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Biodegradação de braquetes ortodônticos: análise por microscopia eletrônica de varredura

Resumos

OBJETIVO: analisar, por meio de microscopia eletrônica de varredura, as alterações químicas e estruturais de braquetes metálicos submetidos a um processo de biodegradação in vitro. MÉTODOS: a amostra foi dividida em dois grupos, de acordo com a marca comercial dos acessórios - Grupo A = Dyna-Lock, 3M/Unitek (AISI 303) e Grupo B = LG Edgewise Standard, American Orthodontics (AISI 316L). Os corpos de prova, aparelhos ortodônticos simulados, permaneceram imersos em solução salina (0,05%) por um período de 60 dias, a 37ºC, sob agitação. As alterações decorrentes da exposição dos acessórios à solução salina foram investigadas através da observação com microscópio eletrônico de varredura (MEV) e análise da composição química (EDX), realizadas antes e após o período de imersão (T0 e T5, respectivamente). RESULTADOS: em T5, houve formação de produtos de corrosão sobre a superfície dos braquetes, especialmente no Grupo A, além disso, houve alterações na composição da liga metálica dos braquetes de ambos os grupos, sendo que, no Grupo A, houve redução dos íons ferro e cromo e, no Grupo B, redução de íons cromo. CONCLUSÃO: os acessórios do Grupo A apresentaram-se menos resistentes à biodegradação in vitro, o que poderia estar associado ao tipo de aço utilizado em sua fabricação (AISI 303).

Corrosão; Biocompatibilidade; Braquetes ortodônticos; Níquel


OBJECTIVES: The purpose of this study was to analyze, with the aid of scanning electron microscopy (SEM), the chemical and structural changes in metal brackets subjected to an in vitro biodegradation process. METHODS: The sample was divided into three groups according to brackets commercial brand names, i.e., Group A = Dyna-Lock, 3M/Unitek (AISI 303) and Group B = LG standard edgewise, American Orthodontics (AISI 316L). The specimens were simulated orthodontic appliances, which remained immersed in saline solution (0.05%) for a period of 60 days at 37°C under agitation. The changes resulting from exposure of the brackets to the saline solution were investigated by microscopic observation (SEM) and chemical composition analysis (EDX), performed before and after the immersion period (T0 and T5, respectively). RESULTS: The results showed, at T5, the formation of products of corrosion on the surface of the brackets, especially in Group A. In addition, there were changes in the composition of the bracket alloy in both groups, whereas in group A there was a reduction in iron and chromium ions, and in Group B a reduction in chromium ions. CONCLUSIONS: The brackets in Group A were less resistant to in vitro biodegradation, which might be associated with the type of steel used by the manufacturer (AISI 303).

Corrosion; Biocompatibility; Orthodontic brackets; Nickel


ARTIGO ONLINE

Biodegradação de braquetes ortodônticos: análise por microscopia eletrônica de varredura

Luciane Macedo de MenezesI; Rodrigo Matos de SouzaII; Gabriel Schmidt DolciII; Berenice Anina DedavidIII

IDoutora em Ortodontia pela UFRJ. Professora do Curso de Mestrado em Ortodontia da Faculdade de Odontologia da PUCRS

IIMestres em Ortodontia e Ortopedia Facial pela PUCRS

IIIDoutora em Engenharia, coordenadora do Centro de Microscopia e Microanálise da PUCRS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luciane Macedo de Menezes Av. Ipiranga, 6681, prédio 6, sala 209 CEP: 90.619-900 - Porto Alegre / RS E-mail: luciane@portoweb.com.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar, por meio de microscopia eletrônica de varredura, as alterações químicas e estruturais de braquetes metálicos submetidos a um processo de biodegradação in vitro.

MÉTODOS: a amostra foi dividida em dois grupos, de acordo com a marca comercial dos acessórios - Grupo A = Dyna-Lock, 3M/Unitek (AISI 303) e Grupo B = LG Edgewise Standard, American Orthodontics (AISI 316L). Os corpos de prova, aparelhos ortodônticos simulados, permaneceram imersos em solução salina (0,05%) por um período de 60 dias, a 37ºC, sob agitação. As alterações decorrentes da exposição dos acessórios à solução salina foram investigadas através da observação com microscópio eletrônico de varredura (MEV) e análise da composição química (EDX), realizadas antes e após o período de imersão (T0 e T5, respectivamente).

RESULTADOS: em T5, houve formação de produtos de corrosão sobre a superfície dos braquetes, especialmente no Grupo A, além disso, houve alterações na composição da liga metálica dos braquetes de ambos os grupos, sendo que, no Grupo A, houve redução dos íons ferro e cromo e, no Grupo B, redução de íons cromo.

CONCLUSÃO: os acessórios do Grupo A apresentaram-se menos resistentes à biodegradação in vitro, o que poderia estar associado ao tipo de aço utilizado em sua fabricação (AISI 303).

Palavras-chave: Corrosão. Biocompatibilidade. Braquetes ortodônticos. Níquel.

Resumo do editor

Tem se tornado cada vez mais frequente a ocorrência de hipersensibilidade causada pelo níquel presente nas ligas de aço inoxidável, amplamente utilizadas no tratamento ortodôntico. Braquetes, bandas e fios ortodônticos são universalmente confeccionados a partir dessa liga, que contém aproximadamente 6 a 12% de níquel e 15 a 22% de cromo. Além da alergenicidade, efeitos carcinogênicos, mutagênicos e citotóxicos têm sido atribuídos ao níquel e, em menor proporção, ao cromo. Um dos fatores determinantes da biocompatibilidade das ligas metálicas usadas na Odontologia é a sua resistência à corrosão. Contudo, apesar da alta resistência dos aços inoxidáveis austeníticos, principal liga usada na confecção de braquetes ortodônticos, diversos estudos têm evidenciado a corrosão desses acessórios. Devido aos inúmeros fatores associados ao processo corrosivo e à suscetibilidade dos braquetes ortodônticos a esse processo, o objetivo do presente estudo é analisar, por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV), as alterações químicas e estruturais de braquetes metálicos de duas marcas comerciais submetidos a um processo de biodegradação in vitro.

Dois diferentes braquetes foram analisados: Dyna-Lock Standard Edgewise (3M Unitek, Monrovia, CA, EUA) e LG Edgewise (American Orthodontics, Sheboygan, Wisconsin, EUA), os quais foram divididos em dois grupos experimentais, de acordo com a marca comercial dos acessórios. Para avaliação ao MEV (Philips XL30, Eindhoven, Holanda), foram selecionados aleatoriamente 70 braquetes, que foram analisados em dois momentos: T0 (na condição "como recebidos") e T5 (60 dias após a imersão dos acessórios em solução salina). Os corpos de prova foram imersos em tubos de ensaio que continham 10 mililitros de solução aquosa salina (NaCl 0,05%, Departamento de Bioquímica da PUCRS) e submetidos a um processo de "envelhecimento químico-mecânico". Eles permaneceram sob agitação por 8 horas diárias, com temperatura constante de 36±1ºC (Banho Dubnoff, Nova Tecnica®), por um período de até 60 dias.

A análise microscópica (MEV), em T0, indicou que os braquetes do Grupo A apresentavam melhor acabamento superficial do que os do Grupo B. Foram constatadas alterações nas superfícies dos braquetes após terem permanecido 60 dias imersos em solução salina (T5), sendo mais evidentes no Grupo A (Fig. 1). Como observado nos gráficos 1 e 2, houve diferenças na composição da liga metálica dos braquetes antes (T0) e depois de terem permanecido 60 dias imersos em solução salina (T5). Os braquetes do Grupo A apresentaram uma redução da quantidade de ferro e cromo (p < 0,05). Já os braquetes do Grupo B apresentaram redução de íons cromo (p < 0,05).




Ressalta-se que a opção de utilizar ligas metálicas que apresentem menor biodegradação reduziria o risco de danos à saúde do paciente.

Questões aos autores

1) Como surgiu o interesse por esse tema de estudo?

O interesse pelo assunto biocompatibilidade teve início com uma reação alérgica de um paciente à parte metálica da tala cervical do aparelho extrabucal. Na época, em 1996, a paciente chegou ao consultório relatando urticária e irritação na pele do pescoço. Ao exame clínico, foi observada uma área eritematosa com vesículas no pescoço, uma lesão de cada lado, correspondendo em tamanho e localização com as partes metálicas da tala do aparelho extrabucal. A análise da história clínica da paciente revelou alergia a brincos (que não fossem de ouro), com inflamação local e descamação da pele após o uso dos mesmos. Dessa maneira, foi diagnosticada uma dermatite de contato. O tratamento realizado consistiu da remoção do estímulo (troca da tala cervical por uma onde a parte metálica não entrasse em contato com a pele). Quinze dias após, a paciente retornou sem nenhum sinal de reação alérgica1. Desde então, começamos a estudar de diferentes maneiras, através de estudos in vitro2 e in vivo3-8, as causas e consequências dessas reações orgânicas, que podem se manifestar no local ou em regiões distantes do corpo humano. Um dos pontos determinantes da biocompatibilidade das ligas metálicas em Odontologia é a resistência à corrosão6. A corrosão representa uma perda de metal ou sua conversão num óxido. No ambiente úmido da cavidade bucal, todas as ligas sofrem corrosão, pelo menos em alguma extensão9. Diversos são os fatores que podem interferir no processo de liberação iônica de uma liga: o método de fabricação, o tipo de liga e as características superficiais do acessório; as características do meio em que a peça está inserida, como composição, temperatura, pH, flora bacteriana, atividade enzimática e presença de proteínas10; além de fatores como o uso (envelhecimento) da liga, que pode estar sujeita a adversidades como estresse, tratamento térmico, reciclagem ou reutilização de componentes, dentre outros11.

2) Quais seriam as soluções para reduzir a biodegradação de braquetes ortodônticos metálicos?

Em primeiro lugar, deve-se usar materiais de boa qualidade, de modo que os efeitos da corrosão sejam minimizados. O uso de braquetes reciclados deve ser evitado. Essa questão foi investigada avaliando-se o padrão de liberação de íons de braquetes novos e reciclados, de aço inoxidável. Para tanto, os braquetes foram imersos em soluções com diferentes valores de pH ao longo de um período de 48 semanas. A liberação de íons níquel, cromo, ferro, cobre, cobalto e manganês foi analisada por espectrofotometria de absorção atômica. Os resultados mostraram que os braquetes reciclados liberaram mais íons do que os braquetes novos. Esse estudo demonstra que ambos os braquetes, novos e reciclados, sofrerão corrosão no ambiente bucal12. Entretanto, os procedimentos de limpeza e esterilização envolvidos no processo de reciclagem resultam em alterações microestruturais que aumentam a corrosão. Deve-se considerar, também, a possibilidade de utilização de produtos alternativos, como braquetes sem níquel ("nickel-free"), de cerâmica, de titânio, de policarbonato ou banhados a ouro.

3) Seria importante avaliar a citotoxicidade dos agentes químicos liberados na corrosão dos braquetes de aço?

Para a biocompatibilidade de um determinado material é necessária uma resposta adequada do hospedeiro, o que, em Odontologia, significa a não-ocorrência de reações adversas, ou a ocorrência de reações adversas toleráveis, do organismo frente a esse material14. A ocorrência de qualquer reação adversa é chamada de toxicidade. Já a citotoxicidade, ou avaliação da toxicidade em cultura de células, é um fenômeno in vivo complexo, o qual pode manifestar um amplo espectro de efeitos, desde uma simples morte celular até aberrações metabólicas, nas quais não ocorre morte celular, mas apenas alterações funcionais15.

Na literatura, é grande a diversidade de trabalhos com enfoque na liberação de íons metálicos de braquetes ortodônticos - principalmente ferro, cromo e níquel, que representam os principais produtos da corrosão do aço inoxidável. Entretanto, outros íons metálicos presentes na solda de prata utilizada na aparelhagem ortodôntica - como o cádmio, o cobre e o zinco - podem ser liberados na cavidade bucal. Esses já são considerados produtos químicos potencialmente perigosos, sendo incluídos na lista de substâncias e processos considerados de grande risco para a vida humana. Em estudo sobre a liberação iônica e citotoxicidade da solda de prata, Freitas7 observou alta toxicidade desse material para fibroblastos, denotando alterações na adesão, proliferação e crescimento celular, bem como liberação significativa dos íons constituintes da solda de prata, com concentrações elevadas imediatamente após a instalação do aparelho, em ordem decrescente, de cobre, prata, zinco e cádmio, representando risco de absorção e retenção desses íons pelo organismo humano.

Kerosuo, Moe e Kleven16 observaram in vitro que parece ocorrer liberação detectável de níquel e de cromo dos aparelhos ortodônticos, sendo a quantidade maior em condições dinâmicas. Mesmo assim, a quantidade estimada de liberação de níquel de um aparelho ortodôntico completo é menor do que 10% da quantidade ingerida diariamente na dieta17, sendo considerada negligenciável do ponto de vista toxicológico16. Barrett, Bishara e Quinn17 ressaltam que ainda precisa ser determinado quanto desses produtos de corrosão é realmente absorvido pelo paciente. Bergman et al.18 ressaltaram não ter qualquer informação sobre quando a dissolução do níquel das ligas se inicia e quando se estabelece a máxima concentração de níquel nos vários tecidos, sobre o padrão e a dinâmica de liberação de níquel, além da absorção e excreção desse metal pelo organismo3. Portanto, sabe-se, ainda, muito pouco sobre os reais efeitos do níquel sobre o funcionamento dos órgãos e tecidos expostos ao mesmo e, apesar dos vários estudos existentes, muitas questões ainda permanecem sem respostas, confirmando a necessidade de mais investigações sobre o tema.

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  • Endereço para correspondência:
    Luciane Macedo de Menezes
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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