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Possíveis fatores etiológicos para desordens temporomandibulares de origem articular com implicações para diagnóstico e tratamento

Resumos

Os fatores envolvidos na etiologia, diagnóstico e tratamento das desordens temporomandibulares (DTM) de origem articular foram revisados. Critérios específicos de inclusão e exclusão para o diagnóstico de DTM são essenciais, mas apresentam utilidade limitada. Atualmente, os Critérios Diagnósticos de Pesquisa para Desordem Temporomandibular (RDC/TMD) oferecem a melhor classificação baseada em evidências para os subgrupos mais comuns de DTM. O RDC/TMD inclui não apenas métodos para a classificação diagnóstica física, presentes em seu Eixo I, mas ao mesmo tempo métodos para avaliar a intensidade e a severidade da dor crônica e os níveis de sintomas depressivos e físicos não-específicos, presentes em seu Eixo II. Embora historicamente as más oclusões tenham sido consideradas como fatores de risco para o desenvolvimento das DTM, incluindo as predominantemente articulares, em muitos casos a associação estabelecida entre essas variáveis parece ter tomado direção oposta. No que diz respeito aos desarranjos internos da ATM, os resultados de estudos prévios sobre a redução induzida do ramo mandibular, secundária ao deslocamento anterior do disco articular, indicam que o reposicionamento do disco deslocado em crianças ou adolescentes jovens pode fazer mais sentido do que previamente imaginado. O uso terapêutico de suplementos alimentares, como o sulfato de glicosamina, parece uma alternativa segura ao uso dos medicamentos anti-inflamatórios normalmente utilizados para controlar a dor relacionada à osteoartrite da articulação temporomandibular (ATM), embora a evidência em torno de sua eficácia para a maioria dos pacientes de DTM não tenha sido completamente estabelecida.

Desordens temporomandibulares; RDC/TMD; Deslocamento do disco; Osteoartrite; Má oclusão


The authors reviewed the factors involved in the etiology, diagnosis and treatment of temporomandibular joint disorders (TMD). Although essential, specific criteria for inclusion and exclusion in TMD diagnosis have shown limited usefulness. Currently, the Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD) offer the best evidence-based classification for the most common TMD subgroups. The RDC/TMD includes not only methods for physical diagnostic classification, comprised in Axis I, but also methods to assess the intensity and severity of chronic pain and the levels of non-specific depressive and physical symptoms, in Axis II. Although historically malocclusions have been identified as risk factors for the development of TMD-including those predominantly joint-related-in many cases the association established between these variables seems to have taken opposite directions. Regarding internal TMJ derangements, the results of studies on the induced shortening of the mandibular ramus, secondary to anterior articular disk displacement, indicate that repositioning the displaced disk in children or young adolescents may make more sense than previously imagined. The therapeutic use of dietary supplements, such as glucosamine sulfate, seems to be a safe alternative to the anti-inflammatory drugs commonly used to control pain associated with TMJ osteoarthritis, although evidence of its effectiveness for most TMD patients has yet to be fully established.

Temporomandibular disorders; RDC/TMD; Disk displacement; Osteoarthritis; Malocclusion


ARTIGO INÉDITO

Possíveis fatores etiológicos para desordens temporomandibulares de origem articular com implicações para diagnóstico e tratamento

Aline Vettore MaydanaI; Ricardo de Souza TeschII; Odilon Vitor Porto DenardinIII; Weber José da Silva UrsiIV; Samuel Franklin DworkinV

IEspecialista em DTM e Dor Orofacial - Faculdade de Medicina de Petrópolis/ABO Petrópolis. Especialista em Ortodontia - ABO Petrópolis

IICoordenador do Departamento de DTM e Dor Orofacial da Faculdade de Medicina de Petrópolis. Especialista em Ortodontia

IIIProfessor Associado - Departamento de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis

IVProfessor Associado - Departamento de Ortodontia da Universidade do Estado de São Paulo - São José dos Campos

VProfessor Emeritus. Department of Oral Medicine School of Dentistry. Department of Psychiatric and Behavioral Sciences School of Medicine University of Washington

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Aline Vettore Maydana Rua Marechal Deodoro 46 sala 207 - Centro CEP: 25.620-150 - Petrópolis / RJ E-mail: alinemaydana@hotmail.com

RESUMO

Os fatores envolvidos na etiologia, diagnóstico e tratamento das desordens temporomandibulares (DTM) de origem articular foram revisados. Critérios específicos de inclusão e exclusão para o diagnóstico de DTM são essenciais, mas apresentam utilidade limitada. Atualmente, os Critérios Diagnósticos de Pesquisa para Desordem Temporomandibular (RDC/TMD) oferecem a melhor classificação baseada em evidências para os subgrupos mais comuns de DTM. O RDC/TMD inclui não apenas métodos para a classificação diagnóstica física, presentes em seu Eixo I, mas ao mesmo tempo métodos para avaliar a intensidade e a severidade da dor crônica e os níveis de sintomas depressivos e físicos não-específicos, presentes em seu Eixo II. Embora historicamente as más oclusões tenham sido consideradas como fatores de risco para o desenvolvimento das DTM, incluindo as predominantemente articulares, em muitos casos a associação estabelecida entre essas variáveis parece ter tomado direção oposta. No que diz respeito aos desarranjos internos da ATM, os resultados de estudos prévios sobre a redução induzida do ramo mandibular, secundária ao deslocamento anterior do disco articular, indicam que o reposicionamento do disco deslocado em crianças ou adolescentes jovens pode fazer mais sentido do que previamente imaginado. O uso terapêutico de suplementos alimentares, como o sulfato de glicosamina, parece uma alternativa segura ao uso dos medicamentos anti-inflamatórios normalmente utilizados para controlar a dor relacionada à osteoartrite da articulação temporomandibular (ATM), embora a evidência em torno de sua eficácia para a maioria dos pacientes de DTM não tenha sido completamente estabelecida.

Palavras-chave: Desordens temporomandibulares. RDC/TMD. Deslocamento do disco. Osteoartrite. Má oclusão.

INTRODUÇÃO

As desordens temporomandibulares (DTM) referem-se a um conjunto de condições que afetam os músculos da mastigação e/ou a articulação temporomandibular (ATM)30. Essas condições falharam em demonstrar uma etiologia comum ou base biológica clara para sinais e sintomas relacionados e, por isso, são consideradas como um grupo heterogêneo de problemas de saúde relacionados à dor crônica. Sintomas característicos - como dor muscular e/ou articular, dor à palpação, função mandibular limitada e ruídos articulares - podem ser prevalentes, isoladamente ou associados, em até 75% na população adulta15. Apesar disso, o surgimento de alguns sintomas, como ruídos articulares, não parecere estar relacionado, na maioria da população, à dor ou outros fatores fisiopatológicos que requeiram tratamento.

Estudos epidemiológicos sugerem que a prevalência de sintomas como dor e restrição de movimentos varia entre 5 e 15%, com a maioria dos casos ocorrendo em adultos jovens com idades entre 20 e 40 anos, especialmente no gênero feminino15. A prevalência reduzida de DTM entre as faixas etárias mais avançadas, como vista em estudos transversais e longitudinais18, está de acordo com a natureza tipicamente limitante de seus sintomas.

A classificação corrente é largamente descritiva, baseada mais na presença de sinais e sintomas do que em sua etiologia, devido principalmente à incompleta compreensão da relação entre os fatores etiológicos e os mecanismos fisiopatológicos. Contudo, do ponto de vista clínico, é provavelmente irrelevante estender-se à divisão dos chamados subgrupos diagnósticos se todas as desordens dentro de um mesmo subgrupo puderem ser controladas usando procedimentos terapêuticos similares.

Assim sendo, critérios específicos de inclusão e exclusão para o diagnóstico dessas desordens são essenciais, mas somente se testados para determinar sua validade. Atualmente, o Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD) oferece a melhor classificação baseada em evidências para os mais frequentes subgrupos de DTM6, isto é: aqueles subgrupos com os quais os especialistas atualmente concordam serem distintos, com base em critérios que possam ser reproduzidos e cientificamente avaliados. Assim, o RDC/TMD, um sistema duplo de eixos de diagnóstico e de classificação destinado para a pesquisa clínica da DTM, inclui não só métodos para classificação física dos diagnósticos de DTM (apresentados em seu Eixo I), mas também métodos para avaliar a intensidade e severidade da dor crônica e os níveis de sintomas depressivos e físicos não-específicos (apresentados em seu Eixo II). A confiabilidade do RDC/TMD já foi testada e considerada satisfatória em populações adultas7,8, enquanto em crianças e adolescentes29 sua validade e utilidade clínica foram demonstradas para o Eixo I, mas ainda não completamente para o Eixo II (apesar de extensivos estudos do National Institutes of Health/NIH estarem atualmente bem encaminhados no sentido de examinar a validade de todos os componentes do RDC/TMD).

O Eixo I do RDC/TMD se refere às condições físicas apresentadas na DTM e tem por objetivo estabelecer critérios diagnósticos padronizados para serem usados em pesquisas científicas.

O sistema sugerido é hierárquico, permitindo não apenas o diagnóstico de grupos, mas também a possibilidade de múltiplos diagnósticos para o mesmo indivíduo, estando assim dividido em três subgrupos maiores, representando a grande maioria dos casos clínicos de DTM: dor miofascial; deslocamentos do disco articular; e artralgia, osteoartrite e osteoartrose (Tab. 1).

O objetivo do presente trabalho foi abordar os possíveis fatores etiológicos para o desenvolvimento de desordens temporomandibulares de origem articular (grupos II e III de acordo com o RDC/TMD), sugerindo implicações para seu diagnóstico e tratamento.

DESARRANJOS INTERNOS DA ATM

Desarranjo interno da ATM é um termo ortopédico definido como falha mecânica relacionada ao posicionamento inadequado do disco articular da ATM, associado à interferência nos movimentos normais da mandíbula. O deslocamento do disco articular representa apenas um subgrupo dessas desordens. Quando denominado deslocamento do disco articular com redução, pode ser reconhecido pela presença de estalido em abertura e fechamento da boca, eliminado quando a boca é aberta em posição mantida de máxima protrusão (RDC/TMD Eixo I, Grupo IIa).

Pacientes com deslocamento do disco articular foram caracterizados, do ponto de vista oclusal, pela presença de mordida cruzada unilateral posterior e longos desvios da posição de relação cêntrica para a posição de máxima intercuspidação habitual26. Essa associação foi levantada, no entanto, sem evidências suficientes que suportem, de maneira inequívoca, o fato da má oclusão ser um fator de risco para o deslocamento do disco articular.

Enquanto o deslocamento anterior do disco articular assintomático e não acompanhado por nenhuma outra indicação de DTM (RDC/TMD Eixo I, Grupo IIa) é bem comum (com prevalência de 20-35% na população), os diagnósticos de deslocamento do disco sem redução - os quais não necessariamente precisam estar associados à dor, mas podem estar associados a limitações na abertura de boca (RDC/TMD Eixo I, Grupos IIb e IIc) - são relativamente raros, com frequência de ocorrência variável de 1-5% de acordo com estudos realizados em clínicas de DTM em todo mundo30.

Em alguns estudos envolvendo animais, onde deslocamentos anteriores do disco articular foram cirurgicamente criados em coelhos, com o ligamento posterior mantido intacto no côndilo, suas mandíbulas se apresentaram significativamente menores no lado do disco deslocado, o que resultou em um desvio da linha média para o lado acometido. A assimetria mandibular não foi observada no grupo que não teve o disco articular deslocado16. Esses resultados sugerem que deslocamentos do disco articular podem preceder o desenvolvimento de assimetrias da mandíbula, e podem, portanto, ser considerados como fatores de risco para o desenvolvimento de má oclusão transversal. Ainda não foi estabelecido se essa sequência de eventos é relevante para o crescimento e desenvolvimento mandibular de humanos.

Todavia, para que protocolos terapêuticos adequados possam ser implementados, é primeiramente necessário determinar sob que condições e para quais indivíduos deve ser prudente controlar e prevenir essas patologias. É necessário que investigações futuras foquem o estudo da biomecânica e dos eventos bioquímicos que podem desencadear o deslocamento do disco - como, por exemplo, alterações no processo de lubrificação articular22,23 - e determinar se existem condições específicas para o surgimento de más oclusões específicas.

A análise biomecânica dos tecidos duros e moles da ATM revelou que esses são normalmente capazes de resistir e se adaptar às cargas funcionais ou pressões que ocorrem durante o movimento fisiológico mandibular. Contudo, esses tecidos não são capazes de suportar compressões por um longo período de tempo, como aquelas, em alguns indivíduos, em determinados níveis, associadas ao apertamento dentário22.

Ao avaliar os níveis de pressão intra-articular presentes na ATM de pacientes despertos submetidos a procedimentos de artrocentese, Nitzan22 encontrou que o apertamento dentário voluntário produziu altos níveis de pressão intra-articular, tão altos quanto 200mmHg. Pressões intra-articulares superiores a 40mmHg excedem a pressão dos capilares periféricos e podem causar hipóxia intra-articular temporária, seguida de re-oxigenação assim que cessa o apertamento, com a resultante liberação de radicais livres.

Uma variedade de efeitos dos radicais livres no tecido articular foi descrita22, incluindo a degradação do ácido hialurônico, o qual, uma vez degradado, perde a capacidade de inibir a enzima fosfolipase A2 em sua função de quebrar a superfície ativa dos fosfolipídios, que são primariamente responsáveis pelo processo de lubrificação da ATM. O aumento da fricção, juntamente com a ausência de lubrificação adequada, tem por fim o potencial de impedir o funcionamento suave do disco articular em conjunção com o côndilo mandibular durante os movimentos funcionais normais. Isso pode, hipoteticamente, levar ao início do processo de deslocamento anterior do disco articular, como descrito em detalhes por Nitzan23. Porém, essas hipóteses não foram confirmadas de modo cientificamente adequado até o presente momento.

Teorias propostas e observações clínicas atribuíram ao deslocamento do disco articular a ocorrência de dor articular, limitação do movimento mandibular, ruídos articulares e alterações degenerativas da ATM. Esses relatos não são, no momento, suportados por dados longitudinais de qualquer tipo e sugerem a possibilidade de que o disco articular efetivamente proteja os tecidos subjacentes, e que seu deslocamento poderia expor esses tecidos a uma pressão adicional excessiva, com resultantes alterações degenerativas. Essa sequência assumida de eventos levou ao emprego de procedimentos cirúrgicos que tentaram restaurar a anatomia articular normal e os movimentos mandibulares. Isso frequentemente resultou em complicações graves20, e eventualmente forçou os profissionais dessa área a reavaliarem sua concepção prévia de uma relação necessária entre o fenômeno do disco articular e a dor relacionada à DTM5.

A observação clínica demonstrou que o deslocamento do disco articular pode estar presente em pacientes assintomáticos, assim como em pacientes sintomáticos14. Da mesma forma, a lavagem do compartimento superior da ATM usando o procedimento de artrocentese, nos casos em que havia deslocamento anterior do disco articular sem redução, provou, a curto prazo, ser capaz de aliviar a dor e restaurar as funções mandibulares sem modificar a relação entre o côndilo e o disco articular24.

Dessa forma, como os sintomas associados ao deslocamento do disco articular não são sempre consequências desse desarranjo interno da ATM, o conceito de terapia de segunda fase - onde alterações irreversíveis da oclusão como o ajuste oclusal, próteses, tratamento ortodôntico ou cirurgias ortognáticas são indicadas - não parece justificado nesse momento2.

ALTERAÇÕES DEGENERATIVAS DA ATM

As alterações degenerativas da ATM são caracterizadas pela presença de sinais clínicos de ruídos articulares contínuos, na forma de crepitação. De acordo com o RDC/TMD, a crepitação pode estar acompanhada de artralgia, sendo denominada osteoartrite ou, na ausência de dor, osteoartrose6. A artralgia temporomandibular é caracterizada por dor pré-auricular espontânea ou dor provocada pela palpação e/ou função, com dor ocasionalmente referida à região temporal.

Pacientes com osteoartrite são mais consistentemente caracterizados por longos desvios da posição de relação cêntrica para a posição de máxima intercuspidação habitual (MIH), sobressaliência aumentada e tendência à mordida aberta anterior, com risco aumentado para essas desordens estando predominantemente associado a variações extremas dessas condições26. O clínico está, todavia, frente a um dilema ao determinar se essas más oclusões são fatores etiológicos ou consequências do remodelamento articular não-funcional.

Deve ser destacado que, enquanto a osteoartrite é uma doença articular prevalente, afetando várias articulações do corpo, com o aumento de sua prevalência na idade avançada, a osteoartrite da ATM é uma desordem de ocorrência rara, de acordo com estudos epidemiológicos. A dor espontânea na ATM diminui em prevalência com o avanço da idade, especialmente em homens acima de 55-60 anos de idade, onde a prevalência da dor na ATM é extremamente baixa. A possível relação entre osteoartrose e a mordida aberta anterior não parece ser frequente, mas pode representar um achado clínico que não necessariamente tem alguma relação com a dor na ATM.

Mudanças morfológicas na ATM que não estão associadas a nenhuma alteração significativa na dinâmica articular ou na oclusão caracterizam o remodelamento funcional. Esse remodelamento se torna disfuncional quando afeta adversamente a função articular mecânica ou a oclusão, sendo dessa forma caracterizada pela redução volumétrica na cabeça do côndilo, redução no tamanho do ramo, retrusão mandibular progressiva em pacientes adultos, ou talvez a redução na taxa de crescimento entre crianças. Essa condição pode ser gerada por estresse mecânico excessivo ou mantido aplicado nas estruturas articulares, o qual ultrapassa a capacidade de adaptação a essas mudanças1.

Novamente, apesar de existirem evidências radiológicas de um remodelamento extenso da ATM, esse remodelamento pode estar dentro de uma variação biológica normal, porque é relativamente raro em pessoas mais velhas o achado de dor ou patologia da ATM que requeira tratamento.

Em alguns casos, um extenso remodelamento da mandíbula pode levar a instabilidades oclusais manifestas por mordida aberta, aumento da sobressaliência e talvez, em casos onde a musculatura mandibular possa conservar a posição de MIH, aumento na distância entre essa posição e a chamada posição de relação cêntrica. Essas relações foram demonstradas por Pullinger e Seligman26, embora a direção sugerida do processo degenerativo como fator etiológico para a má oclusão seja ainda uma hipótese não completamente confirmada.

Múltiplas variáveis, incluindo fatores genéticos e ambientais, como comportamentos ou hábitos respiratórios danosos, demonstraram poder influenciar a taxa de crescimento facial12. Os dados acima relacionados sugerem que o remodelamento não-funcional pode também produzir deficiências no crescimento mandibular, o que conjuntamente com as outras variáveis mencionadas poderiam ser fatores contribuintes para o posicionamento final da mandíbula, podendo gerar más oclusões específicas, como, por exemplo, a mordida aberta anterior.

O equilíbrio entre eventos catabólicos e anabólicos parece ser altamente individual e sujeito a um vasto número de fatores funcionais e genéticos17. Existe, todavia, a necessidade de um melhor entendimento em relação ao funcionamento normal, biológico e biomecânico da ATM, incluindo a determinação de variáveis associadas a modificações e incrementos nos níveis de pressão articular. Essas variáveis podem levar a estímulos microtraumáticos do tecido e, consequentemente, ao desencadeamento de uma série de eventos que poderia levar à degeneração e dor articular.

Citocinas pró-inflamatórias foram isoladas em amostras do líquido sinovial retirado da ATM de indivíduos sintomáticos, devido à recente evidência demonstrando que os radicais livres podem estimular a síntese celular dessas proteínas pelo aumento da expressão dos genes responsáveis27.

As citocinas predominantemente envolvidas nos processos degenerativos intra-articulares são a interleucina-1 beta (IL-1beta), a interleucina-6 (IL-6) e o fator alfa de necrose tumoral (TNF-alfa)21. Conjuntamente, essas citocinas estimulam a quebra do ácido aracdônico causando, assim, um importante efeito pró-inflamatório, bem como o desencadeamento da síntese e a ativação de metaloproteinases, que são responsáveis pela quebra da estrutura extracelular, aumentando o processo de degeneração articular.

IMPLICAÇÕES TERAPÊUTICAS

No que se refere a terapias, estudos clínicos randomizados são especialmente úteis e, dessa forma, requeridos pelo NIH como padrão-ouro (gold standard) na avaliação da eficácia do tratamento. São ainda mais importantes em condições como a DTM, onde a intensidade da dor pode variar com o tempo e efeitos placebo e não-específicos podem ser tão importantes quanto em outras condições de dor crônica13.

Dworkin et al.8,9 realizaram estudos clínicos randomizados nos quais compararam o tratamento usual e conservador utilizado para a DTM com intervenções de autocontrole e técnicas cognitivo-comportamentais. Após um ano de monitoramento, os dois grupos estudados mostraram melhoras em todas as categorias clínicas e aquelas observadas pelos próprios pacientes. Contudo, os pacientes que estavam nos programas de tratamento alternativo tiveram uma resposta mais satisfatória, definida como maior redução da intensidade da dor, maior redução no nível de interferência dessa nas atividades diárias e maior redução do número de músculos mastigatórios dolorosos à palpação.

Esses resultados indicam que a utilização de critérios de avaliação psicossocial, como, por exemplo, aqueles incluídos no Eixo II do RDC/TMD, pode contribuir para o sucesso da decisão clínica tomada quanto ao controle da DTM, especialmente quando essas têm origem muscular. Em contrapartida, desordens predominantemente articulares parecem sofrer maior influência de fenômenos localizados.

Considerando os diversos estudos que avaliam a eficácia terapêutica das placas estabilizadoras para o controle da dor por DTM, de acordo com Ekberg et al.11, as diferenças levantadas nesses estudos podem ser decorrentes da inclusão de diferentes subgrupos de DTM dolorosa, como a dor miofascial3 e a artralgia temporomandibular11, sendo demonstrados nesse segundo grupo resultados terapêuticos mais expressivos no monitoramento a curto11 e longo prazos10.

No estudo de Dao et al.3, um grupo randomizado usou placa estabilizadora apenas no consultório dentário durante as consultas, sem nenhum efeito significativo em qualquer parâmetro clínico que pudesse distingui-lo dos outros grupos do estudo randomizado, a saber: um grupo que utilizou uma placa estabilizadora 24 horas por dia e outro que usou uma placa que não continha sua superfície de oclusão plana. Em um estudo clínico randomizado que será publicado brevemente, comparando um grupo que usou placa plana de acrílico, outro que usou um dispositivo macio pré-fabricado e um grupo controle sem placa, nenhuma diferença foi encontrada entre eles quanto ao curso da dor, função mandibular ou surgimento de efeitos colaterais após um ano de seguimento.

A placa estabilizadora de acrílico com superfície plana pode, contudo, continuar a ser recomendada no tratamento da artralgia da ATM, apesar de ainda requerer melhor esclarecimento sobre os mecanismos fisiológicos envolvidos em seu efeito terapêutico, como a redução do estresse mecânico relacionado às parafunções.

Outro estudo22, que avaliou a pressão intra-articular durante os movimentos funcionais e parafuncionais, também analisou, em 22 dos seus pacientes, a pressão intra-articular quando pressionada contra dispositivo interoclusal, o qual aumentou uniformemente o plano de oclusão de maneira a se reduzir a força aplicada à ATM. Uma diminuição da pressão intra-articular foi observada em torno de 80% com uma variação de 0-40mmHg.

No que se refere à integridade funcional da cartilagem articular, essa é determinada pelo balanço entre a síntese da estrutura extracelular pelos condrócitos e sua quebra. Glicosaminas são encontradas normalmente nos tecidos humanos e participam diretamente da síntese de substâncias que são fundamentais para a manutenção da integridade e das funções articulares - como as glicosaminoglicanas, proteoglicanas e ácido hialurônico19 -, apesar do mecanismo preciso dessa participação ainda não ter sido determinado.

Na osteoartrite, esse balanço é interrompido pelo aumento da presença de enzimas, como as metaloproteinases, capazes de quebrar a estrutura extracelular. Resultados preliminares de experiências laboratoriais4 indicam que o suplemento alimentar sulfato de glicosamina pode estimular os níveis proteicos da estrutura extracelular e, ao mesmo tempo, inibir a produção e a atividade enzimática das metaloproteinases nos condrócitos das articulações com osteoartrite.

As glicosaminas foram avaliadas quanto à sua eficácia em reduzir a dor relacionada à osteoartrite em outras articulações além da temporomandibular e quanto ao seu potencial para modificar o curso da doença. Em experimentos clínicos de curta duração, obteve-se melhora dos sintomas em pacientes com osteoartrite e resultados promissores na alteração do progresso da doença após acompanhamento de três anos19, apesar desses achados ainda não terem sido cuidadosamente analisados.

Thie et al.28 compararam o potencial terapêutico do sulfato de glicosamina e do ibuprofeno em pacientes com diagnóstico de osteoartrite da ATM. Ambos os grupos mostraram uma melhora significativa nas variáveis avaliadas quando esses dados foram comparados com aqueles do início do tratamento. A comparação entre esses dois grupos demonstrou que pacientes usando sulfato de glicosamina tiveram uma importante redução da dor na articulação afetada, durante o seu uso, e da influência da dor nas atividades diárias dos pacientes, reduzindo assim sua incapacidade relacionada.

Os efeitos específicos do alívio da dor associados ao uso do sulfato de glicosamina são provavelmente decorrentes de suas propriedades anabólicas na cartilagem. Esses efeitos, que modificam o estado degenerativo da doença, não são observados com o uso de analgésicos de rotina e promovem um benefício substancial.

CONCLUSÕES

Apesar das más oclusões serem historicamente consideradas como fatores de risco para o desenvolvimento de DTM, incluindo as predominantemente articulares, em muitos casos a associação estabelecida entre essas variáveis parece ter direções opostas. Assim, investigações clínicas prospectivas e laboratoriais direcionadas a aspectos relacionados à etiologia dessas condições, principalmente nos estágios iniciais do seu desenvolvimento, podem guiar os passos seguintes da terapia no futuro.

De acordo com Legrell e Isberg16, os achados da indução de redução do ramo da mandíbula, secundários ao deslocamento anterior do disco articular, indicam que o reposicionamento do disco em crianças e adolescentes jovens pode ter mais sentido do que previamente se pensava.

Em vista disso, o uso de dispositivos ortopédicos para o avanço da mandíbula, como o aparelho de Herbst - que demonstrou eficiência em melhorar o posicionamento prévio do disco articular deslocado em estágios iniciais desse processo25 - deve ser testado por meio de estudos clínicos randomizados adequados.

Enquanto o uso terapêutico dos suplementos alimentares, como o sulfato de glicosamina, parece ser uma alternativa segura ao uso de drogas anti-inflamatórias normalmente usadas no controle da dor relacionada à osteoartrite da ATM, da mesma forma que para as placas estabilizadoras, a evidência da sua eficácia para a maioria dos pacientes com DTM ainda não foi completamente estabelecida.

Enviado em: setembro de 2006

Revisado e aceito: novembro de 2008

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  • Endereço para correspondência:
    Aline Vettore Maydana
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2008
    • Recebido
      Set 2006
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