal maior, inclusive com aumento de peso ao longo do tratamento (Tab. 4, Gráf. 2A, B), nos pacientes que responderam mal ao tratamento com AIO. Parece também haver uma tendência de maior idade no grupo de maus respondedores.

Um aspecto importante é que a posição final (protrusiva) com o AIO não foi diferente entre respondedores e não-respondedores. Isso pressupõe que não são avanços mandibulares extremados e sem critério que irão melhorar a eficácia dos aparelhos intraorais. Incrementos exagerados na quantidade de avanço mandibular parecem não ter grande influência na melhora da SAOS29.

Os aparelhos intraorais oferecem o mais prático e lógico meio de se iniciar um tratamento para a maioria dos casos de SAOS. Um aparelho bem indicado, adequadamente confeccionado e controlado periodicamente, tem efetividade, não representa grandes despesas para os pacientes, é facilmente aceito pela maioria deles, além de poder ser associado a outras modalidades de tratamento9,12. O aparelho testado nesse estudo alcançou resultados bastante satisfatórios, sendo mais uma alternativa de aparelho reposicionador mandibular para tratamento de pacientes com apneia do sono do tipo obstrutiva.

CONCLUSÃO

Com a terapia utilizada houve melhora significativa na escala de sonolência, no IAH, nos microdespertares e na saturação mínima de oxihemoglobina. O Índice de Massa Corpórea elevado parece interferir desfavoravelmente no desempenho do aparelho em estudo, sugerindo que pacientes mais obesos ou que ganham peso ao longo do tratamento podem se tornar o grupo de insucesso para essa abordagem terapêutica da SAOS.

Enviado em: novembro de 2008

Revisado e aceito: fevereiro de 2009

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  • Endereço para correspondência:
    Cauby Maia Chaves Junior
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      Nov 2008
    • Aceito
      Fev 2009
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