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As atividades cerebrais de julgamento da beleza e da moral são divididas e possivelmente explicam o estereótipo Belo-é-Bom

O QUE HÁ DE NOVO NA ODONTOLOGIA

As atividades cerebrais de julgamento da beleza e da moral são divididas e possivelmente explicam o estereótipo Belo-é-Bom

Jorge FaberI; Patrícia Medeiros BertoII

IEditor do Dental Press Journal of Orthodontics. Doutor em Biologia - Morfologia pelo Laboratório de Microscopia Eletrônica - UnB. Mestre em Ortodontia e Ortopedia Facial - UFRJ

IIEspecialista em Ortodontia - Universidade Federal de Goiás (UFG). Revisora do Dental Press Journal of Orthodontics

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Jorge Faber Brasília Shopping Torre Sul sala 408 CEP: 70.715-900 - Brasília/DF E-mail: faber@dentalpress.com.br

O estereótipo Belo-é-Bom assume que pessoas atrativas possuiriam personalidades desejáveis e altos padrões morais. Essa percepção sugere que os mecanismos neurais de julgamento da beleza, personalidade e padrões morais se sobrepõem, ou seja, estão localizados nos mesmos centros do cérebro. A hipótese dessa sobreposição foi investigada por Tsukiura e Cabeza1 e publicada em março desse ano na Revista Social Cognitive and Affective Neuroscience.

Os participantes da pesquisa foram escaneados com ressonância magnética funcional enquanto faziam julgamentos sobre a atratividade de faces e sobre a bondade de ações hipotéticas. Detectou-se, nos exames, um aumento da atividade do córtex orbitofrontal medial e uma diminuição da atividade do córtex insular, tanto durante as avaliações de atratividade quanto nas de bondade. A ativação das regiões do córtex mostra a contribuição de cada uma em ambos os tipos de julgamento. As regiões mostraram-se negativamente correlacionadas uma com a outra, o que indica uma relação oposta entre esses centros neurais durante o julgamento da atratividade e da moral.

Esses achados explicam de forma importante o estereótipo Belo-é-Bom, que percebemos no dia a dia. É comum pessoas julgadas como atrativas terem também sua personalidade julgada positivamente, seja como uma pessoa de boa conduta, virtuosa ou até honesta. Haja vista que, ao primeiro olhar, é possível um ser humano considerar outro atrativo ou não e também atribuir valores morais a essa pessoa. O estudo mostrou uma possível explicação para isso: os mesmos mecanismos neurais são ativados ou desativados durante esses tipos de avaliações. Assim, talvez possa esclarecer como aquele que é avaliado como belo embute em si uma avaliação de boa pessoa - ou seja, como o belo torna-se bom.

As expressões faciais e suas decodificações pelo cérebro

É fato que um ser vivo sociável é capaz de perceber os sinais sociais de seus semelhantes. Com seres humanos não é diferente. Nos primatas, a face evoluiu para transmitir seus estados emocionais e, simultaneamente, o cérebro evoluiu para decodificar os sinais das expressões faciais de outros. O trabalho realizado por Schyns, Petro e Smith2 revisou e integrou as evidências que suportam essa hipótese.

Com o auxílio de programas de computador, foram coexaminadas as expressões faciais como sinais de transmissão de informação, e o cérebro como receptor e decodificador desses sinais. Os autores observaram que as expressões da face formavam um conjunto de sinais levemente correlacionados, ou seja, apenas levemente assemelhados entre si. Por exemplo, raiva e felicidade podem incluir expressões nos olhos que se parecem. Os dados dos eletroencefalogramas mostraram que o cérebro usa informações da frequência espacial que chegam pela retina para descorrelacionar, identificar, as expressões. Entre 140 e 200 milissegundos após o início do estímulo, independentemente de ser no hemisfério direito ou esquerdo do cérebro, um mecanismo de processamento de informação começa localmente para, em seguida, controlar motoramente os olhos, seja qual for a expressão. Na sequência, os olhos executam um zoom panorâmico para processamento de todo o rosto e finalizam com um zoom localizado para os quesitos de diagnóstico (por exemplo, os olhos abertos durante o "medo", a boca na "felicidade").

Um modelo categorizador demonstrou que, em 200 milissegundos, os hemisférios cerebrais esquerdo e direito processam informação suficiente para prever qual a categoria comportamental na qual se encontra aquela face que está sendo analisada. Esse trabalho contribui para o entendimento de como informações da face são rapidamente processadas no cérebro para identificação das emoções.

Trabalhos dessa natureza para entendimento do reconhecimento da beleza serão possivelmente úteis para estabelecer estratégias de tratamento que envolvam reconstruções estéticas da face ou de seus subcomponentes, como o sorriso.

A motivação e o entusiasmo com os resultados da cirurgia ortognática impactam na satisfação com o tratamento

A motivação dos pacientes para a cirurgia ortognática pode afetar a sua satisfação com os resultados do tratamento. A investigação dessa relação foi feita por Meade e Inglehart3 e publicada no American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics. O objetivo foi verificar se as ideias dos pacientes e seus pais quanto à sua possível aparência futura eram correlacionadas com a satisfação dos pacientes com o tratamento.

Um estudo retrospectivo foi realizado e questionários foram aplicados a 115 pacientes (idades 13-21 anos no momento da cirurgia) e 117 pais (taxas de resposta, 41% e 42%, respectivamente), com respostas de 95 pares de pais-pacientes. A motivação dos pacientes antes da cirurgia foi avaliada determinando-se o quanto eles estavam entusiasmados pelos pensamentos que tinham sobre si mesmos após a cirurgia; e quanto estavam focados nos resultados. Os pais completaram questionários paralelos sobre a motivação de seus filhos. Já a satisfação do paciente foi determinada com um questionário de satisfação no período pós-cirúrgico. Os dados coletados indicaram que quanto mais entusiasmados os pacientes estavam antes da cirurgia, mais satisfeitos eles ficaram com os resultados. Da mesma forma, quanto mais esses pacientes estiveram focados em mudanças estéticas e funcionais, mais satisfeitos eles ficaram com os resultados. As avaliações feitas pelos pais em relação à motivação de seus filhos antes da cirurgia eram consistentes com os relatos dos filhos e correlacionadas com a satisfação dos pacientes no pós-cirúrgico. Assim, a automotivação de jovens pacientes para a cirurgia ortognática está fortemente correlacionada com a sua satisfação com o tratamento.

O resultado desse estudo tem implicações clínicas para cirurgiões bucomaxilofaciais e ortodontistas. A atenção à excelência da técnica e o uso de tecnologias avançadas são, atualmente, preocupações cotidianas dos profissionais. São, certamente, indispensáveis para garantir o êxito de uma cirurgia, contudo, deve-se somar aos requisitos técnicos de uma cirurgia a satisfação do paciente - pois é possível a coexistência de uma cirurgia que preencha os quesitos técnicos e de um paciente insatisfeito com o resultado, e esse seria um cenário de insucesso. O que o artigo sugere é a necessidade de, na fase pré-cirúrgica, desde a primeira consulta, avaliar e estimular o paciente quanto aos resultados. Quanto mais motivado e focado, maior a probabilidade de se alcançar o sucesso em seu sentido pleno. Eis aí uma evidência que podemos aplicar na clínica sem maiores dificuldades.

  • 1. Tsukiura T, Cabeza R. Shared brain activity for aesthetic and moral judgments: implications for the Beauty-is-Good stereotype. Soc Cogn Affect Neurosci. 2010 Mar 15. [Epub ahead of print]
  • 2. Schyns PG, Petro LS, Smith ML. Transmission of facial expressions of emotion co-evolved with their efficient decoding in the brain: behavioral and brain evidence. PLoS One. 2009 May 20;4(5):e5625.
  • 3. Meade EA, Inglehart MR. Young patients' treatment motivation and satisfaction with orthognathic surgery outcomes: the role of possible selves. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2010 Jan;137(1):26-34.
  • Endereço para correspondência:
    Jorge Faber
    Brasília Shopping Torre Sul sala 408
    CEP: 70.715-900 - Brasília/DF
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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